SC – Regularização fundiária da Comunidade Quilombola de Invernada dos Negros avança, para estancar os processos de subtração de terras no século XX, e apesar de políticos ruralistas do século XXI

UF: SC

Município Atingido: Campos Novos (SC)

Outros Municípios: Campos Novos (SC)

População: Quilombolas

Atividades Geradoras do Conflito: Agrotóxicos, Atuação de entidades governamentais, Monoculturas, Políticas públicas e legislação ambiental

Impactos Socioambientais: Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, Desmatamento e/ou queimada, Falta / irregularidade na demarcação de território tradicional

Danos à Saúde: Insegurança alimentar, Piora na qualidade de vida, Violência – ameaça

Síntese

A comunidade quilombola de Invernada dos Negros, em Campos Novos, região serrana catarinense, enfrenta desde 2004 um longo processo administrativo para reconhecimento de seu território tradicional. Desde 2007 duas empresas reflorestadoras movem ação contra a Superintendência Regional do Incra em Santa Catarina, a fim de tornar nulos os atos da entidade sobre os cerca de 8.000 hectares atualmente reconhecidos como território tradicionalmente ocupado pela comunidade.


A origem da comunidade remonta ao final do século XIX, quando Matheus José de Souza e Oliveira deixou uma parcela da antiga fazenda São João como herança para onze de seus ex-escravos. Em seu testamento, o legatário determinou que as terras herdadas não poderiam ser vendidas ou divididas, devendo constituir como patrimônio de usufruto de seus herdeiros e seus descendentes. Isto, contudo, não evitou que advogados e pessoas inescrupulosas se aproveitassem da ignorância e da miséria dos herdeiros para expropriar-lhes de suas terras.


Segundo os descendentes dos herdeiros de Souza e Oliveira, por volta de 1920 cerca de metade das terras originais foram apropriadas por um advogado como parte dos honorários pela regularização da divisão do imóvel entre seus proprietários. Por volta de 1970, outra parcela significativa teria sido adquirida de forma obscura por intermediários das atuais proprietárias da maior parte do território demandado: as empresas Iguaçu Celulose Papel S.A e Agro Florestal Ibicui S.A.


Após o longo período de subtração territorial, os descendentes dos herdeiros se organizaram na Associação Remanescente do Quilombo Invernada dos Negros (Arquin) e passaram a exigir do governo federal o reconhecimento de seus direitos sobre aquelas terras e a titulação das mesmas em nome da referida associação.


O primeiro passo nesse sentido foi dado em 2004, quando a Fundação Cultural Palmares (FCP) reconheceu oficialmente a comunidade de Invernada dos Negros como remanescente de quilombos, concedendo-lhe a certidão de autorreconhecimento. A partir daí foi iniciado junto ao Incra um processo administrativo de titulação. Em dezembro de 2004, um convênio do Incra com a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) garantiria a realização de estudos antropológicos da comunidade de Invernada dos Negros, a fim de embasar o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) do seu território tradicional. Em dezembro de 2005, o Núcleo de Estudos de Identidade e Relações Interétnicas (Nuer/UFSC) entrega o estudo ao Incra. O órgão já havia instituído o Grupo de Trabalho para elaborar Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) do processo administrativo de regularização fundiária da Comunidade de Invernada dos Negros. Em 15 de janeiro de 2007, o Incra publica edital reconhecendo 7.953 hectares, entre os municípios de Campos Novos e Abdon Batista, como território tradicional da Comunidade Remanescente de Quilombo de Invernada dos Negros.


Desde então o processo administrativo se encontra parado no Incra. São dois anos de exposição da comunidade a toda sorte de pressões contrárias a seus direitos e de injustiças. Enquanto isso, as precárias condições sociais da comunidade e as respectivas possibilidades da reprodução física e cultural são agravadas, pela exiguidade de seu território atual.

Paralelamente, os quilombolas e o Incra têm enfrentado um processo judicial movido pelas empresas reflorestadoras. Elas alegam ter adquirido as terras legitimamente e pleiteiam a anulação do processo administrativo no Incra a fim de resguardar seus direitos privados. Esta demanda recebe o apoio de diversos deputados e políticos catarinenses e tem dado origem a audiências públicas na Câmara dos Deputados e na Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc).


Em dezembro de 2008, o Incra publicou portaria delimitando a área identificada. Até o momento o processo administrativo não foi concluído.

No âmbito judicial, o mérito da ação não foi julgado, mas um pedido de antecipação de tutela, solicitado pelos advogados das empresas, foi rejeitado em primeira instância, como também pela 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF.4).

Contexto Ampliado

Contexto Ampliado:


Conforme estudos realizados pelo Núcleo de Estudos de Identidade e Relações Interétnicas da Universidade Federal de Santa Catarina (Nuer/UFSC), a constituição da comunidade quilombola de Invernada dos Negros remonta ao ano de 1877, quando o fazendeiro Matheus José de Souza e Oliveira deixou o correspondente à terça parte da antiga fazenda São João para 11 dos seus ex-escravos. O imóvel ficou conhecido como Invernada dos Negros, cujo testamento deixado em 1877, além de informar os nomes dos herdeiros, determinou a condição de inalienabilidade e indivisibilidade das terras herdadas. Isto significa que as terras jamais poderiam ser comercializadas, sendo apenas transmitidas de geração a geração entre os ex-escravos herdeiros. Entretanto, o processo de expropriação dos herdeiros iniciou-se na década de 1920, com a ação da divisão das terras.


De acordo com o NUER: Nesta divisão, uma das metades é tomada pelo advogado Henrique Rupp Junior, que propôs a ação, como forma de pagamentos a seus honorários, e as colocou no mercado imobiliário. A outra parte foi dividida entre os herdeiros em quinhões. Na década de [19]70, período da chegada da empresa de papel e celulose na região, com apoio e incentivos fiscais do governo federal, as terras herdadas sofreram novas alterações em suas divisas. Com a promessa de ajeitarem as terras da Invernada, os intermediários de vendas [a Iguaçu Papel e Celulose SA] instalam-se na cidade e convocam os herdeiros para apresentarem documentações pessoais referentes a suas terras. A documentação reunida neste momento desaparece junto com estes [intermediários]. O que se assistiu dali em diante, foi um processo progressivo de dilapidação de um patrimônio natural, econômico e cultural sem precedentes.


Nesse processo, parte significativa das terras dos negros da Invernada se perdeu, e a situação só tem se agravado. Pressionados a ocupar uma pequena parte de seu antigo território, os descendentes dos herdeiros de Souza e Oliveira se veem na incômoda situação de ter de buscar alternativas para sua sobrevivência fora das terras que foram legadas aos seus antepassados.


A Constituição Brasileira e tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário garantem aos quilombolas o acesso à terra e às condições para garantir sua reprodução física e social conforme seus costumes. Até meados da primeira década do século XXI, estes direitos estavam sendo negados à comunidade, que sequer era oficialmente reconhecida como remanescente de quilombos. Com o apoio do Movimento Negro Unificado (MNU) e da Associação dos Remanescentes do Quilombo Invernada dos Negros (Arqin), os membros da comunidade conseguiram a certidão de autorreconhecimento concedida pela Fundação Palmares. Desta forma, o Estado brasileiro reconheceu a ligação de ancestralidade entre a comunidade atual e os herdeiros originais. Este foi apenas o primeiro passo de um longo processo que culminou com o reconhecimento de 7.953 hectares como território da Comunidade Remanescente de Quilombo de Invernada dos Negros.


A identificação e delimitação do território quilombola foi fruto de cerca de três anos de estudos patrocinados pelo INCRA e realizados pelo Nuer/UFSC, por meio de convênio entre o Instituto e a Fundação de Amparo à Pesquisa e Extensão Universitária da UFSC. Os estudos resultaram nos Relatórios Técnicos de Identificação e Delimitação (RTID), baseados em estudos antropológicos e levantamentos documentais que reconstruíram a história da área e a cadeia dominial dos imóveis em questão.


Em 15 de janeiro de 2007, foi publicado no Diário Oficial da União um edital do INCRA reconhecendo o território quilombola. O edital foi o estopim para uma série de ações por parte das empresas, a fim de sustar o processo administrativo.


Antes, porém, da disputa judicial de 2007, em março, um projeto para construção de casas e constituição de horta comunitária na comunidade foi iniciado, através de uma parceria entre a Caixa Econômica Federal, a Empresa de Energia Campos Novos (Enercan) e a Arqin.


A primeira providência das empresas florestais, em resposta ao edital, foi o ajuizamento na justiça federal, em 18 de junho de 2007, de uma ação ordinária declaratória de nulidade dos atos praticados pela superintendência do INCRA e pela Fundação Cultural Palmares. As empresas demandantes pleitearam ainda a não-incidência do art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal sobre os imóveis rurais das mesmas, situados nos municípios de Campos Novos e Abdon Batista.


Segundo as empresas, não haveria qualquer prova material ou histórica que atestasse a existência de quilombos ou remanescentes de quilombos nas terras em questão, porque a lógica da verdade histórica regional nunca registrou a existência de quilombos na região.


Este tipo de argumentação convenientemente ignora que o conceito atual de quilombo, aceito pela Associação Brasileira de Antropologia (ABA), abarca muito mais que as comunidades formadas por grupos fugidos do regime escravocrata, incluindo também as chamadas terras de preto, terras de índio, terras de santo, terreiros e várias outras formas de organizações territoriais e de relações sociais diversas. A ação movida pela Iguaçu Celulose Papel SA e pela Agro Florestal Ibicui SA defendia que o dispositivo constitucional se referia apenas ao conceito de quilombo consagrado desde o período colonial, como refúgio de escravos fugidos.


Em 25 de junho de 2007, o juiz federal Ricardo Cimonetti de Lorenzi Cancelier, responsável pelo processo, indeferiu o pedido de antecipação de tutela na ação pleiteada pelas empresas reflorestadoras.


A ação dessas empresas recebeu o repúdio do movimento negro e quilombola de Santa Catarina, cujas entidades fizeram circular, em 27 de junho de 2007, uma nota refutando os argumentos das empresas e reivindicando o atendimento das demandas da comunidade.


No dia 02 de julho de 2007, a Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Câmara dos Deputados realizou uma audiência pública na qual a questão foi debatida. Oficialmente, a audiência pretendia avaliar o impasse socioeconômico criado em razão da demarcação e assentamento de famílias quilombolas em Invernada dos Negros, em Campos Novos, Santa Catarina. Na prática, o que se viu foi a defesa dos argumentos das empresas por alguns deputados e uma enorme insatisfação por parte dos quilombolas e entidades que os apoiavam, devido ao exíguo tempo que lhes foi facultado para apresentarem seu ponto de vista. Menos de uma semana depois, a Assembleia Legislativa de Santa Catarina realizou audiência pública similar. Nessas audiências, ficou claro que o poder econômico das empresas reflorestadoras estava angariando grande apoio em meio aos políticos catarinenses, e que tais audiências tinham mais o objetivo de atingir a opinião pública do que buscar informar a população sobre o processo e a titulação.


Em resposta à movimentação política dos deputados, procuradores federais reunidos em Joaçaba, no 1º Encontro Regional da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal – Índios e Minorias, divulgaram moção de apoio ao processo de reconhecimento do território dos remanescentes da comunidade Invernada dos Negros, recomendando o seu prosseguimento até a demarcação e titulação das terras. Os procuradores também repudiaram os atos discriminatórios que estavam sendo praticados contra aquela comunidade.


Além da moção de apoio, os procuradores redigiram uma nota informativa à sociedade que trazia, entre outras deliberações, o entendimento de que as terras necessárias à garantia da reprodução física, social, econômica e cultural dos remanescentes das comunidades dos quilombos, bem como aquelas com os recursos ambientais para a preservação de seus costumes, tradições, cultura e lazer – englobando os espaços de moradia, os destinados a cultos religiosos e os sítios que contenham reminiscências históricas -, também eram terras ocupadas por esses rmanescentes, além do espaço com presença física atual.


O ano de 2007 terminou sem que nada de concreto fosse realizado, e a situação fundiária da área permaneceu indefinida.


Durante todo o ano de 2008, a ação movida pelas empresas tramitou na Vara Federal de Caçador, até que o juiz responsável pelo caso declinasse, em agosto, a competência do julgamento para a Vara Federal de Joaçaba, atrasando ainda mais o julgamento do mérito da questão.


Em setembro de 2008, a Iguaçu Celulose e Agro Florestal Ibicui entraram com ação de agravo de instrumento contestando a negação de um pedido de liminar.


No dia 22 de dezembro de 2008, o INCRA publicou no Diário Oficial da União a portaria 419 delimitando a área do território da Comunidade Remanescente de Quilombo de Invernada dos Negros. Na prática, isso significava que as contestações apresentadas pelas empresas haviam sido indeferidas, e o processo administrativo finalmente estava avançando. Foi a última providência tomada nesse sentido.


Em março de 2009, os deputados federais Valdir Colatto (PMDB-SC) e Luis Carlos Heinze (PP-RS) – este último, defensor dos interesses das empresas na audiência pública na Câmara dos Deputados – voltaram a lutar contra o avanço do procedimento administrativo. Com o objetivo de postergar ainda mais a titulação, eles entraram com um pedido para que o INCRA revisasse todo o processo a fim de que o mesmo se adequasse à Instrução Normativa nº 49/08 do Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA). Tal pedido foi indeferido pelo INCRA, sob a alegação de que não possuía sustentação legal e que a instrução normativa de 2008 somente deveria ser aplicada para os novos processos.


Em seis de maio de 2009, a 3ª Turma do TRF4 negou provimento ao agravo de instrumento demandado pelas empresas reflorestadoras e manteve o procedimento administrativo de titulação do território quilombola de Invernada dos Negros.


Em 18 de novembro daquele ano, os quilombolas realizaram uma ação de ocupação na sede catarinense do INCRA, em Florianópolis, a fim de pressionar o governo federal a reincluir as terras da comunidade numa lista de 30 comunidades quilombolas que teriam suas portarias declaratórias assinadas pelo então presidente Luís Inácio Lula da Silva naquele ano. Segundo reportagem de Paulo Varela para a Agência Chasque de Notícias, a Invernada dos Negros estava na lista, mas teria sido retirada sem nenhuma justificativa técnica. José Maria Gonçalves Lima, liderança da comunidade, afirmou na ocasião que este fato teria ocorrido por pressão política dos opositores da titulação:


A comunidade de Invernada dos Negros estava na lista de pautas da assinatura de 30 comunidades. O nosso processo passou por todas as tramitações jurídicas e administrativas e recebeu parecer favorável. O quite de crédito estava pronto para ser assinado no dia 20 de novembro e, por pressão política da Bancada Ruralista (na Câmara), ele saiu da pauta de assinatura. Então, nós não concordamos com isso e ficamos muito frustrados com essa decisão que foi tomada de tirar a Invernada dos Negros da lista, pois a Invernada conseguiu mostrar para o Brasil e para o mundo que é uma comunidade que tem todos os requisitos e exigências.


A ocupação durou três dias. Em 20 de novembro, os membros da comunidade retornaram a Campos Novos. Segundo Raquel Mombelli, a comunidade retorn[ou] para casa sequer com uma justificativa ou explicação oficial sobre os motivos que levaram o governo federal a proceder dessa forma. A única explicação para a comunidade e para a sociedade é extraoficial e, infelizmente, é a mais frágil de todas: o Decreto foi retirado por pressões políticas. Se é assim, então trata-se de um golpe ao direito quilombola.


A comunidade recebeu o apoio de diversas instituições locais e nacionais de luta pelos direitos humanos, acompanhada de diversas notas de repúdio à ação do governo federal. Um exemplo foi a nota emitida pelo Sindicato dos Servidores da Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina (SINDALESC) em 24 de novembro, na qual o sindicato: (…) respalda a luta da Comunidade Quilombola Invernada dos Negros em defesa do reconhecimento de suas terras e repudia qualquer forma de preconceito social e racial.


Os quilombolas da Invernada dos Negros ainda teriam que aguardar até 18 de junho de 2010 para verem publicado no Diário Oficial da União o decreto que determinou a desapropriação das terras de seu território ocupadas por terceiros, determinando que cerca de oito mil hectares retornassem à posse dos herdeiros.


De acordo com nota do próprio INCRA: Com a desapropriação, o INCRA/SC passa para as próximas etapas de trabalho, que são a avaliação e a posterior indenização dos atuais proprietários. Para a realização da avaliação, está sendo montada uma equipe de trabalho formada por agrônomos, engenheiros florestais, topógrafos e técnicos, que vai levantar tanto o valor da terra nua quanto benfeitorias existentes no local, como casas, áreas de reflorestamentos, entre outros. Com esse levantamento, o INCRA/SC fará a indenização dos atuais proprietários que, ao contrário da desapropriação para fins da reforma agrária, é feita em dinheiro.


Para o então presidente da Associação dos Remanescentes do Quilombo da Invernada dos Negros, Teco Lima, a assinatura do decreto era uma vitória: Desde que a gente nasceu, ouvimos que essa terra era nossa e que aos poucos todos foram sendo obrigados a sair por diversos motivos. Por isso, além de receber a terra, essa medida é também um resgate de nossa história e de nossa identidade, ressaltou Lima.


O processo de titulação das terras da comunidade deu visibilidade à causa quilombola no estado. A Invernada dos Negros foi a primeira terra desse tipo já titulada em Santa Catarina. Isto redundou numa enorme divulgação da causa, além de provocar polêmica e curiosidade a respeito da comunidade. Em setembro de 2011, cidadãos de diversos municípios catarinenses puderam conhecer melhor a Invernada através de uma exposição itinerante de fotos tiradas da comunidade e de seus membros. Denominada Invernada dos Negros, a exposição articulava fotos e documentários, revelando rostos e ambientes da cultura afro-brasileira. O documentário foi dirigido por André Constatin e, as fotos, de autoria de Daniel Herrera.


Segundo Celica Vebber: O recorte em preto e branco revela a identidade humana e, pela magia própria da fotografia, aspectos da vida cotidiana, marcada pela dura realidade. Rostos cerzidos por uma história escrita, muitas vezes, pelo chicote, pela falta de liberdade, mas também pela ousadia em romper tradições.


Em outubro de 2012, o processo de titulação do território obteve novo avanço quando a Justiça Federal de Joaçaba imitiu o INCRA na posse da primeira fazenda que conforma o território declarado anteriormente. Denominada até então como fazenda Conquista, a área possui 201 hectares e representa 2,5% do território quilombola. Na ocasião, ainda havia pelo menos 131 propriedades dentro do território declarado, de forma que o processo de titulação se daria de forma fragmentada. Mesmo assim, a imissão de posse da área foi comemorada pelas famílias do quilombo.


De acordo com reportagem do INCRA publicada na ocasião, foi realizada uma singela cerimônia na entrada da fazenda para marcar o ato. Após o registro da área como patrimônio da União, o Governo Federal deveria emitir Contratos de Concessão de Direito Real de Uso (CCDRU) para permitir que a comunidade usufrua coletivamente das terras conforme previsto na legislação vigente antes da conclusão da titulação. Caso isso não fosse feito, a comunidade teria que esperar a imissão na posse dos demais imóveis, o que poderia demorar vários anos.


O processo de desapropriação continuou a ocorrer lentamente. Por causa disso, em fevereiro de 2013, o MPF ajuizou uma ação na Justiça Federal de Joaçaba exigindo a sua continuidade. Vários proprietários já haviam acionado o judiciário alegando que as desapropriações não poderiam mais ocorrer devido à decadência dodecreto em que se baseava; segundo essa tese, passados dois anos de sua publicação, ele havia perdido seus efeitos legais. Entretanto, no parecer acolhido pela Justiça Federal, o procurador da República em Joaçaba, Daniel Ricken, e o Procurador Regional dos Direitos do Cidadão, Maurício Pessutto, rechaçaram essa tese, afirmando que não haveria de se falar de prazo de decadência para este tipo de decreto.


De acordo com nota publicada no site do MPF: Para os procuradores, identificada a Comunidade Remanescente de Quilombo e a sua área territorial nos moldes legalmente previstos, as ações de desapropriação em face de atuais ocupantes é medida administrativa naturalmente decorrente, à qual o Estado se obriga para regularização fundiária. Sendo assim, não cabe a fixação de prazo decadencial para sua promoção.


Após vários meses, somente em setembro de 2013, o INCRA ajuizou ações de desapropriação de mais 11 imóveis, somando mais 172 hectares ao território da comunidade, a um custo de mais de dois milhões ao erário a título de indenização pelas benfeitorias de boa fé. Até aquele momento, o Instituto havia conseguido a imissão de posse de apenas quatro dos 132 imóveis previstos. Outras 12 áreas estavam em fase de ajuizamento das ações de desapropriação – e não haviam tido suas indenizações estabelecidas oficialmente – e as demais ainda estavam sendo avaliadas. A maior parte do território a ser imitido, contudo, era uma área de mais de 4300 hectares, hoje em posse da empresa Imaribo de papel e celulose.


Todo este processo de negociação das indenizações, entretanto, não tem sido pacífico. Em outubro de 2013, o Ministério Público Federal (MPF) noticiou que estaria ingressando no caso para intermediar a disputa entre os interesses dos quilombolas e dos antigos proprietários das terras a serem desapropriadas para a constituição do território. Naquele mês, por exemplo, os procuradores haviam se reunido com a autointitulada Associação dos Legítimos Proprietários da Fazenda São João para discutir a forma de indenização dos proprietários rurais.


De acordo com o site do MPF: Na reunião, os colonos afirmaram que a proposta feita pelo INCRA de realocação em assentamentos agrários não é de interesse dos desapropriados, que sugeriram a negociação através de cartas de crédito do Banco da Terra. Segundo eles, as condições para escolha do imóvel e pagamento pela linha de financiamento são mais favoráveis. A falta de registro de alguns terrenos e os prejuízos trazidos com a demora no processo de desapropriação também foi [sic] discutida na ocasião. Segundo os agricultores, 20% da área da comunidade ainda não foi avaliada e a indefinição impossibilita os titulares de investir nas terras.


Ao fim da reunião, a procuradoria se comprometeu a avaliar como estava se dando o processo de indenização, acompanhar as avaliações feitas pelo INCRA e intermediar possíveis conflitos que necessitem de conciliação.

Última atualização em: 21 dez. 2013

Fontes

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