RS – Usina Hidrelétrica de Barra Grande inunda mais de seis mil hectares de Mata Atlântica e Araucárias

UF: RS

Município Atingido: Pinhal da Serra (RS)

Outros Municípios: Pinhal da Serra (RS)

População: Agricultores familiares, Ribeirinhos

Atividades Geradoras do Conflito: Barragens e hidrelétricas

Impactos Socioambientais: Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, Desmatamento e/ou queimada, Falta / irregularidade na autorização ou licenciamento ambiental

Danos à Saúde: Insegurança alimentar, Violência – lesão corporal

Síntese

O vale do rio Pelotas fica na divisa de Santa Catarina com Rio Grande do Sul. Nesta área, localiza-se a Usina Hidrelétrica de Barra Grande, cuja barragem, de 190 metros de altura, segundo o livro A Hidrelétrica que não viu a floresta foi construída com base em ?uma fraude escandalosa no Estudo de Impacto Ambiental e uma série de vícios no procedimento de licenciamento ambiental? (do Valle, Raul Silva Teles. O caso Barra Grande: lições sobre o (não) funcionamento do Estado de Direito no Brasil).

Quando a obra estava dada praticamente como pronta, a empreendedora Energética Barra Grande S/A ? em cuja composição acionária reuniam-se as empresas Barra Grande Energia S/A (Baesa), Alcoa Alumínio S/A, Camargo Corrêa, Companhia Brasileira de Alumínio (CBA) e DME Energética Ltda. ? solicitou ao Inistituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) um pedido de supressão das florestas a serem inundadas. Isto porque, segundo se verificaria, o EIA-Rima do empreendimento, elaborado pela empresa Engevix e entregue ao Ibama em 1998, omitia a existência de remanescentes de Floresta com Araucária e significativas populações naturais de espécies em via de extinção.

Apesar desse fato, o Ibama concedeu a licença de instalação (LI) da obra em junho de 2001. Nesta época, já estava em pleno vigor a Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) nº 278, de 27.05.2001, que protegia as espécies ameaçadas de extinção. O licenciamento foi feito com base em documento que escamoteava a real situação dos remanescentes de Mata Atlântica existentes na área a ser diretamente afetada pelo reservatório. A omissão e a mentira tornariam-se desta forma em estratégia para não se obstar ou atrasar a instalação do empreendimento.

Em síntese, o processo de licenciamento iniciou-se durante o governo Fernando Henrique Cardoso, sendo a licença ambiental prévia (LP) concedida em 1999 pela então presidente do Ibama Marília Marreco e a LI concedida em 2001, pelo Ibama presidido por Hamilton Casara.

Em 2005, o Ibama multou em 10 milhões a Engevix, responsável pela construção da obra e pela elaboração dos documento, destacadamente o EIA-RIMA, com graves omissões a respeito da área a ser impactada. A Engevix e seu presidente, Cristiano Kok, por sua vez, contestaram e se defenderam da acusação na justiça. O empresário alegou à época que a Engevix cumprira todas as exigências legais para obter o termo de referência para a construção. O deputado Jorge Pinheiro (PL-DF) alegaria de outra forma que a empresa recebera as multas por causa de omissões no relatório de impacto ambiental da obra. Esperava-se, além disso, pela redução do valor da multa, uma vez que o Ibama admitiu ter falhado no licenciamento ambiental da obra, em 2001.

Contexto Ampliado

Este conflito não somente atinge as condições biofísicas do ambiente e natureza locais, como também seus grupos. Movimentos de atingidos e ongs ambientalistas fizeram acampamentos, idas a campo, para confirmar o grau de destruição nas regiões atingidas e mover ações bem substanciadas na justiça.

Em setembro de 2004 a Federação de Entidades Ecologistas Catarinenses e a Rede de ONGs da Mata Atlântica impetraram, uma ação civil pública na justiça federal em Florianópolis (SC), na tentativa de virar o jogo da situação. Agravando a situação, já no primeiro mandato do presidente Lula, o governo federal assinou um Termo de Compromisso com a empresa, que viabilizou a emissão de uma autorização de desmatamento pelo então presidente do Ibama, Marcus Barros.

As lamentáveis ações do Ibama se repetiram e, em junho de 2005, a licença de operação (LO) da hidrelétrica foi concedida pelo órgão, sem que a ação tivesse sido julgada.Em resumo, assim definiu Miriam Prochnow os procedimentos que teriam viciado o licenciamento:?As preciosas manchas de Floresta com Araucárias, formação florestal integrante do Bioma da Mata Atlântica, existentes no vale do rio Pelotas, estão na área de influência direta da Usina Hidrelétrica de Barra Grande, cuja barragem, de 190 metros de altura, foi concluída com base numa fraude.

A formação de seu lago inundou uma área de aproximadamente 8.140 hectares, 90% da qual recoberta por floresta primária e em diferentes estágios de regeneração e por campos naturais. Ali, entre a floresta tragada pelas águas, sobrevivia um dos mais bem preservados e biologicamente ricos fragmentos de Floresta Ombrófila Mista do Estado de Santa Catarina, em cujas populações de araucária foram identificados os mais altos índices de variabilidade genética já verificados em todo o ecossistema.

A obra já estava quase pronta quando o empreendedor ? a Energética Barra Grande S/A, cuja atual composição acionária tem a participação das empresas Barra Grande Energia S/A (Begesa), Alcoa Alumínio S/A, Camargo Corrêa, Companhia Brasileira de Alumínio (CBA) e DME Energética Ltda. – solicitou ao Ibama um pedido de supressão das florestas a serem inundadas, quando descobriu-se que o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e o Relatório de Impacto Ambiental (Rima) – documentos necessários para obter a licença de operação do empreendimento ?, entregues em 1998 ao Ibama, omitiram a existência desses remanescentes de Floresta com Araucária com importantes populações naturais de espécies ameaçadas de extinção.[…]Em 2003, já no governo Lula, ao analisar o pedido de supressão, o Ibama solicitou um inventário florestal, elaborado e apresentado pelo empreendedor, que mostrou, desta vez, a real situação da cobertura florestal existente na área a ser inundada.

Na verdade, o Rima apresentado havia reduzido a cobertura florestal primária da área a ser alagada de 2.077 para 702 hectares, a área de floresta em estágio avançado de regeneração – tratada no documento como um ?capoeirão? ? de 2.158 para 860 hectares e a área de floresta em estágios médio e inicial de regeneração – tratada apenas como ?capoeira? ? de 2.415 hectares para apenas 830 hectares.Além disso, não fazia menção clara sobre os campos naturais, que estão presentes em mais de 1.000 hectares. Ou seja: a licença de instalação da obra havia sido concedida pelo próprio Ibama, em junho de 2001, em pleno vigor da Resolução CONAMA no 278 de 27.05.2001(que protege as espécies ameaçadas de extinção), com base em um documento que falsificara a real situação dos remanescentes de Mata Atlântica existentes na área a ser diretamente afetada pelo reservatório. (…)Diante deste quadro, as ONGs ambientalistas realizaram uma visita à região e, constatando a gravidade da situação, a Federação de Entidades Ecologistas Catarinenses e a Rede de ONGs da Mata Atlântica impetraram, em setembro de 2004, uma ação civil pública na Justiça Federal de Florianópolis (SC), na tentativa de reverter esta absurda situação. Enquanto isso o governo federal assinava com a empresa um Termo de Compromisso que viabilizou a emissão de uma autorização de desmatamento…? (Apremavi)

O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) empenhou-se por sua vez em lutar pela garantia dos direitos dos proprietários que seriam expulsos de suas terras. Em outubro de 2004, centenas de moradores dos municípios atingidos pela Hidrelétrica de Barra Grande iniciaram uma grande mobilização para impedir o desmatamento de dois mil hectares de florestas virgens de Araucária e mais outros quatro mil hectares de florestas em estágio avançado de regeneração.Segundo Érico da Fonseca, morador de Pinhal da Serra e um dos coordenadores do MAB, a mobilização seria por tempo indeterminado. "A barragem está quase pronta e além da fraude no Estudo de Impacto Ambiental, ainda faltam ser reassentadas mais de 600 famílias que estão sendo expulsas de suas terras", denunciou.

Em carta, o MAB expôs a preocupação com a situação vivida pelos agricultores atingidos por barragens. Referia-se à usina de Barra Grande como não sendo a única causadora de males e sim parte de outras obras na bacia do Alto Uruguai. Como se pode ler abaixo, a carta fornece elementos para entendermos as condições dos trabalhadores e o esforço de mobilização e resistência por parte dos atingidos:?Nesta obra, 1000 famílias foram excluídas de qualquer direito. Devido à luta do MAB e de vocês, foi feito um estudo, onde 350 foram consideradas com direito, mas, 650 famílias tiveram novamente direito negado. Isto certamente agravará a violência na nossa região, pois o destino destas é se juntar a muitas outras famílias já expulsas nas favelas das cidades da região.

Os agricultores atingidos pela Barragem de Barra Grande heroicamente estão impedindo o corte de 6000 hectares de florestas na área a ser alagada. Fraude no Estudo de Impacto Ambiental desta obra permitiu a sua licença. Esta área de floresta primária, principalmente araucárias, aparece no EIA como capoeira. O desrespeito com o meio ambiente é total. (…) A nossa região, caracterizada pelo grande número de mini e pequenas propriedades, com imenso potencial agropecuário, está se transformado num imenso lago, com pouca gente na agricultura.

Os que permanecem ficam isolados, desestruturados (estradas fechadas, escolas fechadas, festas, missas e cultos religiosos suspensos, ?comunidades? desfeitas …) (…) Sabedores da histórica luta em defesa da vida travada por vocês, estamos novamente pedindo a ajuda e a solidariedade de vocês. Estamos solicitando audiência com a ministra de Minas e Energia Dilma Roussef para tratar o problema da região como um todo. Pedimos reforço nesta solicitação. Outra forma de ajuda é o deslocamento de pessoas (ambientalistas, estudantes, professores, sociedade em geral) para a região, reforçando o acampamento que impede o desmate.

A terceira sugestão são os pronunciamentos públicos. Pela legitimidade dos vossos testemunhos, seria importante uma nota de apoio, cartas aos ministérios, Baesa, conselheiros do Conama…?Ainda em outubro, as pressões surtiram algum efeito sobre a parte sensível do poder público. Uma liminar do juiz Osni Cardoso Filho, da 3° vara da Justiça Federal de Florianópolis, suspendeu a autorização do Ibama de desmatamento em Barra Grande. A mobilização, no entanto, não foi interrompida.

Os agricultores acampados realizaram assembléia decidiram continuar mobilizados, no intuito de impedirem a retomada do desmatamento. Até o final de 2004, foram intensas as atividades de protesto e denúncia sobre o processo de licenciamento da Baesa.Nos primeiros dias de novembro de 2004, reuniram-se em Vacaria/RS 50 representantes de entidades ambientalistas, organizações populares, movimento sociais, igreja e atingidos por barragens para discutir a situação da obra de Barra Grande e exigir o cancelamento da obra e a reparação dos danos autorizados, com base em informações que minimizavam a realidade dos impactos do empreendimento.

Participaram do encontro pessoas ligadas à FEEC (Federação das Entidades Ecologistas de SC), Amigos da Terra, SOS Mata Atlântica, padres e pastores da região, representantes do gabinete do deputado estadual Frei Sérgio Görgem e atingidos por barragens de toda a região Sul do país. As demandas dos presentes foram as seguintes:

  • Fortalecer e ampliar a aliança entre as entidades ambientalistas, movimentos sociais e igreja.
  • Não permitir o desmatamento da floresta de 6.000 hectares.
  • Organizar uma pauta de luta conjunta.
  • Melhorar a vida do povo atingido, assegurando os direitos e garantindo as condições mínimas de vida digna.
  • Penalizar judicialmente a empresa e os profissionais responsáveis pela fraude.
  • Exigir do governo federal a suspensão da licença da obra.

Em 5 de novembro, os agricultores bloquearam o acesso ao canteiro de obras da barragem de Barra Grande, com o intuito de divulgar as omissões que permearam o processo do licenciamento.Em 9 de Novembro, dirigentes do MAB participaram de audiência com representantes da Casa Civil, do Ministério do Meio Ambiente e das Minas e Energia, onde discutiram os problemas envolvendo a construção da barragem Barra Grande. Também participaram os responsáveis pela obra ? do consórcio Baesa, formado pelas empresas Votorantim, Camargo Corrêa, Banco Bradesco, CPFL e a multinacional norte-americana Alcoa. No dia seguinte, o estado de tensão envolvendo o empreendimento e as comunidades atingidas motivou a deputada federal Luci Choinacki (PT/SC) a solicitar à Secretaria de Estado de Segurança Pública e Defesa do Cidadão o policiamento da área ocupada pelos agricultores. A intenção seria a de garantir o direito de ir e vir e a proteção dos moradores, famílias e agricultores atingidos pela obra.

Na mesma data, estudantes de biologia da UFRS fizeram protesto contra barragem de Barra Grande no Fórum Internacional das Águas, realizado em Porto Alegre. O Fórum entretanto omitiu o episódio e a questão de Barra Grande na sua carta final.No início de dezembro de 2004, passados 50 dias do início do acampamento das 800 famílias atingidas pela obra, militantes realizaram duas grandes marchas em direção à Balsa, localidade próxima à divisa entre os estados de Santa Cararina e Rio Grande do Sul. Os agricultores realizaram uma assembléia e até aquele momento aguardavam uma resposta da Baesa, que estava reunião de negociação com o MAB em Anita Garibaldi/SC.

Em 21 de dezembro, agricultores atingidos pela UHE de Barra Grande e ambientalistas realizaram manifestação em Porto Alegre. Ao mesmo tempo, os agricultores também se mobilizaram para participar da reunião de conciliação convocada pelo desembargador Vladimir Passos de Freitas, do Tribunal Regional Federal (TRF) da 4º Região. O desembargador revigorou liminar proibindo a derrubada de seis mil hectares de mata atlântica na área a ser alagada pela Barragem.

Em março de 2005, várias organizações da sociedade civil, instigadas pelas notícias das fraudes do EIA RIMA, divulgada em outubro, tentavam ações na justiça em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul para impedir o desmatamento na área da hidrelétrica. Várias destas ações estão publicadas no site da Associação de Preservação do Meio Ambiente e da Vida (Apremavi), na seção Documentos, Pareceres e Cartas/Dossiê Barra Grande.

Em que pese as investidas dos atingidos de todos os municípios afetados, a grande mídia e parcela da sociedade continuou omissa. Diferentes comportamentos dos órgãos do Estado provam que a construção de grandes projetos está dada como uma fatalidade política; deixando os atingidos sem referências, pois não têm a quem de fato, recorrer nestes casos. Em 2005 foi concedida a Licença de Operação da Usina.

Última atualização em: 25 de janeiro de 2010

Fontes

As mobilizações contra a construção da UHE Barra Grande podem ser resgatadas nas compilações editadas por Ana Candida Echevenguá, Anelise Fortuna, Sizan Luis, Dep. Luci Choinacki, Gustavo Barreto, Eduardo Luiz Zen, Rodrigo dos Santos, Ane Fonseca, Agência ADITAL, EcoAgência de Notícias, EcoAgência Solidária, sítio Biodireito-Medicina e Agência CARTA MAIOR, em LINK

Fórum discute cronograma da hidrelétrica de Barra Grande. Disponível em LINK

Estadão Online. Omissão de impacto ambiental Ibama multa empresa que omitiu impacto ambiental Disponível em LINK

RMA Engevix explica por que está contestando multa ambiental. LINK

Ambiente Brasil – Diretor de licenciamento do Ibama quer avaliação ampla do impacto dos projetos de hidroelétricas. LINK

APREMAVI – Dossiê Barra Grande. LINK

UHE de Barra Grande. Relatório de Impacto ao Meio Ambiente/Rima ? 1

Ação Civil Pública (ACP) do Núcleo Amigos da Terra Brasil, de 12.01.2005,contra o Termo de Compromisso (TAC) firmado entre IBAMA, a Energética Barra Grande S.A. ? BAESA, o Ministério de Minas e Energia ? MME, o Ministério do Meio Ambiente ? MMA, a Advocacia- Geral da União – AGU e o Ministério Público Federal ? MPF, em 15.09.2004. Disponível em LINK

Baesa – LINK

MIRANDA, Zoraide A. I. de. Licenciamento de Grandes Barragens para fins Energéticos: o Processo de Tomada de Decisão e o Princípio da Precaução. III Encontro da ANPPAS, Brasília, 2006. LINK

PROCHNOW, Miriam, et al. A Hidrelétrica que não viu a floresta. LINK

Apremavi. Documentos, Pareceres e Cartas/Dossiê Barra Grande.LINK

Vídeo. A hidrelétrica que não viu a floresta. LINK

ZEN, Eduardo Luiz. Fraude em estudo garantiu licença para construção de hidrelétrica . LINK

LIMA, Maíra Luísa Milani. Licenciamento ambiental e gestão de riscos: o caso da Usina Hidrelétrica de Barra Grande (RS). Dissertação de Mestrado em Direito/UFSC, Florianópolis, 2006.

LINK

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