MG – Intervenção indiscriminada da monocultura de eucaliptos leva região a perder fontes tradicionais de água. Sobrevivência local torna-se insustentável e pequenos agricultores e moradores são levados a deixar região

UF: MG

Município Atingido: Guaraciama (MG)

Outros Municípios: Guaraciama (MG)

População: Agricultores familiares, Extrativistas, Geraizeiros

Atividades Geradoras do Conflito: Agrotóxicos, Monoculturas

Impactos Socioambientais: Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, Falta / irregularidade na demarcação de território tradicional

Danos à Saúde: Insegurança alimentar, Piora na qualidade de vida, Violência – ameaça, Violência – assassinato, Violência – coação física, Violência – lesão corporal

Síntese

Diversas comunidades rurais do Norte de Minas, a exemplo das situadas na região do município de Rio Pardo de Minas, sofrem com a violência, a desestruturação dos sistemas produtivos, a desagregação social e cultural, além da degradação ambiental causada por empresas que praticam a monocultura do eucalipto.

A situação atual desses conflitos pode ser observada na comunidade de Cana Brava, no município de Curvelo, região Central do Estado. O terreno da família da agricultora Deuscleide da Cruz Rocha, vizinho a uma grande área reflorestada com eucaliptos, era alagadiço e servia à plantação de arroz. Nos arredores da casa, uma horta para subsistência era cultivada. Ainda durante o primeiro ciclo da monocultura, em 2004, Deuscleide viu sua área ficar seca:

?Desde que meu pai comprou este terreno aqui, água era uma facilidade imensa, tinha com fartura. Tinha uma cacimba com dois metros de fundura e tinha água à vontade. Hoje a nossa água está completamente regrada. A várzea secou, as cisternas secaram. Acabou nossa água. Tem a minha horta ali, olha… que não pude plantar um canteiro, porque se eu pegar da água que deu só no fundo da cisterna, se eu pegar dela eu fico sem água pra fazer comida, pra dar banho nos meninos, lavar roupa. A cisterna deve ter uns quinze metros. (…) Nós vivemos com esse pouquinho da cisterna, que é um pouquinho só, e um pouquinho da água que vem do poço lá em baixo. Essa água nós estamos comprando. Pagamos dez reais de água, agora, todo mês. Mas nem essa água tá vindo direito.? (denúncia feita à Relatoria Nacional para o Direito Humano ao Meio Ambiente/Plataforma DhESCA Brasil)

A representante do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Curvelo, Grace Borges dos Reis, descreveu como a degradação ambiental provoca perdas às famílias de pequenos produtores rurais, fazendo-as se deslocar ou aceitar as condições impostas pela empresa. Sua denúncia foi feita em audiência pública na Assembléia Legislativa de Minas Gerais, em agosto de 2004:

?Temos muitos problemas com relação a plantios irregulares quase dentro dos córregos, quase dentro das nascentes. Não estamos tendo água para nada mais. (…) Uma região que, antes, era lotada de águas, lotada de nascentes, lotada de córregos, hoje tem água apenas durante um período e, para ter água durante o resto do ano, tem de pagar. A nossa comunidade não tem como sobreviver, não tem como plantar, não tem como fazer nada e ainda tem de pagar para ter água. (…) Como viver na zona rural sem água? Ninguém está tendo como sobreviver. As pessoas estão vendendo suas terras para as empresas e indo para as cidades. Depois, voltam para trabalhar para as mesmas empresas por um salário mínimo e uma cesta básica. Não dá para sobreviver com um salário mínimo em Curvelo. Estamos vivendo uma situação crítica. Não temos apoio de ninguém.?

Contexto Ampliado

O prejuízo da degradação ambiental para a qualidade de vida, a alimentação adequada das comunidades locais é evidente, conforme o relato da Sra. Deuscleide da Cruz Rocha:

?(…) Tinha pequi, sabe? Isso aqui era uma grande fartura para nós. A gente fazia o sabão, ninguém nunca comprava sabão, que fazia do pequi. Mas depois que acabou o pequizeiro e minguou a água… Até esse pé de pequi de meu pai ficou pior de dar pequi. Dá bem menos, porque diminuiu a água (…) Antes do eucalipto, eu plantava horta, plantava milho verde, porque a gente podia molhar. Tinha canavial. Agora, hoje em dia, até meus meninos foram buscar cana pra tratar das vaquinhas aqui, porque nem a cana aqui quer dar mais, por causa da água. Foram buscar cana lá na beira do meleiro, lá no terreno do papai, lá em baixo. Este ano, que deu muita chuva, também o milho não deu. Esse mês mesmo nós tivermos que comprar: trezentos e vinte reais o carro de milho. A vizinha daqui, que também é nascida e criada aqui, também plantou mas não colheu nada. Ela plantou arroz. Nós colhia para a despesa, agora tem que comprar. A gente tem muito mais despesas. Antes do eucalipto chegar, nós vendia milho verde, tapera, tinha cana pra moer, fazer rapadura, tratar das vacas. Hoje não tem mais, a gente tem que ir buscar lá fora mesmo, comprar o milho, comprar a cana, porque o que meu pai planta lá não vai dar pra nosso gasto.?

Também morador da comunidade Cana Brava, Otávio Honório de Oliveira possui uma área de 49 hectares (Fazenda Brejinho). Ele denunciou que a empresa de eucalipto, na área vizinha, havia desmatado e plantado as árvores na área de preservação permanente da nascente do rio que passa por sua propriedade. O volume de água do rio teria diminuído. Segundo seu relato, em agosto de 2004, após denúncias feitas ao Sindicato de Trabalhadores Rurais de Curvelo e ao Instituto Estadual de Florestas (IEF), o desmatamento de nascentes para plantio do eucalipto foi reduzido, mas o desmatamento ilegal das cabeceiras dos afluentes permanece.

A contaminação por agrotóxicos também é um problema enfrentado pelas comunidades do entorno das plantações de eucalipto. Além da perda da biodiversidade, com o desaparecimento de diversas espécies da fauna nativa, há o temor de contaminação das águas. Em 26 de maio de 2004, foi encaminhada ao Ministério Público da Comarca de Curvelo uma representação assinada por 210 pessoas, denunciando o prejuízo causado pelas empresas Plantar S/A e Vallourec & Mannesmann à comunidade de pescadores e pequenos sitiantes do distrito de São José do Buriti, no município de Felixlândia, vizinho de Curvelo:

?… a Valourec-Mannesmann, recentemente pulverizou sua plantação com agrotóxico por meio de um avião, causando a morte de inúmeros gaviões, que foram encontrados agonizantes em diversos locais. Outras espécies animais têm simplesmente desaparecido de São José do Buriti: os sapos, as emas, os tatus ou mesmo os micos já não são mais vistos?. (…) aumenta muito a preocupação da população, receosa da contaminação das águas que ainda restam ou mesmo da margem da represa de Três Marias, de onde retira seus pescados?.

Os conflitos das empresas monocultoras de árvores com as comunidades locais são intensos em todo o país e, especialmente em Minas Gerais. Na última década, com a reorganização dos trabalhadores e sindicatos em torno da luta por direitos, os conflitos se intensificaram. As empresas de eucalipto, para carvão e celulose, vêm expandindo suas atividades sobre áreas tradicionalmente usadas pelas comunidades para o extrativismo vegetal ? coleta de lenha, de frutos do Cerrado, de mel e de plantas medicinais. A interferência do plantio intensivo do eucalipto sobre a produção de nascentes e córregos, interfere também nas condições de abastecimento humano e da agricultura familiarde subsistência. O emprego de agrotóxicos contamina águas superficiais e subterrâneas ? além de colocar em risco a saúde de trabalhadores e trabalhadoras.

Os conflitos fundiários são também marcados por ações violentas, ameaças e homicídios. As agressões envolvem seguranças contratados pelas empresas e também policiais militares. As comunidades enfrentam também a desigualdade de condições para enfrentar a ação de grandes proprietários de terras junto ao poder judiciário. Esta limitação econômica é também prejudicada pela cultura oligárquica, que permeia os poderes executivos e legislativos municipais e do Estado.

Várias das empresas localizadas na região de Curvelo são fornecedoras do pólo de ferro gusa em operação na região de Sete Lagoas. Muitas das empresas setelagoanas são consumidoras de áreas de Cerrado na região do Pantanal Matogrossense, tendo sido flagradas em operações da Polícia Federal e do Ibama, que identificou Minas Gerais como o maior consumidor do carvão produzido em Mato Grosso do Sul. Algumas das empresas de ferro gusa mineiras mantêm subsidiárias no Corredor Carajás, responsável pela grande devastação da floresta amazônica e das regiões de Cerrado, no leste do Pará e oeste do Maranhão.

Após as intensas ações de desmatamento, regiões da Amazônia e do Cerrado brasileiros começam a receber grandes projetos de monocultivo de árvores. Minas Gerais é ainda o Estado com a maior superfície de plantios de eucalipto e também do total de florestas artificiais (1,25 milhões de hectares em 2007). A expansão desses monocultivos tem sido expressiva nos últimos anos. Entre 2000 a 2007, houve aumento de 183%. Estima-se que o Brasil alcançará 7 milhões de hectares de eucaliptos até 2020. O governo federal apóia a expansão dessas monoculturas por meio de financiamentos do BNDES e, desde 2000, pela política do Plano Nacional de Florestas, no âmbito do Ministério do Meio Ambiente.

Última atualização em: 21 de dezembro de 2009

Fontes

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