RS – Comunidade Quilombola de Areal da Baronesa solicita título de posse coletiva do território
UF: RS
Município Atingido: Porto Alegre (RS)
Outros Municípios: Porto Alegre (RS)
População: Quilombolas
Atividades Geradoras do Conflito: Atuação de entidades governamentais, Especulação imobiliária
Impactos Socioambientais: Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, Falta / irregularidade na demarcação de território tradicional, Falta de saneamento básico, Inundações e enchentes
Danos à Saúde: Piora na qualidade de vida
Síntese
O Areal da Baronesa é um quilombo urbano localizado na cidade de Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Há muitos anos, a região onde está localizado é reconhecida como um dos principais e mais antigos redutos negros de Porto Alegre, principalmente pela influência de seus moradores na música popular, pela religião e pela tradição de seu carnaval de rua. Segundo a Companhia de Processamento de Dados do Município de Porto Alegre (PROCEMPA), “historicamente, esta área ficou na memória dos habitantes da cidade, principalmente os antigos carnavalescos, como Areal da Baronesa, um dos mais antigos arraiais de Porto Alegre”. Atualmente, ocupa área na Avenida Luís Guaranha, de pouco mais de cinco mil metros quadrados de extensão, entre dois bairros de classe média: a Cidade Baixa e o Menino Deus. Conforme afirmam Pereira e Ribeiro (2013), “as primeiras casas da, oficialmente denominada, Avenida Luís Guaranha ainda preservam as fachadas do ‘tempo da baronesa’: são casas geminadas, cada uma de uma cor diferente com detalhes típicos de casarões do século XIX”. Desde aquele século, a região apresenta aspectos da identidade cultural e étnica negra, configurando-se como um território à parte da cidade, devido à sua especificidade sociocultural.
Existem aproximadamente 67 famílias hoje na comunidade, em sua maioria pobres e afrodescendentes. O terreno onde se localiza o quilombo do Areal fora de domínio do Barão e da Baronesa do Gravathay, no século XIX. Com base nos estudos de Pereira e Ribeiro (2013) e de Marques (2006), ao ficar viúva e enfrentar uma série de dificuldades em administrar o local, a Baronesa passou a vender os lotes para escravos alforriados, no final do século XIX. Este processo se intensificou com o falecimento da Baronesa. Grande parte do terreno passou a ser de propriedade do sapateiro e viajante Luís Guaranha. Quando Guaranha faleceu, cedeu o terreno para a Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre. Atualmente, a área é administrada pelo Departamento Municipal de Habitação (DMHAB), da Prefeitura de Porto Alegre.
O território, que fora ocupado por negros, pobres e ex-escravos, foi alvo de classificações depreciativas e de medidas higienistas ao longo do século XX, segundo apontou Olavo Marques (2006). Com o crescimento econômico e a expansão urbana de Porto Alegre, os ocupantes sofreram um movimento de expulsão do centro, que passou por processos de remodelação urbana: foram retirados do núcleo central da cidade e empurrados para as periferias da cidade. De acordo com a PROCEMPA, “com o adensamento populacional, e a abertura de ruas perimetrais, a Cidade Baixa (no início do século XX) tornou-se uma zona contínua ao perímetro urbano, ocupada por outros segmentos da população. Mas o Areal, com suas precárias condições de saneamento e salubridade, continua sendo moradia da população pobre de descendentes de africanos”.
Apesar dos processos de segregação socioespacial e de especulação imobiliária que buscam homogeneizar e, ao mesmo tempo, remover as populações pobres e negras do centro da cidade, a comunidade do Areal vem, ao longo dos anos, se mobilizando e resistindo. Através, principalmente, da Associação Comunitária e Cultural Quilombo do Areal (associação de moradores), luta pela permanência no local, visando melhorias junto ao poder público e reivindicando a sua territorialidade negra. A comunidade, que se considera reminiscência viva do Areal da Baronesa, recebeu, em 2003, o certificado de quilombo urbano pela Fundação Cultural Palmares – FCP.
Após mais de uma década de tramitação do processo de titulação do território, em fevereiro de 2014, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA/RS) publicou a Portaria 76, que reconheceu como terras remanescentes de quilombos uma área de 4.466,23 metros quadrados do Areal da Baronesa. A comunidade agora aguarda os desdobramentos do encaminhamento do Projeto de Lei para a Câmara Municipal, solicitando o título de posse coletiva da área, a ser concedido à associação de moradores.
Contexto Ampliado
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Apesar da ocorrência de comunidades quilombolas estar, no senso comum ou no imaginário social, associada a grupos isolados, especialmente localizados em zonas rurais, há diversos quilombos em centros urbanos, formados especialmente entre os séculos XVIII e XIX, em diversas cidades do país, segundo aponta a Comissão Pró-Índio de São Paulo. Os escravos, ao fugirem da opressão dos seus senhores, ou ao conquistarem sua alforria, muitas vezes através do próprio trabalho, escolhiam permanecer na cidade, já que estavam pouco acostumados com o meio rural, fator que incentivou o agrupamento em tais comunidades. Só no Rio Grande do Sul, podem ser encontrados, por exemplo, quilombos nas cidades de Canoas, Rio Pardo, Rio Grande, Viamão e na própria capital, Porto Alegre. No que se refere aos quilombos urbanos de Porto Alegre, é conhecida a existência de cinco comunidades autorreconhecidas: Alpes, Vila dos Sargentos, Família Fidélix, Família Silva e Areal da Baronesa. Estas e outras comunidades se organizam por meio de uma coordenação regional metropolitana que compõe a Federação das Associações das Comunidades Quilombolas do Rio Grande do Sul (COMISSÃO PRÓ-ÍNDIO DE SP, s/d). Nesta análise, o enfoque é dado ao quilombo urbano conhecido como Areal da Baronesa.
A região onde se localiza atualmente o Quilombo Areal da Baronesa é, há muito tempo, reconhecida como um dos principais redutos negros de Porto Alegre, principalmente pela música popular, pela religião e pelo carnaval de rua, sendo este considerado um dos mais antigos arraiais da cidade. Tendo sua origem no século XVIII, o arraial consistia numa área bem mais extensa do que o que hoje se resume ao beco onde está localizado o Areal da Baronesa (Avenida Luís Guaranha); inicialmente, se originava na Rua do Arvoredo (atual Rua Fernando Machado).
Em meados do século XIX, o arraial já possuía um maior número de ruas, que eram abertas diante da necessidade dos proprietários de pequenas chácaras em escoar alimentos para o centro da cidade. Apresentando aspectos da identidade cultural e étnica negra, passou a ser conhecido como Emboscadas. O local servia de refúgio para os escravos evadidos da servidão. Compunha-se de mata cerrada, moitas, capões e acidentes do relevo, muitas vezes sendo usado como esconderijo de criminosos, segundo cronistas da época, o que caracterizava a área como sinistra e perigosa. Assim, o Areal sempre foi tratado como um espaço à parte de Porto Alegre, devido à sua especificidade sociocultural.
Conforme indica a Companhia de Processamento de Dados do Município de Porto Alegre (PROCEMPA), na região, existia um arroio de 20 quilômetros de curso que nascia em Viamão e percorria a Cidade Baixa antes de chegar ao Guaíba, o Riachinho, que provocava constantes alagamentos, principalmente na Rua da Margem (atual Rua João Alfredo). À época, no ponto mais extremo sul da Cidade Baixa, havia uma porção de terra conhecida como Ilhota, que com as cheias do Rio Guaíba, formava uma verdadeira ilha, habitada por população pobre. Na margem esquerda da Ilhota, ficava o local conhecido por Arraial (ou Areal) da Baronesa, onde atualmente situa-se a Praça Cônego Marcelino, e as ruas Baronesa do Gravataí, Barão do Gravataí, Cel. André Belo e Miguel Teixeira, e algumas transversais menores.
O quilombo Areal da Baronesa está atualmente limitado à Avenida oficialmente denominada como Luís Guaranha, próxima ao centro insular de Porto Alegre e localizada entre dois bairros residenciais de classe média: a Cidade Baixa e o Menino Deus; (também próximos ao bairro Praia de Belas). Esta limitação ocorreu em decorrência dos processos de remodelação urbana e de gentrificação da população que a região sofreu com o passar dos anos. Apesar disso, a Avenida Luís Guaranha permaneceu (PROCEMPA, s/d).
A avenida Luís Guaranha chama a atenção por suas características de ocupação urbana, pela malha viária, pela presença de diferentes estilos arquitetônicos e camadas sociais. Oficialmente, está situada no bairro Menino Deus, mas para os moradores é parte da Cidade Baixa, conforme aponta Marques (2006). A avenida possui uma extensão total de 5.210,75 m², onde habitam, em sua maioria, pessoas pobres e afrodescendentes que se identificam como reminiscência viva do arraial. Segundo Pereira e Ribeiro (2013), as primeiras casas do local ainda preservam as fachadas antigas: são casas geminadas, com cores diferentes e detalhes típicos de casarões do século XIX.
Conforme o relatório sócio-histórico-antropológico, que é parte do RTID (Relatório Técnico de Identificação e Delimitação) – realizado por pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, sob coordenação da antropóloga Denise Jardim -, a área foi de domínio do senhor João Batista Pereira e da Senhora Maria Emília Pereira, que ali mantinham uma chácara, e onde foi construído um palacete na década de 1820. Na mansão em que morava a família, hoje fica a Fundação Pão dos Pobres. Além disso, também havia casarões e senzalas. Os proprietários receberam o título de Barão e Baronesa de Gravathay após terem hospedado Dom Pedro II em sua chácara. A referência para a atual denominação do local provém deste fato, mas também, da grande quantidade de areia que o fluxo do riacho depositava nas proximidades da sua foz com o Rio Guaíba; por isso, o nome Areal da Baronesa.
Foram vários os elementos que fizeram a Baronesa do Gravathay abrir mão de sua propriedade: as cheias do Areal e os frequentes alagamentos na chácara, a sua idade avançada, o fato de ter ficado viúva, a dificuldade para sanar dívidas e os parcos recursos financeiros, dentre outros motivos. Após um incêndio na mansão, ela entrou com um pedido na Câmara Municipal, em 1879, solicitando a divisão e o arruamento do local, possibilitando a venda em lotes. O pedido foi prontamente deferido. Aos poucos, as residências passaram a ser ocupadas por escravos alforriados, processo que se intensificou após a abolição da escravatura (1888) e o falecimento da baronesa; muitos eram ex-escravos alforriados da senzala da própria chácara, que passaram a trabalhar nos solares da região. Os escravos libertos, em sua maioria, migraram para as regiões centrais, passando a morar em casebres, pensionatos e quartos de aluguel, segundo informações da Companhia de Processamento de Dados do Município de Porto Alegre (PROCEMPA).
A ocupação de áreas, que hoje são consideradas centrais da cidade, se deu em vários pontos: no Beco do Oitavo, no Beco da Fortuna, na Rua Demétrio Ribeiro, na Rua Voluntários da Pátria, na Rua da Margem, na Rua Andradas e na atual Rua Dr. Flores. Todos estes locais se caracterizavam pelo intenso contato interétnico e sempre foram tratados por autoridades/cronistas/jornalistas de forma depreciativa: inabitáveis, nauseabundos, infectos, prenhes de podridão, imoralidade e miséria, conforme indicou Olavo Marques (2005). Ele também afirma que isto incentivou a prática de medidas sanitaristas e higienistas, com o objetivo de extinguir este tipo de habitação na área central.
Além de toda a imagem negativa sobre tais ocupações, com o crescimento econômico e espacial da cidade, acirrou-se ainda mais o processo de retirada dos segmentos pobres que ocupavam cortiços e porões do núcleo central da cidade. O autor também destaca que em Porto Alegre sempre existiu uma diferenciação entre a cidade alta, habitada por elites e setores abastados, e a cidade baixa, de terrenos de várzeas, ocupada por pobres, ex-escravos e escravos de ganho, onde eram construídas moradias de alugueis mais baratos. Desta forma, os negros foram aos poucos sendo empurrados para as regiões periféricas ao longo do século XX; o Areal se constituía num bairro adjacente do centro, que destoava do entorno na medida em que havia transformações na cidade.
O espaço onde hoje está delimitado o quilombo do Areal acabou se tornando propriedade do sapateiro e viajante Luís Guaranha. Ele alugava algumas peças do terreno para outros viajantes com baixa condição social. Porém, ao falecer, como não tinha herdeiros aturais, deixou o terreno e as casas como herança para a Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, exigindo apenas que, após sua morte, seu nome fosse dado à avenida.
A Santa Casa, então, passou a administrar o local, cobrando alugueis aos moradores, conforme narrado no estudo etnográfico de Marques (2006). Os moradores relatam que a Santa Casa era bastante flexível na cobrança de alugueis, tendo tolerância, inclusive, com atrasos no pagamento, que muitas vezes se estendiam por um longo período. Porém, a partir de um dado momento, uma imobiliária passou a intermediar as cobranças, de forma mais rígida e sendo pouco maleável com os inadimplentes, fato que passou a ameaçar os moradores de despejo.
Com o adensamento populacional e a abertura de ruas perimetrais, a Cidade Baixa (no início do século XX) tornou-se uma zona contínua ao perímetro urbano, ocupada por outros segmentos da população. Mas o Areal, com suas precárias condições de saneamento e salubridade, permaneceu sendo moradia da população pobre de descendentes de africanos. Felipe Prestes, do portal Sul21, ressaltou que, nesta época, especialmente entre as décadas de 1920 a 1950, o Areal da Baronesa passou a ser referência como um dos principais pontos de festejo do carnaval de rua na cidade.
Os aterros que foram feitos no Rio Guaíba e no Arroio Dilúvio, durante as décadas de 1940 e 1950, constituem algumas das principais intervenções urbanas que começaram a ser implementadas pelo poder público naquele século, contribuindo para a modificação da fisionomia anterior do bairro e de suas adjacências. Após isso, houve a Lei Municipal nº 2.002, de 07/12/1959, que definiu a área oficial do bairro Cidade Baixa, que está hoje circunscrito pelas perimetrais Aureliano de Figueiredo Pinto, Praia de Belas, Loureiro da Silva, Venâncio Aires e João Pessoa.
Já na década de 1970, houve a construção da I perimetral, concretizando um sistema viário radiocêntrico, já definido nos planos diretores da cidade desde a década de 1910; e o Projeto Renascença, que eliminou o antigo bairro da Ilhota e removeu a população para o bairro Restinga, bem afastado do centro.
Tais obras pretendiam reestruturar espacialmente a região; por isso, as renovações viárias, procurando solucionar problemas originados do crescimento populacional e do aumento da frota de veículos. Desta forma, a região onde se localiza o Areal foi progressivamente descaracterizada ao longo do século passado, especialmente devido às grandes obras de reestruturação urbana e de processos arbitrários de especulação imobiliária, resultando em marginalização e exclusão da população negra que ali residia.
Insatisfeita com a administração da imobiliária, a comunidade se rebelou e se mobilizou, pressionando a Prefeitura de Porto Alegre a resolver o impasse. Na década de 1980, houve uma permuta entre a Prefeitura e a Santa Casa, tendo sido cedido à Prefeitura um terreno em troca daquele existente na Luís Guaranha. Assim, o da Luis Garanha sua propriedade transferida para o Departamento Municipal de Habitação (DMHAB), e os moradores passaram a não mais pagar o aluguel, ocupando as casas em forma de usufruto familiar. Isto, juridicamente, impediu a venda, reforma ou reconstrução das casas, embora estas fossem práticas comuns no local.
Na década de 1980, quando se iniciou um processo de titulação de terras quilombolas, a tradição do local, de carnavais de rua e da cultura negra, foi a justificativa para a emissão de uma certidão provisória, conferida pela Fundação Cultural Palmares, reconhecendo aquela população como remanescente de quilombos.
Já na década de 1990, mais especificamente no ano de 1997, a Comunidade da Luís Guaranha, através de participação política de suas lideranças comunitárias, conquistou, dentro da demanda do Orçamento Participativo (OP), a construção de 12 novas casas no local, solicitando também sua regularização fundiária. A titulação passou a ser uma das buscas constantes da comunidade, especialmente diante da ofensiva dos processos de especulação imobiliária nas redondezas do Areal. Conforme dados publicados no jornal Folha de São Paulo, o bairro onde está localizado o quilombo tem um alto custo do metro quadrado, que chega em 2014 a R$ 6.000. Ademais, está cercado por condomínios e locais movimentados, como shoppings e prédios públicos. A poucas quadras do quilombo, o preço dos imóveis supera os 500 mil reais. Estes elementos impulsionaram ainda mais a comunidade na busca pela titulação.
Segundo atestaram Tocchetto e Santos (2006), a partir do contato com a Fundação Palmares e através do encaminhamento da documentação referente à história da região do Areal, a comunidade se autorreconheceu como quilombo urbano, tendo recebido certificação no dia 03 de junho de 2003. Tal reconhecimento foi mediado por políticos e militantes do Movimento Negro. Moradores entrevistados por Marques (2006) ressaltaram a importância da dissertação da pesquisadora Jane Rocha de Mattos, defendida na Pontifícia Universidade Católica (PUC/RS) no ano 2000, no apoio para este reconhecimento.
A certificação como comunidade remanescente de quilombos possibilitou ao local um maior acesso às políticas públicas. Um exemplo é a assistência domiciliar da população pelo Programa Saúde da Família (PSF), do governo federal; outro, é o incentivo à realização de atividades na sede da Associação Comunitária e Cultural Quilombo do Areal, na qual são oferecidos cursos, palestras e atividades educacionais direcionadas a idosos, crianças e jovens; reuniões com diversos setores da Prefeitura para discutir as demandas dos moradores; além de atividades culturais. Com a identificação, foi possível reivindicar o reconhecimento como remanescente de quilombo e atrair maior visibilidade junto ao poder público, no intuito de angariar recursos e obras para melhorar as condições de vida dos moradores.
Entretanto, apesar do presidente da Associação de Moradores, Alexandre Ribeiro, afirmar que a comunidade recebe apoio da Fundação de Assistência Social e Cidadania (FASC), órgão vinculado à Prefeitura, como o terreno pertence ao DMHAB e os moradores são apenas posseiros das residências, juridicamente, eles dependem do órgão para a realização de construções ou reformas, muitas vezes urgentes, vista a precariedade de muitas habitações. Mas o Departamento de Habitação demonstra descaso com estes problemas. Segundo estudo de Marques (2005;2006), os técnicos do DMHAB indicaram obras em vias de execução pela Prefeitura, como a reconstrução de casas muito deterioradas no fundo do beco ou a reconstrução da sede da Associação de Moradores, conforme demanda da comunidade colocada no OP. Os técnicos, por sua vez, revelaram que não havia verba suficiente para todas as obras necessárias, apenas para a reconstrução da sede. Esta obra, que estava prevista para ser finalizada até 2004, não foi realizada como o previsto.
Outra questão polêmica, indicada por Marques (2005), seria uma pressão pelo próprio DMHAB em adequar a Avenida Luís Guaranha aos padrões arbitrários da urbanística moderna, pois só assim faria sentido a permanência desta avenida numa região central da cidade. Portanto, o que Olavo Marques concluiu em sua pesquisa foi que havia uma progressiva busca de esquadrinhamento e homogeneização das feições desconexas e incoerentes da cidade, aliado ao fator de progressiva remoção das populações pobres e afrodescendentes do centro para regiões periféricas. Contudo, isso não se daria sem mobilização e resistência por parte dos moradores do Areal da Baronesa, que buscam permanecer no local onde está enraizada a territorialidade negra.
A partir de um estudo quanti-qualitativo sobre a população quilombola de Porto Alegre, coordenado por Gehlen (2008) e citado por Costa (2008), tem-se a informação de que, naquele ano, no quilombo do Areal, residiam 256 habitantes, divididos em 71 famílias e 60 residências. De acordo com o estudo, a maior parte dos responsáveis está na faixa etária entre 45 e 59 anos. Porém, a maioria dos moradoressão crianças entre 0 e 11 anos (39%) e adolescentes e jovens entre 12 e 24 anos (42,4%). A maior parte dos domicílios é chefiada por mulheres, perfazendo um total de 66,2%, contra 33,8% chefiados por homens. Dos chefes de família, 31% nasceram no quilombo e lá permaneceram. A renda média mensal de 81% das famílias é de até quatro salários mínimos, destoando bastante do bairro Menino Deus, cuja renda gira em torno de 15,6 salários mínimos.
Apesar da luta pela regularização ter se prolongado por quase uma década, com certificação conquistada em 2003, foi no ano de 2005 que a comunidade do Areal deu entrada, junto ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA/RS), ao procedimento administrativo para a regularização do seu território, assegurando seus direitos constitucionais e demandando também inclusão social e garantia de condições adequadas de reprodução física e sociocultural. Diversos estudos foram produzidos sobre o quilombo, como o relatório antropológico, elaborado por pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), coordenados pela professora Denise Jardim.
Em 27 de agosto de 2009, a Superintendência Regional do INCRA no Rio Grande do Sul e a Prefeitura de Porto Alegre assinaram um protocolo de cooperação para a execução de ações de identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das áreas ocupadas por remanescentes de quilombos na capital gaúcha. Este protocolo previu a cooperação – através de um grupo interinstitucional formado por técnicos do INCRA e da Prefeitura – para elaborar relatórios antropológicos, levantamento fundiário, plantas e memoriais descritivos dos perímetros das áreas, bem como cadastramento de famílias e avaliação dos imóveis reivindicados pelas comunidades. Além disso, priorizou a implementação de políticas públicas voltadas para tais comunidades. Sua vigência estava prevista até dezembro de 2012.
Em 06 de março de 2012, foi instituída uma equipe multidisciplinar do INCRA/RS para a realização de um Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) da área do Areal a ser regularizada. No ano de 2013, foram realizadas diversas reuniões entre a Secretaria Municipal de Direitos Humanos, a Secretaria Municipal da Fazenda, o DEMHAB e o INCRA, a fim de dar celeridade ao processo de regularização que tramitava desde 2005.
No dia 16 de julho de 2013, o INCRA/RS tornou público, por meio do Diário Oficial, que o processo referente à regularização fundiária da área reivindicada pela Comunidade Remanescente de Quilombo do Areal da Baronesa/Luís Guaranha tramitava naquela Superintendência. O território a ser titulado possuía 4.466,23 m². Neste momento, são contabilizadas 67 famílias morando no local, conforme informações do presidente da associação de moradores, Alexandre Ribeiro.
O RTID do INCRA foi publicado, na mesma época, em 18 de julho de 2013. Faltava apenas a publicação de uma portaria e de um decreto que previa a desapropriação da área pelo governo federal. A Prefeitura de Porto Alegre, através da Procuradoria Setorial da Secretaria Municipal de Direitos Humanos, manifestou-se favorável à demarcação feita pelo INCRA, reconhecendo a área do Quilombo do Areal da Baronesa como terra de remanescentes quilombolas.
A Portaria 76 do INCRA foi finalmente publicada no dia 14 de fevereiro de 2014, reconhecendo e declarando como terras das comunidades remanescentes de quilombos do Areal da Baronesa a área de 4.466,23 metros quadrados. No dia 24 de fevereiro de 2014, ocorreu um ato na comunidade para anunciar o processo que resultou na Portaria 76 – expedida pelo INCRA – e o encaminhamento do Projeto de Lei para Câmara Municipal solicitando o título de posse coletiva da área, o qual será concedido à Associação de Moradores.
Na solenidade, estavam presentes o Prefeito de Porto Alegre, José Fortunati (PDT), o Ministro do Desenvolvimento Agrário, Pepe Vargas, a Ministra da Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), Luiza Bairros, o Secretário Municipal de Direitos Humanos, Luciano Marcantônio e a Secretária de Direitos Humanos Adjunta do Povo Negro, Elisete Moretto. O prefeito fez um pedido para que a Câmara avaliasse o processo com urgência, mas até o momento não há novidades a respeito.
Cronologia
Século XVIII Origem do Quilombo Areal da Baronesa.
Século XIX – O local passa a ser conhecido como Emboscadas.
Ocorre a abertura de ruas, permitindo o escoamento de alimentos das chácaras para o centro da cidade.
Década de 1820 É construído o palacete de domínio do Senhor João Batista Pereira e da Senhora Maria Emília Pereira (Barão e Baronesa do Gravathay), que ali mantinham uma chácara.
1879 Baronesa do Gravathay solicita à Câmara Municipal a divisão e o arruamento do local, possibilitando a venda em lotes.
1888 Abolição da escravatura e ocupação dos lotes da área por ex-escravos alforriados.
1940 a 1950 – Construção de aterros no Rio Guaíba e no Arroio Dilúvio com os primeiros movimentos de expulsão dos negros para as áreas periféricas.
07 de dezembro de 1959 – Lei Municipal nº 2.002 define a área oficial do bairro Cidade Baixa, que está hoje circunscrito pelas perimetrais Aureliano de Figueiredo Pinto, Praia de Belas, Loureiro da Silva, Venâncio Aires e João Pessoa.
Década de 1970 – É construída a I perimetral e realizado o Projeto Renascença, que eliminou o antigo bairro da Ilhota e removeu a população para o bairro Restinga.
Década de 1980 Ocorre uma permuta entre a Prefeitura de Porto Alegre e a Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, administradora do terreno existente na Luís Guaranha; a propriedade é transferida para o Departamento Municipal de Habitação (DMHAB).
– É emitida uma certidão provisória, conferida pela Fundação Palmares, reconhecendo aquela população como remanescente de quilombos.
1997 – A Comunidade da Luís Guaranha, através do Orçamento Participativo (OP), conquista a construção de 12 novas casas no local e solicita a regularização fundiária, a reforma e o tombamento do antigo casarão da baronesa.
03 de junho de 2003 É encaminhada a documentação histórica do Areal à Fundação Palmares, que valida o autorreconhecimento como quilombo urbano, através da emissão de um certificado.
2005 – Comunidade do Areal dá entrada, junto ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA/RS), ao procedimento administrativo para a regularização do seu território.
27 de agosto de 2009 – INCRA/RS e Prefeitura de Porto Alegre assinam um protocolo de cooperação para a execução de ações de identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das áreas ocupadas por remanescentes de quilombos na capital gaúcha.
06 de março de 2012 É instituída uma equipe multidisciplinar do INCRA/RS para a realização de um Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) da área do Areal a ser regularizada.
2013 São realizadas diversas reuniões entre a Secretaria Municipal de Direitos Humanos, a Secretaria Municipal da Fazenda, o DEMHAB e o INCRA, a fim de dar celeridade ao processo de regularização que tramitava desde 2005.
16 de julho de 2013 – INCRA/RS torna público o processo referente à regularização fundiária da área reivindicada pela Comunidade Remanescente de Quilombo do Areal da Baronesa/Luís Guaranha, tramitando naquela Superintendência.
18 de julho de 2013 RTID é publicado no Diário Oficial.
14 de fevereiro de 2014 – Portaria 76 do INCRA é publicada, reconhecendo e declarando como terras das comunidades remanescentes de quilombos do Areal da Baronesa uma área de 4.466,23 metros quadrados.
24 de fevereiro de 2014 – É realizado um ato de anúncio na comunidade do processo que resultou na Portaria 76, expedida pelo INCRA, e no encaminhamento do Projeto de Lei para Câmara Municipal solicitando o título de posse coletiva da área a ser concedido à Associação d Moradores.
Fontes
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