PA – Centenas de comunidades de assentados de Lago Grande são ameaçadas pela mineração enquanto aguardam os títulos coletivos de suas terras

UF: PA

Município Atingido: Santarém (PA)

População: Agricultores familiares, Extrativistas

Atividades Geradoras do Conflito: Mineração, garimpo e siderurgia

Impactos Socioambientais: Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, Falta / irregularidade na demarcação de território tradicional, Invasão / dano a área protegida ou unidade de conservação

Danos à Saúde: Insegurança alimentar, Piora na qualidade de vida, Violência – coação física

Síntese

O Projeto de Assentamento Agroextrativista (PAE) Lago Grande, localizado no município de Santarém, no Estado do Pará, foi criado em 2005 e tem uma extensão de 250 mil hectares. Organizados na Federação das Associações de Moradores e Comunidades do Assentamento Agroextrativista da Gleba do Lago Grande (Feagle), as 144 comunidades, com uma população aproximada de 35 mil pessoas, vivem da extração de recursos florestais de maneira sustentável.

Apesar do reconhecimento do território, os moradores aguardam há quase 15 anos os títulos coletivos de suas terras.

Nos últimos anos, a mineração tem se constituído na principal ameaça de larga escala. A empresa de alumínio Alcoa World Alumina do Brasil já opera uma mina de bauxita no PAE Juruti Velho, nas proximidades do assentamento, e busca expandir suas operações para o Lago Grande.

Parceiros como o Ministério Público Federal (MPF) e o Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Santarém (STTR) têm se mobilizado contra a mineradora, mas os assentados continuam cotidianamente sendo alvos de aliciamento e pressões por parte da empresa.

Contexto Ampliado

Estabelecido em 2005, o Projeto de Assentamento Agroextrativista (PAE) Lago Grande tem uma extensão de 250 mil hectares, e atende a uma demanda das comunidades das regiões do Arapiuns, Arapixuna e Lago Grande.

Juntas, compõem toda a gleba Lago Grande, localizado em uma região de lagos entre os rios Tapajós, Amazonas e Arapiuns, no oeste do Pará, segundo a Federação das Associações de Moradores e Comunidades do Assentamento Agroextrativista da Gleba Lago Grande (Feagle).

Organizados em 144 comunidades, habitam o assentamento aproximadamente 35 mil pessoas que vivem do agroextrativismo.

A área, rica na sua sociobiodiversidade, vem sendo assediada pela mineradora Alcoa World Alumina do Brasil, que já atua no município de Juruti, vizinho ao assentamento, e pretende expandir seu empreendimento de exploração de bauxita para o território do Lago Grande. Foram anos de luta para garantir a permanência na terra das famílias agroextrativistas, mas a regularização das terras do PAE Lago Grande ainda não está completa.

Em 2005, momento em que aumentavam os interesses econômicos sobre as terras da gleba, os plantadores de soja já haviam se instalado em todo o planalto de Santarém e buscavam novas áreas para se expandir, a mineradora Alcoa estava instalando seu projeto de extração de bauxita em Juruti e as madeireiras começavam a invadir terras para extrair madeira ilegalmente no Alto Lago Grande.

Ao mesmo tempo, a maioria das famílias da gleba permanecia sem documentos de propriedade que garantissem a posse dos seus lotes. Sem esses documentos, as famílias podiam perder suas terras pela pressão que crescia por parte da grilagem, das madeireiras e mineradoras, segundo informações da Feagle.

Depois de realizarem várias audiências públicas em diferentes comunidades, as associações decidiram solicitar ao Incra a criação do Projeto de Assentamento Agroextrativista da Gleba Lago Grande. Com apoio do Ministério Público Federal (MPF), do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Santarém (STTR) e de outras organizações da região, as comunidades conseguiram que sua demanda fosse atendida.

O PEA foi homologado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em 2005 e pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) em 2008, e atualmente está em processo de revisão.

Esse tipo de assentamento é caracterizado como Ambientalmente Diferenciado, o que significa que os títulos de terra são coletivos e concedidos às famílias agroextrativistas que historicamente ocupam terras públicas devolutas em áreas ricas em biodiversidade.

São famílias que vivem da pesca, do extrativismo (coleta de produtos da floresta), da agricultura e de outras atividades que geram pouco impacto ambiental, de acordo com o Folheto sobre o PAE Lago Grande, realizado pela Feagle.

Essa modalidade de assentamento foi instituída pela Portaria nº 268 no dia 23 de outubro de 1996, e os define como “um assentamento destinado à exploração de área dotada de riquezas extrativas, através de atividades economicamente viáveis, socialmente justas e ecologicamente sustentáveis, a serem executadas pelas populações que ocupem ou venham ocupar as mencionadas áreas”.

Segundo Julianna Malerba, assessora da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase), nessa modalidade de assentamento a posse da terra é coletiva.

Ela explica em matéria da própria organização que nesses casos não há parcelamento de lotes (as áreas tradicionalmente ocupadas por cada família são reconhecidas e respeitadas coletivamente) e as terras são mantidas públicas sob usufruto das comunidades que as ocupam por meio de um Contrato de Direito Real de Uso (CDRU), celebrado com a associação de moradores ou com a federação de associações de moradores que representa as famílias beneficiárias.

“Esse contrato não pode ser convertido em título de propriedade – nem coletivo e nem individual – e essas terras, embora possam ser herdadas não podem ser vendidas”.

Atualmente, os moradores do PEA Lago Grande ainda aguardam pelo georreferenciamento dos 250 mil hectares e pela revisão ocupacional para determinar quais famílias do primeiro cadastramento (2005/2006) permanecem assentadas.

Somente então, as mais de cinco mil famílias cadastradas das 144 comunidades da região poderão ter acesso às políticas e programas de reforma agrária, fundamentais para o apoio à produção agroextrativista, segundo a Fase.

De acordo com o relatório sobre a situação fundiária do Projeto Lago Grande, elaborado por Julianna Malerba (Fase) e Girolamo Treccani, da Universidade Federal do Pará (UFPA), em sua criação o assentamento considerou uma área maior do que a arrecada pelo Incra. Como foram considerados mais áreas no Decreto que é de domínio do Incra, a dificuldade reside, então, na indefinição do que é terra pública e o que é terra privada na área do assentamento.

Ainda sobre essa questão, a pesquisadora em direitos humanos e direitos socioambiental da UFPA, Tatiane Rodrigues de Vasconcelos, aponta em entrevista ao portal da Terra de Direitos:

“As indefinições geográficas impedem o Incra de implementar as políticas de reforma agrária a que o assentamento tem direito. Sem saber onde se localizam exatamente as áreas que, de fato, estão dentro do PAE e onde, portanto, tais políticas poderiam ser executadas, o Incra se vê em uma situação de insegurança jurídica que o vem impedindo de garantir a consolidação do assentamento.”

Essa situação de não consolidação do assentamento significa, para as famílias, dificuldade em organizar a vida, se instalar na área e ter acesso às políticas públicas como assistência rural, saúde e educação.

“Como [a delimitação da área] não está definida a gente fica com insegurança jurídica muito forte. Segundo a norma, as comunidades não poderão receber políticas públicas do governo federal sem o título. O programa de habitação rural, por exemplo, não está sendo instalado por falta de indefinição do território”, diz Manoel Edivaldo Matos, presidente do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR) de Santarém e morador do PAE Lago Grande.

“A ausência do título faz com que pessoas se desfaçam das suas áreas, na promessa de que na cidade teria vida melhor, mas a gente sabe que é muito pelo contrário”, aponta Manoel na mesma entrevista. Ele conta a intensificação da política de cortes nas áreas sociais pelo governo federal, expressa em maior potência pela implementação da Emenda Constitucional 95/2016, que deve dificultar o acesso aos serviços básicos. “Falta estrada, ações na saúde, educação. A maioria das comunidades na área rural não tem ensino médio, água potável, e agora é pior ainda pelos cortes”, denuncia Matos para a repórter Lizety Borges.

Historicamente, o território do assentamento tem sido pressionado pela atuação de madeireiros, latifundiários da soja e criadores de gado. A regularização da terra coletiva é tida como uma etapa fundamental na proteção dos direitos territoriais das famílias agroextrativistas diante destes empreendimentos.

Antes mesmo de requererem suas terras, em 2003, a Alcoa iniciou as pesquisas minerais sem autorização do Incra e da Feagle, causando dúvidas entre os assentados em relação a seus direitos territoriais e levando muitas comunidades a rejeitar a entrada da empresa desde o princípio.

A Feagle só descobriu a presença da empresa em 2008, quando foi alertada pelos comunitários e informou ao Incra. O órgão, depois de uma visita de verificação, notificou a Alcoa em setembro do mesmo ano para que suspendesse as pesquisas, segundo a organização não governamental Fase.

Em outubro de 2008, o Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Santarém (STTR) e a Feagle reafirmaram em assembleia que não queriam pesquisas minerárias da Alcoa no PAE. A empresa respondeu à notificação do Incra dizendo que suspenderia as pesquisas.

Entretanto, em agosto de 2010, iniciou uma ação judicial demandando a entrada no território. Desde então, todas as assembleias comunitárias seguiram reafirmando a rejeição à entrada da Alcoa no território.

De acordo com a Fase, sem licença para operar, a empresa mudou de estratégia. Desde 2012, a mineradora tem financiado ações sociais na região, com objetivo de convencer as comunidades sobre os possíveis “benefícios” da mineração. Entre as promessas que os moradores afirmam escutar de agentes da empresa, estão as de melhorias das estradas e escolas e a oferta de empregos.

Edilson Figueira, vice-presidente do STTR, relata em entrevista à Amazônia Real que a empresa começou a promover ações sociais e oferecer pequenos projetos nas comunidades, como criação de galinhas e hortaliças:

“A Alcoa começou a chegar também nas associações maiores, nos conselhos de pesca, nas escolas-polos, oferecendo projetos, reformas de sala de aula, de quadra esportiva, micro-ônibus e capacitação técnica para os jovens. Mas essa capacitação é na sua própria empresa, em Juruti”.

Segundo o sindicalista, as comunidades do PAE Lago Grande estão “entre a cruz e a espada”, com problemas na regularização fundiária e avanço da mineradora.

“Esse local que a Alcoa quer explorar bauxita é numa área de berçários onde os peixes desovam. Se isto [exploração] acontecer, acaba tudo. É numa área onde está a maioria das comunidades, com produção de agricultura familiar”, afirma.

O advogado Nil Negrão, também entrevistado pelo Amazônia Real, afirma que a mineradora vai nas comunidades para tentar convencer os líderes a aceitar a pesquisa e a exploração oferecendo apoio financeiro.

“Aí o líder comunitário, que nunca viu esse valor [dinheiro], que nunca teve fomento de outras organizações, e que está distante de tudo… Fica muito fácil com esse poder de barganha que eles [mineradora] têm, a influência de capital. E essa pessoa influencia outras pessoas a ficar contra movimentos sociais e sindicais. E começa a trabalhar em prol da empresa. É isso que eles [mineradora] querem. Ter anuência da comunidade.”

Em 2016, o principal alvo da empresa foram as escolas das comunidades. Em uma dessas ações, a Alcoa chegou a entregar um cheque de U$ 3 mil durante um dia de ação social. Em outros casos, a empresa ofereceu apoio financeiro a projetos sociais através de um programa denominado “Action”.

“A empresa sabe que as escolas precisam de recursos e que sua entrada nas salas de aula tem um enorme potencial de capilaridade na vida comunitária”, afirma Diana Aguiar, do Grupo Nacional de Assessoria da Fase.

Durante a audiência pública, ela apresentou uma sistematização das estratégias da empresa identificadas no PAE Lago Grande a partir de entrevistas e análises de documentos judiciais, da Feagle, do Incra e da própria empresa.

Nos dias 24 e 25 de novembro de 2016, o Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR) de Santarém, no Pará, realizou uma audiência pública no Projeto de Assentamento Agroextrativista (PAE), em Lago Grande, com objetivo de debater a regularização fundiária do território, o Plano de Utilização para o território e as ameaças representadas pela mineração na região.

Na audiência, o representante do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Arquimedes de Cerqueira Junior, apresentou os entraves relacionados a regularização fundiária do assentamento, principalmente, em decorrência da ação de grileiros, histórica na região.

Por outro lado, o representante do Programa Terra Legal (PTL), Gilson Gonçalves da Silva, responsável pelo georreferenciamento da área, afirmou que o processo está em fase de finalização e deveria ser concluído em breve. Manoel Edivaldo, presidente do STTR, celebrou a notícia e afirmou que o empenho do Sindicato seguiria até que a regularização estivesse completa.

No segundo dia da audiência, o Plano de Utilização do PEA foi debatido a partir de propostas de revisão feitas pelos comunitários durante uma série de oficinas realizadas pela Feagle, que dedicava esforços para que as diversas comunidades do PAE participassem na revisão do Plano, e ainda realizaria uma reunião de adoção do novo documento no início de 2017, segundo matéria da Fase.

Em 2017, o Incra contratou uma empresa para fazer o georreferenciamento da área, mas não o fez por completo. Matos relata que neste mesmo ano foi firmado um termo de cooperação técnica entre Sindicato, Fase, a UFPA e o Incra para realização de novo mapeamento da área, que tampouco foi concluído.

Também em 2017, foram propostas alterações na lei que garante o direito à posse da terra coletiva. No caso do PEA, como se trata de uma área rural de uso comum de terras públicas pelas famílias, o título concedido é dentro da modalidade de Contratos de Concessão de Direito Real de Uso (CCDRU).

As famílias, assim, deveriam usar coletivamente a área, sem o direito de revendê-las. Esse título poderia ser repassado à uma pessoa jurídica, como, por exemplo, uma associação de moradores. Essas, entre outras determinações, estava garantida na Lei 8.629/1993 e no Decreto-Lei 271/1967.

Porém, com a aprovação da nova lei de regularização fundiária nº 13.465/2017, o título já não pode ser mais concedido à uma entidade representativa dos assentados e sim entregue de forma individual às famílias.

Conhecida como “lei da grilagem”, essa nova regra – objeto de forte interesse da bancada ruralista no governo do então Michel Temer (do Movimento Democrático Brasileiro – MDB) – retira a dimensão coletiva da posse da área.

A referência à grilagem se materializa no campo justamente por expor o pequeno proprietário, de posse do título individual da terra, ao assédio de grandes proprietários e ao mercado de terras, conforme reportagem da Terra de Direitos.

Segundo a jornalista Elaíze Farias, a pressão no assentamento aumentou com a aprovação dessa lei. Deste então, o Incra tem pressionado as comunidades para aceitarem a regularização das terras em lotes individuais através do Contrato de Concessão de Uso (CCU), dentro de um assentamento que é coletivo e não pode ter loteamento individual.

Manoel Edivaldo Matos diz que a demora da emissão dos CCDRU vulnerabiliza o assentamento:

“O Incra está trabalhando nos assentamentos coletivos, como é o caso do Lago Grande, através do CCU. São concessões individuais em áreas de assentamento coletivo, o que não pode acontecer. Mas nós estamos lutando pelo CDRU. E aí vem essa política do CCU que fragiliza a nossa luta. Assim como abre as portas para que venha uma forte pressão para o parcelamento de lotes individuais em áreas coletivas. Isso não nos dá garantia alguma”, afirma Matos em entrevista ao Amazônia Real.

Apesar da nova legislação não ter efeito direto sobre assentamentos considerados ambientalmente diferenciados, como é o caso do PAE Lago Grande, o receio das lideranças e das organizações é que, sem o CCDRU, os moradores das comunidades passem a aceitar a proposta do CCU como opção de regularização territorial.

Manoel ressalta que o modelo de parcelamento individual, no lugar do coletivo, “facilita a comercialização de terras para o agronegócio”.

A pesquisadora Julianna Malerba, assessora da Fase, reitera à repórter Elaíze Faria que, embora essa nova legislação não seja aplicada em assentamentos como o PAE Lago Grande, estas áreas vivem “enorme pressão para serem abertas ao mercado, por ações relacionadas à dinâmica expansionista de apropriação de terras. Em muitos PAEs o processo de regularização fundiária que asseguraria a posse da terra em favor das associações de moradores não foi concluído. As portarias de criação são publicadas, dando existência legal aos assentamentos, mas o Contrato de Direito Real de Uso não é celebrado entre o Incra e a associação (ou federação) que representa os moradores”.

Juliana ressalta ainda que, sem estrutura e vontade política para resolver as indefinições fundiárias que levariam à assinatura do CCDRU nesses PAEs, o que o Incra tem feito para responder à demanda dos assentados é celebrar com algumas famílias, cujos lotes dentro dos PAEs estão em terras públicas, um Contrato de Concessão de Uso (CCU).

Esse contrato transfere provisoriamente o imóvel à família e possibilita que ela receba os benefícios previstos na política de reforma agrária, mesmo com os cortes.

“Ainda que atenda uma demanda imediata de acesso a políticas públicas, a entrega de CCUs, instrumento utilizado via de regra em assentamentos convencionais, abre caminho para que, a médio prazo, os assentamentos diferenciados possam ser convertidos em assentamentos convencionais, uma vez que se mostra mais factível a regularização fundiária de lotes familiares que da área coletiva sobre a qual as indefinições fundiárias existentes precisam ser resolvidas. Não por acaso, a superintendência do Incra em Santarém já vem anunciando a intenção de entregar CCUs em algumas comunidades do PAE Lago Grande”, ressalta Malerba.

Além disso, Manoel enfatiza que essa prática tem encorajado também o assédio de políticos. Muitos aproveitam o período de pré-campanha eleitoral para divulgar os benefícios do documento. Um dos políticos mais presentes é o deputado federal Wladimir Costa (do Solidariedade – SD). O deputado ficou famoso por jogar confete durante votação do impeachment de Dilma Rousseff (do Partido dos Trabalhadores – PT) e fazer uma tatuagem falsa do presidente Michel Temer no braço.

Wladimir ajudou a nomear o próprio irmão Mário Sérgio Costa na superintendência do Incra na região do rio Tapajós, em setembro de 2016.

“Eles (Wladimir e Mário) têm rádio em Santarém e se utilizam de caravanas para levar o CCU nas comunidades. Não é papel do deputado fazer isso. Ele usa o órgão federal como se fosse ele levando um benefício para as comunidades, levando títulos”, ressalta Negrão, advogado do STTR.

O advogado também defende que a falta de regularização do assentamento coletivo gera uma grande articulação dentro do espaço territorial que ameaça o morador do assentamento. “Tendo essa ilusão de que o empreendimento chega com o desenvolvimento, as pessoas ficam querendo isso [documentos de lotes individuais]”, conta à Terra de Direitos.

Para contrapor essa prática, as organizações das comunidades, incluindo o STTR, realizam uma campanha denominada “Não abra mão de sua terra”.

“Fazem uma propaganda e mostram uma roupagem maravilhosa. Mas o que está por trás disso [CCU] é a regularização para que o setor do agronegócio possa comprar depois para plantar soja e vender como área regularizada. O objetivo não é fomentar a agricultura familiar. O CCU é para áreas que têm assistência técnica e para se receber alguns benefícios. Mas isso não é o caso do Lago Grande, que não tem assistência técnica e nem temos esperança de que vai ter em curto prazo”, afirma Nil Negrão para reportagem do Amazônia Real.

O Incra, entretanto, alegava que “não tem intenção ou previsão de mudança no tipo de assentamento no caso citado [Lago Grande]” e que a “pretensão da autarquia é emitir o CDRU com a fração ideal correspondente à área total”.

Segundo reportagem da Amazônia Real, isso representa o direito outorgado ao assentado para facilitar o acesso a políticas públicas, como financiamentos de crédito, sem a demarcação de lotes, informando apenas a fração ideal em relação à área total do projeto. Mesmo assim, sem previsão de emissão do CRDU nem comentários a respeito de que a superintendência do Incra em Santarém estaria pressionando os assentados a aceitar a divisão de lotes individuais através do CCU.

Segundo a assessoria do Incra, o Governo Federal definiu como meta a titulação de terras aos beneficiários do Programa Nacional de Reforma Agrária a fim de assegurar o direito à posse definitiva da área explorada há anos pelas famílias assentadas. A assessoria disse que 85% dos assentados ainda não detêm o título definitivo de sua parcela.

“Espera-se ainda com a titulação promover segurança jurídica da propriedade, desenvolvimento econômico das regiões tituladas, geração de emprego e renda para os agricultores familiares”, diz a nota do Incra, informando ainda que o total de títulos provisórios e definitivos expedidos em 2017 (123.553) foi superior ao total de documentos emitidos no período de 2013 a 2016 (98.860).

Na contramão desse processo, foi protocolado no Incra, no dia 20 de março de 2018, o Plano de Utilização das Comunidades do Assentamento Agroextrativista da Gleba Lago Grande, importante instrumento regulador das comunidades e que tem como objetivo descrever as regras de uso dos recursos naturais e os direitos e deveres de todos os trabalhadores que vivem nas comunidades.

O plano está baseado em quatro principais diretrizes: (i) assegurar a sustentabilidade da comunidade, conservando os recursos naturais para as presentes e futuras gerações; (ii) servir como guia para os moradores e as moradoras utilizarem o extrativismo, a agricultura, a caça, a pesca e a agropecuária de forma sustentável; (iii) promover melhores condições de vida para os moradores e as moradoras, com respeito às leis ambientais; (iv) criar diretrizes para o desenvolvimento econômico, social e cultural tendo por base a organização e participação comunitária.

No dia 6 de abril de 2018, o juiz Érico Rodrigo Freitas Pinheiro revogou uma liminar que favorecia a Alcoa, atendendo a um pedido do Incra e ao parecer do MPF.

O juiz diz na sentença que a empresa juntou nos autos “os documentos que tratam apenas das autorizações de pesquisa, com indicação genérica da área autorizada, mas sem indicação do perímetro e nada referem quanto à deliberação, pelo DNPM (Departamento Nacional de Produção Mineral), órgão vinculado ao Ministério de Minas e Energia”.

O magistrado levou em consideração também o argumento da Defensoria Pública da União (DPU), que alegou que “em nenhum momento a parte autora demonstrou a consulta à população ali residente, o que impede a prevalência do interesse econômico sobre o social”.

No dia 14 de julho de 2018 foi realizada uma Audiência Pública, promovida pelo Ministério Público Federal e presidida pela procuradora da República Luisa Astarina Sangoi, com o objetivo de ouvir as indagações e demandas das comunidades do PAE Lago Grande, verificar os empecilhos no processo de reforma agrária e ainda registrar as inúmeras notícias de possíveis práticas de ilícitos ambientais.

Foram convidados a participar da audiência lideranças das comunidades localizadas no PAE Lago Grande e órgãos governamentais e não governamentais envolvidos com a temática, assim como toda a população interessada, e, em especial, representantes da Defensoria Pública da União (DPU) e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

Na audiência, os líderes comunitários ressaltaram que o Incra, órgão responsável por efetivar a reforma agrária, tem se mostrado ineficiente no seu objetivo. Com cortes no orçamento, sem estrutura e com poucos servidores, a autarquia ainda sofre com o constante e abusivo uso político como palanque eleitoral. Para muitos, o Incra atende mais aos interesses dos grandes produtores do que aos assentados.

Denunciavam também que, com a ausência da titulação das terras, as políticas públicas de desenvolvimento das comunidades ainda não chegaram. Os moradores da comunidade Bom Futuro cobraram a presença de uma ambulância exclusiva para a região do Arapiuns, além do Barco Abaré.

Os comunitários reivindicavam a instalação de torres de sinal para garantir cobertura de telefonia em toda a região. A implantação do ensino médio nos lugares onde não é ofertado, além da manutenção da modalidade nos lugares em que já existe. Muitos defendiam também a instalação de polos universitários próximo das comunidades, como já acontece em algumas comunidades indígenas.

Além disso, ressaltaram a dificuldade de acesso para algumas comunidades. O trajeto entre a comunidade de Muruí, onde fica a sede da Federação das Associações de Moradores, e as Comunidades do Assentamento Agroextrativista da Gleba Lago Grande (Feagle), é feito por meio fluvial e rodoviário.

Após 1h de viagem de lancha de Santarém, é possível chegar até o porto da comunidade de Aninduba. Seguindo pela estrada vicinal Transarapixuna, percorre-se 22km até o entroncamento com a estrada Translago, de onde são percorridos mais 56km até a comunidade.

A viagem deveria durar 1h30min, mas acaba sendo feita em 2h30min devido às péssimas condições das estradas, que são esburacadas. Quanto à comunicação, não há sinal de nenhuma operadora de telefonia. Comunitários que moram nas proximidades da Escola Municipal São Sebastião conseguem ter acesso à internet quando a rede wi-fi do educandário está ativada, e esporadicamente podem utilizar redes sociais.

Como resultado dessa audiência, o Ministério Público Federal (MPF) ajuizou no mesmo ano uma ação contra a mineradora Alcoa solicitando a suspensão dos apoios que ela vinha oferecendo às escolas e associações dentro do PAE Lago Grande, onde tem interesse de extrair bauxita.

Um dos argumentos centrais da ação, que foi acolhida pelo juiz em primeira instância, é que tanto a pesquisa quanto a extração mineral geram significativos impactos socioambientais, ainda mais graves em um assentamento agroextrativista, que, além de possuir grande biodiversidade, conta com a presença de comunidades tradicionais que dependem diretamente desses recursos para viver.

A ação do MPF defendia também que, antes que qualquer ação da empresa tivesse início (fossem programas sociais ou a exploração dos recursos naturais), era necessária a realização de consulta às entidades representativas dos moradores, o que não havia sido feito.

Mesmo que o título coletivo (CCDRU) não tenha sido emitido, a existência do PAE já tem garantido proteção da posse da terra às famílias. Quando for concluída a titulação coletiva, além da segurança fundiária, políticas de apoio à produção familiar e agroextrativista também poderão ser implementadas.

Em novembro de 2018, a Justiça Federal proibiu a empresa Alcoa e sua subsidiária Matapu Sociedade de Mineração de entrar no PAE do Lago Grande. A multa diária em caso de descumprimento é de R$ 50 mil.

A decisão atende a pedido do MPF que acusava a mineradora de assediar as comunidades para realizar pesquisa na região, inclusive com oferta de recursos financeiros. O assédio teria continuado mesmo após recomendação enviada à empresa.

A procuradora da República, Luisa Astarita Sangoi, afirmou ao Repórter Nacional da Amazônia que as visitas e ofertas da Alcoa na região são irregulares e violam normas ambientais, minerárias e a Convenção 169 da OIT.

“O que aconteceu foi que representantes da Alcoa foram ingressando, distribuindo panfletos, e muitas vezes oferecendo dinheiro para algumas pessoas pontuais, sem obedecer às instâncias deliberativas das comunidades, desagregando, criando discórdia e confusão entre as pessoas.”

Em dezembro de 2018, ocorreu novo ataque legal ao PAE. Os vereadores do município de Santarém incluíram, desconsiderando a vontade popular, uma emenda à minuta do Plano Diretor de Santarém (2019-2029) permitindo a implantação de terminais de uso privado e estações de transbordo de cargas no Lago do Maicá, área de preservação ambiental.

Manoel enfatiza que o assédio externo pela fragmentação da área já se coloca em termos da lei:

“A gente sabe que existe interesse por empresas da mineração e do agronegócio em dividir a terra e regularizar de forma individual. Foi aprovado o Plano Diretor de Santarém e dentro eles colocaram no mapa a área do Lago Grande para [possível exploração da] área pelo agronegócio. Isso abre esse mercado inclusive para implementação de prédios perto do rio”, relata para a repórter Lizety Borges.

Outra preocupação é que este cenário de fragmentação das terras acentue os conflitos no campo. Em 2018, conforme os dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), o Estado do Pará registrou 122 conflitos agrários envolvendo grilagem, a exploração intensa das áreas por diferentes setores e a luta pela terra.

De acordo com a repórter Lizety Borges, no dia 10 de maio de 2019, o Tribunal de Justiça do Pará (TJ-PA) negou o pedido de reintegração de posse de área onde está localizada a Comunidade Vila Brasil, no município de Santarém (PA). O terreno que integra o PAE Lago Grande, tem 72 famílias instaladas.

Uma servidora pública entrou com o pedido de reintegração de posse da área que, além de ser espaço onde estão instaladas as casas das famílias, é também local de uso coletivo da escola, do clube e do cemitério.

Na decisão, o desembargador Constantino Augusto Guerreiro determinou que o processo, antes tramitando na Vara Cível, deveria ser deslocado para a Vara Agrária. Com isso, o desembargador reconheceu que o conflito pela disputa da área envolve, de um lado, a servidora e, de outro, um coletivo que estabelece o uso comum da terra.

“A decisão é importante porque o processo foi iniciado como conflito entre duas famílias, mas foi necessário reconhecer que se tratava de um conflito, de um lado, e uma comunidade de outro, o que significou o reconhecimento da tese de direito coletivo”, conclui o assessor jurídico da organização não governamental Terra de Direitos, Pedro Martins.

A decisão adquire um caráter ainda mais emblemático, segundo Martins, por reconhecer que se trata de um conflito agrário envolvendo um projeto de assentamento agroextrativista.

Com a competência de julgamento de casos que envolvem conflitos agrários, a Vara Agrária atua orientada para especificidades das questões agrárias e para adoção de medidas que reconheçam, entre outros, a demanda coletiva, e não apenas interesses individuais – como a de um proprietário rural.

“É uma conquista importante”, declarou o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Santarém, Manoel Edvaldo Santos Matos. Conhecido na comunidade como Peixe, o morador e liderança local reconheceu a dimensão comunitária da Vila “desde que me entendo como gente. São populações tradicionais que nasceram e se criaram aqui”.

Ele ainda destacou em entrevista ao Terra de Direitos que a decisão do Tribunal de Justiça do Pará traz um importante precedente para outras comunidades assediadas por fazendeiros e diversos empreendimentos:

“Foi uma conquista grande para nós, pra comunidade, para as famílias, mas não apenas para elas porque esta batalha é muito simbólica. Se perdêssemos, eles [fazendeiros e interessados em empreender nos territórios tradicionais] iriam se basear nesta decisão. Tem mais gente que está tentando entrar com reintegração de posse de áreas coletivas.”

No dia 28 de agosto de 2019 foi realizada uma reunião extraordinária do “Fórum Permanente do Ministério Público do Estado do Pará com a sociedade civil para Questões Agrárias e Fundiárias”. O tema principal foram os conflitos em áreas de assentamentos na região oeste do Pará.

Segundo o próprio MPE/PA, participaram do encontro representantes do Incra, Polícia Militar, Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e das associações de áreas de assentamento, sob a coordenação da promotora de Justiça Ione Missae Nakamura, titular da Promotoria Agrária de Santarém e coordenadora do Núcleo de Questões Agrárias e Fundiárias do MPE/PA.

No dia 12 de novembro de 2019, a Justiça Federal sentenciou o processo e manteve a proibição à Alcoa World Alumina do Brasil e à sua subsidiária Matapu Sociedade de Mineração de entrarem no PAE Lago Grande.

De acordo com o site Confirma Notícia, o juiz federal Érico Rodrigo Freitas Pinheiro destacou trecho de voto da desembargadora federal Selene Almeida sobre medidas que devem ser adotadas no curso do procedimento de consulta livre, prévia e informada:

“As exigências fundamentais que a consulta instalada pelo Estado deve observar: (i) a oitiva da comunidade envolvida prévia, anterior à autorização do empreendimento; (ii) os interlocutores da população indígena ou tradicional que será afetada precisam ter legitimidade; (iii) exige-se que se proceda a uma pré-consulta sobre o processo de consulta, tendo em vista a escolha dos interlocutores legitimados, o processo adequado, a duração da consulta, o local da oitiva, em cada caso etc.; (iv) a informação quanto ao procedimento também deve ser prévia, completa e independente, segundo o princípio da boa-fé; (v) o resultado da participação, opinião, sugestões quanto às medidas, ações mitigadoras e reparadoras dos danos causados com o empreendimento será refletida na decisão do Estado.”

A sentença acata pedidos feitos pelo Ministério Público Federal (MPF) em ação ajuizada em setembro de 2018. A mineradora explora bauxita em terras vizinhas ao assentamento e, de acordo com denúncias dos moradores relatadas pelo MPF à Justiça, vem assediando irregularmente as comunidades com o objetivo de expandir as atividades na região.

Para o juiz, a Alcoa tem um entendimento equivocado sobre o impacto de suas atividades na área do Lago Grande, ao considerar que a atividade de pesquisa minerária tem impacto reduzido:

“Ainda que de impacto reduzido, a pesquisa interfere no cotidiano das comunidades tradicionais, em vista do trânsito de pessoas estranhas à sua organização social no território onde habitam e da utilização de maquinário, ainda que não invasivo, o qual pode interferir na sua rotina habitual.”

O juiz entendeu que deve ser respeitado integralmente o direito previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que trata dos direitos de comunidades tradicionais em todos os países signatários:

“O texto da convenção é claro e direto ao estabelecer que a consulta deve ser realizada cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente. Assim, tanto na fase de pesquisa quanto na de lavra, a consulta às populações tradicionais é procedimento prévio a ser adotado.”

Para celebrar a decisão, nos dias 16 e 17 de novembro de 2019, mais de 1,3 mil pessoas do Projeto de Assentamento Agroextrativista (PAE) Lago Grande caminharam 42 quilômetros, percorrendo o território, em ação denominada Romaria do Bem Viver.

A caminhada foi coordenada por jovens do PAE, promovendo além de um encontro com as comunidades um manifesto em defesa de um dos maiores assentamentos do País. Alguns desses jovens estiveram no Ministério Público Federal (MPF), em Santarém, para entregar o chamado Manifesto de Cuipiranga e agradecer o trabalho judicial da instituição, que livrou o assentamento do assédio da mineradora Alcoa.

“A gente entende que essa luta é nossa, nossos pais e avós fizeram a parte deles e agora é a nossa vez de defender o território. A caminhada que fizemos foi importante para conhecermos a nossa terra e para nos admirarmos novamente pela beleza da natureza e da cultura no lugar onde vivemos”, disse Ricardo Aires, um dos emissários da Romaria do Bem Viver que visitou o MPF e foi recebido pelo procurador da República Paulo de Tarso Moreira Oliveira, segundo a própria assessoria do MPF.

Osmac dos Santos, morador de uma das comunidades e organizador da caminhada, explicou ao procurador que o que motivou a juventude do Lago Grande a passar todo o ano de 2019 planejando a expedição foi a vontade de defender o território contra a mineração e pela manutenção do seu bem viver: “Discutimos os grandes perigos que ameaçam o nosso território e vamos defender nosso modo de vida e a terra”.

Para os organizadores do Manifesto de Cuipiranga, a mineração é incompatível com o modo de vida tradicional das comunidades do assentamento.

“Nós vimos o que a mineração fez em outras comunidades no Pará, no Amapá, em Minas Gerais. A natureza não consegue mais se regenerar, isso é uma mentira”, disse Jorge Furtado, liderança comunitária que lembrou o artigo 225 da Constituição Federal, que trata do direito de todos os brasileiros ao meio ambiente sadio e preservado.

O procurador da República Paulo de Tarso recebeu o material dos jovens, ouviu os relatos e reafirmou a Constituição brasileira como defensora dos direitos das comunidades do Lago Grande. “Desenvolvimento é viver bem, é sentir-se bem e a Constituição garante o direito de vocês de prosseguirem e prosperarem do modo que vocês escolheram, que seus ancestrais ensinaram”, disse a própria assessoria do MPF.

De acordo com o Greenpeace, durante a caminhada foi realizado o seminário “PAE Lago Grande: Território do Bem Viver – livre de mineração”. Um dos principais focos foi de compreender os impactos da exploração de bauxita no PAE, especialmente por parte da mineradora Alcoa. Sandrielem Corrêa Vieira, de 19 anos, da Comunidade Coroca, abriu o seminário:

“É muito gratificante testemunhar o esforço de cada um para chegar aqui. E por que, nós, jovens, pensamos em fazer isso? Olhem ao redor, esta paisagem… olhem onde estamos. Isso aqui é o próprio Bem Viver. Mas ele está ameaçado por uma mineradora que está entrando em nossos territórios. Vamos ficar de braços cruzados? Não! Vamos informar as pessoas sobre os riscos que estamos correndo e fortalecer nossa resistência.”

Muitos participantes enfatizaram a importância da titulação coletiva da terra, atrelada à luta contra os agrotóxicos e as madeireiras. Ao reconhecerem que os interesses da mineradora e das comunidades não são conciliáveis, gritaram em coro: “Nossas vidas não fazem sentido sem a terra, sem os rios, sem os igarapés. Não queremos mineração aqui”.

Greicy Nardines Branches Gomes, de 24 anos, da Comunidade Araci, revelou aos repórteres do Greenpeace:

“Fiquei muito emocionada quando a multidão estava sentada na areia vermelha, na terra sagrada de nossos ancestrais, e um rapaz que mora na ponta, do outro lado do Lago Grande, nos falou sobre o que está acontecendo na comunidade dele. Ele deu seu testemunho sobre os impactos que já acontecem lá. Mostrou para nós, jovens, que, se aceitarmos a mineração, nossas praias, nossos igarapés, nossas vidas serão destruídas.”

A caminhada foi organizada pela Pastoral da Juventude, e contou ainda com o apoio do Grupo Mãe Terra, da Federação das Associações de Moradores e Comunidades do Assentamento Agroextrativista da Gleba Lago Grande (Feagle), do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Santarém (STTR-STM), da Fase-Amazônia e do Greenpeace.

Mesmo com essa importante vitória, há quase 15 anos que os moradores do PAE Lago Grande aguardam o Incra assinar o Contrato de Concessão de Direito Real de Uso (CCDRU) – documento que repassará as terras públicas da gleba para as famílias representadas pela Feagle. Para fazer isso, o Incra precisa corrigir erros que constam no registro de propriedade da União relativos à Gleba Lago Grande.

A Feagle e o Sindicato dos trabalhadores e trabalhadoras Rurais de Santarém têm pressionado constantemente o Incra para que esse registro seja corrigido. Em 2019, o Incra, com a ajuda da Universidade Federal do Pará, e o apoio da Feagle, do STTR e da Fase, avançou nesse processo de revisão. A expectativa é de que prontamente esses problemas sejam resolvidos e o título coletivo (o CCDRU) seja concedido às famílias.

É importante ressaltar, entretanto, que mesmo sem o título coletivo (CCDRU) assinado, o decreto que criou o PAE Lago Grande, em 2005, tem sido instrumento eficaz para impedir que as famílias do PAE percam suas terras. Como existe o assentamento, nenhuma empresa ou indivíduo de fora do PAE pode adquirir essas terras legalmente, garantindo segurança às famílias contra o assédio dos interesses econômicos.

Além disso, o assentamento também faz com que qualquer grande projeto que queira se instalar tenha que negociar sua chegada com associações e com a Feagle, e não individualmente, com cada família. Aguarda-se ainda o momento em que as famílias recebam os títulos coletivos de suas terras e tenham seus direitos assegurados.

 

Atualização : 20/12/2019

 

Cronologia

2003 – Alcoa inicia pesquisas minerárias na região sem autorização do Incra e do Feagle.

2005 – Estabelecimento do PEA Lago Grande.

2005 – PEA homologado pelo Incra.

2008 – PEA homologado pelo Ibama.

Outubro de 2008 – STTR e a Feagle realizam assembleia reafirmando que não querem pesquisas minerárias da Alcoa no PAE.

Agosto de 2010 – Alcoa inicia ação judicial demandando a entrada no PEA.

2012 – Alcoa financia ações sociais na região para convencer as comunidades a aceitar a mineração.

2016 – Alcoa financia escolas com o mesmo objetivo.

24 e 25 de novembro de 2016 – STTR realiza audiência pública no PEA para debater a regularização fundiária do território.

2017 – Incra contrata empresa para fazer o georreferenciamento do PEA, mas não o finaliza.

2017 – Nova lei de regularização fundiária nº 13.465/2017 é aprovada.

14 de julho de 2018 – MPF realiza Audiência Pública com as lideranças do PEA.

2018 – MPF ajuíza uma ação civil pública contra a Alcoa.

2018 – CPT registra 122 conflitos agrários no Pará.

10 de maio de 2019 – TJ-PA nega o pedido de reintegração de posse da Comunidade Vila Brasil, e realoca o processo para a Vara Agrária.

28 de agosto de 2019 – Reunião extraordinária do “Fórum Permanente do Ministério Público do Estado do Pará com a sociedade civil para Questões Agrárias e Fundiárias”.

12 de novembro de 2019 – Justiça Federal sentencia a proibição à Alcoa World Alumina do Brasil e à sua subsidiária Matapu Sociedade de Mineração de entrarem no PAE Lago Grande.

16 e 17 de novembro de 2019 – 1,3 mil pessoas do PEA percorrem a Romaria do Bem Viver.

 

Fontes

ASSENTADOS de Lago Grande rejeitam projeto de mineração da Alcoa. Fase, 06 dez. 2016. Disponível em: https://bit.ly/2s9QiCW. Acesso em: 07 dez. 2019.

BONILHA, Patrícia. Jovens cabanos fazem história no PAE Lago Grande. Greenpeace, 22 nov. 2019. Disponível em: https://bit.ly/2LDzpr6. Acesso em: 12 dez. 2019.

BORGES, Lizety. TJ-Pará cancela despejo e reconhece conflito coletivo em Assentamento Agroextrativista, em Santarém. Terra de Direitos, 25 maio 2019. Disponível em: https://bit.ly/2sfhErd. Acesso em: 08 dez. 2019.

FARIAS, Elaíze. Incra gera conflitos ao pressionar titulação de lotes individuais no Lago Grande, em Santarém. Amazônia Real, 11 maio 2018. Disponível em: https://bit.ly/2YETd2T. Acesso em: 11 dez. 2019.

FEDERAÇÃO DAS ASSOCIAÇÕES DE MORADORES E COMUNIDADES DO ASSENTAMENTO AGROEXTRATIVISTA DA GLEBA DO LAGO GRANDE – FEAGLE. Plano de utilização das comunidades do Projeto de Assentamento Agroextrativista (PEA) da Gleba Lago Grande, 20 mar. 2018. Disponível em: https://bit.ly/2PDy1HG. Acesso em: 18 dez. 2019.

JUSTIÇA mantém proibição de entrada de mineradora em assentamento do Pará. Confirma Notícia, 19 nov. 2019. Disponível em: https://bit.ly/2Q15J8H. Acesso em: 16 dez. 2019.

JUSTIÇA proíbe empresa de alumínio de entrar em Projeto de Assentamento em Santarém (PA). Repórter Nacional Amazônia, 01 nov. 2018. Disponível em: https://bit.ly/2Z4wsp6. Acesso em: 15 dez. 2019.

LUCIANO, Weldon. Comunidade do Assentamento Lago Grande cobra Incra infraestrutura. O Estado Net, 01 ago. 2018. Disponível em: https://bit.ly/2qyMqLi. Acesso em: 09 dez. 2019.

MPF convoca audiência pública para discussões dos problemas do assentamento Lago Grande, em Santarém (PA). Ministério Público Federal do Pará, 25 maio 2018. Disponível em: https://bit.ly/36iSVRA. Acesso em: 09 dez. 2019.

MPF recebe manifesto de jovens em defesa do Assentamento Lago Grande, Santarém (PA). Ministério Público Federal do Pará, 28 nov. 2019. Disponível em: https://bit.ly/36fTQlV. Acesso em: 10 dez. 2019.

PARÁ. Ministério Público do Estado Do Pará. Fórum realiza reunião para discutir conflitos em áreas de assentamento. MPPA, 02 set. 2019. Disponível em: https://bit.ly/2PE4D3Q. Acesso em: 18 dez. 2019.

 

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