MT – Comunidade quilombola de Mata Cavalo – apesar da conquista da titulação, ainda expulsa e sob ameaças
UF: MT
Município Atingido: Nossa Senhora do Livramento (MT)
Outros Municípios: Nossa Senhora do Livramento (MT)
População: Quilombolas
Atividades Geradoras do Conflito: Atuação de entidades governamentais, Atuação do Judiciário e/ou do Ministério Público, Monoculturas
Impactos Socioambientais: Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, Falta / irregularidade na demarcação de território tradicional, Poluição de recurso hídrico
Danos à Saúde: Falta de atendimento médico, Insegurança alimentar, Piora na qualidade de vida, Violência – ameaça
Síntese
A comunidade quilombola de Mata Cavalo encontra-se localizada, no Estado de Mato Grosso, às margens da BR-MT 060, no município de Nossa Senhora do Livramento, situado a 50 quilômetros da capital Cuiabá. Mata Cavalo ocupa um espaço geográfico de 14.622 hectares, divididos e organizados em seis associações/comunidades: Aguaçu de Cima, Mata Cavalo de Cima, Ponte da Estiva (fazenda Ourinhos), Capim Verde (ou Mata Cavalo do Meio), Mutuca e Mata Cavalo de Baixo. Apenas a de Capim Verde estaria totalmente esvaziada de moradores, devido a ações violentas que afugentaram a comunidade. Estas formam o complexo Sesmaria Boa Vida Quilombo Mata Cavalo. Segundo a lenda, o ribeirão que dá nome ao lugar, teria, durante um temporal, levado a vida de vários cavalos com seus tropeiros, ao ser atravessado por eles, obrigados por seus chefes.
Segundo dados do Programa Saúde da Família, a comunidade é composta por 174 famílias, totalizando "458 pessoas classificadas nas seguintes faixas etárias: 84 pessoas com idade superior a 60 anos, 253 adultos entre 19 e 59 anos e 121 crianças e adolescentes até 19 anos". A historiadora Maria dos Anjos Lina dos Santos observa, autora da citação, informa que "as comunidades têm referência numa ancestralidade e estão entrelaçadas pelas relações de parentesco (…) através dos casamentos. Encontramos pessoas que declaram pertencerem tanto a uma comunidade quanto à outra. Não há separação rígida nessas divisões e sim um sentimento de pertença com raízes no passado histórico que as precederam".
Segundo estudos realizados por Maria de Lourdes Bandeira, as terras originais do quilombo Mata Cavalo faziam parte da então Sesmaria Boa Vida e foram doadas pela antiga proprietária aos seus escravos. A partir de então os mesmos tornaram-se livres e continuaram nas terras, plantando e colhendo para si. Outras áreas contíguas foram compradas e incorporadas ao quilombo no final do século XIX.
Entre meados de 1890 e 1930, os negros da comunidade Mata Cavalo começaram a sofrer pressões de fazendeiros locais, que por compras legítimas e por meio de manobras judiciais, grilagem de terras, expansões e cercamentos ilegais, aumentaram significativamente suas áreas de pasto, enquanto as terras da comunidade negra foram gradativamente diminuindo.
Atos de violência e ameaças por parte de fazendeiros são elementos importantes, que obrigaram famílias quilombolas a vender ou abandonar suas terras e se mudar para lotes na periferia de Cuiabá e Várzea Grande. Segundo Lina dos Santos, "do processo de expulsão dos moradores de Mata Cavalo originou-se a formação do bairro Capão dos Negros em Várzea Grande". As famílias que permaneceram resistindo no Mata Cavalo não escaparam de viver sob a tensão de constantes ameaças dos que ambicionavam tomar-lhes as poucas terras restantes.
Segundo dados levantados pela equipe da Relatoria Nacional de Direitos Humanos ao Meio Ambiente da Plataforma Dhesca Brasil, que visitou o local em agosto de 2004, o movimento de retomada das terras pelos quilombolas teve início por volta de 1960, por compras das posses de pequenos proprietários e trabalhadores brancos. Contudo, a partir da década de 1980, com a redemocratização, abertura política e mobilizações intensas do movimento negro, que resultaram em garantias constitucionais dos direitos fundiários das comunidades negras rurais e auto-identificadas como quilombolas, se intensificou o processo de retomada das terras do antigo quilombo de Mata Cavalo. O processo se deu por duas vias: por meio de novas aquisições e por meio de ocupações e criação de assentamentos não-oficiais nas antigas terras negras, o que acirrou ainda mais as disputas e conflitos com os atuais proprietários legais da área.
Segundo Suely Dulce de Castilho, em 1997, "após luta acirrada do Movimento Negro local e o cumprimento ao disposto no artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), da Constituição Federal, formaram-se grupos de trabalho compostos por técnicos da Secretaria de Estado da Cultura, por representantes do grupo União e Consciência Negra (Grupon), pela Fundação Cultural Palmares e pela comunidade de Mata Cavalo". Estudos sócio-culturais e antropológicos da comunidade foram então desenvolvidos, "a fim de verificar se a área se enquadrava na categoria remanescente de quilombo". Com base na definição da Associação Brasileira de Antropologia (ABA), o relatório classificou a área enquanto tal.
O reconhecimento oficial da comunidade remanescente de quilombos se deu em 1999, pela certidão de auto-reconhecimento emitida pela Fundação Palmares, que culminaria no processo de reconstrução identitária e fundiária da comunidade, e na titulação, em 2000, de 11,7 mil, dos mais de 14 mil hectares identificados posteriormente pelo Incra como área remanescente do quilombo.
A titulação das terras quilombolas reacendeu o conflito com os fazendeiros, que além da disputa no âmbito judicial, promoveram episódios de arbitrariedade e violência, alguns deles com apoio de policiais.
Atualmente, a situação dos quilombolas é precária, apesar da confirmação da titulação das terras por parte do Incra em 2007, em conformidade com as novas regras para titulação de terras quilombolas estabelecidas pelo decreto 4887/2003. Os comunitários do Mata Cavalo encontram dificuldades para reconstruir sua antiga comunidade e instalar-se definitivamente nessas terras. O principal entrave é a morosidade característica dos processos judiciais que contestam a titulação. Até o momento, não há decisão definitiva sobre a matéria, o que vem impedindo o governo federal de promover a desintrusão da área e realizar a demarcação e assentamento das famílias. Isto tem gerado apreensão e impactado seriamente a saúde de membros da comunidade, alvos de constante pressão, impedidos de garantir plenamente sua subsistência, além de algumas das famílias estarem instaladas em áreas sem qualquer infra-estrutura sanitária.
Os quilombolas permanecem mobilizados em torno da questão e, com o apoio de várias instituições, mantêm viva a luta pela garantia de seus direitos.
Contexto Ampliado
O histórico recente do conflito pela retomada dos antigos territórios do quilombo Mata Cavalo é caracterizado pela acentuação da disputa em torno da posse legítima das terras. Como em muitos conflitos socioambientais, dois tipos de pretensões por direitos concorrem pelos mesmos recursos ambientais territorializados.
Por um lado, os atuais proprietários das fazendas instaladas na área alegam um direito privado de posse das terras, baseados na existência de títulos legais antigos que atestariam a boa fé da aquisição do domínio sobre o território. Por outro, os remanescentes da comunidade quilombola de Mata Cavalo possuem direitos coletivos garantidos constitucionalmente sobre o território tradicional, oficialmente identificado, reconhecido e de titulação recente.
A Justiça Federal tem corroborado a tese de que o acesso àquelas terras é um direito legal dos atuais proprietários e seu usufruto uma prerrogativa que decorre da titulação antiga sobre a maior parte do território. Ao que parece, o processo histórico que resultou na expulsão da maior parte das famílias quilombolas da região, fato que precedeu e deu origem a boa parte das fazendas atuais, não teve maior peso na análise judicial. Daí a aparente contradição entre as ações do poder judiciário, com concessões de liminares e ordens de despejo em favor dos fazendeiros, e as ações do poder executivo, cujo processo administrativo de identificação e reconhecimento resultou nas titulações da Fundação Palmares e do Incra para áreas, respectivamente, de 11.700 e 14.600 hectares, sobreposta às fazendas em questão.
Fruto de mobilizações e lutas dos diversos movimentos de base étnica, tanto indígenas, quanto quilombolas, o Estado brasileiro tem hoje considerável conjunto de dispositivos constitucionais, legais e normativos que reconhecem a primazia do direito coletivo dessas comunidades em relação ao direito privado de indivíduos ou grupos econômicos que porventura tenham a posse legal de determinado território. Para os detentores de patrimônio adquirido e construído de boa-fé, há a salvaguarda da indenização dos bens que venham a ser desapropriados. O judiciário brasileiro, entretanto, tem tido dificuldade em incorporar essas mudanças e conquistas legais nas decisões que profere, e permanece firmando a maior parte delas em defesa dos direitos de propriedade dos fazendeiros e donos de imóveis rurais.
Um exemplo disso são as habituais ordens de despejo concedidas pelas justiças estadual e federal contra as famílias tradicionais ocupantes de áreas tituladas. Quando o senhor Ediberto Martins conseguiu, em 1994, a primeira ordem de despejo contra as famílias que então ocupavam a área da Fazenda Romalle, conhecida como 207, não havia base legal que respaldasse a legitimidade e o direito das famílias despejadas ao território. No entanto, esta situação não se verifica quando os juizes Marcos José Siqueira e Teomaro Corrêa expedem mandado judicial para reintegração de posse de duas fazendas na área. Nessa ocasião, maio de 2003, cerca de 11.700 hectares já haviam sido reconhecidos e titulados pela Fundação Cultural Palmares como terras dos quilombolas de Mata Cavalo. Cerca de 30 famílias foram despejadas na ocasião, em violenta operação da Polícia Militar, que resultou em destruição e perdas para as famílias.
É importante observar que, havendo vontade política das autoridades responsáveis, é possível encontrar entendimento entre as partes. Em 1996, os mesmos proprietários que em 2002 solicitaram o despejo acima aludido firmaram acordo com o governo estadual para o arrendamento de pouco mais de 300 hectares da Fazenda Romalle para o assentamento de famílias quilombolas e sem-terra que naquele momento retornavam à região e que haviam ocupado terras no local, gerando grande conflito. Esse comodato, embora não representasse a solução definitiva, teve a virtude de criar uma situação de estabilidade provisória em meio a um quadro de disputa e violência. Todavia, a provisoriedade não gerava direito líquido e certo sobre o território. A partir de 2002, as lideranças quilombolas se negaram a renovar o acordo de comodato e retomaram a luta pela posse de uma área que já havia sido reconhecida como suas, por direito.
Esta recusa reacendeu o conflito e deu origem a novas ameaças e pressões por parte dos fazendeiros. No dia 20 de agosto de 2002, o fazendeiro Ediberto Martins entregou carta dirigida ao governador Rogério Salles, na qual afirmava ter contatado "vários fazendeiros da região que não concordam com esta farsa de quilombo para me ajudar a botá-los para correr. Se houver mortes, a culpa será do governo, que não soluciona o impasse". A carta dizia que o prazo para os quilombolas desocuparem as terras venceria no dia 31 de agosto.
Em resposta, os quilombolas, o Sindicato Nacional dos Docentes do Ensino Superior (Andes), o Sindicato dos Trabalhadores da Educação em Mato Grosso (Sintep), o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST/MT), estudantes e ativistas promoveram vigília na comunidade e conseguiram impedir qualquer ação violenta por parte dos fazendeiros.
Em 2003, por solicitação do Procurador Chefe da República em Mato Grosso Pedro Taques, o juiz federal substituto da 2ª Vara de Mato Grosso, Paulo Cézar Alves Sodré, fez visita de inspeção judicial na área de Mata Cavalo, especialmente nas Fazendas Nova Ourinhos, São Carlos e Romalle. Estava acompanhado de representantes do Ministério Público Federal, da Procuradoria Geral do Estado, do Ibama e da Polícia Federal, famílias dos quilombolas e advogados dos fazendeiros. A comitiva constatou que as pessoas estavam sem acesso à água porque o sr. Carlos Maciel, da Fazenda São Carlos, lhes bloqueava a passagem através da área que alega ser de sua propriedade, obrigando-as a percorrer 10 km para chegarem ao riacho. Além disso, o fazendeiro possuía um rebanho de gado utilizando a área do mesmo riacho, a montante. Como resultado da visita ao local, o juiz federal determinou que o fazendeiro permitisse a passagem dos moradores por aquela via, mais próxima para o acesso à fonte de água. Além disso, ele determinou um prazo para que Carlos Maciel retirasse seu rebanho da área do quilombo (Relatório Missão Dhesca – p.20).
A indefinição fundiária das terras – cuja titulação era contestada – deu margem a ações violentas de ambos os lados. Se de um lado os proprietários rurais ameaçavam os quilombolas e patrocinavam ações de despejo, por outro as famílias remanescentes do quilombo Mata Cavalo reocupavam outras áreas. Em 2003, pelo menos dez famílias ocuparam parte da Fazenda Estiva, então de propriedade de Miguel Santana da Costa, Elza de Figueiredo Costa e Miguel Ângelo da Costa. As famílias permaneceriam na área até junho de 2008, quando seriam despejadas em decorrência de ordem judicial expedida em 7 de dezembro de 2007 pelo juiz Jefferson Schneider, da Justiça Federal em Cuiabá. Na sentença o juiz argumentava que se ambas as partes controvertem sobre a posse com base no domínio, a posse deverá ser deferida a quem evidentemente tiver a propriedade. (…) No caso dos autos, verifico que os autores são proprietários do imóvel conforme escritura pública de compra e venda.
O juiz defendeu a nulidade da titulação da terra quilombola do Mata Cavalo, argumentando que não se havia obedecido aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, isto é, o título foi expedido sem que os proprietários atingidos pela medida tivessem qualquer oportunidade de manifestação no processo administrativo. (…) Se o processo administrativo contém algum vício insanável, naturalmente que o ato de outorga do título estará contaminado por este mesmo vício.
A decisão do juiz se baseava na titulação concedida pela Fundação Palmares em 2000, que segundo alegou não criava direito de fato, pois o título se sobrepunha a outros existentes, não os invalidando. Como destaca uma nota explicativa do Relatório da Missão Dhesca, historicamente, desde a Constituição Federal de 1988, o que prevaleceu é uma situação de indefinições quanto à aplicação do art. 68 da ADCT. Alguns procedimentos do mecanismo de titulação sofreram idas e vindas no período, boa parte dos quais sanados pela edição do decreto 4887/2003, do presidente Lula. Atualmente, a bancada ruralista tenta solapar estes direitos no Congresso.
A visita da equipe da Relatoria Nacional de Direito Humano ao Meio Ambiente da Plataforma DhESCA à comunidade de Mata Cavalo, em agosto de 2004, constatou a precariedade e a violência a que as famílias estavam sujeitas na ocasião. Além das ações já citadas, foram constatados passivos ambientais decorrentes de antigas atividades de mineração, testemunhos de racismo, famílias ameaçadas, denúncia de destruição de roçados e barracos, pessoas vivendo em condições insalubres, algumas famílias morando à beira das estradas, denúncias de destruição e despejos ilegais de muitas famílias quilombolas, até mesmo contaminação deliberada de fontes de água potável e atentados contra pessoas da comunidade. Todas essas denúncias foram sistematizadas – junto com o resultado de visitas a outras comunidades do Estado que são vítimas de situações semelhantes – e divulgadas nacionalmente na forma de um relatório que obteve grande repercussão nacional.
Alguns relatos da violência e dos preconceitos raciais vividos pelos quilombolas de Mata Cavalo são bem marcantes:
Os moradores relataram que são constantes os atos de violência. Tanto fazendeiros como seus seguranças particulares os ameaçam, intimidam e atentam contra a vida dos moradores de Mata Cavalo:
'Fomos obrigados a mudar daqui uma vez, mas graças a Deus nós não saímos. Fazendeiro já estragou nós aqui demais. Arrancou roça aqui, cortou toda a nossa banana, passou veneno, cortou os arames para o gado entrar na nossa roça…' (Sr. José Gonçalves da Silva, da Comunidade Ribeirão do Mutuca).
'Na comunidade do Capim Verde, o pessoal recolheu um saco de supermercado cheio de balas no ano retrasado, quando metralharam o acampamento dos remanescentes' (João Busatto, CPT).
[O caso da comunidade de Capim Verde é reforçado pela historiadora Maria dos Anjos Lina dos Santos: a Comunidade Capim Verde foi praticamente desocupada em função das invasões. (…) Suas casas foram derrubadas e os moradores ameaçados. (…) as famílias temerosas pelas suas vidas, saíram em busca de local seguro enquanto aguardam a decisão da justiça…/ Cf. Memória e educação na comunidade quilombola de Mata Cavalo]
Dezenas de casas foram derrubadas e muitas já foram queimadas. Uma senhora relatou seu caso:
'Quarenta famílias tiveram seus barracos derrubados. Foi entupido o poço de onde tirávamos água. A gente fez o poço com sacrifício e eles entupiram o poço e carregaram a madeira da casa. Aí a gente saiu de lá. Depois era pra tornar voltar. Aí voltei, comprei um rolo de arame, cerquei. Foram lá e cortaram o arame, as mudas de banana que eu tinha plantado o gado comeu tudo, a mandioca, comeu tudo… Aí eu fiquei sem planta nem lar, em parte nenhuma, que o gado destruiu tudo o que eu tinha plantado. É dificil, que a gente faz tudo com sacrifício, não tem dinheiro para ficar investindo, e chega na hora e tudo é destruído' (Sra. Odete Nunes do Amaral).
Quatro pessoas fizeram declarações de conteúdo semelhante à seguinte, durante a reunião com os quilombolas, relatando a truculência do fazendeiro e da polícia, quando despejadas com ordem judicial:
'O Carlos Campos Maciel passou o trator no meu poço, passou o trator na minha casa e ainda levou minha madeira, a banana que eu tinha e o mandiocal. Ele, junto com a Polícia Federal e ainda junto com a Polícia Civil no carro dele, junto com ele, na porta da minha casa. Até o fogão meu que estava aceso, fazendo comida, a Polícia Federal jogou água e apagou. Nem as panelas que estavam cozinhando comida ele deixou. Foi o nosso despejo'. (Sr. Aparecido e Sra. Lúcia Maria de Arruda)
Os moradores da Sesmaria Boa Vida Quilombo Mata Cavalo também se sentem vítimas do racismo. Uma senhora, em seu depoimento, demonstrou a profundidade e a extensão desse conjunto de problemas:
'A gente acaba saindo das nossas terras é por preconceito, porque ainda não se está acostumado que negro tenha direitos, principalmente o direito à terra, que seria tomar de fazendeiro muito mais poderoso, pois tem fazendeiro dono de cartório, tem fazendeiro parente do governador… Então é muito difícil a gente estar mostrando que a gente tem esse direito. Por isso que a gente sofre todo esse tipo de humilhação, de perder roças de ter nossas casas queimadas… Aqui a gente não tem o mínimo de liberdade, que tudo que a gente vai fazer o fazendeiro briga. As crianças estão aí, vendo todo tipo de humilhação que passa, todo tipo de ameaça que a gente sofre. Então imagina como é que deve estar a cabeça dessas crianças! Eu tenho uma menina de cinco anos que quando vê o fazendeiro ela quer derrubar ele no tanque…' (Lucelina Almeida)
Vários Boletins de Ocorrência (BO) por crimes de racismo foram registrados na delegacia de Nossa Senhora do Livramento, segundo os moradores, mas não são investigados porque na Delegacia ouvem do Escrivão de Polícia que os 'fazendeiros são gente boa'. (…)
(…) os quilombolas continuam sendo vítimas da violência dos fazendeiros, segundo representante da Associação de Mata Cavalo. Contrariando ordem judicial, o fazendeiro Carlos Maciel mantém seu gado na área, inclusive para se alimentar das roças cultivadas pelos moradores. O mesmo tem sido feito por funcionários do fazendeiro Edson de Oliveira, da fazenda São Felix. Além de roubarem galinhas, os funcionários desses fazendeiros tornam os crimes de racismo uma prática corriqueira, por xingamentos e outras formas de humilhação. A sra. Ana Maria teve a janela de sua casa estourada. A madeira que os quilombolas utilizam para construir um barracão de produção de farinha foi furtada pelo fazendeiro Miguel Santana da Costa. As ameaças de morte têm sido feitas principalmente pelo fazendeiro Saldanha e por Sebastião (filho de Miguel Santana da Costa), que inclusive tentou atropelar dois quilombolas, com um carro, e posteriormente fez ameaças de morte ao quilombola conhecido como Pico. (p.20-23 – Relatório Dhesc da Missão ao Estado do Mato Grosso, em agosto de 2004).
Apesar da repercussão dos casos da violência promovida pelos fazendeiros, novos atos violentos voltaram a ocorrer. Em junho de 2006, um dos fazendeiros destruiu quatro casas do quilombo com o auxilio de um trator.
O ano de 2008 foi marcado pelo despejo das famílias assentadas na Fazenda Estiva, fato que resultou na destruição de casas, na expulsão das famílias de suas terras e na prisão de pelo menos três quilombolas, acusados de desacato à autoridade. No dia seguinte, a Rede Mato-Grossense de Educação Ambiental (Remtea) lançou um manifesto, assinado por várias entidades, denunciando a arbitrariedade e violência da operação e declarando apoio aos quilombolas. No dia 10 de junho, a mesma Rede promoveu um ato público a favor da regularização das terras do quilombo Mata Cavalo. Este ato contou com a participação de mais de 100 quilombolas que clamavam contra os despejos ocorridos na semana anterior e exigindo celeridade por parte do Incra na desapropriação das fazendas situadas dentro das terras da comunidade.
O ano de 2007 foi, porém, marcado por duas boas notícias para as famílias de Mata Cavalo, a publicação da portaria do Incra reconhecendo 14.600 hectares como território da comunidade, e o sucesso de uma parceria com a Rede de Supermercados Modelo, que anunciou a compra de toda a safra de abacaxis produzidos pela comunidade através de parceria com o Projeto Coorimbatá. Esta rede é uma das maiores redes varejistas do Estado e através do Programa Produtos do Mato Grosso tem dado prioridade à compra de produtos produzidos por comunidades locais.
Atualmente a situação dos quilombolas permanece indefinida. As ações judiciais se sucedem, e o sucesso no âmbito administrativo não é reproduzido no âmbito judicial. Às vitórias pontuais se sucedem reveses significativos, e as famílias de Mata Cavalo permanecem sujeitas a um contexto intolerável de injustiça social e ambiental e a danos significativos em todas as dimensões de sua vida diária. A não regularização de suas terras impede o acesso das comunidades de Mata Cavalo a uma série de programas governamentais voltados à saúde, educação, saneamento e incentivo à produção familiar dessa coletividade.
Em setembro de 2009, a comunidade de Mata Cavalo recebeu a segunda visita de um Ministro Chefe da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República. Segundo o ministro Edson Santos o decreto de desapropriação de 41 propriedades do complexo de Mata Cavalo sairá em novembro. O Observatório Quilombola revela que a luta dos quilombolas de Mata Cavalo seria uma das mais bem sucedidas entre as 68 comunidades quilombolas mato-grossenses com processos por titulação no Incra. Outras comunidades em situação similar seriam as de Campina de Pedra (em Poconé), Lagoinha de Baixo e Lagoinha de Cima (na Chapada dos Guimarães) e a Associação A Cor é Bela (de Vila Bela da Santíssima Trindade).
Última atualização em: 10 de outubro de 2009
Fontes
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