Reserva Extrativista (Resex) Jaci Paraná sofre com invasão de caçadores, desmatadores, grileiros e pecuaristas, que praticam ilegalidades dentro de seus limites com conivência de órgãos públicos

UF: RO

Município Atingido: Porto Velho (RO)

Outros Municípios: Buritis (RO), Guajará-Mirim (RO), Nova Mamoré (RO)

População: Extrativistas, Pescadores artesanais, Povos indígenas, Ribeirinhos, Seringueiros

Atividades Geradoras do Conflito: Agrotóxicos, Atividades pesqueiras, aquicultura, carcinicultura e maricultura, Atuação de entidades governamentais, Madeireiras, Monoculturas, Pecuária, Políticas públicas e legislação ambiental

Impactos Socioambientais: Alteração no ciclo reprodutivo da fauna, Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, Assoreamento de recurso hídrico, Desmatamento e/ou queimada, Erosão do solo, Incêndios e/ou queimadas, Invasão / dano a área protegida ou unidade de conservação, Mudanças climáticas, Pesca ou caça predatória

Danos à Saúde: Desnutrição, Doenças transmissíveis, Insegurança alimentar, Piora na qualidade de vida, Violência – ameaça, Violência – coação física, Violência – lesão corporal

Síntese

A Reserva Extrativista (Resex) Jaci Paraná foi criada no estado de Rondônia em 17 de janeiro de 1996, por meio do Decreto nº 7.335, abrangendo áreas dos municípios de Campo Novo de Rondônia, Nova Mamoré e Porto Velho. A Resex possui 197.364,00 hectares, tendo sua maior parte situada no município de Porto Velho, capital do estado, que abriga 66,57% – ou 132.183,33 hectares.

A Resex Jaci Paraná foi criada para promover a exploração sustentável e a conservação de recursos naturais renováveis por parte de comunidades extrativistas, ribeirinhas e indígenas na região, que atuam tradicionalmente na extração da seringa, da castanha, do açaí e de outros frutos e produtos florestais da Amazônia (INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL, 2023). As unidades de conservação, como a Resex Jaci Paraná ou o Parque Estadual de Guajará-Mirim, formam um verdadeiro cinturão de proteção em volta de terras indígenas.

A Resex integra um mosaico de áreas de proteção que estão próximas ou no limite de terras indígenas (TIs), como as TIs Karitiana, Karipuna, Uru-Eu-Wau-Wau (Amondawa, Juma, Oro Win e Uru-Eu-Wau-Wau), Rio Negro Ocaia (Wari’), Igarapé Lage (Wari’) e Igarapé Ribeirão (Wari’). Além disso, há unidades de conservação (UCs) que protegem as TIs, como o Parque Estadual de Guajará-Mirim, o Parque Nacional de Pacaás Novos, a Floresta Nacional (Flona) do Bom Futuro e a Resex Rio Ouro Preto, segundo aponta Fábio Bispo (2022).

A Resex Jaci Paraná é uma Unidade de Conservação gerida pela Coordenadoria de Unidades de Conservação da Secretaria de Estado do Desenvolvimento Ambiental de Rondônia (CUC-Sedam/RO). Sua criação é de grande importância para manter e preservar os biomas e ecossistemas da Amazônia, como as Florestas Ombrófilas (Submontana, Aberta Aluvial e Densa Submontana) – caracterizadas por locais de grande umidade, com vegetação de folhas largas e perenes e por chuvas abundantes e frequentes – ou mesmo vegetações de transição, como a Savana ou Cerrado – caracterizadas por um clima mais quente e seco, com árvores e arbustos espaçados, troncos tortuosos em terreno geralmente plano, segundo registros do Sistema Nacional de Informações Florestais (Snif).

Mesmo diante de tamanha relevância, a Resex Jaci Paraná vem há anos sofrendo ameaças por conta de diversas atividades ilegais praticadas dentro de seus limites, os quais são sucessivamente invadidos por caçadores, desmatadores, grileiros e pecuaristas. Desde 2004, o Ministério Público de Rondônia (MP-RO) e o Ministério Público Federal (MPF) já ajuizaram mais de cinquenta ações civis públicas (ACPs) contra invasores na resex.

Alguns desses inquéritos tiveram ganho de causa para a reintegração de posse, retirada dos animais e invasores, mas muitos não surtiram efeito. Em 2023, 27 anos após a sua criação, dados do governo de Rondônia apontam para a existência de 765 fazendas e 175 mil cabeças de gado dentro da área que deveria estar protegida, segundo publicado pela WWF Brasil (2023).

Mais recentemente, deputados que compõem a Assembleia Legislativa do Estado de Rondônia (ALE-RO), bem como o próprio governador do estado de Rondônia, Marcos Rocha (União Brasil), estimulavam ações inconstitucionais dentro da resex. Rocha incentivou, com projetos de lei, a entrada de atividades ilegais no interior da resex, como a pecuária.

Foi o caso da Lei Complementar nº 1.089/2021, de sua autoria, que alterou os limites da Reserva Extrativista Jaci-Paraná e do Parque Estadual de Guajará-Mirim, reduzindo em quase 220 mil hectares as unidades. A lei foi aprovada na Assembleia Legislativa de Rondônia (ALE-RO) e sancionada em 2021. Porém, em novembro de 2021, foi considerada inconstitucional pelo Tribunal de Justiça de Rondônia (TJ-RO).

Conforme aponta Fábio Bispo (2022), estas ilegalidades contam também com a conivência de órgãos públicos, como a Secretaria de Estado do Desenvolvimento Ambiental de Rondônia (Sedam); a Agência de Defesa Sanitária Agrosilvopastoril de Rondônia (Idaron) e a Secretaria de Estado da Agricultura (Seagri/RO) (BISPO, 2022). Segundo o Ministério Público Federal (MPF), o Idaron era permissivo quanto à entrada de animais na reserva, alegando que a atividade da autarquia não era de fiscalização ambiental.

 

Contexto Ampliado

De acordo com a Anistia Internacional (2019), a maior parte dos/as moradores/as tradicionais da Resex Jaci Paraná são seringueiros e extrativistas, que vivem da colheita de castanha, extração de óleo de copaíba, açaí e outros bens comuns da Amazônia, além de pescarem e realizarem plantios, como o da mandioca.

A reserva de uso sustentável permite, por sua legislação, justamente o desenvolvimento de atividades de subsistência, com manejo da floresta em comunhão com as necessidades das comunidades. No entanto, desde os anos 2000, a resex vem sendo alvo de processos de apropriação ilegal e grilagem de terras visando a expansão da pecuária, com a criação de bovinos.

Além disso, a Resex Jaci Paraná é vizinha da Terra Indígena (TI) Karipuna, entre Buritis, Nova Mamoré e Porto Velho, território que também é alvo constante da exploração de madeireiras ilegais, localizadas nos distritos de Jacinópolis, Nova Dimensão e União de Bandeirantes, as quais usurpam matéria-prima de dentro do território indígena (PAJOLLA, 2021).

A Terra Indígena Karipuna se estende por 153 mil hectares e foi demarcada em 1998. Os Karipuna são um povo indígena com 58 membros, e sua única aldeia se localiza às margens do rio Jaci Paraná. Dentro da TI, as áreas cobertas com pasto aumentaram de 832 hectares, em 2014, para 3.558 hectares em 2018. (ANISTIA INTERNACIONAL, 2019).

O desmatamento e as queimadas avançaram promovendo despejos forçados dos moradores tradicionais, restando, em 2023, apenas três moradores originários dentre as cerca de 60 famílias que habitavam a resex. Moradores/as antigos têm medo de retornar às suas casas por conta das ameaças por parte de grileiros armados, que não só queimaram as residências como também os/as expulsaram violentamente.

“Não tem como voltar lá. Tem gente morando lá. Eu não quero conversa com eles. Se alguém for para lá, vai morrer. Eles matam.” O morador não identificado, contou à Anistia Internacional como perdeu seus meios de subsistência devido ao despejo forçado: “Antes a gente extraía o óleo de copaíba, agora não temos mais. Meu sogro colhia castanha, plantava mandioca. Agora não dá mais para andar no meio da mata” (ANISTIA INTERNACIONAL, 2019).

Uma evolução vertiginosa da ocupação da reserva por invasores é demonstrada por dados da Agência de Defesa Sanitária Agrosilvopastoril de Rondônia (Idaron), segundo os quais as áreas cobertas por pasto passaram de 342 hectares, no ano 2000, para 105 mil hectares em 2018, alcançando no mês de novembro de 2018 o quantitativo de 83 mil cabeças de gado (ANISTIA INTERNACIONAL, 2019).

Além disso, registraram-se 540 propriedades ilegais instaladas no interior da resex. Em 2017, a área de pasto nos limites da reserva superou a quantidade de floresta em pé, segundo reportagem de Fábio Bispo (2022). As imagens abaixo demonstram como se deu essa evolução com o passar dos anos.

Evolução do desmatamento na Resex Jaci Paraná. Fonte: Organização dos Seringueiros de Rondônia (OSR), publicado por Brasil de Fato (2021).

A partir de 2004, segundo Fábio Bispo (2022), o Ministério Público Federal (MPF) e o Ministério Público do Estado de Rondônia (MP-RO) passaram a mover processos coletivos para reprimir ocupações ilegais dentro da resex, obrigando o governo do estado, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) a fazerem valer a legislação de proteção às unidades de conservação. Desde então, foram ajuizadas mais de cinquenta ações civis públicas (ACPs).

Ao menos três decisões judiciais determinando a saída de invasores da resex também foram realizadas, com pedido de restauração da vegetação nativa e pagamento de multa por parte dos grileiros. Entretanto, tais ações não tiveram efeito, pois o estado se recusou a cumprir as decisões.

A exceção ocorreu durante o período em que o ambientalista Paulo Bonavigo esteve à frente da Secretaria de Estado do Desenvolvimento Ambiental de Rondônia (Sedam/RO), entre 2011 e 2013, quando trabalhou pela retirada do gado por meio de bloqueios nas estradas que dão acesso à resex (BRASIL DE FATO, 2022).

Passados dez anos desde as primeiras ações, em 2014 quando nova estimativa indicava a existência de 44 mil cabeças de gado dentro da Resex, os MPs – estadual e federal – recomendaram a suspensão da emissão de Guias de Trânsito Animal (GTAs) por parte do governo do estado de Rondônia dentro da área, pois fomentava a permanência de invasores, gerando expectativa de futura regulamentação fundiária por parte do Estado (ANISTIA INTERNACIONAL, 2019).

A GTA é um documento oficial para transporte animal que contém informações essenciais sobre a rastreabilidade (origem, destino, finalidade, espécie, vacinações, entre outros).

Em outubro de 2017, segundo a Anistia Internacional (2019), o MP-RO recomendou que a Idaron notificasse todos os criadores de bovinos dentro da Resex Jaci Paraná para retirarem seus animais. Também recomendou que o órgão suspendesse a emissão de GTAs, de forma a impedir a entrada de mais animais na reserva extrativista.

Em fevereiro de 2018 o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) relatou ao MPF seu receio sobre a possibilidade de introdução de bovinos na Terra Indígena (TI) Uru-Eu-Wau-Wau e no Parque Nacional (Parna) de Pacaás Novos. O ICMBio também sugeriu que não fossem mais emitidas GTAs para essas áreas protegidas, como forma de conter a ação criminosa, em vista da “evidente incompatibilidade da atividade com os objetivos das áreas legalmente protegidas”.

Embora a Idaron tenha informado, em agosto de 2018, que criaria um grupo estratégico com outros órgãos governamentais para embargar propriedades rurais e inviabilizar a atividade pecuária de grandes fazendeiros dentro da reserva extrativista, a proposta não seguiu adiante.

Enquanto isso, dados apontavam que somente no estado de Rondônia, em novembro de 2018, existiam 2.868 propriedades situadas em áreas protegidas. Relatório da Polícia Civil de Rondônia (PCRO) confirmou vários casos em que a Idaron emitiu GTAs para bovinos ingressando na Resex Jaci Paraná.

De acordo com Fábio Bispo (2022), em 2019, 49.223 animais que estavam dentro da Resex Jaci Paraná foram transferidos para fazendas e frigoríficos localizados fora da unidade de conservação. Assim, foi feita a manobra de “lavagem de gado”, de forma que a carne e o couro pudessem ser vendidos ao mercado sem deixar pistas de ilegalidade.

Grandes frigoríficos compraram carne de gado criado de modo ilegal, conforme denunciou a Anistia Internacional (2019), como as empresas JBS S.A., Marfrig Global Foods S.A. e Minerva Foods. Conforme veiculado pelo Brasil de Fato (2022), a carne produzida ilegalmente na resex é exportada, principalmente para Hong Kong, região autônoma da China, mas também para o Alemanha, Dinamarca, Egito, Itália, Rússia, Suíça e outros 37 países. O relatório completo com as denúncias feitas pela Anistia Internacional pode ser acessado aqui.

Em fevereiro de 2019, de acordo com a Anistia Internacional (2019), o MP-RO emitiu nova recomendação à Idaron para que a agência exigisse que os pecuaristas apresentassem documento demonstrando que suas propriedades eram legais e obedeciam à legislação ambiental, comprovando estarem situadas fora dos limites da resex.

Em resposta, a Idaron se isentou de tal responsabilidade, afirmando ter gerência apenas sobre a questão da defesa sanitária animal, e reclamou que a suspensão da emissão de GTAs teria como consequência riscos à saúde dos animais. Segundo a Idaron, a responsabilidade da remoção dos animais em áreas ilegais seria da Secretaria de Estado do Desenvolvimento Ambiental de Rondônia (Sedam/RO).

Em junho de 2019, a Anistia Internacional apresentou dois pedidos para ter acesso aos dados das GTAs emitidas em Rondônia e no Mato Grosso, mas ambos foram rejeitados sob a alegação de que eram informações privadas. A Idaron forneceu dados parciais, como os municípios de origem e destino dos bovinos, a finalidade de sua movimentação e o número de cabeças de boi transportadas. O Mato Grosso não forneceu informações.

Em julho de 2019, o MP-RO moveu uma ação contra a Idaron para impedir a agência de emitir Guias de Trânsito Animal (GTAs) para a entrada de bovinos na Resex Jaci Paraná, além de obrigá-la a parar de prestar outros serviços às propriedades situadas dentro da reserva extrativista, incluindo a emissão de certificados veterinários e assistência técnica, exigindo que o órgão tomasse medidas enérgicas para desencorajar a atividade pecuária na resex.

O MP-RO solicitou também, em 2019, que a Idaron atualizasse dados de identificação geográfica de propriedades dentro da reserva, mas, até novembro de 2019, momento em que foi publicado o relatório da Anistia Internacional sobre as violações dentro da resex, o órgão não havia fornecido as informações.

Conforme publicado no jornal Brasil de Fato, no dia 20 de abril de 2021, deputados do parlamento estadual de Rondônia tomaram a decisão de praticamente extinguir a Resex Jaci Paraná em benefício da pecuária ilegal. A proposta dos deputados reduziria em 90% a área da Resex, que seria diminuída para 22 mil hectares por meio da Lei Complementar 1.089/2021, de autoria de Marcos Rocha, quando fora deputado estadual pelo Partido Social Liberal (PSL); agora, ele é governador do estado de Rondônia (2019-atual) pelo partido União Brasil.

A lei previa, além da diminuição dos limites da Resex Jaci Paraná, diminuir também os limites do Parque Estadual de Guajará-Mirim, com a perda de 55 mil dos 216 mil hectares, excluindo a própria sede do parque da área de conservação. Ambas as unidades totalizariam uma perda de quase 220 mil hectares. A lei foi aprovada na Assembleia Legislativa de Rondônia (ALE-RO) e sancionada em 2021.

Resex de Jaci-Paraná antes e depois da aprovação da Lei 1.089/21 — Foto: Ministério Público de Rondônia/Divulgação. Fonte: G1-RO.

Segundo Rocha, as áreas de conservação já estariam deveras antropizadas, não servindo mais para propósitos de conservação. A organização Ação Ecológica Guaporé (Ecoporé) considerou a decisão uma afronta à conservação da natureza e um estímulo a mais crimes ambientais (BRASIL DE FATO, 2021).
Tal fato causou preocupação aos indígenas da Terra Indígena (TI) Karipuna, pois as unidades de conservação formam um cinturão de proteção em volta da TI. A desafetação, que implica na perda de vínculo jurídico da área de proteção, impactaria ainda indígenas isolados voluntariamente, que transitam entre o Parque Guajará-Mirim e a TI Uru-Eu-Wau-Wau.
Enquanto tentavam legitimar a grilagem, os deputados estaduais de Rondônia justificaram a desafetação como mecanismo de proteção a supostos “pequenos agricultores”, donos de imensos rebanhos que invadiram as áreas preservadas (BRASIL DE FATO, 2021).
Segundo Paulo Bonavigo, ex-secretário de meio ambiente de Rondônia e hoje ativista ambiental da Ecoporé, o discurso de que se trata de pequenos agricultores é falacioso, dado que a maioria invasora da resex é composta por empresários e grandes fazendeiros, além de políticos, como senadores, deputados e prefeitos, apontados pelos próprios moradores [sem especificar o nome de quais seriam]:
“Tem gente grande, muito laranja. É difícil você provar quem é o dono da terra. Mas uma reserva que tem mais de 100 mil cabeças de gado em área de invasão, não é de pequeno produtor rural” – afirmou Bonavigo (BRASIL DE FATO, 2021).
Como maneira de “compensar” os impactos das perdas de áreas da resex a partir da votação do da lei complementar 1.089/2021, os deputados incluíram na proposta a criação de seis Unidades de Conservação (UCs). Juntas, essas UCs somariam 120 mil hectares: Parque Estadual Ilha das Flores (em Alta Floresta D’Oeste, com área total de 89.789 hectares); Parque Estadual Abaitará (em Pimenta Bueno, com cerca de 152,0003 hectares); Reserva de Desenvolvimento Sustentável Bom Jardim (em Porto Velho, com 1.678,4981 hectares); Reserva de Desenvolvimento Sustentável Limoeiro (em São Francisco do Guaporé, com 18.020,31 hectares); Reserva de Fauna Pau D’Óleo (também em São Francisco, com 10.463,8200 hectares).
Porém, de acordo com o G1 (2023), dias após a vigência dessas criações, dois Projetos de Lei Complementar (PLC) foram promulgados em junho de 2021, extinguindo o Parque Estadual Ilha das Flores (PLC nº 104/2021) e reduzindo a área da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Limoeiro (PLC nº 105/2021), com desafetação de 6.566 hectares. Ambas as leis foram sancionadas na íntegra após a não manifestação do governador Marcos Rocha (União Brasil) dentro do prazo do Executivo – conforme publicado pelo portal O Eco (2021).
Acerca do pedido de redução da Resex Jaci Paraná, o MP-RO encaminhou à Procuradoria-Geral de Justiça um pedido de Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) contra a alteração dos limites das áreas de conservação. Para o MP-RO havia ausência de estudos que mensurassem os impactos ambientais da desafetação, além da ausência de mapeamento das populações residentes e falta de consulta pública. O entendimento do MP-RO era também de que espaços territoriais protegidos não poderiam ser reduzidos pelos deputados estaduais (BRASIL DE FATO, 2021).
Matéria de Cristiane Prizibisckzi (2021) para O Eco apontou que o Tribunal de Justiça de Rondônia (TJRO), em 22 de novembro de 2021, declarou inconstitucional a Lei Complementar nº 1.089/2021, que alterou os limites da Reserva Extrativista Jaci-Paraná e do Parque Estadual de Guajará-Mirim, reduzindo em quase 220 mil hectares as unidades.
Em seu voto, o relator do TJRO, Jorge Ribeiro da Luz, argumentou que a norma feria o artigo nº 225 da Constituição Federal e os artigos 218 e 219 da Constituição de Rondônia, que garantem o direito do ser humano ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e atribuem a responsabilidade dessa garantia ao poder público. Com a decisão pela inconstitucionalidade da Lei nº 1.089, as Leis Complementares nº 104 e 105 também foram, por consequência, consideradas inconstitucionais.
Em 17 de agosto de 2022, reportagem do Brasil de Fato apontava que, com a pressão do setor do agronegócio, a extinção da Resex Jaci Paraná tinha virado bandeira eleitoral na Amazônia nas eleições de 2022. Relatando a inversão dos papéis na UC, em que os moradores tradicionais são tratados como invasores, após terem sido expulsos à bala e terem os cadeados de suas casas violados por parte de grileiros, a matéria contabilizou que, até aquele momento, já havia 765 fazendas no interior da resex.
A proximidade das eleições presidenciais acirrou ainda mais os ânimos e as disputas políticas no local, que cada vez mais viu a extração de frutos amazônicos ser substituída por bois e tratores. Segundo a reportagem, a extinção de Jaci Paraná poderia abrir um precedente que poria em risco outras áreas protegidas da Amazônia, importantes para frear o aquecimento global. A atuação dos deputados de Rondônia transformou-se num “balão de ensaio” para políticas de desregulamentação ambiental, fortemente engajadas durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (2019-2022).
A visão da ex-promotora de meio ambiente do MP-RO, Aidee Torquato, é de que os políticos do estado pretendem sua total extinção. Os órgãos estaduais continuavam fazendo controle de vacinação dos rebanhos ilegais contra a febre aftosa e os invasores reivindicavam a “regularização fundiária” das terras usurpadas da resex.
Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), naquele momento, a Resex Jaci Paraná era uma das unidades de conservação em que o desmatamento mais crescia no país. Levantamentos oficiais do estado de Rondônia apontaram que, em janeiro de 2022, havia 174.406 cabeças de gado dentro da área protegida, número 300% maior do que o registrado em 2015, quando foi feito o primeiro levantamento do rebanho ilegal (BRASIL DE FATO, 2022).
De acordo com matéria publicada no G1 em 28 de fevereiro de 2023, a Assembleia Legislativa de Rondônia (ALE-RO) ingressou com ação no Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar derrubar a inconstitucionalidade da lei que alterou os limites da Reserva Extrativista Jaci-Paraná. A ALE-RO entrou com uma ação no STF solicitando que a decisão fosse revertida e que a Suprema Corte pudesse manter as mais de 1,5 mil famílias morando dentro da área da reserva, a fim de também cessar processos de reintegração de posse.
O pedido foi assinado pelo presidente da ALE-RO, o deputado Marcelo Cruz (Patriota), que se comprometeu em buscar todos os meios jurídicos para resguardar os “direitos” das famílias que vivem na área. Até 4 de dezembro de 2023, nenhuma decisão a respeito da ação havia sido tomada.
Em 12 de abril de 2023, foi lançado, no Congresso Nacional, o documentário “Exilados- extrativistas são expulsos à bala em Rondônia”, realizado pela Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, pela Organização dos Seringueiros de Rondônia (OSR) e pela WWF-Brasil. O doc relata a invasão de homens armados abrindo estradas, derrubando a floresta e invadindo as terras das famílias extrativistas, com depoimentos e entrevistas que apontam para a conivência do Estado para com as invasões e permanência de grileiros dentro da UC. O documentário está disponível aqui.
Parlamentares como Nilto Tatto (PT-SP), coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista no Congresso Nacional, Airton Faleiro (PT-PA) e Célia Xakriabá (Psol-MG) estiveram no lançamento. Durante o evento foi discutida uma proposta de federalização da Resex Jaci Paraná como forma de solucionar o caso. Ivaneide Bandeira Cardozo, a Neidinha Suruí, coordenadora da organização Kanindé afirmou:
“Se continuar do jeito que está, em pouco tempo não vamos ter mais reserva. Aquela Resex é superimportante para o meio ambiente do Brasil. Se a gente permitir que ela seja destruída, vamos abrir um precedente para que o mesmo aconteça em outros lugares do país. Já estamos ‘rondonizando’ o sul do Amazonas, e isso não é coisa boa” (WWF BRASIL, 2023).
Em 27 de setembro de 2023, um incêndio criminoso atingiu a residência de um seringueiro dentro da Resex Jaci Paraná. Tratava-se do vice-presidente da Associação Bem-te-vi, que havia denunciado a extração ilegal de madeira dentro da resex. Por sorte, não houve feridos nem mortos, mas todos os pertences foram destruídos, como roupas, utensílios e objetos pessoais.
O episódio soma-se a uma extensa lista de ameaças que as populações extrativistas vêm sofrendo ao longo dos anos por parte dos grileiros para que saiam da resex. Cerca de um mês antes, em agosto de 2023, outro seringueiro também havia sofrido ameaças por pistoleiros que se diziam funcionários de uma fazenda ilegal instalada na reserva. Denúncias da Organização dos Seringueiros de Rondônia (OSR) apontam que os seringueiros estão sendo impedidos de circular por determinadas áreas, com restrição de 500m desde a beirada do rio Jaci Paraná.

Atualização em novembro 2023

Cronologia

17 de janeiro de 1996 – A Reserva Extrativista (Resex) Jaci Paraná é criada em Rondônia por meio do Decreto nº 7.335, abrangendo áreas dos municípios de Campo Novo de Rondônia, Nova Mamoré e Porto Velho.

A partir de 2004 – O Ministério Público de Rondônia (MP-RO) e o Ministério Público Federal (MPF) ajuízam mais de cinquenta ações civis públicas contra invasores na resex.

Entre 2011 e 2013 – Paulo Bonavigo gere a Secretaria de Estado do Desenvolvimento Ambiental de Rondônia (Sedam) e age pela retirada do gado por meio de bloqueios nas estradas que dão acesso à resex.

2014 – Áreas de pasto na Terra Indígena (TI) Karipuna equivalem a 823 hectares.

– MPF e MP-RO propõem a suspensão da emissão de Guias de Trânsito Animal (GTAs) por parte do estado de Rondônia dentro da área da resex.

2017 – A área de pasto nos limites da reserva supera a quantidade de floresta em pé.

Outubro de 2017 – O MP-RO recomenda que a Agência de Defesa Sanitária Agrosilvopastoril do Estado de Rondônia (Idaron) notifique todos os criadores de bovinos dentro da Resex Jaci Paraná para retirarem seus animais, além de ordenar a emissão de GTAs pelo órgão.

2018 – Áreas de pasto na Terra Indígena (TI) Karipuna equivalem a 3.558 hectares.

Fevereiro de 2018 – O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) relata ao MPF receio sobre a possibilidade de introdução de bovinos na Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau e no Parque Nacional de Pacaás Novos.

Agosto de 2018 – A Idaron afirma que irá criar grupo estratégico para conter atividade pecuária na resex, mas o plano não segue adiante.

Novembro de 2018 – Segundo dados da Agência de Defesa Sanitária Agrosilvopastoril de Rondônia (Idaron), há 83 mil cabeças de gado em 540 propriedades no interior da resex.

– Somente no estado de Rondônia, dados oficiais apontam para a existência de 2.868 propriedades situadas em áreas protegidas.

2019 – Cerca de 49.223 animais que estão dentro da Resex Jaci Paraná são transferidos para fazendas e frigoríficos localizados fora da unidade de conservação.

– O MP-RO solicita que a Idaron atualize dados de identificação geográfica de propriedades dentro da reserva, mas até novembro de 2019 – momento em que é publicado relatório da Anistia Internacional sobre as violações dentro da resex – o órgão não fornece as informações.

Fevereiro de 2019 – O MP-RO emite recomendação à Idaron e solicita apresentação de documentos de legalidade dos pecuaristas com a legislação ambiental.

Junho de 2019 – A Anistia Internacional apresenta dois pedidos para ter acesso aos dados das GTAs emitidas em Rondônia e no Mato Grosso.

Julho de 2019 – O MP-RO move ação contra a Idaron para impedir a agência de emitir GTAs na resex, além de obrigá-la a parar de prestar outros serviços às propriedades situadas dentro da reserva extrativista.

20 de abril de 2021- Deputados do parlamento estadual de Rondônia (ALE-RO) decidem pela quase extinção da Resex Jaci Paraná em benefício da pecuária ilegal, por meio da votação da Lei Complementar nº 1.089/2021, que também afeta o Parque Estadual Guajará-Mirim.

Junho de 2021 – Dois Projetos de Lei Complementar são promulgados, extinguindo o Parque Estadual Ilha das Flores (PLC nº 104/2021) e reduzindo a área da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Limoeiro (PLC nº 105/2021).

22 de novembro de 2021 – O Tribunal de Justiça de Rondônia (TJ-RO) declara inconstitucional a Lei Complementar nº 1.089/2021, que altera os limites da Reserva Extrativista Jaci-Paraná e do Parque Estadual de Guajará-Mirim.

Janeiro de 2022 – Levantamentos oficiais do estado de Rondônia apontam que há 174.406 cabeças de gado dentro da área da Resex.

17 de agosto de 2022 – Reportagem do Brasil de Fato aponta que a pressão do setor do agronegócio transforma a extinção da Resex Jaci Paraná em bandeira eleitoral na Amazônia nas eleições de 2022.

– Até este momento são contabilizadas 765 fazendas no interior da Resex Jaci Paraná.

2023 – Dados do governo de Rondônia apontam para a existência de 765 fazendas e 175 mil cabeças de gado dentro da área da Resex Jaci Paraná.

– Apenas três moradores originários, dentre as cerca de 60 famílias que habitavam a resex, continuam residindo no local.

28 de fevereiro de 2023 – A Assembleia Legislativa de Rondônia (ALE-RO) ingressa com ação no Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar derrubar a inconstitucionalidade da lei que alterou os limites da Reserva Extrativista Jaci-Paraná, em Porto Velho.

12 de abril de 2023 – É lançado, no Congresso Nacional, o documentário  “Exilados- extrativistas são expulsos à bala em Rondônia”, realizado pela Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, pela Organização dos Seringueiros de Rondônia (OSR) e pela WWF-Brasil.

27 de setembro de 2023 – Um incêndio criminoso atinge a residência de um seringueiro dentro da Resex Jaci Paraná, que tem todos os pertences destruídos.

 

Fontes

‘EXILADOS’: documentário mostra expulsão violenta de extrativistas da Resex Jaci Paraná. WWF Brasil, 17 abr. 2023. Disponível em: https://shre.ink/nxP2. Acesso em 02 out. 2023.

ALE move ação no STF para derrubar inconstitucionalidade de lei que reduziu área da reserva Jaci Paraná, em RO. G1/R0, 28 fev. 2023. Disponível em: https://shre.ink/nxec. Acesso em 02 out. 2023.

ANISTIA INTERNACIONAL. Cercar e trazer o boi: pecuária bovina ilegal na Amazônia brasileira. 2019. Disponível em: https://shre.ink/UYKv. Acesso em 02 out. 2023.

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