BA – Comunidades pesqueiras e quilombolas lutam contra instalação de resort na ilha de Cajaíba
UF: BA
Município Atingido: São Francisco do Conde (BA)
Outros Municípios: Candeias (BA), Madre de Deus (BA), Santo Amaro (BA), São Francisco do Conde (BA), Saubara (BA)
População: Marisqueiras, Pescadores artesanais, Quilombolas
Atividades Geradoras do Conflito: Atuação de entidades governamentais, Indústria do turismo
Impactos Socioambientais: Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, Desmatamento e/ou queimada, Invasão / dano a área protegida ou unidade de conservação, Poluição de recurso hídrico, Poluição do solo
Danos à Saúde: Acidentes, Desnutrição, Insegurança alimentar, Piora na qualidade de vida
Síntese
O chamado Eco resort Ilha de Cajaíba, previsto para ser instalado na ilha de mesmo nome – no município de São Francisco do Conde na Baía de Todos os Santos – é um empreendimento residencial-hoteleiro que pretende ocupar uma área de 521,74 hectares, com a implantação de quase cinco mil unidades residenciais, 2.167 hoteleiras, 76 comerciais, duas áreas de esporte e lazer e mais um campo de golfe. O investimento previsto é de dois bilhões de reais. De propriedade do grupo europeu Property Logic Brasil Empreendimento e Participações Ltda, o projeto está inserido dentro de uma perspectiva de explorar o potencial turístico de uma região rica em atrativos naturais, históricos e culturais, oferecendo ao visitante uma infraestrutura condizente com os padrões internacionais para este tipo de empreendimento. Promete ainda gerar até 5000 empregos diretos e indiretos.
Apesar de algumas ressalvas quanto ao tamanho de algumas estruturas e ànecessidade de adaptações, o projeto tem sido bem avaliado pelos órgãos ambientais baianos. Seu licenciamento segue sem maiores empecilhos, tendo sua licença de localização aprovada pelo Conselho Estadual de Meio Ambiente (CEPRAM) em julho de 2010.
A oposição ao empreendimento vem de comunidades quilombolas, pescadores e marisqueiras que, em épocas de baixa produção na pesca, extraem frutas e produtos florestais – que complementam sua dieta e renda – da ilha. A área é, inclusive, objeto de análise no INCRA, onde tramita um processo de titulação da mesma como parte do território tradicional da Comunidade Remanescente de Quilombo de Acupe.
Falhas no licenciamento levaram o ministério público baiano (tanto o MPE/BA, quanto a representação local do MPF) a recomendar a suspensão do licenciamento até que todas as dúvidas fossem sanadas. Esta recomendação resultou no adiamento de, pelo menos, uma audiência pública organizada para discutir o projeto em São Francisco do Conde.
Atualmente as comunidades tradicionais permanecem mobilizadas para garantir que a área permaneça de uso coletivo, e impedir o que classificam como um processo de privatização da Ilha de Cajaíba. A exemplo do que ocorre em outras partes do Nordeste, os grandes empreendimentos turísticos permanecem atuando na Bahia como uma ameaça àcontinuidade das comunidades costeiras, e como atividade geradora de injustiça social e ambiental.
Contexto Ampliado
De acordo com o Relatório de Impacto Ambiental (Rima) apresentado ao Instituto do Meio Ambiente da Bahia (IMA) pela Property Logic Brasil Empreendimento e Participações Ltda e pela Gaia Engenharia Ambiental, o empreendimento Ilha de Cajaíba tem por objetivo incrementar a infraestrutura turística do município de São Francisco do Conde e o Recôncavo Baiano, através de hotéis e condomínios de luxo com sofisticação e segurança, além de infraestrutura de última geração e serviços que propiciam conforto e qualidade de vida, tendo como diretrizes ambientais: a valorização da biodiversidade; uso racional de energia; uso racional da água; neutralização do carbono e conforto ambiental; educação socioambiental com ênfase no princípio dos três Rs.
Os municípios de São Francisco do Conde e Santo Amaro estão na área de influência direta do empreendimento, cujos impactos podem vir a se estender até Candeias, Madre de Deus e Saubara.
Segundo a Property Logic, a ilha de Cajaíba foi escolhida por atender a todos os requisitos necessários para a implantação do empreendimento urbanístico hoteleiro residencial como o pretendido pela Property Logic Brasil, uma vez que reúne numa única propriedade uma gleba de 560 hectares, onde o modelado de relevo é bastante favorável à ocupação através de implantações em diferentes cotas altimétricas, que favorecem o estabelecimento de diferentes cenários turísticos para os hotéis. A intensa antropização a que esteve submetida garante a existência de amplas áreas desprovidas de restrições ao aproveitamento urbanístico. A proximidade do distrito sede de São Francisco do Conde favorece a implantação de estruturas adequadas para o fornecimento de água e energia elétrica e possibilita ao futuro hóspede a interação com ambas as vertentes turísticas naturais do Recôncavo Baiano, quais sejam, o turismo histórico-cultural e turismo náutico.
A previsão da empresa é que o empreendimento seja implantado em quatro fases, durante 10 anos, com a promessa de geração de até 5000 empregos diretos e indiretos com diversos níveis de exigência de qualificação e escolaridade.
Também estão previstas obras para a implantação de terminal de transbordo marítimo na localidade de Ferrolho, situada a sudeste de São Francisco do Conde. Na ilha de Cajaíba, deverá ser implantada estrutura semelhante. Ambas deverão constar, inicialmente, de atracadouro em forma de rampa, no qual deverá atracar embarcação de pequeno calado (chata) utilizada para o transporte de máquinas, equipamentos e insumos para a atividade de implantação. A logística do translado ida e volta da Ilha de Cajaíba, para todas as fases do projeto, abrange o transporte até a ponte existente em São Francisco do Conde por terra, através de estrada principal de acesso ao município BA-522, bem como o transporte desta Ponte para a Ilha. Durante a fase de operação, o transporte dos hóspedes deverá ser feito por duas embarcações motorizadas (tipo lancha), com capacidade de 15 a 20 passageiros e/ou catamarãs com capacidade de 80-100 passageiros.
Os empreendedores afirmam estarem adotando técnicas e medidas para mitigar os possíveis impactos ambientais do empreendimento, como o reaproveitamento da água utilizada nos hotéis e residências para a irrigação de campos de golfe e paisagismo – a água será trazida do continente através da adutora do Sistema de Pedra do Cavalo, em Santo Amaro; instituição de programas de educação ambiental entre moradores, funcionários e visitantes a fim de reduzir o lixo gerado e encaminhamento do que for efetivamente gerado para processos de compostagem, coleta seletiva e doação dos recicláveis para entidades selecionadas – o lixo não reciclável deverá ser encaminhado para aterro sanitário; preservação de fragmentos de floresta nativa, onde a diversidade de fauna e flora são maiores e as relações ecológicas mais abundantes e específicas, próprias de ambientes mais conservados, entre outras propostas.
Entre os principais impactos positivos e negativos previstos estão: (1) valorização dos imóveis e das terras do entorno do empreendimento; (2) destruição de equipamentos de pesca (redes) devido ao tráfego de embarcações motorizadas entre o continente e a ilha; (3) intervenções em sítios arqueológicos; (4) alteração da paisagem natural com a supressão de vegetação nativa; (5) perda de biomassa; (6) perda de biodiversidade; (7) aumento da turbidez da água durante as obras; (8) restabelecimento da biodiversidade da flora através de programa de revegetação; (9) criação de condições favoráveis para o surgimento de novos habitats; (10) crescimento demográfico das localidades vizinhas e surgimento e/ou incremento de ocupações espontâneas, sobretudo em áreas de fragilidade ambiental, decorrentes da perspectiva de geração de empregos; (11) movimento migratório de trabalhadores para áreas vizinhas ao empreendimento; (12) aumento da ocupação na área de influência direta do empreendimento por empregos diretos e indiretos; (13) geração de renda e divisas; (14) pressão sobre a demanda de infraestrutura; (15) desproporcionalidade na razão de sexo da população local, com aumento da população masculina; (16) ruptura nos vínculos de dependência entre o rural e o urbano; (17) interferência nos padrões de mobilidade e assentamento da população; (18) risco de conflito de uso da água; (19) estímulo ao desenvolvimento de atividades culturais e artesanais; (20) incremento no uso das águas; (21) risco de redução da área produtiva da atividade tradicional de mariscagem e pesca; (22) alteração do modo de vida dos moradores da área de influência direta; (23) contribuição para a modernização tecnológica. O próprio RIMA admite uma predominância de impactos negativos (66%) sobre a área de influência.
A fim de mitigar esses impactos, o empreendedor propõe uma série de medidas mitigadoras, entre elas: (1) Programa de Qualificação Profissional; (2) Programa de Sinalização de Tráfego; (3) Programa de Compensação Pesqueira; (4) Programa de Controle de Processos Erosivos e Assoreamento; (5) Programa de Resgate da Flora; (6) Programa de Recomposição Vegetal; (6) Programa de Proteção e Monitoramento da Fauna; (7) Programa de Educação Ambiental; (8) Programa de Fomento ao Empreendedorismo e Desenvolvimento Local; (9) Programa de Gerenciamento de Resíduos Sólidos (PGRS); Programa de Ações do Poder Público; (10) Programa de Comunicação Social, além de diversos outros programas ambientais.
Os dados e propostas contidos no RIMA foram disponibilizados no início de abril de 2009 à população local pelo IMA, sendo distribuídos a diversas colônias de pescadores nos municípios potencialmente afetados.
Este projeto não agradou a pescadores e quilombolas que, no dia 20 daquele mês, foram a público, através de carta do Movimento dos Pescadores e Quilombolas, repudiar o projeto da empresa Property Logic de privatizar a ilha de Cajaíba, no Recôncavo Baiano, pois o mesmo iria inviabilizar o modo de vida de milhares de famílias que sobrevivem da pesca e do extrativismo da floresta. Isto porque, apesar de ser considerada uma propriedade privada, a ilha é explorada por comunidades tradicionais que pescam nas águas do seu entorno e extraem frutas e plantas da floresta ainda existente em seu interior.
Segundo a carta, devido à respeitosa relação das comunidades remanescentes de quilombo [de Acupe] com o território, as matas e o manguezal encontram-se em perfeito estágio de conservação. Cerca de 60% da área total da ilha é vegetação de manguezal, território considerado pelas comunidades locais como sustentáculo da biodiversidade regional por produzir variedades de espécies de mariscos, crustáceos, animais silvestres e árvores frutíferas. Esta riqueza ambiental favorece o desenvolvimento da pesca artesanal e garante a subsistência de várias comunidades pesqueiras na Baia de Todos os Santos. No interior da Ilha, existem variados tipos de árvores frutíferas (cajá, jenipapo, tamarindo, goiaba, manga, dendê etc), que são extraídas pelas comunidades circunvizinhas, principalmente, no período do inverno, quando o acesso à atividade pesqueira fica difícil.
No centro da Ilha, existem um sobrado e um engenho com equipamentos de tortura (fosso: poço onde eram jogados os negros rebeldes e troncos onde estes recebiam o castigo exemplar) que, somados a outros elementos que possibilitam o resgate histórico, apontam para o processo de resistência dos negros escravizados e/ou aquilombados neste território. Os elementos históricos culturais ali identificados demonstram a importância simbólica/cultural da ilha para a população negra local e, ao mesmo tempo, motiva a luta das comunidades negras da região pelo reconhecimento como comunidades remanescentes de quilombos.
Além disso, a carta destacava que:
Este empreendimento denominado ILHA DE CAJAIBA ECO RESORT desconsidera a importância ambiental, socioeconômica, cultural e histórica da Ilha de Cajaíba para a população negra local. Caso seja licenciado pelo governo do estado da Bahia, produzirá um profundo impacto sócio ambiental. O projeto da empresa prevê a supressão da floresta atlântica para dar lugar a vários hotéis (resorts), campos de golfe, marinas, iate clube, quadra de esportes, SPA, restaurantes, heliporto, estradas etc. O projeto prevê o lançamento de esgotamento sanitário no estuário, bem como sua privatização para a prática de turismo náutico (windsurfs, jet-skis, caiaques etc). Esta perspectiva trará prejuízos para a pesca artesanal e estimulará conflitos sociais por conta da imposição de limites ao longo do canal de pesca; inviabilizará o extrativismo da floresta, atividade tradicionalmente praticada pelas comunidades como estratégia de sobrevivência e reprodução física e cultural.
No dia 24 de abril, quatro dias depois, o Ministério Público Federal (MPF/BA) e o Ministério Público do Estado da Bahia encaminharam ao IMA uma recomendação pedindo a suspensão do processo de licenciamento ambiental do Empreendimento Ilha de Cajaíba Beach & Golf Resort, inclusive audiências públicas eventualmente marcadas, até que condições necessárias à proteção da Ilha sejam cumpridas. Isto porque, segundo o MP, a licença não poderia ser emitida sem a devida regulamentação do plano de manejo e o respectivo zoneamento ecológico-econômico da área de Proteção Ambiental (APA) da Baía de Todos os Santos. O MP também destaca que o IBAMA e a Associação de Pescadores e Marisqueiras Frutos do Mar de Santo Amaro haviam apresentado questionamentos a respeito do projeto, e que não se deveria dar prosseguimento ao licenciamento antes que houvesse resposta à s solicitações da comunidade, entidades civis, conselhos e outros órgãos públicos.
Apesar desta recomendação, no dia 27 de abril, o IMA anunciou que estaria realizando no dia 30 de abril uma audiência pública para discutir com a comunidade e interessados o Relatório de Impacto Ambiental (Rima) relativo ao Estudo de Impacto Ambiental (EIA) do empreendimento turístico-imobiliário Ilha de Cajaíba Eco Resort, em fase de licenciamento no órgão ambiental do Estado. Esta audiência se realizaria no Colégio Estadual Martinho Salles Brasil, em São Francisco do Conde. O IMA reconsiderou sua decisão no dia 29 de abril, data em que anunciou publicamente o cancelamento da audiência anteriormente marcada em observância à recomendação dos MPs.
Em primeiro de junho, o IMA anunciou que uma nova audiência estaria sendo marcada para o dia 17 daquele mês, em São Francisco do Conde, com os mesmos objetivos da anteriormente cancelada.
Em 31 de agosto de 2008, uma nova reunião – com representantes do governo estadual, Prefeitura Municipal de São Francisco do Conde, Fundação Palmares e do grupo Property Logic – debateu as questões socioambientais para viabilização da implantação de um resort no município. Dessa vez, não houve abertura para a participação popular. Uma visita à ilha de Cajaíba fez parte do programa e, durante ela, ficou acordado que a Fundação Palmares enviaria técnicos para ouvir os pleitos das comunidades quilombolas e colher informações para elaboração de um plano sustentável para funcionamento do empreendimento. Os representantes das outras esferas se comprometeram a enviar relatórios com informações técnicas, que servirão como base para formatação de um documento a ser produzido pela Fundação Palmares. A partir desse parecer, o IMA (Instituto do Meio Ambiente) levará o processo de licenciamento ambiental para ser submetido ao Conselho Estadual de Meio Ambiente. A principal preocupação abordada foi como compatibilizar o desenvolvimento econômico com a preservação cultural e ambiental na região.
Diante do processo de exclusão sofrido por muitas comunidades quilombolas baianas, o Comitê em Defesa das Comunidades Quilombolas organizou um ato público em Defesa das Comunidades Quilombolas da Bahia, em novembro de 2009. Entre as questões abordadas pelos participantes do ato, estava o impacto do resort da ilha de Cajaíba sobre a comunidade quilombola de Acupe.
Segundo o Comitê do ato: Querem privatizar a Ilha de Cajaíba, que oficialmente localiza-se ao município de São Francisco do Conde, mas que é espaço comum dos pescadores e Quilombolas de Santo Amaro, Saubara, São Francisco do Conde e até dos pescadores de outras áreas, como Ilha de Maré, Madre de Deus, Candeias. As Ilhas de Cajaíba são formadas 60% por manguezais, de onde esta população tira os caranguejos, mariscos e possui uma diversidade de recursos como cipós para o artesanato, frutas silvestres como a cajá, o jenipapo, a goiaba, entre outras que são vendidas nas beiras das estradas ao longo do Recôncavo. O uso tradicional da Ilha garante a segurança alimentar e nutricional, bem como a geração de renda. Tomar para quem? Para um grupo de empresários europeus chamados Property Logic que quer implantar um grande resort para o turismo internacional predatório.
Em 24 de maio de 2010, nova audiência pública foi realizada para discutir o projeto, dessa vez, no distrito de São Braz, em Santo Amaro. Participaram autoridades municipais, estaduais, pescadores, marisqueiras e quilombolas. O Secretário Estadual de Meio Ambiente, Eugênio Spengler, esteve presente e admitiu que o empreendimento poderia gerar impactos ambientais negativos, mas defendeu o projeto alegando que os benefícios trazidos pela geração de empregos, o financiamento de programas de reflorestamento e de criação de unidades de conservação iriam compensar os impactos. Representantes da Prefeitura Municipal de São Francisco do Conde apresentaram discurso similar e prometeram rígida fiscalização em todas as fases do empreendimento, a fim de garantir sua sustentabilidade. Pescadores se mostraram preocupados com a degradação ambiental que pode ser gerada e defenderam que o projeto não deve impedir a pesca, nem afetar o sustento das famílias.
Manifestações e protestos de pescadores e quilombolas não surtiram efeito, pois o projeto recebeu licença de localização do Conselho Estadual de Meio Ambiente (CEPRAM) em 30 de junho de 2010. Esta decisão provocou revolta entre as comunidades que estavam se mobilizando contra o empreendimento. Em carta amplamente divulgada, representantes das comunidades quilombolas de Santo Amaro afirmam que:
Tanto o IMA – Instituto do Meio Ambiente – como o CEPRAM – ambas as instituições ligadas à Secretaria de Meio Ambiente (SEMA) – não respeitaram os direitos das nossas comunidades previstos através do artigo 68 dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal de 1988, bem como os demais decretos federais e convenções internacionais assinados pelo Estado brasileiro. Ou seja, mesmo tendo ciência de que o INCRA/BA já tinha iniciado o processo de elaboração do RTID – Relatório Técnico de Identificação e Titulação do território quilombola, e cientes das recomendações da Fundação Cultural Palmares, a SEMA não mediu esforços no sentido de se dobrar aos interesses de empresários estrangeiros, legítimos continuadores do processo de colonização do território brasileiro.
Além disso, a SEMA foi incapaz de reconhecer que as comunidades pesqueiras e quilombolas de Santo Amaro são vítimas de decisões políticas desenvolvimentistas que resultaram em profunda degradação ambiental e social na região, a exemplo da contaminação por metais pesados oriundos da fábrica de chumbo (capital francês)¹ e da recente degradação ocasionada pela fábrica de papel (capital japonês). Estes exemplos não foram suficientes para que a SEMA considerasse o princípio da precaução ambiental estabelecido nas constituições estadual e federal.
Diante do que classificaram na carta como racismo institucional por parte do governo baiano, os quilombolas passaram a pressionar pela realização de novas audiências públicas a fim de debaterem o caso. Em 18 de agosto de 2010, uma nova audiência foi realizada na comunidade de Acupe, Santo Amaro, onde, novamente, houve uma apresentação do projeto, com destaque para os impactos sobre a pesca.
As lideranças locais aproveitaram a oportunidade para denunciar que o projeto da Empresa Property Logic está influenciando a privatização de outras ilhas da região, a exemplo das ilhas Grande, Passarinho, Nordeste, Guarapirá e Coroa Branca, que estão sendo ocupadas ilegalmente por pessoas de outras localidades. Denunciaram ainda que as construções de imóveis nestas ilhas somente se iniciaram após a divulgação de que a Empresa havia anunciado a possibilidade de construir resorts na Ilha de Cajaíba, solicitando então que o IMA e o Ministério Público tomassem as devidas providências para impedir a destruição das ilhotas.
Quilombolas e pescadores se posicionaram contra o empreendimento, argumentando que:
A Ilha de Cajaíba é o principal berçário da vida marinha e garante o sustento de mais de 10.000 pessoas da comunidade;
A Ilha favorece o desenvolvimento da atividade pesqueira, o extrativismo de frutas e serve de abrigo para os pescadores em épocas de temporais;
A Ilha é reconhecida pelas comunidades remanescentes de quilombos da região como território quilombola. Processo de identificação já iniciado pelo INCRA;
A instalação do mega empreendimento turístico e hoteleiro irá trazer inúmeros prejuízos sociais, econômicos e ambientais para as comunidades: aumento da criminalidade e do tráfico de drogas; prostituição; exclusão de áreas de pesca e poluição do estuário devido ao lançamento de resíduos sanitários.
Também solicitaram uma audiência pública com a presença do Ministério Público, INCRA e Fundação Cultural Palmares. Entretanto, não há registro de que tal audiência tenha sido realizada. Atualmente, o licenciamento do empreendimento segue os trâmites legais, sem que haja perspectiva de que as reivindicações das comunidades tradicionais sejam atendidas.
No ano seguinte, em 12 e 13 de abril, foi realizado um ato público na Senzala do Casarão histórico da ilha em repúdio à proposta do Hotel Missioni na ilha. O grupo Missioni havia adquirido da Property Logic Brasil parte da concessão para construir no local. Ao final do ato, as entidades participantes (Associação dos Remanescentes de Quilombo de São Braz; Associação dos Remanescentes de Quilombo de Acupe; Associação de Pescadores e Marisqueiras Frutos do Mar – Santo Amaro; Comunidade Remanescente de Quilombo da Cambuta; Comunidade Remanescente de Quilombo da Ilha de Maré; MPP – Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais; Associação Quilombo do Orobu; CPP – Conselho Pastoral dos Pescadores; AATR – Associação dos Advogados dos Trabalhadores Rurais no Estado da Bahia e NENN – Núcleo de Estudantes Negros e Negras da UFRB) assinaram uma nota de repúdio na qual solicitavam ao Ministério Público que agilizasse os processos já em tramitação, a fim de: assegurar os direitos das comunidades tradicionais, a preservação do meio ambiente e do patrimônio histórico e cultural ameaçado pelos empreendimentos; acelerar o processo de demarcação e titulação do território quilombola das comunidades locais; suspender o processo de licenciamento ambiental do empreendimento turístico na Ilha de Cajaíba; e embargar o processo de destruição dos bancos de corais e construção de muros nas ilhotas localizadas no entorno da ilha.
Em setembro de 2011, o movimento de resistência local obteve uma vitória muito comemorada por eles, quando a Property Logic anunciou que estava definitivamente abandonando o projeto de construção do Cajaíba Beach & Golf Resort. Em anúncio oficial, o grupo afirmou que o cancelamento estava relacionado a dificuldades econômicas enfrentadas pelo grupo espanhol em decorrência da crise financeira que assolava seu país e parte da Europa do Sul (principalmente, Portugal e Grécia) naquele momento. O anúncio, porém, não pôs fim ao conflito, já que o empresário JC Cavalcante, dono de 75% do empreendimento, afirmou ao jornal A Tarde que estava negociando com empresários russos mudanças no projeto inicial de forma a propiciar a construção de um complexo hoteleiro de menor porte em relação ao originalmente proposto, com apenas 50 apartamentos e 50 bangalôs; dessa vez, da ordem de R$ 250 milhões.
¹Este trecho se refere à contaminação causada pela empresa COBRAC; no Mapa da Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil há uma ficha que analisa este conflito específico e suas consequências para a saúde da população de Santo Amaro.
Cronologia:
02 de março de 2009: IMA disponibiliza RIMA do empreendimento Ilha de Cajaíba Eco Resort da Property Logic Brasil para consulta de comunidades potencialmente afetadas.
24 de abril de 2009: MPF e MPE/BA encaminham recomendação ao Instituto do Meio Ambiente (IMA) para suspensão do processo de licenciamento ambiental do empreendimento Ilha de Cajaíba Beach & Golf Resort, e de audiências públicas, eventualmente marcadas, até que condições necessárias à proteção da Ilha sejam cumpridas.
17 de abril de 2009: IMA divulga audiência pública em São Francisco do Conde para discutir relatório de impacto ambiental do empreendimento
20 de abril de 2009: Movimento de famílias quilombolas, e de pescadores que atuam na ilha de Cajaíba, divulga carta de repúdio aos projetos da Property Logic, que classificam como uma tentativa de privatização do lugar, hoje explorado coletivamente pelas famílias que dependem da pesca e do extrativismo.
29 de abril de 2009: Atendendo recomendação dos MPs, IMA adia audiência prevista para do dia 30 de abril em São Francisco do Conde.
01 de junho de 2009: IMA divulga nova data para a audiência pública em São Francisco do Conde (17 de junho).
31 de agosto de 2009: Representantes do governo estadual, prefeitura municipal, Fundação Palmares (FCP) e do grupo Property Logic discutem na Ilha de Cajaíba, em São Francisco do Conde, as questões socioambientais envolvidas na implantação de um resort no município.
05 de novembro de 2009: Comitê em Defesa das Comunidades Quilombolas organiza ato público em defesa das comunidades quilombolas baianas. Entre os problemas abordados, está o conflito em torno do projeto de instalação do resort na ilha de Cajaíba.
30 de junho de 2010: Conselho Estadual de Meio Ambiente (CEPRAM) concede licença de localização ao empreendimento da Property Logic.
06 de julho de 2010: Representantes das comunidades quilombolas de São Braz, Cambuta e Acupe divulgam carta aberta onde manifestam seu descontentamento em relação à licença concedida pelo CEPRAM, e pelo modo como o IMA e a SEMA tem conduzido o licenciamento ambiental do resort.
Maio de 2010: IMA realiza audiência pública em São Brás (Santo Amaro/BA) para debater os impactos do empreendimento sobre as comunidades e o meio ambiente.
17 de agosto de 2010: IMA realiza audiência pública em Acupe (Santo Amaro/BA) para debater os impactos do empreendimento sobre as comunidades. Comunidades pesqueiras e quilombolas do distrito se posicionam formalmente contra a instalação do resort na ilha de Cajaíba.
12 e 13 de abril de 2011: Organizações e comunidades locais realizam Ato em Defesa da Ilha de Cajaíba.
Setembro de 2011: Grupo Property Logic anuncia cancelamento do Cajaíba Beach & Golf Resort. Empresário baiano busca novos parceiros para construção de versão reduzida do projeto.
Última atualização em: 18 jun. 2014.
Cronologia
02 de março de 2009: IMA disponibiliza RIMA do empreendimento Ilha de Cajaíba Eco Resort da Property Logic Brasil para consulta de comunidades potencialmente afetadas. Documento foi entregue àColÃŽnia de Pescadores Zâ??05, Associação dos Marisqueiros e Pescadores de São Bento das Lages (AMAPESBLA) – ambas em São Francisco do Conde -, àColonia de Pescadores Zâ??16 de Saubara, Associação dos Moradores e Pequenos Pescadores de São Brás e ColÃŽnia dos Pescadores Zâ??27 de Acupe de Santo Amaro.
24 de abril de 2009: MPF e MPE/BA encaminham recomendação ao Instituto do Meio Ambiente (IMA) para suspensão do processo de licenciamento ambiental do empreendimento Ilha de Cajaíba Beach & Golf Resort, e de audiências públicas, eventualmente marcadas, até que condições necessárias ÃÂ proteção da Ilha sejam cumpridas.
17 de abril de 2009: IMA divulga audiência pública em São Francisco do Conde para discutir relatório de impacto ambiental do empreendimento
20 de abril de 2009: Movimento de famílias quilombolas, e de pescadores que atuam na ilha de Cajaíba, divulga carta de repúdio aos projetos da Property Logic, que classificam como uma tentativa de privatização do lugar, hoje explorado coletivamente pelas famílias que dependem da pesca e do extrativismo.
29 de abril de 2009: Atendendo recomendação dos MPs, IMA adia audiência prevista para do dia 30 de abril em São Francisco do Conde.
01 de junho de 2009: IMA divulga nova data para a audiência pública em São Francisco do Conde (17 de junho).
31 de agosto de 2009: Representantes do governo estadual, prefeitura municipal, Fundação Palmares (FCP) e do grupo Property Logic discutem na Ilha de Cajaíba, em São Francisco do Conde, as questões socioambientais envolvidas na implantação de um resort no município.
05 de novembro de 2009: Comitê em Defesa das Comunidades Quilombolas organiza ato público em defesa das comunidades quilombolas baianas. Entre os problemas abordados, está o conflito em torno do projeto de instalação do resort na ilha de Cajaíba.
30 de junho de 2010: Conselho Estadual de Meio Ambiente (CEPRAM) concede licença de localização ao empreendimento da Property Logic.
06 de julho de 2010: Representantes das comunidades quilombolas de São Braz, Cambuta e Acupe divulgam carta aberta onde manifestam seu descontentamento em relação ÃÂ licença concedida pelo CEPRAM, e pelo modo como o IMA e a SEMA tem conduzido o licenciamento ambiental do resort.
Maio de 2010: IMA realiza audiência pública em São Brás (Santo Amaro/BA) para debater os impactos do empreendimento sobre as comunidades e o meio ambiente.
17 de agosto de 2010: IMA realiza audiência pública em Acupe (Santo Amaro/BA) para debater os impactos do empreendimento sobre as comunidades. Comunidades pesqueiras e quilombolas do distrito se posicionaram formalmente contra a instalação do resort na ilha de Cajaíba.
Fontes
ARTICULAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS NO ESTADO DA BAHIA. Ato Público em Defesa das Comunidades Quilombolas da Bahia. Disponível em: http://goo.gl/BE1b8X. Acesso em: 19 ago. 2010.
AVENA, Armando. Complexo de R$1,3 BI em São Francisco do Conde foi cancelado. Bahia Econômica, 21 set. 2011. Disponível em: <http://goo.gl/DbvAUI>. Acesso em: 13 jun. 2014.
CARTA aberta em defesa da Ilha de Cajaíba. Combate Racismo Ambiental, 14 abr. 2011. Disponível em: http://goo.gl/QqB22y. Acesso em: 13 jun. 2014.
COMUNIDADES REMANESCENTES DE QUILOMBO DE SANTO AMARO. Carta das Comunidades Pesqueiras e Remanescentes de Quilombos de Santo Amaro BA, em repúdio à licença de localização do mega empreendimento turístico da empresa PROPERT LOGIC no Território quilombola da ILHA DE CAJAIBA. Grupo de trabalho combate ao racismo ambiental, Rio de Janeiro, 06 jul. 2010. Disponível em: http://goo.gl/JuDtqO. Acesso em: 19 ago. 2010.
CORREIO DA BAHIA. Ministério Público pede suspensão de projeto na Ilha de Cajaíba. Salvador, 27 abr. 2009. Disponível em: http://goo.gl/DoPqfp. Acesso em: 19 ago. 2010.
GOVERNO DO ESTADO DA BAHIA. Eco resort na Ilha de Cajaíba é tema de audiência pública. Salvador, 27 abr. 2009. Disponível em: http://goo.gl/jSjhxU. Acesso em: 19 ago. 2010.
INSTITUTO DO MEIO AMBIENTE DO ESTADO DA BAHIA. Audiência pública vai discutir licença ambiental para projeto de Eco Resort na Ilha de Cajaíba, 17 abr. 2009. Disponível em: http://goo.gl/7loIPK. Acesso em: 19 ago. 2010.
______. Audiência Pública do Resort Cajaíba é adiada. Salvador, 29 abr. 2009. Disponível em: http://goo.gl/YGeaba. Acesso em: 19 ago. 2010.
______. IMA discute em audiência pública implantação de projeto imobiliário na Ilha de Cajaíba. Salvador, 01 jun. 2009. Disponível em: http://goo.gl/YtAVdG. Acesso em: 19 ago. 2010.
MEDEIROS, Gustavo. Resort em São Francisco do Conde vai gerar 4.800 empregos. Link Recôncavo, Cruz das Almas, 01 set. 2009. Disponível em: http://goo.gl/3EgToh. Acesso em: 19 ago. 2010.
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. MPF/BA e MPE pedem suspensão de licenciamento de resort na Ilha de Cajaíba (BA). Salvador, 27 abr. 2009. Disponível em: http://goo.gl/o3xeZJ. Acesso em: 19 ago. 2010.
MOVIMENTO DE PESCADORES E PESCADORAS DE SANTO AMARO. Comunidade Quilombola de Acupe diz não ao empreendimento turístico da Empresa Property Logic. Grupo de trabalho combate ao racismo ambiental, Rio de Janeiro, 19 ago. 2010. Disponível em: http://goo.gl/9qk8Ty. Acesso em: 19 ago. 2010.
MOVIMENTO DE QUILOMBOLAS E PESCADORES DA ILHA DE CAJAÍBA. Em Defesa do Território Quilombola da Ilha de Cajaíba. Edital, Fortaleza, 20 abr. 2009. Disponível em: http://goo.gl/JNK4lH. Acesso em: 19 ago. 2010.
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