Comunidade Quilombola Contente tem terras e vidas destruídas com construção da ferrovia Transnordestina

UF: PI

Município Atingido: Paulistana (PI)

Outros Municípios: Paulistana (PI)

População: Quilombolas

Atividades Geradoras do Conflito: Hidrovias, rodovias, ferrovias, complexos/terminais portuários e aeroportos, Mineração, garimpo e siderurgia, Monoculturas

Impactos Socioambientais: Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, Assoreamento de recurso hídrico

Danos à Saúde: Acidentes, Insegurança alimentar, Piora na qualidade de vida

Síntese

A comunidade quilombola Contente está localizada na zona rural do município de Paulistana, no sudoeste do Piauí. É um território quilombola implantado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e reconhecido pela Fundação Palmares como área com remanescentes de quilombo desde o ano de 2010.

Os moradores de Contente estão desde o ano de 2009 em conflito com a empresa Transnordestina Logística S. A (TLSA) devido às obras de implantação da Nova Ferrovia Transnordestina que atravessa suas terras. As famílias tiveram sua ocupação tradicional do território alterada, os caminhos percorridos historicamente pelos moradores foram modificados pelos trilhos e cercas. Foram separados fisicamente do açude, que é a principal fonte de água da comunidade, tendo que caminhar longas distâncias para alcançá-lo.

Além disso, o processo de desapropriação das terras para a instalação do empreendimento, sob responsabilidade do governo estadual, não paga as indenizações devidas. Muitos são os casos em que apenas R$5,00 por hectare são oferecidos a uma família como indenização por sua casa e terras.

O atual projeto da chamada Nova Ferrovia Transnordestina pretende ligar o sertão do Piauí, partindo do município de Eliseu Martins, aos Complexos Portuários de Pecém, no Ceará, e Suape, em Pernambuco. Ao todo, serão 1.728 km de ferrovias cortando cerca de 80 cidades nos três estados. O empreendimento foi entregue por concessão de 30 anos à empresa Transnordestina Logística S.A, que, por sua vez, terceirizou as obras à empreiteira Odebrecht. Estão aí, apresentados os atores deste conflito.

Embora seja hoje uma parceria público-privada, a Transnordestina nasceu como um projeto para ser executado pelo governo federal. Por motivos financeiros e burocráticos, a obra nunca saiu do papel e foi repassada à Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), do empresário Benjamin Steinbruch, principal acionista da TLSA. Foi desenhada para escoar a produção de novas fronteiras agrícolas da região e incentivar investimentos no semiárido, como exploração de ferro e gesso, interligados aos novos portos de calado profundo que podem receber navios de grande porte.

O valor inicial do projeto, em 2007, era de R$ 5,4 bilhões. Em agosto de 2013, com muitos atrasos nos prazos inicialmente estabelecidos, os gastos já atingiram R$ 8 bilhões e as obras não chegaram à metade. A maior parte dos investimentos para a construção é oriunda de recursos públicos.

Contexto Ampliado

O caso aqui descrito diz respeito aos conflitos e injustiças ambientais gerados a partir das obras de implantação da ferrovia Nova Transnordestina sobre a comunidade quilombola de Contente, localizada no município de Paulistana, Piauí. As obras estão inseridas no trecho Eliseu Martins (PI) Trindade (PE) da Ferrovia, que atravessa boa parte do Estado do Piauí.

O município de Paulistana está localizado no sudeste do Estado – segundo dados do Censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – e possui população de pouco mais de 20 mil habitantes, com 53,9% vivendo em áreas urbanas. A cidade possui um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) baixo, de 0,605.

Paulistana abriga quatro comunidades quilombolas reconhecidas e em processo de reconhecimento pela Fundação Palmares: São Martins, Angical, Chupeiro e Contente. Esta última é onde se desenrola o caso de conflito aqui exposto.

A comunidade do Contente recebeu sua certificação de Remanescente de Quilombo pela Fundação Palmares em 20 de setembro de 2010. Apesar disto, não há registros oficiais sobre o número de famílias que a compõem. Segundo informações da Secretaria Estadual de Transportes do Piauí, que em novembro de 2010 visitou a comunidade para conversar sobre os impactos das obras da Transnordestina, pelo menos 12 famílias vivem em Contente.

Os moradores da comunidade têm tido seu território ameaçado pelo avanço das obras da ferrovia conforme narraremos com maiores detalhes adiante.

Este conflito é um dos muitos oriundos deste mega empreendimento que abrange três estados nordestinos: Ceará, Pernambuco e Piauí. Por uma questão de melhor entendimento, cada caso será apresentado separadamente pelo Mapa de Conflitos Envolvendo Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil, dada a complexidade das diferentes situações encontradas no trajeto da ferrovia. São comunidades quilombolas, indígenas, agricultores familiares e populações urbanas as impactadas pelo projeto.

Sendo assim, antes de relatarmos o caso do conflito da comunidade quilombola Contente, cabe explicar como se deu, como um todo, o empreendimento da Nova Ferrovia Transnordestina, para depois passarmos ao caso específico.

O projeto original da ferrovia Transnordestina está em pauta no Governo Federal desde meados da década de 1980, atendendo a orientações do Plano Nacional de Viação, de setembro de 1973. Tinha como meta a interligação dos polos industriais de Salvador, Recife, Fortaleza, São Luís e Sudeste por rotas ferroviárias mais competitivas e a conexão do conjunto à navegação do rio São Francisco. Segundo o pesquisador Flavio Cavalcanti, do blog Centro-Oeste Brasil, originalmente previa apenas a reconstrução de um trecho ferroviário abandonado de Iaçu a Senhor do Bonfim, na Bahia, e a construção de três novos trechos:

De Salgueiro, no oeste do Pernambuco, a Missão Velha, no sul do Ceará;

De Salgueiro a Petrolina, no rio São Francisco;

De Piquet Carneiro, no centro do Ceará, a Crateús, próximo à divisa do Piauí;

O Ministério dos Transportes, junto ao Grupo Executivo de Integração da Política de Transportes (Geipot), destinou verba, em fins de 1987, para a realização do projeto de engenharia da Transnordestina, cuja concessão foi adquirida pelo consórcio Consbel-Esteio-Ampla, que tinha prazo de um ano para entrega do produto.

As obras do primeiro trecho tiveram início apenas em 1990 e, por falta de recursos, foram paralisadas em 1992, já no governo Collor. Segundo Cavalcanti, durante os oito anos do governo FHC, as obras não avançaram, mesmo tendo sido incluídas no Plano Avança Brasil.

A malha ferroviária existente no Nordeste do Brasil, pertencente à Rede Ferroviária Federal S. A (RFSA), foi privatizada e leiloada em 1998. A concessão para operar foi adquirida, nesta ocasião, pela Companhia Ferroviária do Nordeste (CFN), criada neste ano, que passou a ser responsável pelos ramais SR1 (Recife), SR11 (Fortaleza) e SR12 (São Luiz), totalizando 4.238 quilômetros de ferrovias em sete dos nove estados nordestinos.

De acordo com a Associação Nacional do Transporte Ferroviário, a CFN iniciou a operação dos serviços públicos de transporte ferroviário de cargas em primeiro de janeiro de 1998 e atualmente pretende ser a líder em logística no Nordeste brasileiro. Em 1999, a CFN deu início a um projeto de alteração do traçado inicialmente proposto para a ferrovia, visando incluir um ramal para atender ao polo gesseiro do Araripe. A situação deste polo – associado à monocultura de eucalipto, e os impactos sobre a região da Chapada do Araripe – foi relatada pelo Mapa no caso do conflito no município de Araripina.

Desde então, a empresa passou por uma série de mudanças, visando a ampliação dos serviços oferecidos, inclusive com a mudança de razão social em 2008, quando passou a denominar-se Transnordestina Logística S.A. (TLSA).

Empresa de capital aberto a Transnordestina Logística S.A tem como acionistas a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), a Taquari Participações e o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), através de sua holding BNDES Participações S.A. (BNDESPar).

Inserido, com destaque, no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do Governo Federal desde 2007, o projeto da Nova Transnordestina em nada se assemelha ao original. A Nova Transnordestina, segundo a TLSA, tem agora o propósito de ligar os estados do Piauí, Ceará e Pernambuco aos portos de Pecém (CE) e Suape (PE), através da construção de novos trechos e ramais, da remodelação de trechos de ferrovias desativados, além da instalação de dois terminais portuários privativos nos dois portos mencionados, capazes de receber navios de maior calado para a exportação das matérias primas industriais.

O processo de licenciamento ambiental para a Nova Transnordestina teve início em 2003. Em 2004, foram publicados o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA).

Ainda segundo a Associação Nacional de Transporte Ferroviário, a construção foi iniciada em novembro de 2009 e, por causa de uma série de atrasos, sua conclusão está prevista para 2014 – a primeira estimativa era de entrega em 2010. Toda a construção da ferrovia está a cargo da construtora Odebrecht.

Com previsão de ter 1.728 km de extensão, segundo a revista Grandes Construções, a ferrovia está, em agosto de 2013, com obras de infraestrutura e superestrutura dos trechos: Missão Velha (CE) Salgueiro (PE); Salgueiro Trindade (PE); Eliseu Martins (PI) Trindade; Salgueiro Suape (PE); Pecém (CE) Missão Velha.

Segundo a geógrafa Paula Camargo, estima-se que três mil imóveis rurais sejam afetados pelo empreendimento, sendo 88% deles imóveis de particulares em diversas situações de posse e propriedade, majoritariamente pequenas propriedades rurais.

Faz parte do projeto de desenvolvimento econômico e integração do Nordeste através da ligação do cerrado aos portos de Suape e Pecém, partindo do interior do Piauí e passando por importantes polos econômicos nos três estados, como é o caso do polo gesseiro de Araripe. As principais cargas a serem transportadas por estes ramais serão minérios, calcário, combustíveis, fertilizantes agrícolas, óleo de soja, açúcar e grãos, como soja e milho, destinados à exportação através dos dois portos.

Cerca de 5,4 bilhões de reais era o valor total estimado dos custos da obra no lançamento do projeto, cuja execução é viabilizada, em sua maioria, por investimentos e financiamentos oriundos de recursos públicos. No entanto, entre 2007 e 2010, R$ 2,06 bilhões já haviam sido investidos e, com base em informações da Revista Grandes Construções, outros 3,24 bilhões estão previstos para o período de 2011-2014, totalizando R$ 6,8 bilhões em investimentos.

Segundo Camargo: Somente 30% do recurso necessário são dos empreendedores e os 70% restantes distribuem- se entre diversos empréstimos públicos e incentivos fiscais.

Camargo analisou, também,que este cenário apresenta o múltiplo envolvimento do Estado brasileiro no empreendimento: ora como idealizador e planejador da proposta da Ferrovia Nova Transnordestina, também analisando os estudos necessários à sua execução; ora como implementador, uma vez que participa das desapropriações de terras e também como financiador do empreendimento através de subsídios e empréstimos para a realização das obras, como demonstrado acima.

Segundo Camargo, as atenções governamentais e do empreendedor estão voltadas ao avanço das obras, enquanto que os conflitos e as questões decorrentes da desapropriação e das transformações fundiárias têm sido discutidos quase que exclusivamente pelas comunidades eclesiais de base, apoiadas pela Comissão Pastoral da Terra CPT.

Em agosto de 2012, o ministro dos Transportes, Paulo Passos, afirmou à revista Grandes Construções, que a presidente Dilma Rousseff quer ritmo mais forte nas obras para garantir a conclusão em 2014. Segundo ele, é preciso acelerar as obras entre Trindade (PE) e Eliseu Martins (PI) – 167 km -, onde elas estão paradas devido a problemas de desapropriações, de responsabilidade do governo do Piauí.

De acordo com notícia da revista Grandes Construções, no pico das obras, em 2011, o trecho entre Eliseu Martins, no Piauí, e o Porto de Suape, numa extensão de 1.200 km, tinha 9.600 homens trabalhando, número que caiu em março de 2013 para 3.754. Segundo técnico entrevistado pela revista, os trabalhos prosseguem em lentidão exasperante e há quem considere que a conclusão das obras dez anos depois de iniciadas é uma previsão até otimista.

Em maio de 2013, segundo a Agência Estado, a obra já estava com dois anos e meio de atraso sem ter chegado à metade da construção. Seu custo foi revisto e subiu para R$ 7,5 bilhões, e não irá parar por aí; apenas com a correção pela inflação, prevista no contrato, esse número deve ultrapassar R$ 8 bilhões.

Diante deste quadro a Agência Nacional de Transporte Terrestres (ANTT) prometeu, segundo a Grandes Construções, fazer alterações no contrato com a TLSA, adequando prazos e incluindo penalidades pelo não cumprimento, podendo inclusive chegar ao cancelamento do contrato no caso de se repetirem falhas no cronograma. A partir deste mês, o governo monitoraria de perto também a participação na obra da Odebrecht, empreiteira contratada pela TLSA.

As obras da Transnordestina que afetam a comunidade quilombola Contente estão no trecho Eliseu Martins Trindade, que liga o primeiro município no sertão do Piauí ao segundo, no sertão de Pernambuco. São 434 km de ferrovia novos, que não constavam no projeto original da década de 1980. De acordo com informações do empreendedor, no segundo semestre de 2007, o traçado já estava definido, os projetos de execução da obra já haviam sido contratados, assim como a empresa responsável pela elaboração do EIA/RIMA, e o requerimento da Licença Prévia (LP) também já havia sido protocolado junto ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (IBAMA). O canteiro de obras em Paulistana foi instalado, segundo o blog 180 Graus, em novembro de 2009.

Segundo os moradores, o principal impacto que a comunidade Quilombola Contente vem sofrendo diz respeito à dificuldade de acesso à água. A construção da ferrovia estabeleceu uma barreira física entre as casas e o açude, principal fonte de abastecimento de água, além de ter dificultado também à chegada às suas roças, fonte de sustento das famílias. Uma longa distância terá que ser percorrida pelos moradores para se chegar ao ponto permitido para se cruzar as cercas da via, que em maio de 2012, segundo o Correio Nagô, já estava construída, faltando apenas serem colocados os trilhos.

Além da obstrução dos caminhos tradicionais das comunidades, que trazem dificuldade de deslocamento nas atividades diárias dos moradores, como buscar água e ir à escola, outro grave problema é de caráter econômico. Segundo o blog Combate Racismo Ambiental, a comunidade Contente, como muitas outras no Estado, está ameaçada de sérios prejuízos financeiros, uma vez que o Estado ofereceu pagar indenizações irrisórias, conforme reconheceu o secretário de Transportes do Estado do Piauí, Avelino Neiva. Em alguns casos, as indenizações não passaram de R$ 5 por hectare.

Sobre a questão das indenizações, o Correio Nagô acrescentou ainda a análise da professora Maria Suely, da Universidade Federal do Piauí, e uma afirmação do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí (TJ). Para a professora, esta situação se caracteriza como uma violação dos direitos humanos das famílias; o TJ reitera a gravidade ao afirmar que as propostas de indenizações não pagam nem o papel pelo qual está sendo feito.

Suely informou também que a comunidade, apesar de reconhecida, ainda passava por processo de titulação das áreas, e ao mesmo tempo passou a sofrer um mandado de deslocamento compulsório. A professora explicou: ”Um braço do governo está dando de um lado e retirando do outro”.

Com o objetivo de avaliar o andamento das obras no Estado e realizar reuniões com as comunidades quilombolas, Norma Sales, Secretária de Estado dos Transportes do Piauí, visitou em novembro de 2010 o canteiro de obras do empreendimento nos municípios de Paulistana, Curral Novo e Simões. Nestes locais, visitou comunidades quilombolas para discutir o andamento da obra. Segundo a assessoria de imprensa do órgão, na ocasião, a secretária esclareceu aos moradores da comunidade do Contente sobre o processo de pagamento das desapropriações necessárias, garantindo aos mesmos que os impactos no cotidiano das comunidades seria o menor possível.

Entre os dias 13 e 16 de maio de 2012, a comunidade Contente sediou o 1˚ Encontro Estadual de Mulheres Quilombolas do Piauí, que contou com cerca de 400 participantes. O encontro teve como tema Mulheres quilombolas combatendo os impactos sociais, ambientais e culturais, cuja importância reside, de acordo com o Correio Nagô, no fato de que muitas mulheres nestas comunidades respondem pelo sustento das unidades familiares e precisam discutir e articular formas específicas de resistência neste cenário.

Durante o evento, as participantes organizaram uma manifestação e ocuparam momentaneamente o canteiro de obras no dia 14 de maio. Com instrumentos e faixas, as mulheres quilombolas demonstraram sua insatisfação com o empreendimento que já estava causando transtornos à comunidade.

Em primeiro de novembro deste ano, cerca de 3.500 funcionários da construtora Odebrecht, responsável pela obra, paralisaram os serviços devido à falta de acordo com relação aos pagamentos. Segundo o blog 180 graus, este número representava 40% do total de funcionários envolvidos na construção.

Por isso, as obras seguiam lentamente, segundo Luís Coelho, prefeito de Paulistana, mas não foram completamente paralisadas. Em entrevista ao Cidadeverde.com, o prefeito afirmou que a falta de mão de obra era uma das principais causas da lentidão das obras.

No mês de março de 2013, mais uma vez, as mulheres tomaram a frente na resistência aos impactos da ferrovia. Na manhã do dia 8, cerca de 300 pessoas, na maioria mulheres camponesas vinculadas ao Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) e ao Movimento Quilombola, ocuparam o canteiro de obras da Odebrecht para a construção da Transnordestina. O ato fez parte da celebração do Dia Internacional das Mulheres.

Segundo o MPA, os manifestantes seguem em conflito devido ao baixo valor das indenizações pagas pelo governo do Estado. Camponeses e quilombolas muitas vezes não recebem a indenização pela desapropriação de suas terras. Outro fator que revoltou a comunidade Contente foi que a a empresa chegou, e iniciou o trabalho, sem sequer dar o mínimo de satisfação às comunidades, causando inclusive prejuízos nas plantações das pessoas.

Em 15 de março de 2013, o Ministério Público Federal, através da Procuradoria da República no Estado do Piauí, instaurou Inquérito Civi Público para averiguar as denúncias recebidas pelo órgão de violação ou ameaça à violação aos direitos humanos de povos quilombolas, indígenas, assentados, dentre outros, em razão da construção de grandes projetos públicos e privados, tais como as barragens hidrelétricas no Rio Parnaíba, a instalação da empresa Suzano Papel e Celulose no estado e a construção da Ferrovia Transnordestina. O inquérito também se destinava a avaliar os impactos sofridos pelas comunidades frente aos referidos empreendimentos.

A presidente da Associação dos Moradores da Comunidade Contente, Jucélia Xavier, declarou ao Diário do Povo do Piauí, em junho de 2013, que o problema não estava restrito apenas à comunidade Contente, mas em muitas outras áreas remanescentes de quilombos, que esteve em Brasília várias vezes para dizer que supostos representantes da ferrovias estavam tentando comprar terras com o valor irrisório de R$ 5,00 o hectare, sem contar que a obra da ferrovia havia cortado o povoado em duas partes. Nós também denunciamos que invadiram parte das nossas terras e que nunca houve uma negociação.

A fim de dar prosseguimento às investigações e às discussões para solucionar os problemas que a comunidade quilombola do Contente vem enfrentando devido às obras da Transnordestina, o MPF por meio da 6a. Câmara de Coordenação de Revisão (que trata das Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais) realizou uma reunião com os atores envolvidos neste conflito.

Estiveram presentes à sede da Procuradoria Geral da República, em Brasília, no dia 22 de julho de 2013, a subprocuradora-geral da República, Maria Eliane Menezes de Farias, o procurador da República em Picos, Francisco Alexandre de Paiva Forte, e representantes do Departamento Nacional de Infraestrutura (DNIT), da Fundação Palmares, da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), da Secretaria de Transportes do Piauí (Setrans) e da Transnordestina.

As deliberações desta reunião, segundo o MPF, foram:

Representantes da Transnordestina e da Fundação Palmares melhorarão comunicação com Comunidade Quilombola Contente com objetivo de informá-los dos passos da obra;

Transnordestina encaminhará ao MPF o estudo de impacto ambiental;

Os órgãos presentes se comprometeram a estudar mudança de parâmetros para rever o valor da indenização às famílias quilombolas.

Cronologia

1997 – Leilão da Malha Ferroviária Nordeste pertencente à Rede Ferroviária Federal SA; concessão é obtida por 30 anos.

1998 – Criação da Companhia Ferroviária Nacional (CFN); início do transporte de cargas.

2002 – Estudos para a implantação de novo traçado projeto TRANSNORDESTINA.

2004 – Concepção do projeto Transnordestina.

2006 – Início das obras da ferrovia Transnordestina pelo trecho Missão Velha Salgueiro.

2007 ­ Estudos básicos e a contratação dos projetos executivos dos demais trechos.

2008 – CFN passa a se chamar Transnordestina Logística AS.

2009 – Aprovação do projeto da Transnordestina pela ANTT e obtenção do licenciamento ambiental dos demais trechos.

Novembro de 2009 – Instalação do canteiro de obras em Paulistana.

20 de setembro de 2010 – Publicada pela Fundação Palmares a certificação da Comunidade do Contente como Remanescente de Quilombo.

Novembro de 2010 – Norma Sales, Secretária de Estado dos Transportes do Piauí, visita canteiro de obras no município de Paulistana e conversa com moradores da comunidade Contente.

13 a 16 de maio de 2012 – Comunidade Contente sedia 1˚ Encontro Estadual de Mulheres Quilombolas do Piauí, com cerca de 400 participantes.

14 de maio de 2012 – Manifestação de mulheres quilombolas com ocupação temporária do canteiro de obras.

01 de novembro de 2012 – 3.500 funcionários da construtora Odebrecht paralisam os serviços devido à falta de acordo com relação aos pagamentos.

08 de março de 2013 – Mulheres camponesas vinculadas ao Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) e ao Movimento Quilombola ocupam canteiro de obras da Odebrecht.

15 de março de 2013 – Ministério Público instaura Inquérito Civil Público para averiguar denúncias de violação aos direitos humanos de povos quilombolas, indígenas e assentados.

22 de julho de 2013 – Reunião do Ministério Público Federal com representantes da Transnordestina S.A., DNIT, Fundação Palmares e Secretaria de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) para discutir os problemas que a Comunidade Quilombola Contente está enfrentando com a construção da ferrovia Transnordestina.

Fontes

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