AM – Vitória de comunidades extrativistas poderá limitar alcance do Arco do Desmatamento

UF: AM

Município Atingido: Lábrea (AM)

Outros Municípios: Lábrea (AM)

População: Extrativistas, Ribeirinhos, Seringueiros

Atividades Geradoras do Conflito: Atuação de entidades governamentais, Madeireiras, Monoculturas, Pecuária

Impactos Socioambientais: Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, Falta / irregularidade na demarcação de território tradicional

Danos à Saúde: Piora na qualidade de vida, Violência – ameaça

Síntese

Localizado a 610 quilômetros de Manaus, Lábrea é um município com aproximadamente 38 mil habitantes, espalhados por uma área de 68 mil km². O município situa-se no chamado “arco do desmatamento”, englobando a região Sul Amazonense, o noroeste de Rondônia e o norte de Mato Grosso, território visado pela expansão da atividade de madeireiros, grandes produtores de soja e criadores de gado, e cortado pela BR-319. A luta de ribeirinhos e extrativistas de Lábrea pela criação e implantação das Reservas Extrativistas (Resex) de Ituxi e do Médio Purus é a principal frente pela utilização sustentável dos recursos naturais da região. . Encravadas em uma área extremamente vulnerável ao avanço do agronegócio, ameaçadas por grileiros e produtores, essas comunidades conseguiram fazer valer seus direitos e tornar o mosaico de áreas de proteção ao longo da BR-319 uma realidade. Agora lutam para que a proteção e segurança jurídica conquistadas não fiquem apenas no papel.

Contexto Ampliado

A luta das comunidades tradicionais do município de Lábrea pela criação das Reservas Extrativistas do rio Ituxi e do Médio Purus teve início em 2001 e 2002, quando foram oficializados – junto ao Instituto Nacional de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), então responsável pela criação das áreas de proteção ambiental e reservas extrativistas – os pedidos para sua criação.

As discussões oficiais com as comunidades locais sobre a criação das reservas iniciaram-se, contudo, apenas em junho de 2006, quando o Ministério do Meio Ambiente (MMA) propôs a criação de um mosaico de áreas protegidas no entorno da BR-319, como forma de amenizar os impactos ambientais e sociais da ampliação e asfaltamento da rodovia (ação do Programa de Aceleração do Crescimento – PAC). Além das Resex de Ituxi e do Médio Purus, seriam criadas outras reservas extrativistas, parques e florestas nacionais, totalizando uma área protegida de cerca de 9 milhões de hectares.

As primeiras reuniões para discutir o mosaico se deram entre 22 e 26 de junho de 2006, em Lábrea, Humaitá e Manaus. Em Lábrea, a proposta contou com o apoio de cerca de 500 ribeirinhos, que fizeram passeatas para exigir a criação das Resex. A mobilização foi significativa, tendo em vista que as reservas beneficiariam cerca de 3.500 trabalhadores rurais, que vivem da extração da castanha, borracha e da andiroba.

Em Humaitá, porém, as propostas de criação de áreas protegidas não encontraram maior apoio. Nesta audiência, a maioria da população – formada por pequenos e médios agricultores vindos de outras regiões, atraídos pelas melhorias previstas pelas obras da rodovia – não se mostrou interessada nos projetos que, a seu ver, impediriam a manutenção e expansão de seus empreendimentos. Segundo o superintendente local do IBAMA, este segmento estaria associado a um processo de ocupação irregular, a uma pré-grilagem de terras, oposta à destinação dessas áreas como unidades de conservação.

Após as audiências, realizadas cerca de quatro a cinco anos depois de oficializados os pedidos de criação das reservas, os ribeirinhos e extrativistas ainda teriam de esperar mais dois anos para verem suas reservas efetivamente criadas. O processo junto ao IBAMA transcorreu de forma lenta, sendo a partir de 2007 transferido para o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). As medidas de protelação e a demora provocaram uma série de ações por parte das comunidades tradicionais e de suas entidades de apoio, na tentativa de pressionar o governo federal a agilizar a criação das reservas.

Em junho de 2007, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e a Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar (Fetagri) no Amazonas anunciaram a realização de atividades com o intuito de trazer novamente à pauta das discussões políticas locais a questão da criação das reservas extrativistas.

Na ocasião, o secretário de Política Agrícola e Desenvolvimento da Fetagri-AM, Aldenor Barbosa, informou que o objetivo seria reunir-se, até o final daquele mês, com representantes do governo estadual, e definir a situação das mais de três mil famílias da região avaliada para a criação das reservas. Segundo ele, essas famílias esperavam uma resposta do poder público sobre o processo ainda em andamento na esfera governamental.

Em 03 de setembro do mesmo ano, cerca de 20 pessoas realizaram vigília na sede do IBAMA em Lábrea com o objetivo de chamar a atenção do poder público para a questão. Na vigília, os trabalhadores rurais contaram com o apoio da Comissão Pastoral da Terra (CPT), cujo coordenador local, padre Fernando Redonda, afirmou que a criação das reservas não apenas fortaleceria as associações, comunidades e famílias extrativistas, como representaria um maior cuidado com o manejo do meio ambiente por esses trabalhadores e o fim de sua dependência em relação aos atravessadores.

No dia 22 do mesmo mês, no último dia do 2º Encontro Nacional dos Povos das Florestas, realizado em Brasília, representantes de oito áreas em processo de demarcação levaram uma carta de reivindicação ao representante do Ministério da Casa Civil, Johaness Eck. Nessa carta, os moradores das regiões das reservas relataram situações de intenso conflito pela demarcação das terras, que incluíam ameaças constantes de fazendeiros e grileiros, e também a atuação de serrarias clandestinas na região do médio Purus e do rio Ituxi.

No dia 25 de outubro de 2007, o ICMBio anunciou que os processos de criação das reservas extrativistas, juntamente com as de Montanha-Mangabal (PA), Médio Xingu (PA), Baixo Rio Branco-Jauaperi (RR/AM) e Cassurubá (BA), além da ampliação da reserva Ciriaco (MA), já estariam finalizados e aguardando apenas a publicação no Diário Oficial da União pela Casa Civil da Presidência da República. Entretanto, a Casa Civil não agiu com a celeridade esperada pelas comunidades tradicionais.

Em 04 de maio de 2008, as lideranças dessas comunidades anunciaram que estavam se mobilizando para realizar uma manifestação em Brasília no dia 13 do mesmo mês, visando pressionar o governo federal a publicar os decretos de criação das reservas e impedir o fechamento do escritório regional do IBAMA em Lábrea. A data da manifestação foi estrategicamente escolhida para coincidir com a ocasião do Grito da Terra, mobilização anual realizada nacionalmente por organizações e movimentos sociais comprometidos com a defesa dos direitos dos trabalhadores rurais.

Em maio de 2008, foram publicados os decretos de criação da Reserva Extrativista do Médio Purus, com 604 mil hectares, do Parque Nacional do Jari, da Floresta Nacional de Iquirí, e da ampliação da Floresta Nacional de Balata-Tufari. Em cinco de junho do mesmo ano, o então presidente Luís Inácio Lula da Silva assinou decreto de criação das reservas extrativistas Ituxi e do Médio Xingu, com 778 mil e 303 mil hectares, respectivamente, e da criação do Parque Nacional do Mapinguarí, com 1,5 milhão de hectares. A criação das reservas extrativistas e das áreas de preservação permanente ensejou a perspectiva de uma ação coordenada e efetiva em prol da preservação ambiental da região, principalmente, na região mais pressionada pela expansão do agronegócio.

Para tanto, uma equipe formada por oito servidores do INCRA/AM iniciou, em julho de 2008, um trabalho de reconhecimento de cerca de 800 famílias das reservas. O reconhecimento, previsto na Portaria Interministerial nº 13, firmada entre os ministérios do Desenvolvimento Agrário (MDA) e do Meio Ambiente (MMA) em 2002, permitiria às populações extrativistas tradicionais das Resex do Rio Ituxi e Médio Purus acessarem benefícios previstos no Programa Nacional de Reforma Agrária (PNRA), como a Concessão de Direito Real de Uso (CDRU) e créditos de R$ 9,4 mil por família. Poderiam acessar também o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) e direitos relativos à aposentadoria rural.

Além disso, o então ministro do Meio Ambiente Carlos Minc anunciou, no dia 24 de setembro de 2008, que o processo de licenciamento ambiental para um trecho de cerca de 400 km da BR-319, que liga Manaus (AM) a Porto Velho (RO), estaria suspenso pelos próximos 60 dias a contar daquela data. Segundo ele, a suspensão só teria fim após o Grupo de Trabalho – constituído por representantes dos ministérios do Meio Ambiente, das Cidades, da Integração Nacional, IBAMA, Instituto Chico Mendes e pelos governos do Amazonas e de Rondônia – analisarem as áreas de preservação criadas e não implantadas, além do custo da implantação delas. Essa medida seria uma forma de garantir a efetividade da implantação.

O Conselho Deliberativo da RESEX Ituxi foi criado em 2010; porém, a implantação da reserva não pôs fim à pressão de grileiros e garimpeiros sobre a área.

Em junho de 2011, a Associação APADRIT divulgou nota onde informava que pessoas estranhas à comunidade estariam explorando localidades pertencentes à RESEX do rio Ituxi próximas ao rio Punicici (afluente do Ituxi). Madeireiros atuariam prioritariamente no ro Curequetê, próximo à localidade conhecida como Cachoeira do São Paulo. Segundo a APADRIT, tais pessoas estariam por trás de ameaças de morte sofridas por Antonio Vasconcelos, liderança da comunidade do rio Ituxi.

Em resposta à denúncia, a Secretaria Nacional de Direitos Humanos determinou que uma escolta policial fosse estabelecida para Antonio Vasconcelos pela Força Nacional de Segurança Pública. Porém, segundo informações da Comissão Pastoral da Terra (CPT), esta escolta foi retirada em dezembro daquele ano, após um acordo ter sido firmado entre a União e o Governo do Estado do Amazonas para que a Polícia Militar assumisse a escolta. Isto não foi de fato cumprido pelo executivo estadual, o que deixou Vasconcelos vulnerável à ação de pistoleiros e seus mandantes. Por conta das ameaças e da falta de apoio, Vasconcelos, que também é pastor protestante, foi obrigado a se mudar para Lábrea para se proteger.

Em maio de 2012, a APADRIT divulgou nova nota pública; dessa vez, denunciando a precariedade dos serviços de saúde disponíveis para as comunidades da RESEX do rio Ituxi.

Entre os problemas enfrentados por eles, estão: a falta de profissionais de saúde (estão disponíveis apenas dois agentes de saúde e um agente de endemias para o atendimento de cerca de 700 pessoas); não há estrutura física adequada para o trabalho desses profissionais (sequer há material básico para medição do estado de saúde da comunidade, como balanças, termômetros, trenas e esfigmomanômetros, impedindo o acompanhamento de doenças crônicas e o desenvolvimento infantil); a Secretaria Municipal de Saúde não fornece o meio de transporte necessário às visitas domiciliares (realizado por barco); médicos, enfermeiros e dentistas aportam apenas ocasionalmente na comunidade, através de uma Unidade Básica de Saúde Fluvial; há falta de medicamentos e, quando são fornecidos, muitas vezes estão fora da data de validade; não há saneamento básico nas comunidades, sendo os dejetos despejados no mesmo rio que fornece água para as famílias.

A APADRIT exigia do poder público:

1) A instalação de 05 postos de saúde ao longo do Rio Ituxi e seus afluentes, a serem localizados nas comunidades da Vila Vitoria (Bau), Goiaba, Capiruan, Rio Punicici e Rio Siriquiqui;

2)Contratação de microscopistas e agentes de saúde para cada um dos postos;

3)Melhoria das condições de trabalho dos agentes de saúde que atuam na região;

4)Maior frequência de visita da UBS Fluvial (de, pelo menos, três vezes ao ano);

5)Perfuração de poços artesianos e construção de instalações sanitárias em todas as comunidades do Rio Ituxi e seus afluentes. Na outra frente, em julho daquele ano, o ICMBio realizou uma ação de fiscalização para combater o desmatamento ilegal na Resex. Segundo reportagem do Ecodebate: Uma pessoa foi presa e houve a apreensão de diversos materiais irregulares, incluindo motosserras, um caminhão e um trator skidder, além de aves. Foi feita ainda a destruição de mais de 1.900 metros cúbicos de madeira ilegal. A ação teve participação também de fiscais do Ministério Público do Trabalho (MPT), que identificaram: trabalho infantil, trabalhadores estrangeiros ilegais e […] diversas irregularidades, como condições precárias de trabalho e falta de pagamento.

Um termo de ajustamento de conduta foi assinado e as três empresas devem pagar multa que totaliza R$ 65 mil.

Em março de 2013, o ICMBio e o Programa das Nações Unidades para o Desenvolvimento (PNUD) anunciaram o estabelecimento de um convênio para a realização de estudos de diagnósticos ambiental e socioeconômico de 11 unidades de conservação (UCs) federais na região do encontro dos rios Purus e Madeira.

As UCs eram: Reserva Biológica (Rebio) Abufari, Estação Ecológica (Esec) Cuniã, parques nacionais (Parna) Mapinguari, Nascentes do Lago Jari, reservas extrativistas (Resex) Lago do Capanã-Grande, Ituxi, Médio Purus, Lago do Cuniã e as florestas nacionais (Flona) Humaitá, Balata-Tufari e Iquiri.

Esses estudos subsidiarão a definição do plano de manejo das unidades de conservação e serão financiados por recursos aportados pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) como parte das condicionantes do licenciamento da BR-319 e a fim de evitar o avanço do desmatamento na região.

Paralelamente a estes diagnósticos, os castanhais da Resex do Ituxi na região dos rios Ituxi, Ciriquiqui, Punicici e Curequetê foram mapeados pelo ICMBio. Segundo o Instituto, o levantamento de dados foi feito por meio de entrevistas, histórico de vida dos moradores e formação de grupos com os castanheiros e todos os castanhais foram visitados e georreferenciados. O grupo de estudos também levantou informações sobre conflitos envolvendo o uso de castanhais, estimativa de produção, valores praticados no mercado de Lábrea, além de outros dados de comercialização.

Esses dados subsidiarão ações das organizações locais para fortalecer a cadeia produtiva da castanha, o principal produto extrativista da reserva, garantindo seu manejo adequado e a sustentabilidade socioambiental da atividade.

A presença do Estado na região se intensificou com a realização do evento conhecido como MPF na Comunidade, naquela edição realizada em julho de 2013, no qual a Procuradoria da República esteve no local para realizar palestras, debater com as comunidades e prestar os atendimentos necessários.

Na manhã de terça-feira (30/07), o procurador da República Julio José Araujo Junior se reuniu, na sede da Associação dos Trabalhadores do Médio Purus, com moradores da comunidade Jurucuá e líderes de comunidades localizadas nas Reservas Extrativistas (Resex) Ituxi e Médio Purus. Durante o encontro, os comunitários relataram problemas relacionados à saúde e infraestrutura existentes naquelas localidades, como a falta de saneamento básico e de poços artesianos de grande profundidade, dificuldades de deslocamento para atendimento médico em casos de emergência e ausência de médicos em posto de atendimento do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) na sede do município.

Em resposta, o MPF expediu recomendações aos órgãos competentes determinando:

1)     Ao gerente-executivo local do INSS, a disponibilização permanente de médico perito no posto de atendimento em Lábrea e o recebimento e análise de todos os pedidos de concessão de benefícios previdenciários, independente da forma como são apresentados e da existência de médico perito em atividade na gerência. O prazo para acatamento e resposta ao MPF é de dez dias.

2)     Na área da saúde, ausência de postos de saúde, inexistência de deslocamento de emergência e falta de medicamentos foram as principais reclamações dos comunitários. Durante inspeção na estrutura física disponível para atendimento, foi constatada a impossibilidade de uso da ambulância fluvial para transporte de pacientes. Entre outras medidas, o MPF/AM recomendou ao município de Lábrea a contratação de quatro ambulâncias fluviais adequadas e equipadas no prazo de até 60 dias, além do fornecimento regular de medicamentos de atenção básica e apresentação de cronograma para instalação de polos base de saúde na região em até 30 dias.

3)     A precariedade da situação de funcionamento da escola existente na comunidade da Resex Ituxi foi constatada pelo MPF/AM, também em visita realizada durante a estada do projeto MPF na Comunidade em Lábrea. No local, a equipe do órgão verificou que as crianças têm aulas em uma casa de farinha com chão de terra batida e são transportadas em embarcações sem qualquer segurança. Na recomendação à Prefeitura de Lábrea, o MPF/AM solicitou a adequação da infraestrutura física da escola em até 60 dias, a realização de concurso público para contratação de professores na rede municipal e a realização de transporte escolar condizente com a situação das comunidades ribeirinhas e com as mínimas condições humanas de egurança e conforto.

A precariedade dos serviços públicos oferecidos às comunidades da RESEX não ameaçava apenas sua capacidade de acessar direitos previdenciários, garantir a educação das crianças ou manterem-se saudáveis, também ameaçava a vida de suas lideranças. Em setembro de 2013, reportagem de Elaíze Farias para o portal A Pública trouxe à tona os dilemas de Antônio Vasconcelos, de 59 anos, pastor evangélico e principal liderança da unidade de conservação Reserva Extrativista do rio Ituxi.

Após sofrer ameaças de morte devido à sua atuação em defesa da RESEX, Antônio foi incluído no Programa de Proteção de Defensores de Direitos Humanos da Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH) e por isso recebia escolta de agentes da Força Nacional de Segurança (FNS). Contudo, em 23 de agosto de 2013, Antônio solicitou a suspensão da escolta, segundo ele, após ter-se deparado com o despreparo dos agentes de segurança e ter sofrido agressões verbais e autoritarismo por parte destes. Abatido e doente com a situação, Antônio ainda se recuperava de sua última internação devido ao estresse das ameaças e da pressão exercida pela escolta. Além disso, ele reclamava que a atuação dos policiais se restringia ao município de Lábrea e se sentia desprotegido quando precisava atuar fora de seu município de moradia.

No artigo, Farias relata que:

Nos meses seguintes à chegada da escolta policial, em novembro de 2011, o pastor mudou-se para a cidade de Lábrea. Longe do seu lote de terra, não pode exercer agricultura e extrativismo, e, sem renda, é difícil arcar com as viagens para a comunidade que ajudou a fundar. Assim, sua atuação política e seu trabalho foram fortemente limitados. As ameaças dos pistoleiros sumiram, mas começou para o pastor uma rotina solitária e angustiante. Ele foi obrigado a se distanciar dos amigos e do restante da família (continuava acompanhado apenas da esposa), perdeu a privacidade, sua mobilidade foi reduzida. Apenas eventualmente participava de reuniões com outros moradores da Resex do rio Ituxi. (…) Mas a parte mais dolorosa foi o tratamento recebido dos policiais. Antônio Vasconcelos relata que os dois últimos anos foram os mais infelizes da sua vida. O que era para ser um período pacífico e de razoável tranquilidade se transformou em uma fase de estresse e angústia devido aos abusos e agressões verbais dos policiais da Força Nacional.

A primeira guarnição ficou apenas uma semana. O grupo substituto era comandando por um tenente muito mau, nas palavras do pastor. Ele chegava na minha casa e colocava a arma na mesa. Me dizia que eu não poderia sair para canto algum. Recebia ameaças dele todos os dias. Uma vez ele ameaçou me prender sob acusação de abuso por desacato à autoridade. Peguei gastrite nervosa, entrei em estado depressivo. Foi preciso eu denunciar à SEDH. Foi também a única vez em que uma psicóloga dos Direitos Humanos me ouviu, lembra.

Depois do pedido de Vasconcelos e da Comissão Pastoral da Terra (CPT), que acompanha casos de conflitos agrários na Amazônia, o tenente foi substituído. O que ficou no lugar dele acompanhava Vasconcelos à Resex várias vezes. Mas este comportamento não era o mesmo dos outros policiais: Recentemente sofri um novo problema. Um dos policiais gritou comigo na viatura, me ameaçou e me desrespeitou. Há momentos em que eles ficam colocando músicas imorais em frente da minha casa. Cansado, decidiu pedir o cancelamento da proteção. Sem a escolta, quero apenas ter direito a um porte de arma, pois quero voltar a morar na Resex e preciso me defender.

Em outubro de 2013, a primeira recomendação emitida pelo MPF durante o evento de julho: a Gerência Executiva do INSS em Tefé acatou parcialmente recomendação feita pelo MPF/AM e contratou médico perito para atuar no posto de atendimento do município.

Diferentemente da Resex do rio Ituxi – onde a principal atividade produtiva é o extrativismo da castanha -, na Resex do Médio Purus os moradores optaram, após reuniões com o ICMbio em 2012, por complementar sua renda com o manejo do pirarucu em dois lagos (Abunini e Sacado) no interior da Resex. Após a adoção das técnicas de manejo e de restrição da pesca nos lagos, os moradores da reserva conseguiram manter a sustentabilidade da atividade e a obter uma produção maior do que a estimada inicialmente. Em dezembro de 2013, foi anunciado que na primeira temporada de pesca do pirarucu – após o início do manejo – seria possível obter mais de 15 toneladas do valioso peixe.

Segundo o ICMbio: Oito comunidades participam de todo processo de manejo, sendo mais de 60 famílias diretamente nos lagos, desde o monitoramento até a despesca, recebendo em torno de R$ 1.000,00 a R$ 1.500,00. A iniciativa, desde a contagem até a despesca, foi realizada com recursos do Programa Áreas Protegidas da Amazônia (Arpa). Essa experiência foi considerada um piloto que demonstrou a efetividade das técnicas de manejo. Na reserva há pelo menos 80 lagos com potencial para reproduzir os resultados obtidos, o que faz com que o órgão estime que, se adequadamente implantadas, as técnicas de manejo podem propiciar que as comunidades locais se tornem as maiores fornecedoras de pirarucu legal e sustentavelmente pescado do estado.

O estabelecimento da RESEX, contudo, não impediu que situações de injustiça continuassem a ocorrer no seu interior. Em abril de 2014, em uma operação conjunta do Ministério do Trabalho e Emprego, Ministério Público do Trabalho e Polícia Federal, realizada entre 16 a 28 de março em castanhal localizado dentro da Reserva Extrativista do Médio Purus, foram encontradas 21 pessoas em condições análogas a de escravos na produção de castanha-do-pará; entre eles, dois adolescentes e quatro crianças, incluindo dois meninos de 11 anos. O ex-prefeito de Lábrea, Gean Campos de Barros (PMDB) e seu genro, Oscar da Costa Gadelha, foram responsabilizados pela fiscalização.

Segundo Daniel Santini, do Repórter Brasil, o auditor André Roston, coordenador do Grupo Especial de Fiscalização Móvel do MTE afirmou na época que: O que mais nos chamou a atenção foi a questão das crianças. Vimos meninos carregando sacos de 25 kg dentro da floresta, andando até quatro quilômetros descalças. (…) Para ajudar, um policial pegou o saco e começou a carregar, mas ele não aguentou chegar até o final. É um trabalho muito pesado e as crianças estavam submetidas ao sistema de exploração estabelecido.

Em depoimento à equipe de fiscalização, Oscar Gadelha confirmou o uso de trabalho infantil e defendeu que o emprego de crianças e adolescentes na atividade, de uma certa forma, é até uma maneira de educar. No momento da libertação, todos os trabalhadores receberam seus direitos trabalhistas, num total de mais de R$ 58 mil.

Uma nova notícia positiva para os extrativistas da RESEX do Médio Purus aconteceu em junho de 2014, quando eles receberam a Concessão de Direito Real de Uso (CDRU), um título de posse coletiva de terras estatais, documento fornecido pelo Instituto de Terras do Amazonas (Iteam). Além da Resex do Médio Purus, outras seis unidades de conservação foram objeto de titulação na mesma cerimônia presidida pelo governador José Melo. Ao todo, 1.468 famílias de 135 comunidades residentes nas Unidades Extrativistas devem ser beneficiadas com a concessão.

Cronologia:

2001: População local encaminha ao IBAMA pedido de criação de reservas extrativistas no rio Ituxi e no baixo Purus.

Junho de 2006: IBAMA apresenta proposta de criação de um mosaico de unidades de conservação em área de influência da BR-319. Reservas de Ituxi e baixo Purus estão entre as UCs previstas na proposta.

Entre 22 e 26 de junho de 2006: Realizadas audiências públicas em Lábrea, Humaitá e Manaus para discutir proposta de criação das reservas extrativistas.

Junho de 2007: CPT e FETAGRI realizam ações para mobilizar a população local em torno da proposta das reservas.

Setembro de 2007: Moradores da região realizam vigília na administração do IBAMA de Lárea para exigir avanço na proposta de criação das reservas.

22 de setembro de 2007: Durante o 2º Encontro Nacional dos Povos das Florestas representantes dos povos tradicionais entregam documento à Casa Civil exigindo a criação de diversas reservas extrativistas no Brasil; entre elas, as do rio Ituxi e do médio Purus.

13 de maio de 2008: Lideranças locais realizam protestos para exigir a criação das reservas.

Junho de 2008: Reservas extrativistas locais são criadas.

Julho de 2008: IBAMA inicia reconhecimento das famílias das reservas.

Setembro de 2008: MMA suspende licenciamento ambiental de trecho de 400 km da BR-319 até análise das unidades de conservação a serem implantadas na região.

12 de agosto de 2010: É criado o Conselho Deliberativo da RESEX do rio Ituxi.

Junho de 2011: Associação APADRIT divulga nota denunciando ameaças de morte sofridas por Antonio Vasconcelos, liderança da comunidade do rio Ituxi.

Outubro de 2011: Secretaria Nacional de Direitos Humanos determina o fornecimento de escolta policial para Antonio Vasconcelos.

Novembro de 2011: FNS chega a Lábrea para escoltar Antonio.

Dezembro de 2011: Secretaria Nacional de Direitos Humanos suspende escolta da FNS e transfere responsabilidade para Governo do Estado do Amazonas.

Maio de 2012: APADRIT divulga nota onde denuncia falta de profissionais e infraestrutura de saúde para comunidades da Resex.

31 de julho de 2012: Agentes de fiscalização do ICMBio vão à Resex para combater desmatamento ilegal.

Março de 2013: PNUD e ICMBio firmam acordos para elaboração de diagnósticos socioambientais de 11 unidades de conservação nos rios Purus e Madeira.

26 de maço de 2013: ICMBio anuncia conclusão do mapeamento dos castanhais da RESEX do rio Ituxi.

Julho de 2013: MPF realiza terceira edição do MPF na Comunidade em Lábrea e ouve problemas e denúncias de lideranças comunitárias do município, inclusive os das RESEX do rio Ituxi e do Médio Purus. MPF expede recomendações aos órgãos competentes.

Agosto de 2013: Devido à violência e agressão dos policiais, Antonio Vasconcelos solicita que SEDH suspenda escolta.

Outubro de 2013: Gerência Executiva do INSS em Tefé acata parcialmente recomendação feita pelo MPF/AM e contrata médico perito para atuar no posto de atendimento do município.

Junho de 2014: Resex do Médio Purus recebe CDRU.

Última atualização em: 13 jul. 2014.

Fontes

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