SC – Utilização de areia contaminada na construção de peças de concreto e asfalto empregados em vias públicas colocam sociedade civil em conflito com o governo de Santa Catarina, a Fiesc e a Fundição Tupy SA.

UF: SC

Município Atingido: Joinville (SC)

Outros Municípios: Joinville (SC)

População: Moradores de aterros e/ou terrenos contaminados, Moradores de bairros atingidos por acidentes ambientais

Atividades Geradoras do Conflito: Atuação de entidades governamentais, Mineração, garimpo e siderurgia, Políticas públicas e legislação ambiental

Impactos Socioambientais: Falta / irregularidade na autorização ou licenciamento ambiental, Poluição atmosférica, Poluição de recurso hídrico, Poluição do solo

Danos à Saúde: Doenças não transmissíveis ou crônicas, Piora na qualidade de vida

Síntese

O município de Joinville é hoje palco de um amplo debate sobre os impactos socioambientais da atividade industrial. A baía de Babitonga, onde está localizado, possui hoje mais de um milhão de habitantes, e é uma das regiões mais industrializadas do Estado de Santa Catarina, com destaque para a indústria metal-mecânica joinvilense.


Situada entre a baía de Babitonga e as montanhas, a geografia de Joinville é pontuada por áreas de Mangue, consideradas áreas de preservação ambiental. Contudo, o rápido crescimento do município e a industrialização incentivada nas décadas anteriores não foram orientados por quaisquer preocupações ambientais, o que resultou em acelerado processo de degradação, verificado nos ecossistemas locais.


Entre as indústrias, as atividades da Fundição Tupy S.A têm gerado forte reação de organizações ambientalistas locais e são alvo de ações do Ministério Público Federal (MPF). Apesar de ser considerada uma das empresas que mais contribuíram para o desenvolvimento econômico da região, essa indústria operou durante décadas sem qualquer medida para mitigar ou evitar os impactos negativos de suas atividades sobre o meio ambiente de Joinville, especialmente sobre o ecossistema da baía.


Essa situação tem mudado nas últimas décadas, devido à mobilização popular e à atuação do MPF, que conseguiu firmar um acordo para adequar as atividades da empresa às condições mínimas de sustentabilidade ambiental (o que inclusive já gerou benefícios para a própria empresa, como a aquisição do certificado sobre gestão e controle de impactos ambientais ISO 14.001) e de monitoramento dos resíduos sólidos armazenados em aterro industrial próprio.


Contudo, se medidas positivas têm ocorrido, a atuação da empresa, objetivando legalizar a doação de areia utilizada nos moldes para fundição de metais na sua composição, tem despertado novas críticas, especialmente por parte das entidades ligadas à Defensoria da Água. Essa areia é considerada tóxica, pela possível presença de metais pesados e fenóis ? estes últimos, substâncias usadas em desinfetantes , resinas, polímeros, explosivos e medicamentos, constituindo-se agentes corrosivos e ?potencialmente fatais se ingeridos, inalados ou absorvidos pela pele? ? cf. Wikipedia).

Com o apoio da Federação das Indústrias de Santa Catarina (Fiesc), a Tupy e outras empresas do setor já conseguiram do Conselho Estadual de Meio Ambiente de Santa Catarina (Consema) autorização para reutilizar a areia, considerada como problema de difícil solução.


A perspectiva de modificação na legislação estadual é fonte de debates e manifestações contrárias à legitimação de um procedimento, com potencial para causar significativos impactos à saúde da população local, uma vez posto em prática sem o adequado controle.

Contexto Ampliado

O complexo hídrico da baía da Babitonga, com 1.400 km2, abrange parte dos municípios de Joinville, São Francisco do Sul, Garuva, Araquari e Itapoá. O município de Joinville, com população de 487 mil habitantes, tem o maior aglomerado urbano, reúne o maior parque industrial de Santa Catarina (terceiro da região Sul do país) e concentra os principais problemas ambientais de toda a baía de Babitonga. O complexo é bastante diversificado e está alicerçado em médias e grandes indústrias, destacando-se os ramos metal-mecânico, de plásticos, têxtil, metalúrgico, de eletro-comunicação, celulose, transportes, cristais e biotecnologia.


Entre as empresas que estão às margens da baía de Babitonga destaca-se a Fundição Tupy S.A. Instalada no município desde 1954, esta empresa é hoje uma das maiores do setor metal-mecânico na América Latina, tendo se especializado na confecção de peças para a indústria automobilística, entre outros fins. Anualmente, a empresa gera uma significativa quantidade de areia, resultante do processo de fabricação de peças de metal fundido. Esta areia pode conter resíduos tóxicos, como fenóis e metais pesados, o que constitui um risco para o meio ambiente e a saúde da população local. Atualmente a destinação final desse resíduo é um aterro industrial de mais de 200 mil metros quadrados no qual se acumulam montes de areias que podem chegar a 21 metros de altura. Além disso, a atividade industrial do complexo gera efluentes líquidos e gasosos que até recentemente eram despejados sem qualquer tratamento no meio ambiente local.


Essa situação deu origem a protestos por parte da população local, organizada em torno da Associação Ecológica Joinvilense Vida Verde. Em 1999, o Ministério Público Federal em Santa Catarina entrou com ação civil pública na justiça federal, tendo a referida associação como parte interessada, a fim de obrigar a empresa a cessar suas práticas ambientalmente danosas à Área de Preservação Permanente APP (Manguezal) às margens da baía de Babitonga e a adequar sua produção à legislação ambiental.

Em outubro de 2000 a Fundição Tupy firmou acordo com o MPF, comprometendo-se a obedecer as recomendações e medidas de proteção indicadas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e Fundação de Meio Ambiente (Fatma).

Em 2002 foi firmado um termo de ajustamento de conduta (TAC) entre o MPF e a empresa, tendo o Município de Joinville, o Instituto Nacional de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e a Fundação Estadual de Meio Ambiente de Santa Catarina (Fatma) como partes interessadas. Por esse acordo, a Tupy se comprometeu a seguir recomendações e medidas de proteção indicadas pelo Ibama e pela Fatma, além de implantar sistema de controle e monitoramento de efluentes e resíduos, substituir o GLP e lenha utilizados como matriz energética por gás natural, monitorar a qualidade do ar, e elaborar um plano de atendimento de denúncias.


Em 15 de junho de 2002, a Justiça Federal de Joinville organizou audiência pública para debater projetos de adequação ambiental do aterro da empresa Fundição Tupy S.A. A sociedade civil e o judiciário local têm acompanhado o cumprimento dos termos do acordo através de audiências públicas. Em 2004 uma audiência pública foi organizada para debater projetos de adequação ambiental do aterro industrial da empresa.

Se a utilização de filtros nas chaminés proporcionou significativa redução nos impactos ambientais dos efluentes lançados pela Fundição na atmosfera, ficou verificado que os resíduos sólidos ainda representam uma ameaça, na medida em que não se encontrou ou se empreendeu solução técnica capaz de dar destinação segura aos mesmos e que os aterros existentes devem se esgotar em 2010, o que exigirá novas áreas para recebê-los.


Em setembro de 2004, a Defensoria da Água lançou o relatório "O estado da água no Brasil", onde aponta a Fundição Tupy como uma das responsáveis pela contaminação das águas da Baía da Babitonga.


Em julho de 2007, a empresa propôs ao prefeito em exercício de Joinville, Rodrigo Bornholdt, projeto para o uso da areia de moldagem acumulada no seu aterro na pavimentação asfáltica. A Tupy e outras empresas catarinenses do setor metal-mecânico defendem a reciclagem da areia proveniente de seu processo produtivo na confecção de concreto asfáltico e de peças não-estruturais de concreto. Segundo essas empresas, a reutilização da areia dessa forma seria segura e não significaria um risco à saúde da população, tendo em vista que os resíduos tóxicos ficariam encapsulados dentro da estrutura da peça, ao passo que também significaria uma redução do uso de areia virgem para esses fins e daria um destino útil ao resíduo que é atualmente um problema sem solução. Aparentemente o Conselho Estadual de Meio Ambiente de Santa Catarina (Consema) corrobora essa tese, tendo em vista que em agosto de 2008 editou uma resolução autorizando a reutilização da chamada Areia de Fundição (ADF) ou ?Areia Verde?. De acordo com a resolução, a reciclagem de resíduos da indústria metalúrgica de Santa Catarina, a chamada "areia verde", poderá ser utilizada na fabricação de concreto asfáltico e de peças não-estruturais de concreto, entre elas, lajotas de calçadas e blocos para meio-fios.

Essa decisão tem gerado grande polêmica entre grupos ambientalistas, que consideram a decisão do Consema temerária e um risco para a saúde da população catarinense, além de ser inconstitucional, pois estaria legislando sobre matéria já normatizada por legislação federal. Entre essas entidades, se destaca a Defensoria da Água, entidade ligada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e que possui representantes de ongs, universidades e movimentos sociais. Segundo a Defensoria, essa política seria apenas uma tentativa das empresas se absterem da responsabilidade de gerenciar o passivo ambiental gerado por suas atividades e distribuir os riscos ao conjunto da população local. Difuso e disperso, esse risco teria que se gerenciado pelo poder público que arcaria com os custos referentes às suas possíveis consequências, transferindo assim, a responsabilidade sobre problemas gerados privadamente para toda a sociedade.


O debate permanece em aberto. Não há consenso ainda sobre as medidas a serem tomadas para evitar o agravamento dos problemas ambientais em Joinville e na baía de Babitonga e para que o desenvolvimento decorrente de atividades industriais como esta se adeque às regras de sustentabilidade socioambiental, evitando a responsabilização da comunidade pelo ônus da geração de riquezas a um reduzido grupo de empresários.

Última atualização em: 15 de dezembro de 2009

Fontes

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_________. Aterro da Tupy após 70 anos de atuação. Disponível em: http://www.clicrbs.com.br/anoticia/jsp/default2.jsp?uf=2&local=18&source=a2280341.xml&template=4187.dwt&edition=11033&section=885. Acesso em: 20 ago. 2009.


ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EMPRESAS DE TRATAMENTO DE RESÍDUOS (ABETRE). Projeto aproveita areia de fundição em pavimentação asfáltica. Disponível em: http://www.abetre.org.br/noticia_completa.asp?NOT_COD=1119. Acesso em: 20 ago. 2009.


CARDOSO, Camille. O lixo que pode virar calçada: Sobras da atividade siderúrgica poderão ser usadas para produzir concreto asfáltico. A Notícia, Joinville, 04 nov. 2008. Disponível em: http://www.clicrbs.com.br/anoticia/jsp/default2.jsp?uf=2&local=18&source=a2280338.xml&template=4187.dwt&edition=11033&section=885. Acesso em: 20 ago. 2009.


CONSELHO ESTADUAL DE MEIO AMBIENTE DE SANTA CATARINA (Consema). RESOLUÇÃO Consema Nº. 011, de 26 de agosto de 2008. Estabelece critérios para a utilização da Areia Descartada de Fundição de materiais ferrosos na produção de concreto asfáltico e artefatos de concreto sem função estrutural. Disponível em: http://www.sds.sc.gov.br/index.php?option=com_docman&task=doc_download&gid=261&Itemid=46<=brazilian_portuguese. Acesso em: 20 ago. 2009.


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