PB – Acampamento sem terra 15 de Novembro luta contra Usina São João por território e subsistência

UF: PB

Município Atingido: Santa Rita (PB)

Outros Municípios: Santa Rita (PB)

População: Trabalhadores rurais sem terra

Atividades Geradoras do Conflito: Agroindústria, Atuação de entidades governamentais, Atuação do Judiciário e/ou do Ministério Público, Monoculturas

Danos à Saúde: Insegurança alimentar, Piora na qualidade de vida, Violência – ameaça

Síntese

Na Zona Rural do município de Santa Rita, Paraíba, um grupo de cerca de 300 famílias de trabalhadores rurais sem terra ocupou, em 15 de novembro de 2013, uma área de mil hectares da Fazenda São Francisco do Grajaú. As terras em questão têm propriedade duvidosa, uma vez que muitos afirmam pertencer à Arquidiocese da Paraíba e que teriam sido griladas pela Usina São João, empresa setor alcooleiro da família Ribeiro Coutinho.

O acampamento recebeu o nome de 15 novembro, data da primeira ocupação da área. As famílias já sofreram dois despejos e estão na terceira ocupação. As ações de desocupação contaram com a participação violenta da Polícia Militar (PM), que destruiu barracos e plantações – base do sustento das famílias. Há relatos ainda da participação da PM nos esquemas de milícia dos grandes fazendeiros da região.

Apesar das frequentes ocupações e das promessas do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, ainda não há processo aberto junto ao órgão para solucionar a situação de risco destas famílias.

Contexto Ampliado

Santa Rita é um município da Região Metropolitana de João Pessoa, integrando a Zona da Mata Paraibana. Esta é uma região de produção sucroalcooleira, o que acarretou mudanças no cenário dos municípios da região, que sofreram alterações urbanísticas como linhas ferroviárias e rodovias, além de serviços e comércio. De acordo com reportagem do Correio da Paraíba, as terras da zona rural eram férteis e atraíam outras culturas capitalistas além da cana-de-açúcar, como o abacaxi, o fumo e a criação de gado, o que implicou na desarticulação da antiga economia de subsistência, como frisou o historiador José Octávio de Arruda Melo, em História da Paraíba.

Durante a segunda metade do século XX, segundo o Correio da Paraíba, as sete usinas que então operavam no estado da Paraíba mantiveram seu crescimento produzindo três milhões de sacas de açúcar, sendo responsáveis pela geração de 15 mil empregos e 15% do Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICM) arrecadado pelo governo estadual.

Neste cenário de avanço da monocultura e de redução dos cultivos de subsistência, os agricultores familiares sem terra da Paraíba vêm buscando seu fortalecimento para a luta pela terra. No dia 15 de novembro de 2013, um grupo de aproximadamente trezentas famílias do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) ocupou uma área de mil hectares da Fazenda São Francisco do Grajau, no distrito de Livramento, na zona rural do município de Santa Rita.

O caso foi mencionado no Livro de Conflitos no Campo no Brasil em 2013, da CPT, com o registro de 347 famílias integrando a ocupação destas terras.

Segundo Frei Anastácio, deputado estadual e membro da CPT, estas famílias englobam um grupo maior, de cerca de 3000 famílias, que vive em situação de miséria no distrito de Livramento e que recebeu terras da igreja católica para construir suas casas. Estas terras foram doadas pela igreja na gestão de Dom José Maria Pires, quando arcebispo da Paraíba. José Maria foi arcebispo da Paraíba durante 30 anos, entre 1965 e 1995; dessa forma, a doação de terras para as famílias de agricultores foi feita antes de 1995, e se passaram no mínimo 18 anos até que as famílias ocupassem as terras que lhes foram doadas.

Hoje, estão cercados pela cana de açúcar, sem trabalho. São famílias que serviram aos plantadores de cana e a usineiros e sempre viveram na miséria. Durante todos esses anos, essas famílias só conheceram o sofrimento, a pobreza e miséria, o abandono público, relatou Frei Anastácio à reportagem do Paraíba Urgente.

Ainda segundo o Frei, as famílias vivem em situação precária, sem acesso à saúde ou educação, e que a maioria não tem fonte de renda fixa, vivem de catar caranguejo e do pouco que pescam, e buscam a terra para trabalhar. O grupo ocupou, e reivindica, terras que pertencem a Arquidiocese da Paraíba e que, de acordo com o deputado, foram griladas pela Usina São João.

A Usina São João pertence à família do empresário Renato Ribeiro Coutinho, proprietária ainda da Usina Santa Helena, no município de Sapé, Zona da Mata Paraibana. A região tem grande histórico de produção canavieira em grandes fazendas monocultoras. Na década de 1930, a usina São João produzia 40 mil sacas de açúcar. De acordo com reportagem do Correio da Paraíba, o auge do setor e da família Ribeiro Coutinho se deu entre 1945 e 1955, quando seus diferentes grupos empresariais passaram a administrar cinco das sete usinas do Estado na época.

A Usina São João foi dirigida por Renato, posteriormente por seu irmão Odilon, e atualmente segue em funcionamento sob o comando de Eduardo, filho de Odilon. Segundo artigo de Alves e Santana, a família Ribeiro Coutinho tem história na política municipal e estadual da Paraíba no período do auge das usinas, tendo feito João Crisóstomo Ribeiro Coutinho prefeito de Santa Rita, e inclusive um governador, Flavio Ribeiro Coutinho, em 1956. Para as pesquisadoras, estes empresários, quando na política, voltaram sua atuação para obras que se apresentam como ações que beneficiariam a população em geral, mas que, mascaradamente, constituem-se em projetos que auxiliam diretamente o desenvolvimento de seus investimentos pessoais.

De acordo com a reportagem do Correio da Paraíba, em 2013 o setor de produção açucareira ainda representava uma parcela importante da economia da Paraíba, tendo a Usina São João se destacado como a 5a maior empresa no ranking de exportações daquele ano.

Entre os dias 15 e 26 de novembro de 2013, segundo o Paraíba Urgente, os agricultores sem terra já haviam plantado mais de mil pés de banana, 200 pés de coco, maniva de macaxeira e outras culturas. O passo seguinte seria tomar providências junto ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) para a desapropriação das terras.

Apesar das afirmativas de que as terras pertencem à Arquidiocese e de que foram doadas aos agricultores, a Usina São João entrou com ação de despejo contra os moradores do acampamento ainda no mês de novembro de 2013.

Diante da decisão judicial, na manhã do dia 15 de janeiro de 2014 houve uma operação de despejo realizada pela Polícia Militar (PM) no acampamento. Cerca de 200 policiais, incluindo homens do pelotão de choque a cavalo e com cães, estiveram no local com viaturas e apoiaram a ação dos funcionários da Usina São João que, fazendo uso de tratores, destruíram todas as plantações e barracos de lona das famílias. Segundo relato de Frei Anastácio, para o despejo das famílias a polícia agiu usando spray de pimenta e agredindo trabalhadores, como se eles fossem bandidos. […] É uma tristeza ver uma cena dessas no meio de famílias que passam fome.

Dois agricultores, integrantes da ocupação, foram ouvidos pela reportagem do Santa Rita em foco. Neta Silva afirmou que até onde tinha conhecimento aquelas terras eram da Arquidiocese da Paraíba e não da Usina São João e que todos os acampados trabalhavam na terra, tínhamos plantações, não terras ocupadas, completou. Corroborando a afirmação de que aquelas famílias trabalhavam na terra e sobrevivem desta atividade, o Sr. José, agricultor de 65 anos, declarou: Lamento, agora não sei como vou alimentar a minha família.

Durante a ação da PM no acampamento, cinco trabalhadores sem terra foram presos sob a acusação de terem colocado fogo em um dos tratores que destruíam as plantações do acampamento. Eles foram libertados no final do dia, após pagamento de fiança, e foram levados ao ginásio nas proximidades do acampamento para se juntar às famílias desalojadas, que lá se encontravam.

A ação da PM, que montou um aparato de guerra, foi criticada por Frei Anastácio:

Enquanto a violência se alastra no estado, não se vê nenhuma ação assim, com tantos policiais, em busca de drogas e de bandidos assassinos e ladrões. Mas, contra trabalhadores que estão num pedaço de chão tentando colher os frutos da terra para sobreviver, é formada uma verdadeira operação de guerra. Além de queimar e destruir tudo, ainda agiram contra a dignidade das pessoas, com espancamentos, palavras ofensivas e invasão de casas humildes. […] Não dá para ver tanta gente sofrendo, com tanta terra grilada ao lado, sem que se faça nada para mudar a situação. Essa terra tem que ir para as mãos de quem realmente precisa.

No início de abril de 2014, de acordo com o site de Candido Nóbrega (jornalista e advogado Paraibano), houve nova reocupação da área por um grupo de 150 famílias, seguida de mandado de reintegração de posse. As famílias teriam saído da área e retornado em 48 horas. No dia 26 deste mês, o site informa que a usina ainda aguardava a emissão de novo mandado, não havendo maiores informações sobre o desenrolar dos acontecimentos.

Presume-se que as famílias tenham sido retiradas do local, pois, de acordo com notícia da CPT, no dia 21 de julho de 2014, um grupo de cerca de 70 famílias de trabalhadores rurais sem terra reocupou o acampamento 15 de novembro. Esta foi a terceira vez que as famílias tentaram se estabelecer no locl.

A reocupação da área fez parte de uma ação maior do MST em todo o estado, em que simultaneamente foram realizadas outras nove ocupações nos municípios de Taperoá, Livramento, Carir, Gurjão, Sousa, Cacimba, Aparecida e duas em Desterro.

Segundo o agricultor José Arimatéia, membro do acampamento que falou ao G1, as famílias foram despejadas outras vezes e retornaram porque é uma área própria para que a gente consiga cultivar. Uma área que estava abandonada pela usina.

De acordo com a CPT, ao chegarem ao local as famílias encontraram dois homens trabalhando na vigilância da fazenda e que tentaram impedir sua entrada. Depois de alguma tensão, as famílias conseguiram desarmar um dos homens e expulsá-lo da área, enquanto o segundo fugia. A arma encontrada em posse de um dos homens era uma pistola com o símbolo da PM da Paraíba, uma arma do Estado a serviço da capangagem, como denunciou Frei Anastácio.

De acordo com reportagem do Adital, viaturas da PM cercaram a área para recuperar a arma que ficou na posse dos trabalhadores, afirmando que a mesma estaria cautelada com o homem que fazia a segurança da Usina. As famílias de acampados desconfiaram que o homem fosse mais um policial fazendo serviço para o latifúndio e avisaram que devolveriam a arma apenas para a Corregedoria Geral da Paraíba, e mediante a presença de advogados. Para o MST, os agricultores, por experiência, já sabiam que entregar a arma para os policiais resultaria em nada.

De acordo com o MST, Aristóteles Tavares de Moura, corregedor geral da Secretaria de Estado da Segurança Pública e Defesa Social da Paraíba, esteve no acampamento na tarde do mesmo dia, quando a arma foi entregue (uma pistola PT 40, SFY 72209, na cor preta). Além do corregedor, estiveram presentes neste momento parceiros e apoiadores dos agricultores: Conselho dos Direitos Humanos, sargento Pereira, Frei Anastácio, membros da CPT, membros do Núcleo de Direito da Universidade Federal da Paraíba, membros da Consulta Popular, além dos advogados do MST.

O MST da Paraíba, segundo o Adital, espera que desta vez alguma atitude seja tomada por parte das autoridades, visto que esta foi a segunda vez em menos de um ano que o movimento entregou provas de que policiais militares estão a serviço do latifúndio e oprimindo os trabalhadores rurais. Além desta ocorrência com as famílias do Acampamento 15 de Novembro, em outubro de 2013, no Acampamento Wanderley Caixe, no município de Caaporã, houve situação semelhante, na qual os agricultores conseguiram render e desarmar jagunços que ameaçavam as famílias.

No dia seguinte em que se deu a terceira ocupação da área pelas famílias, 22 de julho de 2014 portanto, dirigentes do MST na Paraíba estiveram reunidos com representantes da Secretaria de Desenvolvimento Humano da Paraíba (Sedh), da PM e do INCRA para discutir as ocupações que o movimento vem realizando no estado. Durante este encontro, segundo reportagem do G1, foi criada uma comissão para analisar os casos de conflito agrário no estado e os pontos de reivindicação apresentados pelo MST, a saber:

1. Cancelamento dos processos de reintegração de posse das seguintes áreas: Ouro Verde – Caaporã; Mangueiral – Soledade; Paraíso – Pilar; Retirada – Caaporã; Wanderley Caixa – Pedras de Fogo; Salgadinho – Mogeiro;

2. Rever o gerenciamento de conflitos, que hoje é feito por uma pessoa e passar a ser realizado por uma equipe;

3. Identificar e punir policiais que atuam como milícias;

4. Solicitar presença do corregedor geral da polícia e da comissão de gerenciamento de crise nos momentos de despejo;

5. Proibir atuação de policiais de Pernambuco nos conflitos dentro da Paraíba;

6. Garantir estrutura de desocupação, como presença de ônibus e caminhões;

7. Retração do pelotão de choque nas áreas de conflito;

8. Oficiar o Governo de Pernambuco para que seja investigada a atuação da PM daquele Estado na ação de ocupação da BR 101 no dia 18 de julho.

Ainda que as reivindicações não façam menção direta ao caso do conflito no acampamento 15 de Novembro, elas abordam questões como a do envolvimento de policiais na milícia, o que afeta o caso aqui retratado.

Apesar dos esforços do MST e dos membros das famílias acampadas, não há registro de processo aberto no INCRA para a inserção destas terras no programa de reforma agrária.

Cronologia

15 de novembro de 2013 – Cerca de 300 famílias do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) ocupam área de mil hectares da Fazenda São Francisco do Grajau, no distrito de Livramento, município de Santa Rita.

2013 – Caso registrado no Livro de Conflitos no Campo no Brasil em 2013, da CPT.

Novembro de 2013 – Usina São João entra com ação de despejo contra os moradores do acampamento.

15 de janeiro de 2014 – Operação de despejo realizada pela Polícia Militar (PM) no acampamento destrói todas as plantações e barracos de lona; cinco trabalhadores sem terra são presos.

Abril de 2014 – Segunda ocupação da área por um grupo de 150 famílias, seguida de mandado de reintegração de posse.

21 de julho de 2014 – Terceira Ocupação da área, desta vez por um grupo de cerca de 70 famílias. Dois homens armados fazem vigilância da fazenda e tentam impedir sua entrada, as famílias conseguem desarmá-los e entregam as armas na presença do corregedor geral da Secretaria de Estado da Segurança Pública e Defesa Social da Paraíba.

22 de julho de 2014 – MST na Paraíba realiza reunião com a Secretaria de Desenvolvimento Humano da Paraíba (Sedh), PM e INCRA para discutir as ocupações que o movimento vem realizando no estado.

Fontes

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ALVES, Naiara F; SANTANA, Martha F. C. M. Uma história de Santa Rita. In: Anais do ANPUH XXII SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA. João Pessoa, 2003. Disponível em: http://goo.gl/XqkaJM. Acessado em: 07 nov. 2014.

CENTRAL ÚNICA DOS TRABALHADORES NA PARAÍBA. Após oito horas presos, trabalhadores sem terra são libertados em Santa Rita. 17/01/2014. Disponível em: http://goo.gl/tuyib1. Acessado em: 30 ago. 2014.

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SANTA RITA EM FOCO. Famílias são retiradas de área ocupada em Santa Rita: Não sei como vou alimentar minha família, diz agricultor. Janeiro de 2014. Disponível em: http://goo.gl/rflhDx. Acessado em: 07 nov. 2014.

NÓBREGA, Candido. Em Santa Rita, MST desafia justiça e dribla duas vezes reintegração de posse. 26/04/2014. Disponível em: http://goo.gl/WkbD3a. Acessado em: 18 set. 2014.

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