A luta de centenas de famílias da Ocupação Mauá por moradia

UF: SP

Município Atingido: São Paulo (SP)

Outros Municípios: São Paulo (SP)

População: Moradores em periferias, ocupações e favelas

Atividades Geradoras do Conflito: Atuação de entidades governamentais, Atuação do Judiciário e/ou do Ministério Público, Especulação imobiliária

Danos à Saúde: Piora na qualidade de vida, Violência – ameaça, Violência – coação física

Síntese

A luta travada pelos moradores da Ocupação Mauá para garantir habitação social é emblemática para os movimentos de luta pela moradia na cidade de São Paulo. A Ocupação Mauá localiza-se na Rua Mauá, entre os números 342 a 360, no bairro do Bom Retiro/Santa Ifigênia, no município de São Paulo. No entanto, o número atual da fachada do prédio é 340, sendo esta a atual referência.

O edifício onde se consolidou a Ocupação Mauá foi construído para a finalidade hoteleira na década de 1960, época em que esta parte da cidade era um centro ativo e pujante. Ali, o proprietário Mayer Wolf Sznifer construiu o Hotel Santos Dumont. Quando faleceu, Mayer deixou o hotel para sua esposa e filhos. O prédio, porém, ficou abandonado por cerca de 20 anos, quando, em 2003, foi ocupado pela primeira vez pelo Movimento Sem-Teto do Centro (MSTC).

Após reintegração de posse realizada pelo Polícia Militar (PM) dois meses após esta ocupação, o MSTC, juntamente com o Movimento de Moradia da Região Central (MMRC) e a Associação dos Sem-Teto do Centro (ASTC), tornou a ocupar o prédio em março de 2007. Desde então, 237 famílias passaram a residir no prédio de seis andares, totalizando cerca de 1.000 pessoas. O edifício ganhou reformas, que foram realizadas pelos próprios moradores, além de uma pintura da fachada principal e melhorias na parte hidráulica e elétrica.

Diversos estudos e dossiês já apontavam para a viabilidade da transformação da Ocupação Mauá em Empreendimento Habitacional de Interesse Social (EHIS), sendo viável a implantação de unidades habitacionais, bem como instalações e equipamentos necessários à garantia de segurança e conforto para os moradores. Ademais, a revitalização do edifício sempre teve significativa importância, na medida em que possibilitaria atender a demanda organizada por movimentos populares de luta por moradia, atribuindo função social da propriedade a um prédio que se encontrava abandonado. Para se ter uma ideia, em 2012, o imóvel apresentava uma dívida de Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU) acumulada no valor de R$ 2.626.641,94. Desde 1994, nenhuma parcela do IPTU havia sido paga pelos proprietários, nem mesmo após a reintegração de posse realizada em 2003, demonstrando total desinteresse na utilização do prédio para outros fins por parte dos mesmos.

Após a publicação de Decreto de Interesse Social (DIS) do imóvel em 2013, a prefeitura de São Paulo, por ação do prefeito Fernando Haddad (PT) e da Secretaria de Habitação efetuou a compra do imóvel, avaliado em cerca de R$ 11 milhões, em maio de 2014, passando a sua propriedade e administração para o município e transformando a Ocupação Mauá em habitação social. Após diversas ameaças de despejo, os moradores da ocupação puderem, enfim, comemorar o resultado de um trabalho organizado e persistente que já dura mais de sete anos.

Contexto Ampliado

A luta travada pelos moradores da Ocupação Mauá para garantir habitação digna para as 237 famílias residentes no local é emblemática para os movimentos de luta pela moradia na cidade de São Paulo e, até, das grandes metrópoles do País.

A Ocupação Mauá localiza-se na Rua Mauá, entre os números 342 a 360, no bairro do Bom Retiro/Santa Ifigênia, no município de São Paulo. No entanto, o número atual da fachada do prédio é 340, sendo esta a atual referência. A quadra onde está o prédio é formada pela Rua General Couto de Magalhães, pela Rua Washington Luiz e pela Avenida Cásper Líbero, na região central da cidade. Nas proximidades estão ainda as estações de metrô da linha 4-amarela (como a Estação da Luz) e de trem (Luz e Júlio Prestes), as avenidas de grande fluxo, como a Prestes Maia e a Duque de Caxias, e equipamentos culturais, como a Pinacoteca do Estado e o Museu da Língua Portuguesa, além do Parque da Luz.

Conforme aponta Ribeiro (2011), o edifício onde é hoje a Ocupação Mauá foi construído para a finalidade hoteleira na década de 1960, época em que esta parte da cidade era um centro ativo e pujante. Tem estrutura de concreto armado e alvenaria. O terreno onde está o edifício foi comprado da família Gordinho por Mayer Wolf Sznifer, em 1945. Leon Sznifer, um dos três filhos de Mayer, aponta, em entrevista registrada no trabalho de Fukusawa et al (2012) no Relatório denominado Reabilitação da Moradia e o morar no centro – Ocupação Mauá, que o seu pai demoliu as lojas do andar térreo e construiu o Hotel Santos Dumont no intuito de aproveitar o momento turístico favorável de 1954, o quarto centenário de São Paulo. Depois da morte de Mayer, em 1957, o hotel passou para sua esposa e seus filhos. Apesar das datas informadas pelo Sr. Leon, na Certidão de Dados Cadastrais do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) consta que o prédio foi construído em 1965. Com o passar do tempo, o edifício foi abandonado e, com isso, naturalmente, deteriorou-se.

Segundo Fukusawa et al (2012), em 2003, o Movimento Sem-Teto do Centro (MSTC) ocupou o prédio pela primeira vez. O movimento alegava que o edifício estava abandonado há 17 anos, apesar de os proprietários afirmarem que ainda estava em uso até o momento da ação do movimento. Sobre a utilização e as condições do prédio no momento da primeira ocupação, há divergências, conforme afirmam Fukusawa et al (2012). Leon, filho de Mayer, afirma que o prédio estava em uso em 2003 e que havia inquilinos morando nos apartamentos, além de uma biblioteca e pertences de sua falecida mãe. Do outro lado, os movimentos alegam que o prédio estava abandonado, infestado de ratos, entulho e usuários de drogas. Ademais, afirmam que foi necessário remover diversas caçambas com entulho e lixo para tornar o local habitável. A ocupação durou menos de dois meses, terminando com o despejo operado pela Polícia Militar (PM) a partir de um pedido de reintegração de posse efetuado em favor dos herdeiros de Mayer.

Segundo apontam Fukasawa et al (2012), a área em questão faz parte das macrodinâmicas da região central da metrópole, sendo perímetro de responsabilidade da Subprefeitura da Sé. Trata-se de uma região onde há bastante desinteresse de políticas públicas de cunho social, bem como desinteresse da sociedade como um todo, sendo, por isso, alvo de estigmatização. A região em questão é reconhecida como a área da cracolândia, o que explicita uma situação de ameaça e violência; mas, para os autores, isso não deve confundir e/ou estigmatizar o local. A Ocupação Mauá, por exemplo, é um dos elementos que se distinguem neste cenário.

Conforme o macrozoneamento proposto pelo Plano Regional Estratégico da Subprefeitura da Sé, a Ocupação Mauá está inserida na Zona de Polaridade Central A: ZPCa. De acordo a Lei de Zoneamento da cidade de São Paulo (Lei nº 13.885, de 25 de agosto de 2004), estas zonas consistem em porções do território da zona mista destinadas à localização de atividades típicas de áreas centrais ou de subcentros regionais, caracterizadas pela coexistência entre os usos não residenciais e a habitação, porém, com predominância de usos não residenciais. Além disso, é importante ressaltar que se trata de uma região abarcada pelo projeto Nova Luz, iniciativa da Prefeitura de São Paulo que visa à renovação da região da Luz e que, desde sua concepção, vem causando algumas polêmicas a respeito das profundas mudanças provocadas, causando mobilização de moradores e comerciantes locais.

No início, havia a previsão de demolição do prédio da Mauá, visto que se tratava de um perímetro destinado às Artes e Entretenimento no Projeto Nova Luz. Porém, segundo apontam Fukusawa et al (2012), a pedido das lideranças dos movimentos ocupantes, o Conselho Gestor da Zona de Especial Interesse Social (ZEIS) da Nova Luz fez um pedido ao secretário de habitação para que o prédio não fosse mais demolido. Como a ocupação não estava localizada na região de ZEIS do projeto, o conselho não tinha poder para julgar a questão. Desta maneira, o procedimento feito foi encaminhar um documento atestando consenso dos conselheiros para a não remoção do prédio. O pedido foi acatado e o prédio então foi retirado do Projeto Nova Luz, decisão que foi registrada em ata da reunião do Conselho Gestor de ZEIS da Nova Luz em 18 de janeiro de 2012.

Em 25 de março de 2007, os movimentos tornaram a ocupar o prédio, agora organizados em três: MSTC, Movimento de Moradia da Região Central (MMRC) e Associação dos Sem-Teto do Centro (ASTC). Desde então, a ocupação permaneceu.

Segundo o Blog do Projeto Mauá 240, são 237 famílias residindo no local, o que totaliza cerca de 1.000 pessoas, pessoas estas com histórias diferentes e provenientes das mais diversas circunstâncias. A ocupação possui um coordenador geral, coordenadores de manutenção, de portaria e de limpeza. Cada andar também conta com um coordenador. Há assembleias gerais (mensais) de cada movimento e de coordenação, que são menores e envolvem menos pessoas. Além disso, há um regimento interno, com alguns pontos bastante rígidos e levados muito a sério pelo movimento. Não são admitidos casos de violência doméstica, uso de drogas, furtos e envolvimento com tráfico, atitudes que podem resultar no afastamento dos envolvidos.

Dentro da ocupação, assim como é comum na dinâmica das ocupações de outros movimentos de moradia afins, há um sistema de pontuação, baseado na participação dos moradores em atividades como reuniões, mutirões e eventos culturais. A pontuação é importante quando se há de escolher quais moradores serão contemplados por algum benefício, seja este um programa habitacional ou uma vaga em uma ocupação, levando-se em conta sempre a situação de vulnerabilidade dos pretendentes, conforme indica o blog do Projeto Mauá 240. Ademais, a questão política é bastante presente. Todos os novos moradores passam por uma formação de base, na qual são expostos os motivos da ocupação, diretrizes dos movimentos e direitos e deveres de cada morador.

Fukusawa et al (2012) não indicam com precisão o número de unidades habitacionais na Ocupação Mauá, mas apontam que o prédio conta com seis andares mais o térreo, sendo que cada pavimento forma um anel composto, em média, por 35 apartamentos, No térreo existem algumas moradias – o que incrementa a quantidade de unidades habitacionais além de espaços de uso coletivo e um pátio central onde as crianças da ocupação costumam jogar bola e brincar nas horas de descontração. Todo o acesso aos andares é feito por escadas, visto que os elevadores estão desativados. Os andares são constituídos quase que exclusivamente por moradias, com exceção dos banheiros/lavanderias coletivos e de um estabelecimento comercial localizado no primeiro andar, chamado lojinha da Raquel.

O edifício é composto por um bloco único, numa área construída de aproximadamente 7.200m², segundo informação de Ribeiro (2011). O prédio já ganhou reformas, realizadas pelos próprios moradores, além de uma pintura da fachada principal e melhorias na parte hdráulica e elétrica. De acordo com Fukusawa et al (2012), a coordenação da ocupação aponta que as 237 famílias residentes no edifício são compostas, em média, por quatro integrantes. Conforme indica o Relatório realizado por Fukusawa et al (2012), o prédio tem alguns gastos permanentes, como energia elétrica para usos comuns (bomba dágua, iluminação dos corredores), salário dos porteiros (que são moradores da própria ocupação) e eventuais reformas. Para tal, é cobrado um valor de condomínio que gira em torno de R$ 80,00 mensais. O número de pessoas que busca refúgio no prédio é maior do que o número de vagas disponíveis. Por isso, há um critério bastante rígido para a escolha das famílias. Todas devem passar pelo grupo de base, em que se explicam os objetivos e diretrizes do movimento e os motivos políticos da ocupação dos prédios abandonados. Em seguida, é feita uma seleção dos candidatos levando-se em conta, principalmente, a necessidade (renda, tamanho e composição da família, problemas de saúde etc).

Na data em que foi finalizado o relatório elaborado por Fukusawa et al (2012), o imóvel apresentava uma dívida de IPTU no valor de R$ 2.626.641,94. De acordo com o site da prefeitura, desde 1994, nenhuma parcela havia sido paga pelos proprietários, além da taxa do lixo, instituída pela ex-prefeita Marta Suplicy (PT). Ressalta-se que, mesmo após a última reintegração de posse, efetuada em 2003, nenhuma parcela do IPTU foi paga de forma integral, o que acumulou dívidas de, em média, R$ 120.000,00 por ano.

De acordo com o Dossiê de Ocupações da Frente de Luta pela Moradia (FLM) no Centro, elaborado em 2013, a Ocupação Mauá já foi procurada por diversas mídias. Os documentários LEVA e Dia de Festa, além do longa metragem Estamos Juntos, foram gravados na ocupação Mauá; além disso, o músico Mano Brown utilizou a Mauá como local de gravação para seu clipe Marighella. A Ocupação também foi local para a gravação de reportagens da Carta Capital, TV Folha, Repórter Espetacular, Jornal da Gazeta, Brasil de Fato, TV Brasil, TV do Trabalhador, Caros Amigos, Jornal da Cultura, Diário de São Paulo, SPTV, entre outras mídias.

O Dossiê da FLM (2013) indica também que a transformação da Ocupação Mauá em Empreendimento Habitacional de Interesse Social (EHIS) um dos maiores desejos dos moradores da ocupação já vinha sendo abordada em três trabalhos diferentes. O primeiro deles trata-se do trabalho final de graduação de Lilian Nagae, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP) intitulado Reabilitação de Edifícios para HIS em regiões centrais. Em 2011, também foi realizado um estudo denominado Estudo de viabilidade revitalização de edifício para fins habitacionais: Rua Mauá, elaborado pelo arquiteto Waldir Ribeiro. Em 2012, estudantes de engenharias civil e ambiental (Escola Politécnica da USP) e arquitetura (FAUUSP) elaboraram seu trabalho final de graduação na ocupação, intitulado Reabilitação da moradia e o morar no centro Ocupação Mauá.

O que estes estudos apontaram em comum foi a possibilidade de produção de moradia no prédio, havendo, porém, variação no número de unidades habitacionais produzidas, no nível de interferência, nos custos e em outros elementos. Esses materiais, por sua vez, fornecem importante base de dados para a avaliação das condições do prédio e das possibilidades de transformação e adequação da sua estrutura.

Tanto o último trabalho mencionado quanto o estudo de viabilidade de Waldir Ribeiro estão disponíveis no blog Projeto Mauá 340 (www.projetomaua340.wordpress.com), blog este que serviu como um registro de todo o processo de realização do projeto e de divulgação de outros eventos e notícias relacionados ao dia a dia da ocupação. Conforme apontou o estudante de Engenharia da USP Felipe Niski Zveibil, em entrevista à Rede TVT (2012), foram realizados dois projetos simultâneos em parceria com os moradores: um deles previa a reabilitação do prédio inteiro, incluindo a tentativa de angariar um financiamento público para a ocupação, enquanto o outro propunha melhorias na segurança e no aspecto do prédio. Além disso, juntamente com os moradores, os estudantes também reformaram o quadro de luz do edifício.

Ribeiro (2011), após analisar aspectos físicos, legais e econômicos do edifício da Mauá em seu Estudo de Viabilidade, concluiu que o edifício é passível de adaptação para um empreendimento habitacional de interesse social, sendo viável a implantação de unidades habitacionais, bem como instalações e equipamentos necessários à garantia de segurança e conforto para os moradores. O estudo, comentado por Raquel Rolnik em seu blog (2012), demonstra que a estrutura em concreto armado do edifício está em bom estado, assim como a vedação de alvenaria. É necessário, porém, substituir as instalações hidráulicas, sanitárias e elétricas e também os elevadores. As esquadrias das janelas e portas e os revestimentos de piso e paredes também estão na lista da reforma. Ribeiro (2011) ainda enfatiza que, legalmente, a transformação atende à diretriz que propõe a revitalização da área central da cidade, além da destinação social da propriedade, preconizada pela legislação urbanística e municipal.

O arquiteto avaliou ainda o custo total de aquisição do imóvel, estimado em R$ 5.381.000,00 (cinco milhões e trezentos e oitenta e um mil reais), além do custo total de intervenção, estimado em cerca de R$ 5.850.000,00 (cinco milhões e oitocentos e cinquenta mil reais). Desta forma, o custo global direto da operação para que o imóvel fosse enquadrado como EHIS teria o valor aproximado de R$ 11.231.000,00 (onze milhões e duzentos e trinta e um mil reais), e teria a capacidade de comportar 160 unidades habitacionais. O custo médio de cada unidade habitacional foi calculado em torno de R$ 70.193, 75 (setenta mil, cento e noventa e três reais e setenta e cinco centavos). Em entrevista à Carta Capital (2013), Ivaneti Araújo, líder da Ocupação Mauá, reivindicou que todas as 160 vagas do edifício sejam destinadas ao movimento que realizou a ocupação. Ela reforça que as famílias restantes, que não seriam contempladas pelas unidades habitacionais criadas após a reforma, devem ser alocadas em outros lugares também no centro de São Paulo. A prefeitura, no entanto, promete atender o restante dos sem-teto em outros programas de habitação do município, ainda que em bairros afastados do centro.

Para Ribeiro (2011), a revitalização do Edifício Mauá tem especial importância por atender a uma significativa demanda, constituída e organizada por movimentos populares de moradia, e com amplo histórico de luta neste mesmo edifício nos últimos 10 anos, pois trata-se de um imóvel inutilizado e abandonado há vários anos pelos proprietários, em progressiva deterioração, descumprindo, dessa forma, a necessária e constitucional função social da propriedade. Porém, ele destacou que, para viabilizar este empreendimento, era imprescindível que a aquisição do imóvel fosse efetivada pelo poder público, por meio de desapropriação, tendo em vista o longo processo histórico especulativo envolvendo o edifício. Porém, mesmo diante deste potencial de transformação da Ocupação em EHIS, os moradores do local já passaram por diversas situações que demonstraram a vulnerabilidade a que estavam expostos.

No dia 19 de março de 2012, o juiz Carlos Eduardo Borges Fantacini, da 26ª Vara do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), julgou o processo nº 583.00.2012.127245-0/0, dando parecer favorável ao pedido de reintegração requerido pelos herdeiros do Sr. Mayer Sznifer. Os requerentes foram Abram Sznifer, Mendel Zyngier e Sara Zyngier, e a decisão foi favorável à reintegração. Conforme consta na sentença que autoriza a ordem de despejo, anexada ao Relatório realizado por Fukusawa et al (2012), os policiais responsáveis pela reintegração estariam autorizados a realizar arrombamento utilizando força policial se necessário. Ivaneti Araújo, residente, liderança da ocupação e integrante do MSTC, afirma que no dia 20 demarço de 2012 a comunidade recebeu a notícia da reintegração de posse. Ela repudiou o planejamento de uma ação truculenta da polícia no local, visto que existiam crianças, idosos, jovens e pessoas com necessidades especiais residindo na ocupação.

Cabe mencionar que a ordem de reintegração foi dada cinco dias antes de a ocupação comemorar o seu quinto aniversário. A advogada do movimento, Rosângela Rivelli Cardoso, em entrevista ao Brasil de Fato (2012), afirmou que, de acordo com a legislação brasileira, após cinco anos de ocupação é permitido entrar com pedido de usucapião. No entanto, o proprietário do imóvel esperou quatro anos, 11 meses e 25 dias para entrar com pedido de reintegração de posse, e o juiz acatou o pedido a partir de uma ação de 2005. Segundo a advogada, naquele ano, os donos entraram com o pedido dentro do prazo, os moradores saíram e o prédio foi reintegrado, com o processo sendo encerrado em 2005. O juiz, por sua vez, estaria se utilizando deste processo antigo para justificar a atual liminar, ignorando o fato de que o prédio já tinha sido reintegrado, mas fora novamente abandonado.

Em abril de 2012, a comunidade da Ocupação Mauá divulgou uma carta aberta em defesa ao direito à moradia digna e manifestando revolta perante a, segundo eles, injusta decisão do Judiciário em despejar as famílias moradoras do edifício, ignorando a função social da propriedade e todo o trabalho dos moradores para a organização da ocupação. Posicionando-se contra a especulação imobiliária, as injustiças, as violências e os despejos, assinaram a carta o MSTC, o MMRC e a ASTC.

No dia 16 de abril de 2012, os movimentos integrantes da ocupação Mauá realizaram um protesto em frente ao Fórum João Mendes, em São Paulo. Durante a manifestação, uma banda composta por moradores da ocupação marcou presença. Conforme indicou a Agência Brasil (2012), no ato, cerca de 800 pessoas se fizeram presentes e protestaram não só contra a liminar de reintegração de posse da Ocupação Mauá, mas de outras três ocupações no centro que também estavam na mesma situação: a da Avenida São João, 588; a da Avenida Rio Branco, 47 e 53; e a da Avenida Ipiranga, 908. No total, cerca de duas mil pessoas estavam ameaçadas de desalojamento.

No dia 15 de maio de 2012, conforme noticiou o Brasil de Fato (2012), os moradores da Mauá se reuniram com representantes da Polícia Militar e do Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP) para discutir como seria cumprida a liminar de reintegração de posse que já havia sido expedida. A reunião contou com militares da corporação, lideranças, representantes da prefeitura, a advogada dos movimentos de moradia e os advogados dos proprietários. O encontro tinha como principal intuito impedir o uso da força na reintegração de posse, além de ratificar que a liminar era uma ameaça ao Estado de direito.

Ao final, ficou decidido que a PM informaria ao juiz responsável pela decisão de que não havia tempo hábil para cumprir o mandado no tempo estimado, previsto até o dia 29 de maio. Levou-se em consideração que ainda faltavam muitas informações e requisitos para cumprir a ação, como o cadastramento completo dos moradores do prédio antes de dois meses, a forma de transporte para um grande contingente de pessoas e o destino das mesmas. Foi dado ainda o prazo até o dia 16 de julho de 2012 para uma nova decisão, data em que foi agendada uma nova reunião. Entretanto, o juiz responsável pela liminar, Carlos Eduardo Fantacini, poderia ou não acatar o pedido da PM naquele momento. Segundo informou o blog Projeto Mauá 340 (2012), mesmo após a reunião com a PM, o juiz encerrou o processo e fez uma sentença favorável ao despejo das famílias, o que poderia ocorrer a qualquer momento.

O blog do Projeto Mauá 340 informou sobre a realização de uma festa na ocupação entre os dias 30 de junho e 1º de julho de 2012, a Quem não luta tá morto fest. Através de atrações culturais como grupos de rap, punk rock, MPB, exibição de documentários, exposição de fanzines e intervenções do MSTC, os movimentos e moradores envolvidos na ocupação buscaram somar forças para a sua luta através da arte. Festas com esse caráter são frequentes na ocupação.

No dia 13 de julho de 2012, o mesmo blog noticiou que a reintegração de posse havia sido adiada. Segundo a notícia, a advogada da ocupação entrou com alguns recursos e conseguiu suspender a decisão do juiz. Em entrevista à Rede Brasil Atual (2012), Rosângela Rivelli afirmou que o Tribunal de Justiça (TJ) de São Paulo recebeu o agravo suspensivo movido pelos moradores e o despejo estava suspenso por tempo indeterminado. O recurso pedia que a Justiça reconhecesse que os sem-teto moravam há mais de cinco anos no edifício da Mauá, concedendo acesso gratuito à defesa, através da Defensoria Pública do Estado, o que facilitaria o benefício do dispositivo constitucional do usucapião, até uma futura posse definitiva do imóvel.

Mesmo após esta decisão, uma nova reintegração de posse foi marcada para o dia 21 de agosto de 2012. No entanto, segundo informou o Portal Vermelho (2012), o desembargador Miguel Petroni Neto impediu, nos tribunais, qualquer medida de despejo até que fosse decidido o direito de acesso à justiça gratuita pelos ocupantes do prédio.

Diante deste clima de tensão, no dia 29 de agosto de 2012, uma ação policial – na qual policiais militares invadiram a ocupação Mauá – assustou os moradores. Munidos de armamento pesado, de acordo com relatos publicados em matéria no Portal Vermelho (2012), os policiais revistaram moradores e apartamentos de maneira abusiva, já que não apresentaram mandado judicial. Moradores relataram que temiam que se tratasse da reintegração e afirmam que foram coagidos pelos policiais.

Segundo relataram ao Portal Vermelho (2012), policiais bateram nas portas, adentraram em algumas casas perguntando quem morava nas residências, quantos andares tinha o prédio e quantos moradores residiam ali. Uma moradora de 47 anos, que trabalhava como porteira do prédio, afirmou que foram cerca de 30 policiais, que vieram em oito viaturas. Ela conta que foi obrigada a levantar a blusa para ser revistada. Outro morador, de 43 anos, disse que foi levado para os fundos do prédio junto com policiais com arma em punho; ele foi revistado enquanto o questionavam sobre quem era dono de uma moto que estava no pátio do prédio. A tal moto foi usada como justificativa, após a invasão, para a atitude policial. De acordo com os militares, um indivíduo teria roubado uma moto na região e depois teria entrado correndo no prédio. A versão policial foi relatada por vários moradores. Um terceiro morador, de 51 anos, que estava com seu material de trabalho no pátio do prédio, também foi abordado por policiais que insinuaram que o material era roubado.

No dia 23 de julho de 2013, o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), publicou o Decreto de Interesse Social (DIS) do imóvel, que validava a sua destinação para a moradia popular. As famílias da ocupação e os movimentos por moradia comemoraram esta vitória, segundo noticiou o blog Combate Racismo Ambiental (2013). Depois da publicação do decreto, as 237 famílias que vivem no edifício iniciaram a espera para a definição da moradia definitiva, que viria com a desapropriação e a indenização de antigos proprietários. Após isso, estava prevista a implantação de um projeto arquitetônico e a reforma dos apartamentos.

No dia 14 de março de 2014, Raquel Rolnik publicou em seu blog que um novo despejo da Ocupação Mauá estava marcado para o dia 15 de abril de 2014. Os moradores tomaram conhecimento da ordem de despejo ao serem intimados a participar de uma reunião no Batalhão de Choque da PM, que aconteceu no dia anterior e deu o prazo de 32 dias para a ação acontecer. A liminar de despejo que estava suspensa havia sido julgada, em novembro de 2013, sem que a Defensoria Pública, por meio da defensora Ana Bueno, tivesse sido intimada a comparecer no julgamento. O desembargador Simões de Vergueiro, que julgou a liminar e autorizoua reintegração, tomou como base supostas irregularidades constatadas a partir de um laudo técnico do Corpo de Bombeiros que indicava que inexistiam condições viáveis de habitação do imóvel. Porém, os moradores negaram que tenha havido qualquer realização de vistoria e laudos por bombeiros na ocupação.

A Subprefeitura da Sé, o Conselho Tutelar e a Defensoria Pública também pediram o aumento do prazo para o despejo, tendo em vista que não haviam sido informados do julgamento e que crianças em idade escolar não seriam realocadas, mas despejadas, e, portanto, iriam para a rua. Mesmo assim, o pedido foi novamente negado. A única solução para a permanência das famílias na Ocupação era a Prefeitura se manifestar no sentido de desapropriar o imóvel.

No dia 24 de março de 2014, a Rede Brasil Atual noticiou que a Prefeitura de São Paulo compraria o imóvel para evitar o despejo, desapropriando o edifício ocupado na Rua Mauá. O informe foi dado pelo secretário municipal de Habitação, José Floriano Neto. A prefeitura se comprometeu em depositar cerca de R$ 11 milhões de reais (valor global do imóvel) em uma conta judicial, passando a posse do imóvel para a administração municipal. No dia 30 de abril, conforme previsto, a prefeitura de São Paulo depositou o valor correspondente para a compra do imóvel da Ocupação Mauá.

No dia 24 de maio de 2014, na página do Facebook da Ocupação Mauá, foi publicada a notícia intitulada Samba e forró pra comemorar a vitória, retirada do site da FLM. Os moradores da ocupação puderam, enfim, realizar uma festa que representava a conquista de moradia social, numa luta que já vinha sendo travada há mais de sete anos.

Cronologia

1945 – O terreno onde está o edifício da Rua Mauá é comprado da família Gordinho por Mayer Wolf Sznifer.

1954 De acordo com o filho de Mayer, Sr. Leon Sznifer, no intuito de aproveitar o momento turístico favorável, durante o quarto centenário de São Paulo, Mayer Wolf Sznifer constrói o Hotel Santos Dumont.

1957 Com a morte de Mayer, o hotel é passado para sua esposa e seus filhos.

1965 Data de construção do prédio que consta na Certidão de Dados Cadastrais do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU).

2003 – O Movimento Sem-Teto do Centro (MSTC) ocupa o prédio pela primeira vez, alegando que o edifício estava abandonado há 17 anos.

25 de março de 2007 – Os movimentos reocupam o prédio, agora organizados em três movimentos: MSTC, Movimento de Moradia da Região Central (MMRC) e Associação dos Sem-Teto do Centro (ASTC).

18 de janeiro de 2012 – O pedido de retirada da ocupação Mauá do Projeto Nova Luz é acatado e a decisão é registrada em ata da reunião do Conselho Gestor de Zona de Especial Interesse Social (ZEIS) do projeto.

19 de março de 2012 – O juiz Carlos Eduardo Borges Fantacini, da 26ª Vara do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), julga o processo nº 583.00.2012.127245-0/0, dando parecer favorável ao pedido de reintegração requerido pelos herdeiros do Sr. Mayer Sznifer.

20 de março de 2012 – A comunidade recebe a notícia da reintegração de posse.

Abril de 2012 – A comunidade da Ocupação Mauá divulga uma carta aberta em defesa ao direito à moradia digna e manifesta revolta perante a injusta decisão do Judiciário em despejar as famílias moradoras do edifício.

16 de abril de 2012 – Os movimentos integrantes da ocupação Mauá realizam um protesto em frente ao Fórum João Mendes, em São Paulo.

15 de maio de 2012 – Os moradores da Mauá se reúnem com representantes da Polícia Militar (PM) e do Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP) para discutir como será cumprida a liminar de reintegração de posse.

29 de maio de 2012 Prazo final para o cumprimento do mandato de reintegração de posse.

30 de junho de 2012 – É realizada a festa Quem não luta tá morto fest, com duração até o dia primeiro do mês seguinte.

13 de julho de 2012 A advogada dos moradores informa que a reintegração de posse havia sido adiada.

16 de julho de 2012 Data em que foi agendada uma nova reunião entre moradores, PM e MPSP.

21 de agosto de 2012 – Mesmo após adiamento da reintegração, é marcado novo despejo para esta data. No entanto, o desembargador Miguel Petroni Neto impede qualquer medida de despejo até que seja decidido o direito de acesso à justiça gratuita pelos ocupantes do prédio.

29 de agosto de 2012 – Uma ação policial é realizada e os policiais militares invadem a ocupação Mauá, assustando os moradores.

23 de julho de 2013 – O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), publica o Decreto de Interesse Social (DIS) do imóvel, que valida a sua destinação para a moradia popular.

14 de março de 2014 Raquel Rolnik publica em seu blog nova data para a realização do despejo da Ocupação Mauá: 15 de abril de 2014.

24 de março de 2014 A Prefeitura de São Paulo anuncia que comprará o imóvel para evitar o despejo, desapropriando o edifício ocupado na Rua Mauá.

30 de abril de 2014 – A prefeitura faz o depósito de cerca de R$ 11 milhões de reais (valor global do imóvel) em uma conta judicial, passando a posse do imóvel para a administração municipal.

24 de maio de 2014 – Na página do Facebook da Ocupação Mauá, os moradores publicam notícia referente à realização de uma festa de comemoração pela desapropriação do imóvel e pela conquista da moradia social.

Fontes

BLOG Projeto Mauá, 340. Projeto participativo na ocupação Mauá. Disponível em: http://goo.gl/D6B6y9. Acesso em: 16 out. 2014.

COM ajuda de universitários, Ocupação Mauá passa por reforma. Reportagem da Rede TVT. 343. Publicado em 04 de dezembro de 2012. Disponível em: http://goo.gl/onIw08. Acesso em: 16 out. 2014.

EM São Paulo, prédio ocupado por 247 famílias será destinado à moradia popular. Combate Racismo Ambiental, 24 de julho de 2013. Disponível em: http://goo.gl/bCIFS2. Acesso em: 16 out. 2014.

FRENTE de Luta por Moradia (FLM). OCUPAÇÕES da FLM no Centro. São Paulo, março de 2013. 43p. Disponível em: http://goo.gl/AQKHLj. Acesso em: 16 out. 2014.

FUKASAWA; B. N; NACCACHE, E.A.K.; ZVEIBIL, F.N.; NEBESNYJ, L.E.; OTA, N.S.N. reabilitação da moradia e o morar no centro – ocupação Mauá. Projeto parcial de formatura (Graduação) – Universidade de São Paulo. Escola Politécnica e Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. São Paulo, 2012, 236p.

HOJE tem comemoração na comunidade Mauá. Samba e forró para comemorar a vitória. Combate Racismo Ambiental, 24 de maio de 2014. Disponível em: http://goo.gl/RC5eGh. Acesso em: 16 out. 2014.

JUSTIÇA suspende reintegração de posse no centro de São Paulo. Rede Brasil Atual, 10 de julho de 2012. Disponível em: http://goo.gl/AacVji. Acesso em: 16 out. 2014.

MANIFESTANTES sem-teto protestam em frente ao Fórum João Mendes, em SP. Agência Brasil, 17 de maio de 2012. Disponível em: http://goo.gl/qTByRP. Acesso em: 16 out. 2014.

MORADORES da Ocupação Mauá tentam evitar reintegração de posse. Brasil de Fato, 15 de maio de 2012. Disponível em: http://goo.gl/cTJ3ED. Acesso em: 16 out. 2014.

OCUPAÇÃO Mauá resiste. Combate Racismo Ambiental, 06 de junho de 2012. Disponível em: http://goo.gl/We2TjE. Acesso em: 16 out. 2014..

OCUPAÇÃO Mauá: decreto de moradia popular gera expectativas nos moradores. Equipe GGN Notícias. 811. Publicado em 29 de julho de 2013. Disponível em: http://goo.gl/jTFQtd. Acesso em: 16 out. 2014..

OCUPAÇÃO Mauá: é possível uma solução adequada, mas tem que ser já! Blog da Raquel Rolnik, 30 de maio de 2012. Disponível em: http://goo.gl/eoBtr. Acesso em: 16 out. 2014.

OCUPAÇÃO Mauá: onde está a responsabilidade do Judiciário? Blog da Raquel Rolnik, 14 de março de 2014. Disponível em: http://goo.gl/FlG2jH. Acesso em: 16 out. 2014.

POLICIAIS invadem ocupação Mauá e coagem moradores em SP. Portal Vermelho, 29 de agosto de 2012. Disponível em: http://goo.gl/kePVLA. Acesso em: 16 out. 2014..

PREFEITURA de São Paulo comprará imóvel para evitar despejo de ocupação emblemática. Rede Brasil Atual, 24 de março de 2014. Disponível em: http://goo.gl/L65U1B. Acesso em: 16 out. 2014.

RIBEIRO, Waldir Cesar. Estudo de viabilidade – revitalização de edifício para fins habitacionais: Rua Mauá. São Paulo, Jun. 2011.

SP vai desapropriar prédios do centro para moradia. Carta Capital, 20 de maio de 2013. Disponível em: http://goo.gl/kYYlXM. Acesso em: 16 out. 2014..

Um comentário

  1. Nossa país infelizmente não tem políticas públicas, como também não tem governantes fiéis ao seus eleitores , isso mata a nossa constituição brasileira, famílias de trabalhadores buscando pelo um sonho ao direto a moradia , parabéns para estes movimentos

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