CE – Empreendimento turístico de massa esbarra em grupos de mulheres pescadoras em Caetanos e ameaça a preservação das atividades e costumes de comunidades litorâneas tradicionais do Ceará

UF: CE

Município Atingido: Itapipoca (CE)

Outros Municípios: Amontada (CE), Itapipoca (CE)

População: Agricultores familiares, Pescadores artesanais, Ribeirinhos

Atividades Geradoras do Conflito: Atuação de entidades governamentais, Indústria do turismo

Impactos Socioambientais: Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, Falta / irregularidade na autorização ou licenciamento ambiental, Invasão / dano a área protegida ou unidade de conservação, Poluição de recurso hídrico, Poluição do solo

Danos à Saúde: Piora na qualidade de vida

Síntese

O Grupo de Mulheres de Caetanos de Cima, Movimento de Mulheres Pescadoras do Litoral Cearense, Movimento de Mulheres Amontadense, Fórum Cearense de Mulheres se manifestam contra as ações de implantação do empreendimento Praia do Pirata na região de Amontada (CE). O projeto, liderado pelo empresário Júlio Trindade, da Praia do Pirata Turismo e Empreendimentos, tem como objetivo desenvolver um complexo de hotéis, pousadas, instalações para esportes náuticos, destinados ao turismo de massa.

Contexto Ampliado

Desde 2002, comunidades do município de Itapipoca e Amontada travam uma batalha na Justiça contra a instalação de empreendimento turístico do empresário português Júlio Trindade. As ações se acirraram em 2007 com o início da perfuração de poços e eletrificação no local pelo grupo de “Júlio Pirata”, como é conhecido o presidente da Fundação Pirata Marinheiros.

Quando o caso teve repercussão na mídia, o jornal O Povo divulgou depoimentos das mulheres prejudicadas, explicitando que “não há nenhuma intenção de contribuir com a melhoria da qualidade de vida do povo local”. Conforme relatado, o empreendimento pretendia substituir as manifestações culturais das comunidades locais por práticas como windsurf e outras de mesma natureza, desconhecidas do cotidiano das comunidades. “Esta prática tem um nome: aculturação dos povos litorâneos”.

A reportagem de O Povo é assinada por Edgard Patrício. Segundo ele, o grupo [e movimentos de mulheres de Amontada, Caetanos de Cima e do Ceará] considera ‘infeliz’ a argumentação do empreendimento quando cita como um de seus objetivos a ‘construção de uma imagem própria e memorável (natural, histórica e cultural)’. E argumenta que quando ele assim se posiciona, ‘ignora totalmente a construção histórica, cultural e natural de um povo que nasceu e cresceu naquela faixa litorânea onde vive até hoje’. Demonstra, o empreendimento, ‘o desconhecimento das lutas, conquistas, tradições, bem como suas relações com o meio em que vivem e a importância dessas relações sob todos os aspectos’. Não haveria, assim, necessidade de construção de imagem própria, ‘ela já existe’!

O grupo de mulheres pergunta, como ‘pode então, falar em desenvolvimento e melhoria de qualidade de vida para esses povos? Como pode falar em conservação da natureza se tudo que propõe é modificá-la?’. Outra contradição que o grupo identifica é em relação ao ‘reforço da identidade cultural’, indicado pelo empreendimento. Nova indagação. Como isso aconteceria, ‘substituindo as manifestações culturais por outras desconhecidas por todas nós?’. Quanto à ‘elevação da auto-estima’ e ‘ampliação da cidadania local’, objetivos defendidos pelo empreendimento, o grupo de mulheres faz uma nova reflexão. ‘Auto-estima de quem? Quem perdeu-a? Porque perdeu? Queremos reafirmar que nosso único e principal problema se chama Júlio Pirata. Até que ele aparecesse, todos nós vivíamos em paz’.

As mulheres questionam a noção de cidadania alardeada pelo empreendimento. E novos questionamentos: ‘Que cidadania é esta que nos é proposta? Se a comunidade está sendo destituída de seus bens mais preciosos: sua terra, trabalho, sobrevivência e dignidade? Em que momento a população local será beneficiada diante de toda descrição apresentada? Que comunidade local ele se refere? Pois até a implantação do projeto, a comunidade local já terá sido expulsa’. E finalizam com sua compreensão de desenvolvimento. ‘Queremos deixar bem claro que desenvolvimento para nós representa a garantia de terras livres para vivermos, respeito às comunidades tradicionais e nativas e à sua cultura, garantia de nossas mesas fartas de alimentos, garantia de nossos espaços de sobrevivência’.?

Em março de 2007, o Grupo de Mulheres de Caetanos de Cima, apoiadas pelos movimentos das Mulheres Amontadenses, das Mulheres Pescadoras e pelo Fórum Cearense das Mulheres, divulgou manifesto à sociedade sobre a atuação de Júlio Pirata nas comunidades de Caetanos e Maceió (esta em Itapipoca). Entre as reivindicações, externaram a defesa de melhores condições de vida e trabalho, garantia de direitos previdenciários e trabalhistas, reconhecimento dos direitos das mulheres pescadoras, o fim do litígio do Assentamento Sabiaguaba/Amontada, o acesso livre e gratuito ao ensino superior, a punição a toda forma de violência à mulher, dignidade, respeito e o afastamento incondicional do Pirata das terras de Maceió e Caetanos.

O Manifesto conclamou a sociedade cearense a ir “a Caetano de Cima e a Maceió/Itapipoca” e ver “o rosto de destruição, desgraça e desolação que foi gerado pelo boníssimo pirata – cenas antes vistas só pela televisão e em outros países como Iraque, Afeganistão e outros, agora se encontram lá em nossas praias.” E também alertou para as “inúmeras doações (…) enviadas para a Fundação Pirata Marinheiros” que seriam “destinadas à contratação de capangas e gente da pior qualidade, para servirem de testa de ferro para seu patrão. Pedimos encarecidamente: não financie a violência! São para isso que serve as doações. Suas ações especulativas dividem as comunidades, enfraquecendo o processo de organização comunitária, corrompe as pessoas, destrói consciências de grandes grupos, com a promessa de empregos e outras vantagens” (…) Para além destes fatos já citado, o mesmo (…) lança mão das ideias, projetos e esforços dos outros apresentando-os como seus, são vários os casos, como por exemplo a Associação das Rendeiras de Maceió. (…)

E seu interesse maior é apossar-se das terras litorâneas de nossos municípios, implementar empreendimentos turísticos e imobiliários, vender para outros estrangeiros como já fez, porém, garantimos: eles nunca receberão porque aquela terra é nossa.A nossa afirmação consiste em mantermos-nos radicalmente contra o turismo de massa, que só vem aumentar as drogas, prostituição, o trafico de seres humanos, a expulsão dos nativos de suas terras, a destruição do meio ambiente e por consequência, fome, miséria e destruição.

Nós mulheres, somos quem mais sofremos com estas ações criminosas, que acabamos de descrever. Somos nós quem estamos diretamente ligada com a sobrevivência de nossas famílias, de nossos filhos e desta nação. Ações irresponsáveis como a especulação expõe os nossos filhos a ricos extremos e à ocultação dos povos litorâneos.

Em abril de 2007, o Fórum em Defesa da Zona Costeira do Ceará (FDZCC) publicou o documento Terra e Mar aos Povos do Mar! Pirataria, Não!, em apoio ao Movimento Maceió de Mãos Dadas Contra o Empreendimento Turístico do Júlio Pirata na Praia de Itapipoca. Segundo a nota, desde a madrugada de 22 de fevereiro de 2007, cerca de 200 famílias de trabalhadores e trabalhadoras rurais, pescadores e pescadoras do Assentamento Maceió, em Itapipoca, ocuparam a faixa de praia do assentamento.

-Junto com a terra – destacava o Fórum – a faixa litorânea reivindicada pelo Movimento é garantia de acesso ao mar e por isso representa a sobrevivência direta para três comunidades, além de ser lazer para todo o Assentamento e demais comunidades da Região. E reivindicava, com o apoio do Movimento Nacional dos Pescadores (Monap), do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST-Ce), do Fórum dos Pescadores e Pescadoras do Litoral Cearense (FPPLC), do Fórum Cearense de Mulheres (FCM), da Articulação de Mulheres Pescadoras do Ceará e da Associação Comunitária dos Moradores do Assentamento Maceió (Ascima):

“a garantia do direito à posse coletiva da terra e uso livre e responsável do mar para as populações tradicionais do Assentamento Maceió e a consequente anulação do registro de propriedade da área atribuída ao grupo empresarial Pirata, audiências públicas com as autoridades do Estado, o acompanhamento do Ministério Público Federal, a responsabilização pelo uso de forças armadas privadas e intimidação violenta aos pescadores e agricultores do Assentamento.

Em fevereiro de 2009, o acampamento Nossa Terra, na praia Maceió, município de Itapipoca, foi invadido por 13 policiais. A ação destruiu uma barraca construída na faixa de praia, como “estratégia dos assentados para garantir o acesso ao mar e impedir a construção do empreendimento.” Os relatos são de destruição de todos os pertences de uso coletivo da comunidade. A ação foi respaldada por liminar concedida pelo juiz Vítor Nunes Barroso, da 1ª vara da Comarca de Itapipoca, que reiterava decisão de reintegração de posse de 2002, e que não havia sido executada. Segundo o advogado do MST, Cláudio Silva Filho, o empresário Júlio Trindade teria conseguido a “liminar como se tivesse a posse da área. Mas parte é área de praia, da Marinha, e a outra parte é área do assentamento”.

Segundo relato de uma das pessoas que teria presenciado a ação policial “o jeito dos policiais foi agressivo, insultante, humilhante”. A mesma pessoa informou aos autores da notícia publicada pelo Instituto Terramar, que os policiais militares teriam chegado ao acampamento no carro do empresário e acompanhados do filho dele, além de seguranças particulares. “Fica claro a quem a polícia está a serviço. O problema é que ele quer os 16 quilômetros de praia e semeia a divisão e conflito. Não somente em Maceió, mas em várias comunidades da região”, comentou a testemunha.

Segundo a informação do Terramar

as ações dos comunitários visam questionar a decisão da justiça estadual, uma vez que se trata de um assentamento federal, que está em conflito. O assentamento Maceió foi criado no ano de 1984, por meio da desapropriação da terra feita pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). São 5.844,72 hectares conquistados onde hoje vivem cerca de 800 famílias. Após a ação dos policiais, a comunidade fez uma vigília na praia e um novo acampamento foi construído, ainda mais próximo ao mar.

A mesma notícia informou também a estratégia de resistência, com revesamento de equipes dos assentados na ocupação permanente da área da praia Maceió, para impedir que qualquer obra seja realizada. Em ação judicial, além do pedido de anulação do título de propriedade das terras locais do empresário, os assentados pedem a garantia de acesso ao mar. Eles questionaram a legalidade de parte dos 200 hectares de terreno atribuído a Júlio Trindade, por entenderem ser área de Marinha, devido ao limite com o oceano. O local funciona como porto das embarcações e de guarda de materiais de trabalho dos pescadores e como espaço para coleta (para fins de venda) de algas marinhas pelos moradores.

Última atualização em: 11 de novembro de 2009

Fontes

PSOL – Nota coletiva das organizações feministas do Ceará. Disponível em. http://psolceara.org.br/index.php?option=com_content&view=article&catid=5:mulheres&id=133:nota-coletiva-das-organizas-feministas-do-cear&Itemid=42N . Acesso em 22/07/2009

Redmanglar. Terra e Mar aos Povos do Mar! Pirataria, Não! Movimento Maceió de Mãos Dadas Contra o Empreendimento Turístico do Julio Pirata na Praia de Itapipoca Disponível em. http://www.redmanglar.org/redmanglar.php?c=612&inPMAIN=2 Acesso em 22/07/2009

MANIFESTO DO GRUPO DE MULHERES DE CAETANOS DE CIMA EM ESCLARECIMENTO A SOCIEDADE SOBRE A ATUAÇÃO DE JÚLIO PIRATA NAS COMUNIDADES DE CAETANOS E MACEIÓ FORTALEZA, 08 DE MARÇO DE 2007.

Pelas mulheres de Caetanos de Cima e Maceió Disponível em. http://www.opovo.com.br/opovo/colunas/ecologia/692322.html Acesso em 22/07/2009

Instituto Terramar – Policiais militares e seguranças do empresário Júlio Pirata destroem acampamento de assentados da Reforma Agrária na praia de Maceió (Itapipoca).Disponível em. http://www.terramar.org.br/oktiva.net/1320/nota/153745 Acesso em 22/07/2009

O Povo Online Novo manifesto http://www.opovo.com.br/opovo/colunas/ecologia/696122.html Acesso em 09/08/2009

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *