Comunidade Quilombola de Morro Alto e Ministério Público enfrentam pressa do DNIT em desapropriar terras tradicionais para a duplicação da BR 101

UF: RS

Município Atingido: Maquiné (RS)

Outros Municípios: Osório (RS)

População: Quilombolas

Atividades Geradoras do Conflito: Atuação de entidades governamentais, Hidrovias, rodovias, ferrovias, complexos/terminais portuários e aeroportos, Minerodutos, oleodutos e gasodutos

Impactos Socioambientais: Falta / irregularidade na demarcação de território tradicional

Danos à Saúde: Piora na qualidade de vida

Síntese

Não me digam que sou negra de alma branca,
Pois minha alma tem a cor que eu mesma ostento!
Negra minha pele, sim senhores,
Negra minha alma, com orgulho!

Me pergunto com ponta de amargura:
Por que sou menos por ter pele escura?

A terra avó ainda soa
Na voz de um velho africano,
Lembrando histórias do Congo,
Que segue vivo além-mar.
Tambores, tantos tambores,
Insistem em retumbar…

Fui morrendo nesta terra sem viver,
Trago o peso dos grilhões e preconceitos…
Escravidão ardendo no meu peito
E o coração finando seu querer.
Mas veio das lonjuras do meu ser
Uma paixão que me tomou de assalto
E junto aos meus, aqui no Morro Alto,
Depois de morta pude renascer.

O vento ruge aqui perto,
Tão forte quanto o meu peito
Ruge ao clamar liberdade…
O futuro é um céu aberto
Pra que as asas do respeito
Possam bater de verdade.

Sou gente deste quilombo
Sou um dos que ainda vivem
Das sobras da escravidão;
As marcas das chibatas sangram
Na pele negra do meu coração.

Meu ventre incha aos poucos, hesitante…
A vida vem mostrar o seu poder;
Mas nem a escravidão nem as correntes
Alcançam esta vida a florescer.

Meu filho nascerá neste quilombo…
O sol dourando o morro lembra o Congo
E faz o meu olhar ganhar lonjuras;
Ao mesmo tempo vem no coração
A minha eterna interrogação:
Por que sou menos por ter pele escura?

Ou talvez quem me julga se condena
Com pele branca e alma tão pequena
Pois seus olhos não conseguem enxergar,
Que pudemos ser escravos algum dia
Mas com ou sem terras e cartas de alforria,
Nós somos livres, muito além deste lugar!

Eu sonho através das eras,
Para mais de um século já…
Um futuro de igualdade
Muito mais que liberdade…
Futuro de identidade…
Esse futuro virá?

Mesmo depois de meu filho…
Mesmo depois de meu neto
Virá um tempo onde meu povo
Não precise compaixão?
Seguindo de fronte erguida,
Sem golpes da sociedade…
Andando com as próprias pernas,
Criando com as próprias mãos?

Será que a dor do quilombo,
De tantos talhos e tombos,
Encontrará redenção?
Será que a sina do negro
Encontrará algum sossego
Num tempo sem privação?

A indagação ressoa em minhas agruras:
Por que sou menos por ter pele escura?

Essa pergunta nunca vai calar?
O preconceito nunca vai calar?

Eu sonho através das eras,
Pra mais de um século já…
Peles negras, almas negras,
No ventre deste quilombo
Lavrando sua própria terra,
Colhendo sua própria paz…
Um futuro de igualdade
Muito mais que liberdade;
Futuro de identidade…
Esse futuro virá?

(Poesia de Carlos Omar Vilela Gomes sobre o quilombo Morro Alto)

Localizada ao longo da BR 101, nos municípios de Maquiné e Osório, a Comunidade Remanescente de Quilombos de Morro Alto constitui-se de 456 famílias, em uma área de aproximadamente 4.630 hectares, conforme dados da Comissão Pró Índio de São Paulo (2021). Além disso, de acordo com dados do Censo realizado pelo IBGE, em 2022, o quilombo de Morro Alto é o território oficial com maior população no Rio Grande do Sul, com 1.750 habitantes, seguido pelo Quilombo dos Alpes, em Porto Alegre, com 519 habitantes, e pelo São Miguel, em Restinga Sêca, com 457. Porém, Morro Alto é o segundo território com população quilombola (433), sendo liderada por São Miguel, com 444 habitantes que se autodeclaram quilombolas.

Conforme pesquisa de Cintia Beatriz Muller (2006), existem outros núcleos considerados áreas rurais como Aguapés, Barranceira, Faxinal do Morro Alto, Morro Alto, Ribeirão e Espraiado. Em cada localidade há particularidades históricas, mas os habitantes estão ligados por redes de solidariedade e laços de parentesco além do compartilhamento religioso da crença em Nossa Senhora do Rosário.

A década de 1990 marca o início de outras ameaças à comunidade de Morro Alto, que se agregam àquelas já históricas, como a luta pela posse das terras e contra a ação de pedreiras no território. Referimo-nos especialmente à obra de duplicação da rodovia BR-101, um dos principais investimentos no contexto da integração regional dos países do Mercado Comum do Sul (Mercosul), prevista para se tornar a principal rota de ligação comercial do Cone Sul ao centro industrial de São Paulo.

Em 2005, havia previsão de investimentos da ordem de 500 milhões de reais nas obras do trecho que liga Osório (RS) a Florianópolis (SC). A rodovia, no sentido Norte-Sul, integra-se a estradas federais importantes como a BR-407, no sentido Leste-Oeste. Os impactos negativos da obra foram denunciados pelas comunidades afetadas.

Entre as críticas, o descolamento de uma obra de interesse nacional, da necessária adoção de medidas compensatórias, como a construção de escolas e obras de melhoria na infraestrutura que atendessem a toda a população impactada ao longo dos 343 quilômetros de duplicação da rodovia.

A Comissão Pró Índio de São Paulo (Cpisp) informou os impactos à saúde e ao meio biofísico na alteração da composição do solo e das fontes de água provocadas por esse tipo de empreendimento; a extinção do pequeno comércio à beira da estrada, do qual muitos retiram seu sustento; e as ameaças de destruição dos cemitérios de localidades como Aguapés e da Costa, considerados patrimônio das respectivas comunidades.

 

Contexto Ampliado

Estudos de Daisy Barcellos (2004) sobre a formação histórica de comunidades locais revelam que, em torno das ruínas das antigas senzalas ou nas terras de seus antigos senhores, os quilombolas de Morro Alto estabeleceram relações com aqueles que moravam livres no Cantão, um quilombo localizado no Morro da Vigia.

Na década de 1960, registra-se o início do fortalecimento político da comunidade, em articulação com movimentos sociais camponeses, emergentes no Rio Grande do Sul. Entre eles, se destaca o Movimento dos Agricultores Sem Terra (Master), um dos precursores do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no Rio Grande do Sul.

Segundo o site do Cpisp: “As dificuldades pelas quais os quilombolas passaram culminaram no fortalecimento político da comunidade e também no engajamento de muitos de seus membros em movimentos sociais do Rio Grande do Sul existentes no início dos anos 1960. Junto com a resistência, houve a repressão”.

O governo estadual de Ildo Meneghetti (25 de março de 1963 até 11 de setembro de 1966) reprimiu os camponeses que lutavam pela reforma agrária e por melhores condições de vida no campo. Um dos episódios mais marcantes do período ocorreu em Morro Alto. Em setembro de 1963, foi erguido um acampamento do movimento Master, com o apoio de muitos moradores daquele local. O acampamento contava com 250 famílias e sofreu forte repressão policial. A rodovia foi fechada para o trânsito e apertou-se o cerco contra os ocupantes. Assim noticiou o jornal Última Hora, edição de 19 de setembro de 1963:

“100 soldados da Brigada, armados de metralhadoras, sob as ordens do Tenente Marcelino Correia, e dizendo-se autorizados pelo Coronel Gonçalves Cúrio de Carvalho para cumprir somente determinações do governador Ildo Meneghetti, estão implantando o terror aos Sem-Terra de Osório, que desde domingo acamparam no Distrito de Morro Alto. A própria comissão de deputados que ontem seguiu para o local, acompanhada de um grupo de dirigentes sindicais, a fim de averiguar as denúncias sobre as arbitrariedades cometidas contra indefesos camponeses, foi obstaculizada por metralhadoras nas proximidades do acampamento e só a muito custo conseguiu dele se aproximar”.

Em meio à mobilização dos trabalhadores rurais sem-terra, o governador Meneghetti assinou decretos desapropriando três áreas no Estado. Uma delas era Morro Alto. De acordo com o jornal Última Hora de 22 de novembro de 1963:

“O último número do Diário Oficial publica três decretos de declaração de utilidade pública e interesse social, para fins de desapropriação, de três glebas no interior do Estado, com o objetivo de submetê-las a planos de melhor exploração econômica (maior rendimento), através de planos especiais de colonização, cooperativismo, povoamento e trabalho agrícola. Tais áreas serão loteadas e distribuídas aos agricultores necessitados, através de seleção”.

Ainda de acordo com Daisy Barcellos (2004), o primeiro decreto tornou desapropriável uma área de mil hectares, no lugar denominado Papudo, em Ronda Alta, Distrito de Sarandi. O segundo adotou idêntica medida com relação a 16 mil hectares de terra, inclusive com matas, nas proximidades de Torres, ocupada por camponeses, e o terceiro atingiu 5.200 hectares, com reserva florestal, localizados em Osório, também ocupados por famílias sem-terra.

Com o golpe civil-militar de 1964, no entanto, os decretos não foram postos em prática. Os líderes camponeses passaram a ser reprimidos, e o Master desorganizou-se. Em meio a tal mobilização em Morro Alto, os quilombolas conseguiram, com apoio de militares simpáticos à causa dos camponeses, ter acesso ao testamento de Rosa Osório Marques no Arquivo Público de Osório. Dessa forma, passaram a ter um documento comprobatório de que eram herdeiros daquelas terras segundo a vontade da ex-proprietária.

Impedidos de reivindicar seus direitos por meio dos movimentos sociais, mas munidos do testamento de Rosa Osório Marques, os quilombolas passaram a acionar a justiça para impedir novos processos de invasão de suas terras por empresas interessadas em explorar as pedreiras de Morro Alto. Além das batalhas judiciais travadas ao longo de toda a década de 1970, os membros da comunidade de Morro Alto também passaram a lutar, no final daquela década, para garantir seus direitos por meio da participação política. Em meio às lutas pela redemocratização do país, que ganharam força principalmente no começo dos anos 1980, os quilombolas lutaram para eleger representantes políticos que se identificavam com a democratização das esferas de poder.

De acordo com estudo antropológico iniciado em 2001, que visou atender ao reconhecimento da comunidade como remanescente de quilombos, Ercília Marques da Rosa, quilombola de Morro Alto e primeira professora e diretora negra de uma escola no litoral norte rio-grandense-do-sul, assumiu a subprefeitura daquela região após a eleição do primeiro prefeito de Osório , Ângelo Guazzelli, do Partido Democrático Trabalhista (PDT), com o fim do regime militar.

O referido estudo foi elaborado por Daisy Macedo de Barcellos; Miriam de Fátima Chagas; Mariana Balen Fernandes et al. Foi realizado por meio do Convênio n. 002/2001, firmado entre a Fundação Cultural Palmares e o Governo do Estado do Rio Grande do Sul, sob responsabilidade da Secretaria do Trabalho, Cidadania e Assistência Social, para a realização do projeto Identificação, Reconhecimento, Delimitação Territorial, Levantamento Cartorial de seis Comunidades Remanescentes de Quilombos no Rio Grande do Sul, Processo n. 01420.000560/2001.

Sobre a entrada de Ercília Marques de Souza na subprefeitura, o estudo afirma: “A gestão de Ercília foi marcada por uma série de melhorias realizadas na região de Morro Alto, beneficiando todos os seus moradores”. A duplicação da BR 101 deu ímpeto às comunidades para buscarem ampliar seus direitos. Representantes participaram no lançamento do edital de duplicação da BR-101, em junho de 2002. Foram apresentadas demandas sobre “a necessidade de seu reconhecimento como quilombolas, indenização e políticas compensatórias”.

 

Fonte: Daisy Macedo de Barcellos, Miriam de Fátima Chagas, Mariana Balen Fernandes et Al. (2002)

Atualmente, a Comunidade Negra de Morro Alto e seus vários núcleos estão localizados ao longo da BR 101, que estava em processo de duplicação. Em julho de 2005, uma audiência pública – demandada pela Comunidade de Morro Alto – foi realizada no Ministério Público Federal (MPF). A comunidade interveio ao tomar conhecimento de que indenizações individuais estavam sendo pagas a não quilombolas na área que se encontrava sob análise da Superintendência Regional no Rio Grande do Sul do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra/RS) no processo administrativo de titulação do quilombo de Morro Alto.

Durante a audiência pública, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) declarou ter realizado pagamento de indenizações a quatro pessoas que se manifestaram como proprietários de terras no local. O procurador geral do Dnit argumentou que as obras não poderiam ser interrompidas.

Permanecendo a controvérsia em definir quais eram os proprietários da área, o órgão federal teria se comprometido na ocasião a realizar o depósito dos valores em juízo, sob consignação, e a suspender o pagamento das indenizações no trecho Osório-Maquiné, na área “sob análise por parte do Incra/RS, para a titulação do quilombo de Morro Alto”. Outra denúncia apontava para o uso indiscriminado dos recursos naturais da comunidade nas obras de duplicação da BR-101. Uma característica dessa obra é a construção de um complexo de túneis de Morro Alto para encurtar o traçado da estrada em 11 quilômetros.

Segundo relato da antropóloga Cíntia Muller, reproduzido pelo Cpisp, a estratégia facilitaria, supostamente, a vida daqueles que se beneficiam da construção de infraestruturas, mas “os túneis abrem um rombo imenso, indescritível, em área quilombola. Afinal, a área impactada abriga Reserva da Biosfera da Mata Atlântica (RS), que possui os últimos resquícios nativos de Mata Atlântica no estado do Rio Grande do Sul”.

Em agosto de 2005, o jornal Correio do Povo, de Porto Alegre, noticiou que, de acordo com o então coordenador regional do Dnit, Marcos Ledermann, as indenizações por desapropriação reiniciariam ainda naquele mês. Continuando com o relato da antropóloga Cíntia Muller, reproduzido pelo Observatório Quilombola/Koinonia, o representante do Dnit disse na época que “não haveria problema com os quilombolas, mas [que], legalmente, quem possui os documentos [de posse ou propriedade] para indenização das terras são os agricultores.”

A declaração foi entendida como discriminação aos membros da comunidade quilombola, a ponto de a pesquisadora perguntar se “seriam os quilombolas menos agricultores? Por acaso aquilo que é produzido por um agricultor quilombola difere daquilo que é produzido por um agricultor branco?”

Pouco mencionada é a implicação desse investimento para a saúde dos moradores da região, que têm que conviver com a poluição sonora gerada pela rodovia:

“Nós ouvimos também a queixa dos pais, que têm que enviar seus filhos para escolas que ficam ao longo da mesma estrada e do medo que sentem, pois o acostamento parece sempre estar em estado precário ao longo de grande parte do trecho Osório-Torres”.

Em julho de 2006, o Ministério Público Federal (MPF) entrou com ação civil pública (ACP), em apoio aos quilombolas, contra o Dnit e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), diante do papel desse último como expedidor de licenciamento ambiental, como aponta João Meireles (2013). O objetivo da ação foi obrigar a realização de estudos relativos ao impacto da rodovia, bem como propor medidas compensatórias à comunidade (CPISP, 2006).

O juiz da Vara Federal Ambiental, Agrária e Residual de Porto Alegre, Cândido Alfredo da Silva Leal Júnior, do TRF da 4 região, concedeu liminar determinando que esses órgãos elaborassem um programa de apoio à Comunidade de Morro Alto, em 04 de agosto de 2006. A determinação não foi cumprida e, no final de 2007, foi agendada uma audiência para esclarecer as causas do não cumprimento da liminar por essas instituições. Em abril de 2008, o Incra iniciou o cadastramento dos moradores da área, já objetivando a regularização fundiária do território, de 4.500 hectares. Cerca de 550 famílias quilombolas já estavam cadastradas pela superintendência do Incra.

No início de 2011, o Relatório Técnico de Identificação de Delimitação (Rtid) intitulado “Comunidade Negra de Morro Alto, Historicidade, Identidade, Territorialidade e Direitos Constitucionais” foi concluído e encaminhado para apreciação do Comitê de Decisão Regional (CDR) do Incra/RS. Apesar de cumpridos todos os requisitos necessários para sua aprovação, ainda havia dúvidas quanto à sua aprovação junto ao CDR.

Em reunião em 25 de fevereiro, a Procuradoria Chefe do Incra pediu vistas ao processo mesmo após sua aprovação pela Procuradoria Federal Especializada do órgão, sendo a decisão adiada para 3 de março, motivo pelo qual os quilombolas de Morro Alto organizaram ato na Superintendência Regional do Incra com apoio de diversos parceiros.

O Rtid obteve sua aprovação naquela mesma reunião e foi publicado no Diário Oficial da União (DOU) em 15 de março de 2011. Segundo o edital publicado, cerca de 4.500 hectares foram oficialmente reconhecidos como pertencentes ao Território Quilombola de Morro Alto; determinou-se o início da notificação dos não quilombolas presentes na área identificada para fins de indenização e desapropriação dos imóveis. Pelo menos 350 pessoas eram então proprietárias dos imóveis passíveis de desapropriação.

A publicação do edital intensificou a resistência das famílias não quilombolas presentes na área – em geral, produtores rurais -, e sua organização política para resistir à retomada quilombola dos imóveis arrolados entre os constantes no território recém-reconhecido pelo governo federal.

Como forma de debater publicamente a questão e tentar abrir espaço de diálogo com a sociedade, o então deputado estadual Raul Carrion (PCdoB), coordenador da Frente Parlamentar Estadual por Reparações, Direitos Humanos e Cidadania Quilombola, organizou audiência pública na Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul (ALERS) em setembro daquele ano.

Foram convidadas a participar da audiência as entidades: Frente Nacional em Defesa dos Territórios Quilombolas, Federação das Associações de Comunidades Quilombolas (FACQ), União de Negras e Negros Pela Igualdade (Unegro), Movimento Negro Unificado (MNU), Quilombo de Candiota, Associação Quilombo da Família Silva, Associação Quilombo da Família Fidelix, dentre outras, além de representantes do Ministério Público Federal e Estadual (MPRS), do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), do Incra, da Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal (CDH/SF) e Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados (CDHM/CD), bem como das prefeituras e câmaras dos vereadores das cidades de Osório e Maquiné.

Conforme informações do blog do deputado e da Agência ALERS, durante a audiência pública foi denunciada pela Associação Comunitária Rosa Osório Marques, que representa os quilombolas de Morro Alto, a paralisação do processo de desapropriação dos imóveis localizados no território quilombola; segundo eles, sob determinação da sede do Incra em Brasília. Os quilombolas solicitaram às autoridades presentes apoio para garantir a celeridade do processo administrativo.

Na ocasião, o advogado dos quilombolas, Onir [de] Araújo, externou a opinião de que a remessa do processo para o presidente nacional do Incra, sem nenhuma consulta às famílias que esperavam o começo das notificações aos posseiros, violava todos os trâmites legais previstos na Constituição, e feria as regras do Estado Democrático de Direito: “Quando se trata dos direitos dos negros, o conceito de justiça costuma não ser interpretado à luz da lei”. A Superintendência Regional do Incra no Rio Grande do Sul garantiu a continuidade dos trabalhos tão logo houvesse autorização por parte da sede do instituto.

Em 28 de setembro de 2011, o Portal Catarse Coletivo de Comunicação publicou artigo de Luiz Costa no qual o articulista questionava os interesses por trás da orientação do Incra Nacional para suspensão de processo administrativo que tramitava dentro dos parâmetros normais na superintendência regional gaúcha. A falta de transparência por parte do Incra no episódio deu origem a uma série de suspeitas:

“O Quilombo de Morro Alto é território ancestral da comunidade negra daquela região e vem perdendo tamanho devido às invasões de pequenos agricultores promovidas por latifundiários e políticos que pretendem assim terem aliados. Entre os principais representantes destes grupos estão os deputados federais Elizeu Padilha e Alceu Moreira. (…) Os dois deputados, articulados com os atuais prefeitos de Osório, Maquiné e Tramandaí, juntos com o vice-presidente da república, Michel Temer, pressionaram para que a Casa Civil da Presidência da República orientasse o Incra nacional a requisitar o processo de titulação do Quilombo de Morro Alto, paralisando sua execução. O processo para a feitura do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (Rtid) levou dez anos. Para que fosse publicado, os quilombolas tiveram que ocupar o Incra em março do corrente ano, apesar das pressões do próprio Incra para que os quilombolas abrissem mão de parte do território herdado de ancestrais, uma área de aproximadamente, 4.654 hectares. (…) O processo agora vai depender de diversas negociações políticas, em diversos escalões de poder. Uma destas articulações será uma reunião que o Incra regional vai promover na primeira semana de outubro, para a qual os quilombolas – foram informados – não estão convidados”.

No final daquele mês, membros da comunidade quilombola organizaram protestos a fim de pressionar o Incra por definição no processo. Manifestações foram realizadas em frente à Superintendência Regional do Incra no Rio Grande do Sul e na sede do instituto em Brasília. Na ocasião, os manifestantes reclamavam que o processo estava retardado por questões políticas: “Todas as decisões judiciais sobre o caso estavam sendo tomadas pela Justiça gaúcha, mas, desde que o processo foi transferido para Brasília, ele se tornou cada vez mais lento”, afirmava Jader Fontoura, da coordenação estadual do Movimento Negro Unificado (MNU).

Os quilombolas foram recebidos pelo então presidente do Incra, Celso Lacerda, em reunião para discutir o andamento do processo de titulação de diversas comunidades. Lacerda reafirmou compromisso do instituto com a regularização fundiária das terras quilombolas, mas pediu paciência aos representantes de comunidades presentes em relação à demora:

“O Incra realiza anualmente em torno de três mil vistorias em todo o território brasileiro; desse total, cerca de 400 são feitas em territórios quilombolas, mas que hoje, para atender a totalidade da demanda das comunidades existente na autarquia, já foi feito um cálculo estimado de que seriam necessários 150 anos, por falta de recursos pessoais e financeiros. Nós encaminhamos para a Presidência da República um diagnóstico da atual força de trabalho e estrutura do Incra e estamos demandando uma estrutura maior, com aumento do orçamento e autorização para concurso. Estamos discutindo também a possibilidade de criarmos, em breve, dentro da estrutura do Incra, uma diretoria específica para tratar da temática quilombola”.

Diante da falta de resolutividade da reunião realizada em Brasília para sua demanda específica, os quilombolas de Morro Alto mantiveram as mobilizações locais. Em 5 de outubro, ocuparam a Superintendência gaúcha do órgão, exigindo a notificação imediata dos ocupantes de suas terras. Depois de extensa negociação iniciada à noite, foi anunciada a solicitação do governo federal de prazo de uma semana para articular o planejamento das próximas ações do trabalho de regularização fundiária da comunidade.

A proposta foi apresentada na unidade regional do Instituto. Aceita a proposta, os cerca de 50 manifestantes presentes desocuparam o local no dia seguinte, conforme divulgou o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). Uma reunião foi agendada para o dia 13 de outubro a fim de que fossem discutidas as demandas da comunidade. Ficou acertado que o assunto seria tratado conjuntamente pelo MDA, Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), Fundação Cultural Palmares (FCP), Casa Civil e Secretaria Geral da Presidência da República / Secretaria Nacional de Articulação Social.

Na ocasião, a Associação da Comunidade Morro Alto divulgou nota pública criticando a protelação dos procedimentos de desapropriação dos imóveis situados em suas terras tradicionais e as dificuldades impostas pelo Estado para acompanhamento do processo:

“A legislação garante aos quilombolas o acompanhamento de todas as etapas do procedimento de regularização fundiária e, por esse motivo, nos fazemos presentes numa atividade que deveríamos ser consultados e/ou ouvidos antes de decidirem sobre o futuro de nossas vidas. O Estado brasileiro está agindo para nos acorrentar novamente, só que, dessa vez, não em senzalas, mas em nosso próprio território, com o fato de não regularizarem nossa situação, o que nos permitiria desenvolver atividades que garantam a reprodução econômica, social e cultural das nossas famílias como prevê a constituição. Pedimos, apenas, que seja cumprido o que determina a legislação!”

O avanço das discussões entre representantes dos quilombolas e do governo federal repercutiu na imprensa regional. Diversos veículos locais – que até então haviam ignorado o caso – deram vazão às insatisfações de quilombolas e pequenos produtores rurais assentados nas terras da comunidade diante do impasse. Enquanto a comunidade quilombola ansiava pela continuidade do processo e pela efetivação da titulação, os agricultores temiam pela perspectiva de reassentamento ou de terem as terras, então em sua posse, desapropriadas de fato, e serem obrigados a aceitar as indenizações propostas pelo Estado.

Reportagem de Thais D Ávila, por exemplo, trouxe a fala de representantes dos produtores rurais de Osório:

“Que fique bem clara a nossa posição de permanecer na terra, porque é nossa comunidade, que nós construímos. De forma alguma nós somos contra qualquer movimento ou a um reparo de uma injustiça que houve no passado. Mas não cabe a nós sermos os únicos responsáveis por isso. Não somos nós que temos que pagar por isso. É um reparo que o Estado deve fazer. Se ele precisa assentar, então que abra uma licitação, um edital público, para a aquisição de áreas de quem quer de bom grado vender suas propriedades e assentar as famílias”.

Segundo D’Ávila, os membros da comunidade quilombola defendiam seus direitos recorrendo a demandas por titulação coletiva de suas terras, conforme previsto na Constituição Federal de 1988:

“O que nos falta aqui é terra para trabalhar, que foi tomada pelos posseiros. É um trabalho antigo que fazíamos, que os negros faziam nesta região, como irmandade. Quem vai gerar, o título coletivo vem para a associação, é dos remanescentes, quem tem a direção são os remanescentes do quilombo. E eles vão gerar rendas, é tudo coletivo”.

Fica nítida a diferença de perspectivas diante do conflito. Enquanto quilombolas esperam a reparação de uma injustiça histórica, os produtores rurais se dizem vítimas de uma nova injustiça ao serem atingidos pela perspectiva de efetivação da reparação necessária. Em 17 de novembro de 2011, após a polêmica em torno do processo de titulação da comunidade e intervenção do Ministério Público Federal (MPF), o Incra anunciou que iniciaria a notificação dos produtores rurais.

Em março de 2012, o Arquivo Público do Rio Grande do Sul (Apers) realizou pesquisa para colaborar na titulação do Quilombo do Morro Alto por meio de solicitação do MP através de ofício. O Apers forneceu ao Núcleo das Comunidades Indígenas e Minorias Étnicas do MPF 1.646 cópias autenticadas de 15 ações judiciais de inventário, medição e testamento das Comarcas de Porto Alegre, Osório, Santo Antônio da Patrulha e Viamão, datadas de 1841 a 1927, “que envolvem trinta cidadãos entre inventariados/inventariantes, requerentes/requeridos, testador/testamenteiros para instruir o processo de regularização fundiária do território do Quilombo do Morro Alto”.

No entanto, agricultores continuavam mobilizados para evitar a desapropriação das terras que consideravam suas. Em reportagem do Estadão (6 jan. 2023), o secretário-geral do Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR) de Osório, Edson Ricardo de Souza, que falava em nome de cerca de 450 famílias de agricultores, advertiu: “Nós, lideranças, tentamos manter a calma, mas tememos pelo fim da tranquilidade caso o Incra venha a iniciar as notificações”.

Na visão dos quilombolas de Morro Alto, não restava alternativa, caso os avanços malograssem, senão bloquear a rodovia BR-101: “Fazemos nossa parte dentro da legalidade, nunca atacamos ninguém, mas estamos cansados”.

Em 2013, o panorama dos processos de regularização fundiária dos territórios quilombolas no RS era de 78 processos de titulação em estudo no Incra e somente três comunidades oficialmente instaladas em seus territórios de origem: Casca, no município de Mostardas; Família Silva, em Porto Alegre; e Chácara das Rosas, em Canoas, onde 20 famílias moram em 0,36 hectares, de acordo com reportagem de Samir Oliveira no Sul 21.

O advogado da Frente Nacional de Defesa dos Territórios Quilombolas, Onir [de] Araújo denunciava que o Incra se recusava a cumprir sua própria norma por ceder às pressões de setores ligados a interesses econômicos. Essa omissão caracterizava, segundo entendimento de Onir, a prática de racismo institucional pelo instituto.

Até aquele momento, ainda não havia ocorrido um passo importante após a publicação do Rtid, que era a notificação da população não quilombola que residia no território a ser titulado. Em regra, após a notificação, os moradores têm até 90 dias para contestar o relatório técnico do Incra, e o órgão federal pode acolher ou não a contestação. Em seguida, o instituto remete o processo para seu escritório central, em Brasília. Após essa análise, o processo vai para a Casa Civil da Presidência da República, que tem a prerrogativa de publicar o decreto de desapropriação total do território.

Com a publicação desse decreto, são ajuizadas as ações de desintrusão. Os moradores locais que tiverem títulos de propriedade podem ser indenizados pelo valor de mercado de suas terras, em dinheiro e à vista. E os que não tiverem documentação comprovando a posse da terra podem ser reassentados em outros lotes. A lentidão para o avanço dessas etapas aumentava as tensões na convivência entre quilombolas e a população que atualmente reside na região.

“Se criou uma situação de total intranquilidade, com perseguição e desqualificação dos quilombolas. O grau de tensão está exacerbado, expondo a comunidade a uma série de situações complicadas”, explicava o advogado.

Araújo também considerou haver “uma campanha de terrorismo” por parte de políticos contrários aos quilombolas, que estariam afirmando que a população branca seria expulsa do território sem nenhuma garantia: “Ninguém irá sair de lá da noite para o dia, com uma mão na frente e outra atrás. Isso é balela, é terrorismo. Qualquer pessoa que não seja ingênua ou de má fé, entende isso”.

O antropólogo José Augusto Catafesto também se posicionou acerca desse conflito, especificando a atuação dos setores interessados em impedir a titulação do quilombo do Morro Alto, conforme declara ao Sul 21: “A base de articulação contra a comunidade de Morro Alto vem de partidos que sustentam a coligação da Presidência da República. O MDB tem quadros daquela região, como os deputados Alceu Moreira, do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), e Eliseu Padilha (PMDB). Eles conseguem segurar o avanço dessas questões em Brasília”.

Essa ofensiva política funde-se com interesses econômicos no território. “Há grande interesse nas jazidas naturais de mineração em Morro Alto. Para disfarçar isso, as forças econômicas colocaram uma série de pequenos colonos na região. Criaram um impasse político, pois os pequenos agricultores também dão sustentação ao governo federal”, avalia Catafesto.

Tanto as falas de Onir de Araújo quanto a fala do antropólogo Catafesto nos lembram que, embora a auto-organização da população seja fundamental, nesse caso o racismo arraigado na atuação das instituições significa o mesmo que dizer que a comunidade quilombola não é considerada parte legítima na busca por seus próprios direitos, tornando muito mais escancarada as injustiças social, cognitiva e ambiental, como ocorrem em outras situações e casos similares (PORTO et. al., 2021).

Baseando-se em informações do Incra e da FCP, quando um território é reconhecido pelo Estado brasileiro de posse e usufruto de uma comunidade quilombola, ele não é qualificado como propriedade privada. O título de reconhecimento é coletivo e emitido para uma associação que representa juridicamente a comunidade, ao invés de ficar sob a propriedade de pessoas físicas.

O advogado Wilson Rosa afirmou que os quilombolas eram alvos de tentativas de cooptação por parte dos produtores rurais da região, que, aparecendo de casa em casa, ofereciam dinheiro para que abandonassem as terras comunitárias, tentando convencê-los a “pararem com essa história de quilombo”. Por outro lado, Wilson defende a resistência quilombola, reafirmando que se trata de um direito de uma área que sempre pertenceu ao quilombo. Além das tentativas de cooptação, afirma que ações mais violentas, como ameaças de morte, fazem parte do cotidiano da comunidade, visando para que ela se desorganize e desmobilize.

Reportagem publicada pelo portal do Cimi, em fevereiro de 2014, divulgou o que seria um prenúncio do acirramento de tempos difíceis para os povos tradicionais no Brasil e de hegemonia dos responsáveis pelo atraso da regularização fundiária dos territórios dos povos e comunidades tradicionais, como em Morro Alto. Um vídeo gravado em audiência pública com produtores rurais, em Vicente Dutra (RS), registra discursos de deputados da bancada ruralista estimulando que agricultores usem de segurança armada para expulsar indígenas do que consideram ser suas terras.

Apesar de contar com a presença dos produtores rurais, a audiência ocorrida em novembro de 2013 foi promovida pelo então deputado federal da bancada ruralista Vilson Covatti (PP-RS), na época membro da Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural (CAPADR) da Câmara dos Deputados. O tema foi o conflito dos produtores rurais com os indígenas do povo Kaingang, que vivem na Terra Indígena Rio dos Índios, com histórico registrado no Mapa de Conflitos:

“Nós, os parlamentares, não vamos incitar a guerra, mas lhes digo: se fartem de guerreiros e não deixem um vigarista desses dar um passo na sua propriedade. Nenhum! Nenhum! Usem todo o tipo de rede. Todo mundo tem telefone. Liguem um para o outro imediatamente. Reúnam verdadeiras multidões e expulsem do jeito que for necessário”, disse o deputado Alceu Moreira (PMDB-RS). “A própria baderna, a desordem, a guerra são melhores do que as injustiça”.

Ele afirmou que o movimento pela demarcação de terras indígenas seria uma “vigarice orquestrada” pelo ministro da Secretaria Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho. Moreira dizia também que tal movimento seria patrocinado pelo Ministério Público Federal (MPF), o qual, segundo ele, defenderia a “injustiça”. Também no vídeo, o presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, deputado federal Luís Carlos Heinze, do Progressistas (PP-RS), dizia que indígenas, quilombolas, gays e lésbicas são “tudo que não presta”: “Quando o governo diz: ‘nós queremos crescimento, desenvolvimento. Tem de ter fumo, tem de ter soja, tem de ter boi, tem de ter leite, tem de ter tudo, produção. Ok! Financiamento”.

Em novembro de 2015 foi instalada na Câmara dos Deputados a Comissão Parlamentar de Inquérito da Funai e do Incra, em duas edições; a primeira, de 2015, foi encerrada em agosto de 2016 sem ter apresentado um relatório circunstanciado conclusivo. De acordo com Mariana Fortes Ribeiro (2020), a CPI Funai e Incra II, iniciada em outubro de 2016, acolheu todos os autos e deu prosseguimento aos trabalhos e procedimentos. Em fevereiro de 2017, o inquérito encontrava-se em sua reedição.

Em março de 2017, o deputado federal Alceu Moreira, então presidente da referida CPI, protocolou requerimento na Mesa Diretora da Câmara dos Deputados solicitando a prorrogação – por 60 dias – dos trabalhos da CPI da Funai/Incra II. “Todos os esforços deste Presidente, Deputado Alceu Moreira, (…) não se revelaram suficientes para o cumprimento das metas pretendidas”, justificava o parlamentar ao então presidente da Câmara, Rodrigo Maia, do Democratas (DEM/RJ).

Relembrando a fala do antropólogo José Augusto Catafesto sobre a sanha dos interesses políticos no território quilombola, o então deputado tentou obstar a demarcação do quilombo Morro Alto. O Cimi divulgou que o presidente do Incra, Leonardo Góes, também em março de 2017, abriu sindicância interna, com base na portaria nº 116/2017, para investigar o processo de regularização fundiária do quilombo após denúncia do presidente da CPI sobre supostas ilegalidades ocorridas. Os quilombolas, porém, denunciavam que a titulação envolvia terras de interesse particular do parlamentar. Conforme fontes ligadas ao órgão, processos desse tipo eram inéditos no Incra.

Uma nota da Confederação Nacional das Associações dos Servidores do Incra (Cnasi), além de manifestar indignação dos servidores pela abertura da sindicância interna por parte da presidência do instituto, forneceu s elementos que corroboravam a denúncia dos quilombolas de que a suspeita de irregularidade era infundada.

“O mais estarrecedor nesse caso é o fato de a Presidência do Incra abrir uma sindicância baseada em denúncias infundadas e sem provas, que já foram amplamente respondidas nos autos do processo e no âmbito da CPI Funai/Incra. Desta forma, foi desconsiderado todo o processo de análise das contestações relacionadas ao procedimento de regularização fundiária do território quilombola de Morro Alto”.

Na nota da Cnasi, os servidores defendiam que o processo de titulação era correto e cumpria a legalidade por ter passado por todas as fases previstas:

“1) elaboração do estudo pela equipe técnica do Incra, com a participação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, responsável pelo laudo antropológico; 2) publicação do edital do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID); 3) notificação dos interessados e 4) julgamento das contestações apresentadas. Todos os procedimentos foram acompanhados pela Procuradoria Federal Especializada junto à Superintendência do Regional do Incra no Rio Grande do Sul (Incra/RS – SR 11), sempre com pareceres favoráveis à continuidade do processo devido a sua lisura e correção. A direção do Incra/RS, por meio do Comitê de Decisão Regional (CDR), igualmente aprovou todo o procedimento em suas várias fases”.

Considerando que na época as discussões no âmbito administrativo em relação ao Rtid de Morro Alto não haviam sido finalizadas, a situação também era agravada pelo fato do ordenamento legal previsto no Incra, como menciona a nota, estabelecer que, caso haja algum tipo de inconformidade observado ao longo do processo, ele fosse encaminhado em forma de contestação junto à Superintendência Regional do Incra/RS, em Porto Alegre.

Ou seja, não havia fundamento para que a reclamação fosse diretamente enviada ao presidente do órgão, a não ser por interesses econômicos na região, por meio do exercício e influência de poder que o deputado federal Alceu Moreira auferia como então presidente da CPI da Funai e do Incra II, ao invés de seguir os procedimentos do instituto conforme previsto em leis e instruções normativas, salientavam os servidores do Incra na nota citada.

Pouco mais de dois anos depois, sem que a titulação fosse de fato concluída e graças aos obstáculos impostos pela bancada ruralista, ancorada especialmente na figura do deputado federal Alceu Moreira, os processos administrativos para territórios e populações quilombolas (e indígenas) foram protelados por revisionismos em curso nos órgãos federais na época da presidência de Jair Bolsonaro (então sem partido), que recorrentemente explicitava em seus discursos uma oposição aos direitos das comunidades tradicionais, à demarcação de terras indígenas e à titulação de territórios quilombolas.

Em janeiro de 2019, no primeiro dia de governo, o então presidente Jair Bolsonaro publicou a Medida Provisória 870/2019 instituindo a organização básica dos órgãos da Presidência da República e dos Ministérios. A MP870 delegou ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) a competência de regularização fundiária dos territórios quilombolas (a identificação, o reconhecimento, a delimitação, a demarcação e a titulação das terras ocupadas pelas comunidades remanescentes de quilombos).

Já em 2 de janeiro de 2019, como relembrou a Cpisp, foi publicado o Decreto 9.667/2019, que aprovava a estrutura regimental do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). O decreto estabelecia que o Incra seria vinculado ao Mapa.

A norma determinava também que à Secretaria Especial de Assuntos Fundiários (Seaf) daquele ministério competia formular, coordenar e supervisionar as ações e diretrizes sobre identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas pelas comunidades remanescentes de quilombos e o licenciamento ambiental nas terras quilombolas, em conjunto com outros órgãos competentes. Dessa forma, a responsabilidade de licenciamento ambiental em terras quilombolas deixou de ser da Fundação Cultural Palmares (FCP).

Como informou a Justiça Federal do RS, em fevereiro de 2020, o processo referente à titulação do quilombo Morro Alto foi avocado pela auditoria interna, com a elaboração de um relatório preliminar. Em março, segundo o MPF, o superintendente regional no estado ratificou as conclusões desse relatório que acolhia todas as teses e questionamentos do deputado federal Alceu Moreira.

Face à onda de revisionismo e de relativização dos direitos na regularização fundiária de territórios quilombolas então em curso, em 19 de agosto de 2021, o Sindicato Nacional dos Peritos Federais Agrários (SindPFA) manifestou, em nota, preocupação em relação ao trabalho do Incra na regularização fundiária de territórios quilombolas, por meio de auditorias destoantes a pareceres técnicos e jurídicos, na intenção, conforme continua a nota:

“Com o aparente intuito de paralisar o andamento desses processos e a consequente demarcação de novos territórios, atendendo a questionáveis demandas políticas (…). Noutro sentido, o Conselho Diretor do Incra decidiu incluir avaliações e ações de controle sobre a regularização fundiária e titulação de áreas de comunidades quilombolas no rol de atividades da Auditoria Interna e, na sequência, encaminhou processos em etapa de apreciação pelo Conselho Diretor e de publicação de Portaria de Reconhecimento para análises de regularidade do seu órgão de controle interno. Informações dão conta de 31 processos de regularização fundiária desse público no órgão de controle interno do Incra para as referidas análises e, com isso, encontram-se paralisados”.

Segundo os servidores, a partir de conceitos alheios à regularização de territórios coletivos, e mesmo contrariando manifestações técnicas e jurídicas, o relatório da auditoria acatou o apontamento das supostas irregularidades apresentadas pelo parlamentar, concluindo pela recomendação de anulação do relatório antropológico de Morro Alto e, também, de outras peças técnicas do Rtid.

Salta aos olhos que, mesmo sem decisão definitiva sobre as recomendações, esforços já vêm sendo empreendidos no sentido de elaboração de novo relatório antropológico, já estando em curso procedimento licitatório de contratação, num contexto de drástica redução orçamentária e priorização de processos com decisão judicial. De modo que preocupa, principalmente, a possível utilização desse mecanismo para viabilizar a interferência política em áreas técnicas visando a atender à demanda de setores politicamente influentes, em detrimento das minorias, levando à paralisação de dezenas de processos de demarcação e a revisionismos anômalos e, não raro, preconceituosos, no rastro de atos de fala do presidente da República e de autoridades como o atual presidente da Fundação Palmares [Sérgio Camargo]”.

De acordo com o SindPFA, a gravidade dessa atuação se configura por desrespeitar o corpo técnico do Incra, ferir instruções normativas e a rotina técnica e metodológica estabelecida, além de “contrariar a própria missão da autarquia na gestão territorial – na qual está incluída a regularização fundiária desses territórios – e, sobretudo, atenta contra o mandato constitucional ao qual se obriga cumprir”.

Em 11 de setembro de 2021, a Associação Comunitária Rosa Osório Marques e seus representantes Elizabete Alves, Jorge Odilon Gomes Costa, entre outros moradores, realizaram reunião com a participação do Conselho Estadual de Direitos Humanos do estado do Rio Grande do Sul (CEDH-RS) para apresentar ao CEDH-RS e à Rede Nacional de Advogadas/os Populares (Renap) a situação do processo de reconhecimento fundiário do território quilombola.

Ubirajara Toledo, representante do Instituto de Assessoria às Comunidades Remanescentes de Quilombo (Acorre) no CEDH-RS, iniciou os trabalhos relembrando o artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), presente na Constituição Federal de 1988, que garante aos quilombolas o direito à propriedade definitiva e coletiva dos seus territórios como forma de garantir sua reprodução cultural.

No entanto, mesmo tendo o direito assegurado constitucionalmente, as lideranças estavam plenamente cientes de que a comunidade estava cerceada por entraves administrativos e ofensivas políticas que a colocavam em risco e em insegurança na reprodução e manutenção das tradições no território: “Existe um constante movimento de tentar deslegitimar o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (Rtid) do território, que já foi concluído em 2011”, relatou uma das lideranças (não identificada na reportagem). O advogado Emiliano Maldonado, da Renap, apresentou aos moradores um resumo do processo administrativo e relatou com preocupação as dificuldades de acesso a alguns documentos no Incra.

De acordo com o portal Sul 21, o presidente do CEDH-RS, Júlio Alt, sugeriu a construção conjunta de um protocolo de consulta prévia, livre e informada, conforme a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Brasil em 2002: “Tal protocolo assegura que as formas de expressão e os modos de criar, fazer e viver quilombola sejam defendidas frente às ameaças ao seu território”, explicou.

Em 10 de janeiro de 2022, a 9ª Vara Federal em Porto Alegre determinou, por meio de liminar, que o Incra interrompesse a licitação para contratação de empresa para elaboração de novo relatório antropológico para identificação e delimitação do território do Quilombo Morro Alto. Como informou nota da Justiça Federal no Estado, a juíza federal Clarides Rahmeier considerou a devida importância e a existência do estudo antropológico no processo administrativo intitulado “Comunidade Negra de Morro Alto, Historicidade, Identidade, Territorialidade e Direitos Constitucionais”; além disso, não havia decisão técnico-administrativa que respaldasse sua revisão.

Autor da Ação Civil Pública Nº 5081729-19.2021.4.04.7100/RS, o MPF defendia que o Rtid referente à regularização fundiária da comunidade quilombola já fora publicado em 2011, e argumentou que as instâncias técnicas e jurídicas do Incra já haviam se manifestado sobre as denúncias e contestações apresentadas pelo parlamentar Alceu Moreira, indeferindo-as, como já havia sido declarado publicamente pela Cnasi em março de 2017.

A gestão do Incra da época rebateu o posicionamento do MPF, afirmando que o processo administrativo de regularização fundiária da Comunidade Morro Alto era de alta complexidade em virtude da situação fundiária do território identificado. Informou que as peculiaridades do caso já seriam, por si só, justificativas para que se realizassem novos estudos, caso isso fosse considerado pelo órgão para que a decisão administrativa sobre os limites do território fossem adequadamente fundamentada e adotada em respeito ao princípio da proporcionalidade.

Também alegou que a mera possibilidade de contratação de novos estudos antropológicos não indicaria qualquer violação aos direitos da comunidade quilombola e poderia contribuir para a superação do impasse administrativo então existente. No entanto, ao analisar o caso, a juíza federal substituta Clarides Rahmeier pontuou a fragilidade dos argumentos da autarquia:

“O processo de identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos compreende, sinteticamente, as seguintes fases: I) abertura do processo, de ofício pelo Incra ou por qualquer interessado, das entidades ou associações representativas de quilombolas; II) elaboração do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação – RTDI, com sua publicação; III) publicação de Portaria de reconhecimento e declaração de território; IV) edição e publicação do Decreto de Desapropriação por Interesse Social; V) emissão do título”.

Destacou que os procedimentos adotados foram amplamente analisados por diferentes instâncias do Incra e nenhuma delas apontou indício de irregularidades. Apesar disso, relembrou que o Incra instaurou procedimento licitatório “mesmo ainda estando pendente na esfera administrativa uma motivação técnica, clara e válida a ensejar a contratação de um novo estudo antropológico”. Destacou:

“Cumpre esclarecer que, no agir da administração pública, os atos administrativos devem ser públicos e transparentes. Públicos, uma vez que devem ser levados ao conhecimento dos interessados através dos instrumentos legalmente previstos e transparentes, pois deverão permitir que sejam compreendidos com clareza o seu conteúdo e todos os elementos de sua composição, especialmente seu motivo e finalidade, a fim de que se possa efetivar o seu controle”.

Além desses argumentos, que reconheciam a validade do estudo antropológico e dos trabalhos já realizados, ela também determinou a continuidade do processo administrativo de regularização fundiária. Em 11 de abril de 2023, a terceira turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) manteve a sentença que determinou que o Incra “interrompa, imediatamente, o processo licitatório para a realização de Relatório Antropológico de caracterização histórica, econômica, sociocultural e ambiental, destinado a fornecer subsídios técnicos para a identificação e delimitação do território da Comunidade Remanescente de Quilombo de Morro Alto”.

O TRF4 também determinou que o Incra “dê continuidade ao processo administrativo n.º 54220.001201/2004-09″. Segundo os desembargadores, ao determinar a realização de novo estudo, o Incra descumpriu com seu dever de fundamentação e motivação e feriu princípios constitucionais e administrativos.

De acordo com Emiliano Maldonado, que atuava no processo como advogado da comunidade quilombola, a decisão foi considerada por ele como “histórica”:

“Aprovar a licitação para a realização de um novo laudo significaria voltar para o início do processo. Perderíamos mais de 20 anos de trabalhos técnicos feitos por equipes multidisciplinares e por pesquisadores reconhecidos internacionalmente, colocando em xeque o próprio trabalho das áreas técnicas do Incra ao longo de todos esses anos. Essa omissão que dura mais de 35 anos já foi inclusive reconhecida pela Organização dos Estados Americanos (OEA) em relatórios sobre o tema, demonstrando que é dever do Estado titular esses territórios. Essa demora decorre dos interesses em conflito, pois os territórios quilombolas têm sido vítimas da expropriação e finalizar um processo desses choca com interesses do agronegócio, especulação imobiliária, grandes construtoras etc. Não é algo apenas de Morro Alto, mas algo que tem ocorrido de forma constante com os quilombos”.

No dia 23 de abril de 2023, a comunidade obteve uma outra “conquista histórica”, já que a 9ª Vara da Justiça Federal determinou suspensão de licenças ambientais para construção de empreendimentos imobiliários em áreas da Comunidade Quilombola do Morro Alto. A decisão de caráter liminar decorreu da ACP do MPF (Nº 5081729-19.2021.4.04.7100/RS).

Segundo ela, o decreto municipal que permitia o licenciamento ambiental reduzia o poder de decisão da comunidade a respeito de obras em seus territórios. De acordo com a advogada Alice Hertzog Resadori, que atuava no processo como procuradora da Associação Comunitária Rosa Osório Marques, o direito das comunidades de serem consultadas sobre medidas legislativas ou administrativas que possam afetá-las é uma determinação da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que, uma vez ratificada pelo Congresso Nacional, equivale no Brasil a uma disposição constitucional.

Afirmava Resadori: “Na prática, o decreto transformava o direito de decisão das comunidades tradicionais do município em uma mera formalidade. O decreto determinava um prazo específico para a consulta prévia das comunidades sobre empreendimentos capazes de afetar seus territórios”.

Além de suspender o decreto em caráter liminar, a Justiça Federal também estabeleceu que o município apresentasse, em dez dias, todas as licenças ambientais que já haviam sido concedidas e convalidadas a empreendimentos com base no referido decreto.

 

Atualizada em  agosto 2023

 

Cronologia

Década de 1960 – Início do fortalecimento político da comunidade quilombola de Morro Alto, em articulação com movimentos sociais camponeses, emergentes no Rio Grande do Sul (RS), como o Movimento dos Agricultores Sem Terra (Master), precursores do MST no estado.

Setembro de 1963 – Acampamento do movimento Master é erguido com apoio de muitos moradores do local. O acampamento com 250 famílias sofre forte repressão policial.

1964 – O golpe civil-militar resulta no acirramento da repressão aos líderes camponeses e desorganização do Master no RS.

– Os quilombolas de Morro Alto conseguem, com apoio de militares simpáticos à causa dos camponeses, ter acesso ao testamento de Rosa Osório Marques no Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul (Apers).

Década de 1970 – Membros da comunidade quilombola de Morro Alto também passam a lutar, no final daquela década, para garantir seus direitos por meio da participação política.

Década de 1980 – Quilombolas lutam para eleger representantes políticos que se identificavam com as lutas pela redemocratização das esferas de poder no país. Ercília Marques da Rosa, quilombola de Morro Alto e primeira professora e diretora negra de uma escola no litoral norte rio-grandense-do-sul, assume a subprefeitura da região após a eleição do primeiro prefeito de Osório com o fim da ditadura civil-militar.

Junho de 2002 – Representantes da comunidade de Morro Alto participam do lançamento do edital de duplicação da rodovia BR-101, em que foram apresentadas demandas sobre “a necessidade de seu reconhecimento como quilombolas, indenização e políticas compensatórias”

Julho de 2005 – Ministério Público Federal (MPF) realiza audiência pública após demanda da comunidade de Morro Alto.

Julho de 2006 – MPF entra com ação civil pública (ACP), em apoio aos quilombolas, contra o Dnit e o Ibama para obrigar a realização de estudos relativos ao impacto da rodovia, bem como propor medidas compensatórias à comunidade.

Início de 2011 – Relatório Técnico de Identificação de Delimitação (Rtid) “Comunidade Negra de Morro Alto, Historicidade, Identidade, Territorialidade e Direitos Constitucionais” é concluído pelo Incra/RS.

25 de fevereiro de 2011 – Quilombolas de Morro Alto organizam ato na Superintendência Regional do Incra, com o apoio de diversos parceiros, para pressionar pela celeridade no processo administrativo de titulação do seu território, paralisado após pedido de vistas da Procuradoria Geral da autarquia.

Março de 2011 – O Rtid “Comunidade Negra de Morro Alto, Historicidade, Identidade, Territorialidade e Direitos Constitucionais” é encaminhado para apreciação do Comitê de Decisão Regional (CDR) do Incra/RS. O relatório obtém sua aprovação na mesma reunião.

15 de março de 2011: Incra publica o Rtid no DOU.

Setembro de 2011 – O então deputado estadual Raul Carrion, coordenador da Frente Parlamentar por Reparações, Direitos Humanos e Cidadania Quilombola, organiza audiência pública na Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul (ALERS) em que a Associação Rosa Osório denuncia paralisação do processo de desapropriação dos imóveis localizados no território quilombola, segundo eles, sob determinação da sede do Incra em Brasília.

Setembro de 2011 – Membros da comunidade quilombola de Morro Alto organizam protestos em frente à Superintendência Regional do Incra no Rio Grande do Sul e na sede do instituto em Brasília a fim de pressionar o Incra por definição no processo de titulação de seu território.

05 de outubro de 2011 – Quilombolas ocupam a Superintendência gaúcha do órgão exigindo a notificação imediata dos ocupantes de suas terras. Depois de extensa negociação iniciada à noite, é anunciada a solicitação do governo federal de prazo de uma semana para articular o planejamento das próximas ações do trabalho de regularização fundiária da comunidade com uma proposta apresentada no final da noite.

06 de outubro – Quilombolas de Morro Alto desocupam o Incra/RS após aceitarem a proposta apresentada pelo do governo federal.

17 de novembro de 2011 – Após intensa polêmica em torno do processo de titulação da comunidade e intervenção do MPF, o Incra anuncia que iniciaria a notificação dos produtores rurais.

Março de 2012 – Apers realiza pesquisa para colaborar no processo de titulação do quilombo do Morro Alto após solicitação do MPRS.

2013 – Incra anuncia que o panorama dos processos de regularização fundiária dos territórios quilombolas no RS tem 78 processos de titulação em estudo e somente três comunidades oficialmente tituladas em seus territórios de origem: Casca, no município de Mostardas; Família Silva, em Porto Alegre; e Chácara das Rosas, em Canoas.

Novembro de 2013 – Vídeo gravado em audiência pública com produtores rurais, em Vicente Dutra (RS), registra discursos de deputados da bancada ruralista estimulando que agricultores usassem armas de fogo para expulsar indígenas das terras consideradas propriedades privadas.

Novembro de 2015 – Câmara dos Deputados (CD) instala Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Funai e do Incra.

Agosto de 2016: CPI da Funai e do Incra encerra seus trabalhos sem que um relatório final seja proposto.

Outubro de 2016 – Câmara dos Deputados instala a 2ª CPI da Funai e do Incra.

Março de 2017 – O deputado Alceu Moreira, então presidente da 2ª CPI da Funai e do Incra, protocola requerimento à Mesa Diretora da Câmara dos Deputados solicitando a prorrogação – por 60 dias – dos trabalhos CPI.

Março de 2017 – Presidente do Incra, Leonardo Góes, abre sindicância interna para apurar supostas irregularidades, denunciadas pelo deputado federal Alceu Moreira, no processo administrativo de titulação do território do quilombo do Morro Alto.

Março de 2017 – Nota da Confederação Nacional das Associações dos Servidores do Incra (Cnasi) manifesta indignação pela abertura da sindicância interna por parte da presidência do instituto e denuncia falta de fundamentação para o processo.

1º de janeiro de 2019 – No primeiro dia de seu governo, presidente Jair Bolsonaro publica Medida Provisória (MP) 870/2019 instituindo a organização básica dos órgãos da Presidência da República e dos Ministérios.

02 de janeiro de 2019 – Publicado Decreto 9.667/2019 aprovando a estrutura regimental do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e estabelecendo que o Incra fica vinculado ao referido ministério, bem como que o licenciamento ambiental em terras quilombolas deixa de ser prerrogativa da Fundação Cultural Palmares (FCP).

Março de 2020 – Superintendente Regional do Incra no RS publica relatório que acolhe as teses e questionamento do deputado federal Alceu Moreira, embora o prazo para contestações ao processo de titulação do Quilombo do Morro Alto já tivesse sido ultrapassado.

19 de agosto de 2021 – Sindicato Nacional dos Peritos Federais Agrários (SindPFA) manifesta, em nota, preocupação em relação ao trabalho do Incra na regularização fundiária de territórios quilombolas, por meio do que considera “auditorias destoantes a pareceres técnicos e jurídicos”.

11 de setembro de 2021 – Associação Comunitária Rosa Osório Marques e seus representantes Elizabete Alves, Jorge Odilon Gomes Costa, entre outros moradores, realiza reunião com participação do Conselho Estadual de Direitos Humanos (CEDH-RS) para apresentar ao CEDH-RS e à Rede Nacional de Advogadas/os Populares (Renap) a situação do processo de titulação do território quilombola.

10 de janeiro de 2022 – 9ª Vara da Justiça Federal em Porto Alegre determina por meio de liminar que o Incra interrompa licitação para contratação de empresa para elaboração de novo relatório antropológico para identificação e delimitação de território do Quilombo Morro Alto.

11 de abril de 2023 – A terceira turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) mantém liminar de 10 de janeiro de 2022.

23 de abril de 2023 – 9ª Vara da Justiça Federal em Porto Alegre determina suspensão de licenças ambientais para construção de empreendimentos imobiliários em área da Comunidade Quilombola do Morro Alto.

 

Fontes

APERS realiza pesquisa para a regulamentação do Quilombo do Morro Alto. Arquivo Público do Rio Grande do Sul (Apers), 04 abr. 2012. Disponível em: https://bit.ly/3Waj9B2. Acesso em: 16 maio 2023.

ASSOCIAÇÃO DA COMUNIDADE MORRO ALTO. Quilombo Morro Alto fala à população. Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva, 07 out. 2011. Disponível em: http://goo.gl/oylQF. Acesso em: 19 jan. 2012.

AUDIÊNCIA Pública debate titulação de Quilombos no RS. Áfricas, 22 set. 2011. Disponível em: https://bit.ly/3OswT6z. Acesso em: 8 ago. 2023.

BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Agrário. Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. Incra publica relatório técnico de comunidade quilombola no RS. 15 mar. 2011. Disponível em: http://goo.gl/31J78. Acesso em: 19 jan. 2012.

BRASIL. Ministério Público Federal. Ação Civil Pública: MPF/Núcleo de Comunidades Indígenas e Minorias Étnicas X DNIT e IBAMA. Disponível em: http://goo.gl/baPX8. Acesso em: 25 jan. 2010.

COMBATE RACISMO AMBIENTAL. QUILOMBOLAS de Morro Alto no RS pedem apoio para reunião amanhã 10/03. 09 mar. 2011. Disponível em: https://bit.ly/3sbbgjG. Acesso em: 08 ago. 2023.

COMUNIDADE luta há 20 anos pela titulação do Quilombo Morro Alto, no litoral do Rio Grande do Sul. Conselho Estadual de Direitos Humanos (RS), 15 set. 2021. Disponível em: https://bit.ly/3HEhoGh. Acesso em: 08 ago. 2023.

COORDENAÇÃO NACIONAL DE ARTICULAÇÃO DAS COMUNIDADES NEGRAS RURAIS QUILOMBOLAS et al. Comunicação à OIT (protocolada em 01/09/2008) sobre o não cumprimento pelo Estado brasileiro da Convenção 169 da OIT, sobre povos indígenas e tribais. Disponível em: https://bit.ly/3rYSTyt. Acesso em: 25 jan. 2010.

COSTA, Luiz. Um golpe contra os quilombolas de Morro Alto? Catarse Coletivo de Comunicação, 28 set. 2011. Disponível em: https://bit.ly/3rZIClI. Acesso em: 08 ago. 2023.

FAGUNDES, Luciane. Quilombolas pedem retomada do processo de titulação de Morro Alto. Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, Comissão de Cidadania e Direitos Humanos, 23 set. 2011. Republicado por Combate Racismo Ambiental. Disponível em: https://bit.ly/3OuYSTg. Acesso em: 08 ago. 2023.

FERREIRA, Mariani. Manifestação no Incra pede a titulação do Quilombo Morro Alto. 29 set. 2011. Disponível em: http://goo.gl/8Wb8k. Acesso em: 19 jan. 2012.

GOMES, Carlos Osmar V. Quilombo Morro Alto. Juntando Rimas, s/d. Disponível em: https://bit.ly/41b8jeW. Acesso em: 16 maio 2023.

JFRS determina que Incra interrompa licitação para elaboração de novo relatório antropológico para demarcação do Quilombo de Morro Alto. Justiça Federal do Rio Grande do Sul, 19 ago. 2021. Disponível em: https://bit.ly/3KyG1po. Acesso em: 08 ago. 2023.

JUSTIÇA determina continuidade da titulação de terras do quilombo do Morro Alto, em Osório. Sul 21, 12 abr. 2023. Disponível em: https://bit.ly/424aSR7. Acesso em: 16 maio 2023.

JUSTIÇA suspende decreto e licenças que permitiam construção no Quilombo do Morro Alto (RS). Brasil de Fato, 24 abr. 2023. Disponível em: https://bit.ly/3LDlwY2. Acesso em: 16 maio 2023.

MULLER, Cintia Beatriz. Comunidade Remanescente de Quilombos de Morro Alto: Uma análise etnográfica dos campos de disputa em torno da construção do significado da identidade político-jurídica de “remanescentes de quilombos” – Tese apresentada ao programa de Pós Graduação em Antropologia Social do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas CPISP/Comunidades Quilombolas do Estado do Rio Grande do Sul. Os impactos das estradas. Disponível em: https://bit.ly/3DQ0gLr. Acesso em: 25 jan. 2010.

NOTA sobre processos de demarcação de territórios quilombolas. Sindicato Nacional dos Peritos Federais Agrários – SindPFAvgo. 2021. Disponível em: https://bit.ly/3pdg8Ds. Acesso em: 08 ago. 2023.

OBSERVATÓRIO QUILOMBOLA. RS – Incra irá cadastrar famílias do Quilombo Morro Alto. 07 abr. 2008. Disponível em: . Acesso em: 25 jan. 2010.

OLIVEIRA, Samir. Comunidade quilombola de Morro Alto aguarda titulação de terras. Sul 21, 03 jan. 2013. Disponível em: https://bit.ly/3ATEqVO. Acesso em: 16 maio 2023.

PORTO, Marcelo F.; ROCHA, Diogo F. e FASANELLO, Marina T. Saúde, ecologias e emancipação: conhecimentos alternativos em tempos de crise(s). São Paulo: Hucitec; 2021.

QUILOMBO Morro Alto – Reconstrução da Associação. Vakinha, 24 abr. 2023. Disponível em: https://bit.ly/3LWL2Jm. Acesso em: 16 maio 2023.

QUILOMBOLAS desocupam sede do Incra no Rio Grande do Sul. Canal Rural, 06 out. 2021. Disponível em: https://bit.ly/3OKwBJS. Acesso em: 07 ago. 2023.

QUILOMBOLAS de Morro Alto no RS pedem apoio para reunião amanhã 10/03. Combate Racismo Ambiental, 09 mar. 2011. Disponível em: http://goo.gl/orW3s. Acesso em: 19 jan. 2012.

RS – Incra irá cadastrar famílias do Quilombo Morro Alto. Observatório Quilombola, 07 abr. 2008. Disponível em: http://goo.gl/7iuaQ. Acesso em: 25 jan. 2010.

SOTER, Nara Núbia. Quilombolas realizam ato em Morro Alto. Consciência.net, set. 2005. Disponível em: http://goo.gl/1ohci. Acesso em: 25 jan. 2010.

SANTANA, Renato. Ruralista pede prorrogação da CPI Funai/Incra e interfere em demarcação de quilombo. Conselho Indigenista Missionário, 14 maio 2017. Disponível em: https://bit.ly/3pczpoQ. Acesso em: 16 maio 2023.

SINDICATO NACIONAL DOS PERITOS FEDERAIS AGRÁRIOS – SINDPFA. Nota sobre processos de demarcação de territórios quilombolas. Sindicato Nacional dos Peritos Federais Agrários – SindPFA, 19 ago. 2021. Disponível em: https://bit.ly/3pdg8Ds. Acesso em: 16 maio 2023.

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *