Comunidade Quilombola Rio Preto – Lagoa do Tocantins luta para que se cumpra a decisão judicial que garanta a segurança e a integridade das famílias

UF: TO

Município Atingido: Lagoa do Tocantins (TO)

População: Agricultores familiares, Quilombolas

Atividades Geradoras do Conflito: Atuação de entidades governamentais, Atuação do Judiciário e/ou do Ministério Público, Especulação imobiliária, Pecuária

Impactos Socioambientais: Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, Desmatamento e/ou queimada, Falta / irregularidade na demarcação de território tradicional, Incêndios e/ou queimadas

Danos à Saúde: Insegurança alimentar, Piora na qualidade de vida, Violência – assassinato, Violência – coação física, Violência – lesão corporal

Síntese

O Território Quilombola Rio Preto localiza-se a cerca de 50 km da sede do município de Lagoa do Tocantins, no estado de Tocantins (TO). O quilombo foi reconhecido pela Fundação Cultural Palmares (FCP) no dia 25 de outubro de 2023, após uma escalada de ataques violentos aos seus moradores por parte de pistoleiros. No entanto, , assim como em outros quilombos do estado, o território é alvo de disputas entre fazendeiros e quilombolas devido à falta de regularização fundiária. O reconhecimento da comunidade por parte da FCP é o primeiro passo em direção à titulação do território tradicional quilombola pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), de modo a dirimir as disputas judiciais e tensões existentes na região desde 2015, quando empresas e pretensos proprietários rurais passaram a reivindicar parte das terras tradicionais.

De acordo com Jaciara França (2023), há registros de aproximadamente seis gerações nascidas na comunidade. Atualmente, a Comunidade Quilombola Rio Preto é formada por 60 famílias, das quais 14 residem no quilombo, totalizando cerca de 300 pessoas. A principal atividade de subsistência é a agricultura familiar, com o plantio de roças, especialmente a mandioca, o extrativismo vegetal, a caça e a pesca. Por isso, o acesso ao rio é fundamental para a realização dessas atividades.

Entretanto, com a pressão sobre as terras tradicionais, os quilombolas têm evadido para as cidades, já que os conflitos com fazendeiros e empresários provenientes de Curitiba (PR) têm dificultado o acesso a pontos de seu território tradicional. Funcionários da empresa Lagoa Dourada Participações e Serviços S/C e políticos locais, como Cristiano Rodrigues de Sousa – proprietário de um dos lotes que estão no território quilombola, o lote 172, e candidato a vice-prefeito de Lagoa do Tocantins em 2020 (MDB) – têm criado barreiras que impedem a circulação dos quilombolas. Soma-se a isso episódios de violência, ameaças, incêndios criminosos, destruição de casas e de plantações por parte dos fazendeiros.

De acordo com Débora Gomes (2023), a comunidade aponta que a violência aumentou após o dia 08 de setembro de 2023, quando o Tribunal de Justiça do Tocantins (TJTO) revogou pedido de reintegração de posse movido pelos proprietários da Lagoa Dourada. Além dos quilombolas, posseiros do município de Lagoa do Tocantins também se queixam de problemas similares envolvendo a empresa. Segundo integrantes da Associação Renascer para o Mundo Melhor (Arpom), grupo que presta assistência jurídica para pequenos agricultores na região, os posseiros relatam que a empresa quebra porteiras, põe fogo nos ranchos, destroem e quebram cercas e retiram os arames. Também há relatos de destruição de 3 mil pés de mandioca com tratores, que seriam vendidos pelas comunidades para mercados da região, garantindo a principal fonte de renda (Bataier; Fialho, 2023).

Enquanto isso, a Associação da Comunidade Rio Preto e a Coordenação Estadual das Comunidades Quilombolas do Tocantins (Coeqto) vêm emitindo notas de repúdio aos ataques sofridos no território, exigindo reparações para as violações e violências sistemáticas contra a comunidade, deixando as famílias em estado de pânico e vulnerabilidade alimentar. A Coeqto apela para que as autoridades competentes cumpram a decisão judicial e garantam a segurança e integridade das famílias que residem no Território Quilombola Rio Preto (Poderes Pretos, 2023).

Contexto Ampliado

Segundo reportagem de Carolina Bataier e Tonsk Fialho para o portal De Olho nos Ruralistas (2023), desde o início de 2023 o medo passou a ser uma constante para a comunidade quilombola Rio Preto, quando ameaças e agressões por parte de pistoleiros, empresários, fazendeiros e supostos proprietários rurais passaram a ser parte da rotina.

A origem do conflito é uma disputa territorial envolvendo políticos locais e empresários do estado do Paraná, que disputam a posse de duas parcelas de terras no antigo loteamento Caracol. Parte desse loteamento, formado pelos lotes 172 e 173, é reivindicada como território tradicional quilombola e aguarda a conclusão de sua titulação pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – Incra (Bataier; Fialho, 2023).

Por outro lado, supostos proprietários envolvidos com a política local reivindicam a área. É o caso do lote 172, reivindicado por Cristiano Rodrigues de Sousa, candidato a vice-prefeito de Lagoa de Tocantins, em 2020, pelo Movimento Democrático Brasileiro (MDB). Contra ele, foi feito um boletim de ocorrência (BO) por parte dos quilombolas, que o acusaram de arrancar a cerca do terreno de um morador. Apesar de território tradicional, o imóvel aparece na declaração de bens à Justiça Eleitoral de Cristiano, com a alcunha de “Fazenda Conquista”, avaliado em R$ 500 mil (Bataier, Fialho, 2023).

Ainda de acordo com a matéria, outro conflito substancial na região está associado à presença da empresa Lagoa Dourada Participações e Serviços S/C, dona de 11.649,33 hectares no município, cuja sociedade é formada pelo engenheiro civil Alcir Faustino Marques, que vive em Goiás, e pela advogada paranaense Cristina Maria Ramalho, também sócia em outras duas empresas que compõem o capital social da Lagoa Dourada. Investigado pelo De Olho nos Ruralistas (2023), o grupo Lagoa Dourada apresentou um histórico de atuações semelhantes na região: compra de fazendas em áreas de litígio geralmente ocupadas por posseiros e comunidades tradicionais. Ao mesmo tempo em que disputam a posse da terra no Judiciário, parcelam as cotas das áreas, atribuindo a elas distintos Cadastros Nacionais da Pessoas Jurídicas (CNPJs), áreas vendidas posteriormente a empresários da capital paranaense.

Dentro da comunidade quilombola Rio Preto, o grupo Lagoa Dourada comprou, em 2015, a Fazenda Brasil, com 1.469 hectares no loteamento Caracol (correspondente ao lote 173). Entretanto, tal área já era habitada pelos quilombolas anteriormente. Juridicamente, enquanto não se resolve o litígio em torno da área, os lotes não podem passar por nenhum tipo de esbulho – que, resumidamente, caracteriza-se pela perda da posse ou propriedade de algum bem (nesse caso, da terra) sem que haja necessariamente concordância com a circunstância de desapropriação – conforme apontou a defensora pública Téssia Gomes Carneiro, do Núcleo de Defensoria Pública Agrária da Defensoria Pública do Estado do Tocantins (DPagra/DPE-TO). Apesar disso, funcionários da empresa têm atuado no sentido contrário à determinação, utilizando-se de tratores para fazer a aragem das terras, destruindo roçados e carregando galhos para fechar acessos das estradas do município, isolando os quilombolas (Bataier, Fialho, 2023).

Segundo publicado na matéria do portal De Olho nos Ruralistas (2023), a truculência e a violência são características principais da atuação da empresa, que faz uso de pessoas armadas para ameaçar agricultores e quilombolas, além de criarem trincheiras para impedir a passagem das famílias. O corretor de imóveis Pedro Amaro Gomes, funcionário da empresa Lagoa Dourada, é tido pelas comunidades como principal responsável pelas intimidações, especialmente na Gleba Tauá, em Barra do Ouro, contra quem há cinco processos de posseiros movidos em três comarcas do Tribunal de Justiça do Tocantins (TJTO). Desde 2012, ele atua como encarregado das fazendas ligadas ao grupo Binotto, pertencentes a Emilio Binotto. Em 2012, vereadores de Curitiba (PR) revelaram envolvimento de Amaro em esquemas de corrupção a partir da instauração de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). Ele teria recebido recursos da Câmara Municipal de Curitiba (PR) para imprimir materiais que nunca existiram na sua gráfica, a Idealgraf. Logo depois, ele se mudou e passou a atuar nas fazendas no Tocantins.

As propriedades administradas por Pedro Amaro na Gleba Tauá foram registradas em nome da empresa Rio do Ouro Agroflorestal. Outra empresa do grupo Binotto, a Terra Limpa Agroflorestal, fundada em 2012, em Barra do Ouro, foi usada para registrar propriedades adquiridas em Goiatins, mais ao norte do estado. O quadro societário da Terra Limpa inclui, além de Cristina Ramalho, a Calábria Participações Societárias, dos irmãos Francisco Antonio Cino e Giovanna Cino. Francisco é diretor industrial da multinacional espanhola Roca, líder mundial no ramo de artigos para banheiros. Em 2015, o suíço Anton Patrick Lichtsteiner, ex-diretor financeiro da Roca no Brasil, chegou a comprar 4,77% de participação na Terra Limpa. Além da família Cino, compõem a sociedade as empresas Excelência Participações Societárias e Taboão Reflorestamento – conforme apontado pela matéria publicada no De Olho nos Ruralistas (2023).

A Taboão Reflorestamento, por sua vez, pertence à família Zandavalli Debone, herdeira do Curtume Curitiba, uma empresa de confecção de artigos em couro adquirida pelas famílias Debone e Caron. Danya Debone, hoje sócia da Taboão, é casada com Fausto José Caron, que foi CEO (Chief Executive Officer) do banco holandês ABN AMRO no Brasil entre 2018 e 2022. Além de atuarem no setor de reflorestamento e agropecuária no estado do Tocantins, os Debone são atualmente um dos principais investidores da cadeia de fast food Subway no Brasil. Foi Danya Debone que inaugurou a primeira franquia do grupo no Brasil, ao lado de seus irmãos Leandro e Gustavo Debone, sendo ela franqueada de várias lojas da rede. Mais detalhes sobre as conexões entre políticos e empresários paranaenses e catarinenses que atuam com negócio de terras no estado de Tocantins podem ser vistos no link da matéria do De Olhos nos Ruralistas, aqui.

Com toda a pressão sobre suas terras tradicionais, as comunidades quilombolas apontam a evasão enorme dos moradores para a cidade, já que as investidas violentas vêm impedindo o desenvolvimento do seu modo de vida tradicional, pois os agricultores vivem também com base na caça, pesca, lavoura de subsistência e dependem do acesso ao rio para realizar essas atividades no território habitado por eles há mais de cem anos.

Segundo matéria do Brasil de Fato (2023), em 2018 o Judiciário deu parecer favorável ao político do MDB, Cristiano Rodrigues de Sousa, e à empresa Lagoa Dourada. No entanto, a suspensão temporária de despejos durante a pandemia de covid-19, conforme determinação do Supremo Tribunal Federal (STF), adiou temporariamente a expulsão dos quilombolas. Com a retomada dos despejos após março de 2023, foram resgatados os dois processos associados ao litígio na comunidade, referentes ao político e à empresa, aumentando a pressão sobre o quilombo de Rio Preto.

Paralelamente, o processo de reconhecimento do Território Quilombola Rio Preto ficou paralisado entre 2017 e 2023, conforme apontado pelo Incra. A ausência do poder público também implicou no fechamento da casa de farinha e, em 2019, de uma unidade de ensino, mantida pelo município, que atendia cerca de 30 crianças da comunidade (Bataier; Fialho, 2023). Enquanto isso, sócios e parceiros da Lagoa Dourada Participações e Serviços S/C ampliavam os investimentos sobre as terras.

Em resposta à reportagem do De Olho nos Ruralistas (2023), o advogado da empresa Lagoa Dourada, Guilherme Augusto Gomes, encaminhou documentos que comprovariam a compra do lote 173, em 05 de junho de 2015, pela Lagoa Dourada, o qual havia sido vendido pelo agricultor e grileiro Simírames Afonso da Silva Junior. No entanto, em agosto de 2023 uma equipe da Secretaria dos Povos Originários e Tradicionais do Estado do Tocantins (Sepot) esteve no local para elaborar um relatório com informações sobre o modo de vida comunitário, as manifestações culturais, o cultivo das roças, os utensílios e os relatos dos moradores. O laudo confirmou a identidade negra quilombola da comunidade Rio Preto, provando que habitam as terras muito antes da elaboração de contratos de compra e venda por parte de empresários do Sul (Bataier; Fialho, 2023).

Em 06 de setembro de 2023, a Sepot noticiou que houve uma audiência pública com o Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania (MDHC), com o intuito de conseguir apoio da União visando a proteção das comunidades quilombolas em Tocantins. Na ocasião, a secretária da Sepot, Narubia Werreria, entregou ao ministro Silvio Almeida, o Relatório de Atendimento e Violação de Direitos Humanos da Comunidade Rio Preto, resultante do levantamento realizado pela secretaria juntamente com o Ministério Público Federal (MPF), a Defensoria Pública do Tocantins (DPE-TO), a Universidade Federal do Tocantins (UFT), a Coordenação Estadual das Comunidades Quilombolas do Tocantins (Coeqto) e a Associação da Comunidade Rio Preto.

Também participaram da audiência o secretário de Estado da Cidadania e Justiça (Seciju), Deusiano Amorim; o secretário Extraordinário de Representação em Brasília (Serb), Carlos Manzini; e o deputado federal Ricardo Ayres (Republicanos). O ministro Silvio Almeida se mostrou solícito em orientar a equipe técnica do MDHC a identificar os apoios imediatos que podiam ser oferecidos à comunidade, comprometendo-se em identificar uma data na agenda para visitar pessoalmente o estado do Tocantins (França, 2023).

Em 08 de setembro de 2023, segundo apontou reportagem de Gabriela Moncau (2023), a juíza Aline Iglesias, do Tribunal de Justiça do Tocantins (TJTO), revogou o pedido de  reintegração de posse apresentado pelos empresários e fazendeiros a pedido de Cristiano Rodrigues de Sousa e da empresa Lagoa Dourada. Assim, a comunidade quilombola Rio Preto teve assegurado judicialmente o direito de manutenção da posse de suas terras, com o apoio da Defensoria Pública do Estado do Tocantins (DPE-TO), em trabalho conjunto dos Núcleos de Defensoria Pública Agrária (DPagra) e de Questões Étnicos e Combate ao Racismo (Nucora), com suporte da Secretaria de Estado dos Povos Originários e Tradicionais (Sepot). A juíza também determinou que os autores dos processos se abstivessem da prática de esbulho possessório direto ou indireto, por meio de representantes, sob pena de multa diária de R$ 1 mil.

De acordo com notícia publicada pela DPE-TO (2023), além de solicitar providências para o efetivo cumprimento da decisão, a Defensoria também encaminhou novos pedidos ao TJTO, como o de habilitação do DPagra e do Nucora como representantes jurídicos da comunidade Rio Preto e a intimação de ambos núcleos da DPE-TO, informando-os da abertura do prazo para manifestação. Ademais, um dos encaminhamentos foi oficiar a Prefeitura Municipal de Lagoa do Tocantins para tomar medidas necessárias para promover a reabertura de estradas danificadas e a reconstrução de uma ponte de acesso das comunidades que havia sido derrubada pela própria prefeitura.

Também seriam oficiadas as Polícias Civil (PCTO) e Militar do estado de Tocantins (PMTO) para promover a proteção das comunidades. Assim, as polícias deveriam adotar medidas de pacificação no local, prevenir a ocorrência de atos violentos e apurar crimes já notificados pelos quilombolas. Por fim, a decisão também determinou a realização de uma vistoria in loco por um oficial de justiça, com o intuito de levantar a real situação da comunidade e descrever prejuízos já sofridos para viabilizar reparação de danos materiais e morais, individuais e coletivos.

Segundo notícia de Débora Gomes (2023), a decisão da juíza não impediu que 15 dias mais tarde, em 23 e 24 de setembro de 2023, fossem registrados novos ataques ao Território Quilombola Rio Preto. A comunidade foi alvo de um incêndio criminoso, além de tiros, conforme relatou à jornalista uma moradora que não quis se identificar:

“Semana passada eles (os grileiros) começaram a colocar fogo próximo das casas. Anteontem [23/09/23] eles fizeram um disparo de arma por volta das 19h30 perto de uma escola e ainda na madrugada eles fizeram mais três disparos. Ontem [24/09/23] os grileiros acabaram indo lá enquanto as pessoas conversavam e colocaram fogo em uma casa de palha. (…) Ainda bem que foi rápido que eles conseguiram apagar. Os criminosos correram para dentro do mato, o povo só viu eles [sic] correndo para lá. Então foram dois ataques. Um ontem e outro anteontem no mesmo horário”.

Graças ao latido de um cachorro, moradores conseguiram apagar o fogo antes que se alastrasse. A comunidade disse que acionou a PMTO, mas nenhuma viatura compareceu. A Secretaria da Segurança Pública do Tocantins (SSP/TO) passou a investigar as circunstâncias do incêndio ocorrido no território, com indicativo de realização de perícia e outras diligências. A comunidade acredita que a escalada de violência se deveu à manutenção da posse em favor dos quilombolas, decidida pela justiça no início do mês de setembro de 2023 (G1; Moncau, 2023).

No dia 25 de setembro de 2023, a Coordenação Estadual das Comunidades Quilombolas do Tocantins (Coeqto) lançou nota repudiando as violências sofridas pelo Território Quilombola Rio Preto, que vêm afetando as 60 famílias moradoras do local, tais como: incêndios criminosos em residências e nos arredores das moradias, tratoramento de estradas e plantações, disparos com armas de fogo, intimidações verbais e ameaças de violências físicas, gerando pânico e acentuando a situação de insegurança alimentar. A Coeqto exigiu das autoridades competentes o cumprimento imediato da decisão em favor dos quilombolas, garantindo a integridade das famílias e sua circulação pelo território.

No dia 27 de setembro de 2023, a comunidade quilombola Rio Preto recebeu uma força-tarefa promovida pelo governo de Tocantins após denúncias feitas à Sepot, com o intuito de garantir direitos aos moradores. Foram feitas visitas técnicas no território às áreas tratoradas, pontes destruídas e casas queimadas. A Sepot também esteve à frente de um mapeamento social do território com georreferenciamento e levantamentos antropológicos. Além disso, também estava engajada em acelerar o processo de reconhecimento da comunidade quilombola pela Fundação Cultural Palmares (FCP) e em solicitar mais patrulhamento policial das autoridades estaduais, melhorando a segurança do território. Além da Sepot, participaram da força-tarefa a Polícia Militar de Tocantins (PMTO), a Polícia Civil (PCTO), a Coeqto, a Secretaria de Estado da Cidadania e Justiça (Seciju), o Conselho Estadual de Promoção da Igualdade Racial (Cepir/TO) e o coletivo Ajunta Preta (Júnior; Mazzola, 2023).

O comandante do 13° Batalhão da PMTO, tenente-coronel Bruno Mendes, garantiu o envio de pelo menos uma viatura da polícia por dia até a comunidade, ressalvadas as situações de emergência e atendimento a outras ocorrências. A Sepot também se reuniu com o delegado da Polícia Civil, Diego Camargo de Brito, solicitando que houvesse investigação das ameaças, disparos de armas de fogo, queima de residências e incêndios criminosos que estavam acontecendo desde agosto de 2023. Uma equipe da Polícia Civil esteve no local neste mesmo dia, 27 de setembro de 2023, e previu nova diligência para o dia 29 de setembro seguinte. Sobre o reconhecimento pela FCP, a Sepot enviou também no dia 27 documentação para a fundação, sendo a previsão de entrega do certificado até 30 de novembro de 2023, conforme informou a diretora de Proteção aos Quilombolas da FCP, Ana Mumbuca (Júnior; Mazzola, 2023).

De acordo com a Coeqto, a situação de Rio Preto também fora denunciada ao então ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, em Brasília, no dia 02 de outubro de 2023. Na ocasião, o então governador de Tocantins, Wanderlei Barbosa (Republicanos), parlamentares e primeiro escalão do governo estiveram presentes e também tomaram conhecimento da situação. Ao longo do encontro, o 1º subdefensor público-geral do Estado do Tocantins, Pedro Alexandre Conceição Aires Gonçalves, falou da importância do governo federal em dar uma atenção especial a essas comunidades quilombolas, destacando a atuação da DPE-TO na defesa dos direitos dos povos tradicionais no estado.

Conforme veiculado pelo blog Combate Racismo Ambiental, no dia 25 de outubro de 2023 foi publicado no Diário Oficial da União (DOU) o reconhecimento da comunidade Rio Preto como remanescente de quilombo por parte da Fundação Cultural Palmares (FCP). A medida respeita o direito à autodefinição e permite o acesso a políticas públicas específicas para o território.

A presidente da Associação da Comunidade Rio Preto, Rita Lopes, comemorou a ação: “Quando uma criança nasce, não tem como negar que ela nasceu. A gente sempre existe, mas agora a gente tem uma certificação dizendo que a gente existe. É como se fosse uma certidão de nascimento”. Após o reconhecimento, o processo de demarcação do território pode avançar junto ao Incra, contribuindo para finalizar as disputas judiciais fundiárias na região. Assim, será mais fácil assegurar a manutenção das culturas e tradições quilombolas.

Segundo noticiado pelo blog de Marcos Pedlowski, no dia 27 de outubro de 2023 aconteceu em Palmas (TO) uma audiência pública com o Núcleo Especializado de Defesa dos Direitos Humanos (NDDH) da Defensoria Pública do Estado do Tocantins (DPE-TO), movimentos sociais e sociedade civil. A Coeqto e representantes da comunidade quilombola Rio Preto denunciaram na audiência as violências e violações de direitos humanos sofridas pelos territórios de quilombo no estado.

Rita Lopes, presidente da Associação da Comunidade Quilombola Rio Preto, pediu segurança para as famílias da comunidade:

“O Quilombo Rio Preto vem sofrendo série de ameaças à dignidade, à nossa existência e inclusive à nossa memória, e nossos cemitérios também estão sendo ameaçados. Foi fechada a casa de arroz, a casa de farinha e a escola. Por mais que a gente venha pedindo socorro, no papel mudou, mas na prática, infelizmente, nada melhorou. Fazemos várias ações levando a polícia local e vários órgãos públicos. Eles prometeram fazer esse policiamento, mas infelizmente não foi cumprido. Esse é um espaço para pedir socorro mais uma vez. Eu espero que o Quilombo Rio Preto e suas memórias sejam protegidos”.

Em complemento à fala de Rita, a coordenadora da Coeqto, Maryellen Crisóstomo, também demonstrou preocupação com a situação da comunidade de Rio Preto, pedindo proteção às lideranças do quilombo e aos mais de 40 territórios quilombolas do estado de Tocantins (Blog do Pedlowski, 2023).

No dia 06 de novembro de 2023, a Coeqto publicou nota de repúdio denunciando os ataques e as violações de direitos humanos sofridos pelo Quilombo Rio Preto. No dia 1º de novembro de 2023, a comunidade havia identificado placas de proibição de circulação espalhadas pelo território no lote 173 que, segundo a comunidade, estaria arrendado para manejo de gado. Os animais, circulando no território, trouxeram prejuízos para as roças de mandioca dos quilombolas, que foram destruídas pelo pisoteio. Além disso, também houve ataques a um cemitério da comunidade por parte de proprietários de terra da região. Trata-se do Cemitério Campo Santo do Bom Jardim, um cemitério histórico que é cuidado pelos moradores, onde há mais de 100 anos foram enterrados os ancestrais da comunidade e que continua sendo utilizado.

De acordo com a nota, é comum no estado de Tocantins que grandes fazendeiros demandem áreas quilombolas para “preservação ambiental”, de modo a sobrepor áreas registradas no Cadastro Ambiental Rural (CAR), impedindo, por sua vez, que as famílias quilombolas adquiram o CAR coletivo. A Coeqto, mais uma vez, exigiu que as autoridades fizessem cumprir a decisão judicial que determinou que os autores abstivessem de esbulho possessório no território em disputa, sob pena de multa de R$ 1 mil/dia.

Placas de proibição de circulação são instaladas no Quilombo Rio Preto. Fonte: Coeqto (2023).

Após visita técnica do arqueólogo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) Rômulo de Negreiros, deu-se um parecer favorável ao reconhecimento do Cemitério Campo Santo do Bom Jardim como sítio arqueológico, oficialmente, no dia 13 de novembro de 2023 – segundo publicado pela Sepot (2023). Assim, esta passou a ser uma área sob proteção da União. A demanda havia sido apresentada pelo governo do Tocantins, por meio da Sepot, antes de ser homologada pelo Iphan.

Conforme afirmou a secretária de Estado dos Povos Originários e Tradicionais, Narubia Werreria:

“É a valorização do patrimônio material e imaterial do Tocantins. Esse reconhecimento dá forças às nossas raízes quilombolas, isso fortalece a comunidade. O Campo Santo do Bom Jardim simboliza o que é de maior, que é o nosso bem cultural, a nossa identidade, quem nós somos. É muita emoção para nós fazermos parte desse reconhecimento, juntamente com o Iphan”.

Segundo parecer do próprio Iphan, o cemitério é excepcional dentro do contexto dos cemitérios rurais do Tocantins, apresentando uma variedade de tipos de lápides que demonstram as relações sociais centenárias entre os quilombolas. Ao ser homologado como sítio arqueológico, o Campo Santo do Bom Jardim passou a ser enquadrado como Patrimônio Cultural Brasileiro. Assim, qualquer dano que venha ser causado no cemitério será enquadrado como crime ambiental, passível de multa e detenção. Ademais, o reconhecimento assegura o desenvolvimento de ações de proteção e promoção do patrimônio (Sepot, 2023).

 

Atualização: fevereiro de 2024

 

 

Cronologia

2012 – A partir de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), vereadores de Curitiba (PR) revelam envolvimento do corretor de imóveis Pedro Amaro Gomes, funcionário da empresa Lagoa Dourada Participações e Serviços S/C, em esquemas de corrupção em Curitiba (PR).

– A empresa Terra Limpa Agroflorestal, pertencente ao grupo Binotto, do empresário Emilio Binotto, é fundada e passa a registrar propriedades adquiridas em Tocantins.

2015A empresa Lagoa Dourada Participações e Serviços S/C compra a Fazenda Brasil, localizada dentro da comunidade quilombola Rio Preto.

Entre 2017 e 2023 – Processo de reconhecimento do Território Quilombola Rio Preto fica paralisado pela Fundação Cultural Palmares (FCP).

2018 – Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins (TJTO) dá parecer favorável ao político do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), Cristiano Rodrigues de Sousa, e à empresa Lagoa Dourada, sobre a propriedade de terras sobrepostas ao território quilombola de Rio Preto no município de Lagoa do Tocantins.

2019 – Com o abandono por parte do Estado, ocorre o fechamento da casa de farinha e de uma unidade de ensino municipal dentro da comunidade de Rio Preto.

06 de setembro de 2023 – Acontece uma audiência pública entre a Secretaria dos Povos Originários e Tradicionais do Estado do Tocantins (Sepot) e o Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania (MDHC), com o intuito de conseguir apoio da União visando a proteção das comunidades quilombolas em Tocantins.

08 de setembro de 2023 – A comunidade quilombola Rio Preto assegura junto ao TJTO o direito de reintegração e manutenção da posse de suas terras, após ação apresentada a pedido de Cristiano Rodrigues de Sousa e da empresa Lagoa Dourada Participações e Serviços S/C Ltda.

23 e 24 de setembro de 2023 – São registrados ataques no Território Quilombola Rio Preto, com a ocorrência de um incêndio criminoso e tiros.

25 de setembro de 2023 – A Coordenação Estadual das Comunidades Quilombolas do Tocantins (Coeqto) lança nota repudiando as violências sofridas pelo Território Quilombola Rio Preto.

27 de setembro de 2023 – A comunidade quilombola Rio Preto recebe a visita de uma força-tarefa promovida pelo governo de Tocantins após denúncias feitas à Sepot, com o intuito de garantir direitos aos moradores.

– A Sepot envia para a FCP documentação referente à certificação da comunidade quilombola de Rio Preto.

02 de outubro de 2023 – Ocorre uma reunião da DPE-TO junto ao então ministro da Justiça e Segurança Pública (MJSP), Flávio Dino, em Brasília, para denunciar os últimos acontecimentos dentro da comunidade quilombola.

25 de outubro de 2023 – É publicada no Diário Oficial da União (DOU) a portaria de reconhecimento da comunidade Rio Preto como remanescente de quilombo por parte da Fundação Cultural Palmares (FCP).

27 de outubro de 2023 – Acontece em Palmas (TO) uma audiência pública, organizada pelo Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), envolvendo a participação do Núcleo Especializado de Defesa dos Direitos Humanos (NDDH) da Defensoria Pública do Estado do Tocantins (DPE-TO), movimentos sociais e sociedade civil.

01 de novembro de 2023 – A comunidade identifica placas de proibição de circulação espalhadas pelo território, no lote 173, por parte de fazendeiros e empresários, além de ataques ao cemitério da comunidade, o Campo Santo do Bom Jardim.

06 de novembro de 2023 – A Coeqto publica nota de repúdio denunciando os ataques e as violações de direitos humanos sofridos pelo Quilombo Rio Preto.

13 de novembro de 2023 – O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) dá parecer favorável ao reconhecimento do Cemitério Campo Santo do Bom Jardim como sítio arqueológico.

 

Fontes

APÓS denúncias, Sepot faz mapeamento social da comunidade Rio Preto e solicita reforço policial. Coluna do CT, 29 set. 2023. Disponível em: https://shre.ink/TCMP. Acesso em: 15 nov. 2023.

BATAIER, Carolina; FIALHO, Tonsk. Empresários curitibanos são a face oculta de violência contra quilombolas no TO. De Olho nos Ruralistas, 29 set. 2023. Disponível em: https://shre.ink/TFUG. Acesso em: 15 nov. 2023.

BRASIL, Mariana. Quilombo do Tocantins acusa fazenda de promover ataques e proibir circulação de moradores. Folha de São Paulo, 09 nov. 2023. Disponível em: https://shre.ink/TCMu. Acesso em: 15 nov. 2023.

CAMPOS, Giovanna. Território Quilombola Rio Preto é alvo de ataques de fazendeiros. Jornal Opção, 07 nov. 2023. Disponível em: https://shre.ink/TCQf. Acesso em: 15 nov. 2023.

COMUNIDADE quilombola denuncia tiros e casa queimada após conflitos agrários. G1 Tocantins, 25 set. 2023. Disponível em: https://shre.ink/TCnZ. Acesso em: 15 nov. 2023.

COMUNIDADE Quilombola Rio Preto ganha na Justiça direito de reintegração de posse do território em Lagoa. Defensoria Pública do Estado do Tocantins, republicado por Gazeta do Cerrado, 12 set. 2023. Disponível em: https://shre.ink/TCkt. Acesso em: 15 nov. 2023.

COTRIM, Maju. Denúncia Gazeta: Quilombo Rio Preto, já certificado pela Fundação Palmares, vive novos episódios de ameaças e conflitos: “medo de sermos mortos”. Gazeta do Cerrado, 03 nov. 2023. Disponível em: https://shre.ink/TFr1. Acesso em: 15 nov. 2023.

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