RR – População, pescadores e povos indígenas são contra instalação de hidrelétrica

UF: RR

Município Atingido: Caracaraí (RR)

Outros Municípios: Boa Vista (RR), Bonfim (RR), Cantá (RR), Iracema (RR), Mucajaí (RR)

População: Agricultores familiares, Comunidades urbanas, Pescadores artesanais, Povos indígenas, Ribeirinhos

Atividades Geradoras do Conflito: Barragens e hidrelétricas

Impactos Socioambientais: Alteração no ciclo reprodutivo da fauna, Assoreamento de recurso hídrico, Falta / irregularidade na demarcação de território tradicional, Inundações e enchentes, Poluição de recurso hídrico, Poluição do solo

Danos à Saúde: Insegurança alimentar, Piora na qualidade de vida

Síntese

Roraima é o único Estado que não está integrado ao Sistema Interligado Nacional – SIN de energia elétrica. Suas principais fontes de geração de energia são usinas termoelétricas e um acordo com a Venezuela para compra de energia do Complexo Hidrelétrico de Guri e Macaguá, da estatal venezuelana Corporación Eléctrica Nacional (Corpoelec). A partir dessa justificativa, o Governo Federal propôs em 2011, e reapresentou o projeto em 2019, da construção da Usina de Hidrelétrica de Bem Querer.

Entretanto, a construção da hidrelétrica seria no rio Branco, cuja bacia hidrográfica é considerada pela população de Roraima patrimônio natural e cultural. Além disso, a implantação do empreendimento afetaria as Corredeiras de Bem Querer e o sítio arqueológico ali localizado.

Com o objetivo de impedir a instalação da usina, o movimento Puraké, juntamente com outras entidades, organizou atos e audiências públicas que tinham como objetivo promover o diálogo com a população sobre os impactos do empreendimento. Pescadores e povos indígenas também estariam receosos quanto à sua implantação, pois os impactos da hidrelétrica afetariam seus modos de vida tradicionais.

Contexto Ampliado

O Rio Branco é considerado patrimônio natural do Estado pela população de Roraima, e é utilizado como fonte de alimentação, meio de transporte fluvial e para práticas culturais locais. A história de Roraima está associada com a navegação no rio Branco, pois foi a partir dele que se iniciou a colonização do território que viria a ser reconhecido como Estado em 1973. Entre o período de 1903 e 1988, o atual Estado de Roraima ficou conhecido como Território Federal do Rio Branco. Esta homenagem demarca a importância do rio para a região.

Além disso, o rio Branco, historicamente, era o canal de navegação fluvial pelo qual o gado e produtos em geral eram transportados de Roraima para Manaus e vice-versa. Por muitos anos, essa era a única forma possível para se chegar às terras do Estado. O rio ainda é utilizado pela população como meio de transporte. Mesmo com uma ponte interligando a capital ao Estado do Amazonas, seus residentes continuam a navegá-lo de barcos e canoas, que levam pessoas e mercadorias às comunidades rurais, indígenas e ribeirinhas.

Além disso, esse rio é visto como parte da cultura e da economia pela população de Roraima, em especial entre aqueles que vivem no município de Caracaraí, pelo potencial de pesca, acesso aos espaços de agricultura familiar, de circulação de pessoas, de bens, de lazer e turismo que propicia.

O rio também possui alta relevância para as populações tradicionais, ribeirinhas e indígenas que habitam a região, pois é a partir dele que essas comunidades retiram parte do sustento e promovem a manutenção dos seus modos de vida.

De acordo com as pesquisadoras Tainara Castelo Branco, Nelita Franco e Arlete Souza (2019), os pescadores possuem uma forte relação de pertencimento com o rio Branco, tanto devido às suas corredeiras, quanto devido aos usos de pesca e navegação. Segundo elas, a ligação desses sujeitos com o curso d’água é forte, pois é nele que o lugar marca sua existência. Além disso, o rio também é o porto seguro do pescador, é nele que retiram os peixes que garantem a sua segurança alimentar e subsistência.

Segundo o site do Governo do Estado de Roraima, através da Secretaria de Estado do Planejamento e Desenvolvimento (SEPLAN), as corredeiras do Bem Querer, situadas na margem direita do rio Branco, localizadas no município de Caracaraí, encontram-se a 125km de Boa Vista, no centro-sul do Estado. A região das corredeiras também contém pinturas rupestres e vestígios dos habitantes originais de Roraima.

Considerada um santuário ecológico, é ao mesmo tempo atração turística pelas praias formadas nas margens do rio e pelo potencial de práticas de esportes radicais nas águas. Além disso, ressalta-se que rio Branco é o principal manancial de água potável de Roraima. Além do mais, as Corredeiras do Bem Querer são ideais para a prática de canoagem e caiaque, pois o local é o único trecho do rio em que há grande quantidade de blocos de rochas formando corredeiras e cachoeiras durante o verão.

O sítio arqueológico das Corredeiras do Bem Querer contém vestígios impressos nas rochas denominadas de bacias de polimento, local onde os grupos humanos ancestrais produziam seus instrumentos de pedra polida para atender suas necessidades cotidianas. Ademais, há sítios onde foram encontrados vestígios cerâmicos e signos gravados com pigmento de cor avermelhada e vários outros tipos de vestígios nas margens.

Segundo as pesquisadoras Tainara Branco, Nelita Frank e Arlene Souza (2019), o sítio arqueológico Corredeiras do Bem-Querer foi reconhecido como Patrimônio Material pelos legisladores na constituição estadual de Roraima, em 31 de dezembro de 1991, em seu Art. 159, no qual está exposto:

“Constituem patrimônio histórico, turístico, social, artístico, ambiental e cultural roraimense os bens de natureza material e imaterial, de interesse comum a todos, tombados individualmente ou em seu conjunto, que contenham referência à identidade, à ação e à memória dos diferentes grupos étnicos formadores da sociedade roraimense, nos quais se incluem: (…) inciso IV – as corredeiras do Bem-Querer, em Caracaraí; e Garã-Garã e Sete Quedas, em Uiramutã”.

Além do mais, em 31 de outubro de 2007, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) inscreveu o Sitio Arqueológico das Corredeiras no Cadastro Nacional de Sítios Arqueológicos (CNSA) com Proteção Legal Estadual, conforme divulgado no site do IPHAN, sendo considerado de alta relevância.

Apesar disso, todo esse patrimônio está ameaçado pelo projeto de construção de uma usina hidrelétrica no rio Branco, proposto pelo Governo Federal, em 2011, pela então presidente Dilma Rousseff no âmbito da Segunda Etapa do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC2).

Em 14 de setembro de 2011, o projeto do senador Augusto Botelho (do Partido Social Democrático – PSD), que previa a retirada do status de patrimônio natural das corredeiras do Bem Querer, foi aprovado, com a justificativa da necessidade de aproveitamento hidrelétrico do rio Branco para o abastecimento de energia em Roraima.

Assim, no dia 29 de junho de 2012, segundo os pesquisadores Mariana Dias e Raul Ivan Raiol de Campos, o movimento Puraké publicou um manifesto em seu blog explicando o motivo de seu surgimento. Segundo o manifesto, o objetivo da organização seria a defesa do rio Branco, pois a organização considerava-o como o maior patrimônio natural do povo de Roraima.

Sintonizada aos objetivos do Governo Federal, em 23 de outubro de 2012, de acordo com o movimento Puraké, a Assembleia Legislativa do Estado de Roraima (ALERR) aprovou o Projeto de Emenda Constitucional nº3, que alterou os incisos IV e XII do artigo 159 da Constituição do Estado, a partir da qual se retirou o tombamento das corredeiras Bem Querer numa faixa de 500 metros a partir das margens do rio Branco, bens anteriormente protegidos pela carta magna do Estado. A partir desse ato, tornou-se legalmente viável o projeto da usina hidrelétrica Bem Querer no rio Branco.

Segundo notícia publicada no site do Ministério Público Federal (MPF), no dia 26 de outubro, o MPF, por meio do procurador da República Fernando Machiavelli Pacheco expediu uma recomendação ao IPHAN para que o órgão adotasse medidas para a proteção do patrimônio arqueológico existente no local. Além disso, o MPF recomendou que o Serviço do Patrimônio da União no Estado (SPU/RR) requisitasse a titulação da área correspondente ao sítio arqueológico das corredeiras do Bem Querer para registro junto ao Cartório de Registro de Imóvel.

De acordo com o documento do MPF, a Lei nº 3.924/1961 protege os sítios arqueológicos do Brasil, independentemente de tombamento ou cadastramento. Além disso, o Decreto 6.754/2009 estabeleceu que a transferência das terras públicas da União ao Estado de Roraima excluiu as áreas afetadas ao uso comum ou especial do povo, que é o caso do sítio arqueológico das Corredeiras do Bem Querer.

Por meio da recomendação, o procurador Fernando Pacheco definiu que o IPHAN e o Serviço do Patrimônio da União (SPU) teriam 10 dias para se manifestarem sobre o cumprimento da recomendação, e 60 dias para apresentarem informações sobre as ações adotadas para a proteção do sítio arqueológico. Caso não cumprissem os termos do documento, os órgãos poderiam sofrer ações judiciais para reparação de danos causados pelas condutas ilícitas, além da apuração da responsabilidade civil e criminal dos agentes públicos envolvidos.

Concomitantemente à atuação no MPF, no dia 31 de outubro de 2012, foi protocolado no IPHAN uma abertura de pedido de tombamento do sítio Corredeiras do Bem Querer através de um abaixo assinado promovido pelo Movimento Puraké, que mobilizou a população contra a construção da hidrelétrica. O documento tinha como objetivo a preservação das corredeiras como um relevante local de importância cultural, arqueológica, antropológica, ambiental, histórica e de valor simbólico e sentimental para a população.

No dia 13 de novembro, segundo o site do movimento Puraké, representantes de movimentos sociais e membros do poder público se reuniram na Federação do Comércio de Roraima (FECOR/RR) para discutir o projeto da construção da hidrelétrica nas corredeiras. Na notícia, a advogada Ana Paula Souto Maior, do Instituto Socioambiental (ISA), disse que os representantes dos movimentos proporiam ao Conselho Estadual das Cidades – presidido em 2012 por Eugênia Glaucy – audiências públicas nos municípios de Boa Vista, Iracema, Mucajaí e Caracaraí para discutir a alteração na Constituição Estadual feita pela ALERR.

Ainda segundo a advogada Souto Maior:

“Solicitamos que a Assembleia reverta sua decisão de retirar a proteção de um patrimônio cultural, histórico, ambiental e arqueológico até que a sociedade roraimense seja ouvida”.

As entidades que participaram da audiência foram: Movimento Puraké, Colônia de Pescadores Z-2 de Caracaraí, Central dos Assentados de Roraima (CAR), Diocese de Roraima, Movimento Nós Existimos, Centro de Ciências Humanas da Universidade Federal de Roraima (CCH/UFRR), Hutukara Associação Yanomami, ISA, Fórum da Juventude, entre outros.

Durante a audiência, a presidente do Conselho, Eugênia Glaucy, disse que a entidade estaria disponível para discutir as audiências públicas, já que seria uma política de interesse coletivo. Entretanto, segundo a presidente, “acima de tudo”, as audiências seriam sem posicionamento político do Estado, uma vez que a construção da hidrelétrica foi uma proposta do Governo Federal.

Ainda de acordo com a presidente Eugênia Glaucy:

“Sobre a alteração feita na referida lei, não podemos nos contrapor à decisão do Poder Legislativo, pois os deputados devem ter encontrado razões para a mudança. E a sociedade é quem pode avaliar a decisão. Como já dissemos, o Conselho estará aberto à discussão sobre o assunto”.

Durante a audiência, os movimentos entregaram uma carta aos conselheiros na qual reivindicaram a proteção das corredeiras, impedindo a sua destruição ou descaracterização. No final da reunião, ficou definido por unanimidade pelos representantes dos movimentos sociais que o Conselho convocaria uma audiência pública na ALERR, com o objetivo de aprofundar os debates sobre o assunto. A presidente se comprometeu a viabilizar a audiência junto aos deputados.

No dia 30 de novembro de 2012, o Movimento Puraké e outras organizações, entidades e a população em geral se reuniram na avenida Santos Dumont como parte da campanha “Salve o Rio Branco, Patrimônio de Roraima”. Houve apresentação de artistas, vídeos com depoimentos e palestras realizadas por especialistas, esclarecendo os impactos da implantação da hidrelétrica nas corredeiras. Além disso, nesse mesmo dia foi lançado um abaixo-assinado exigindo a imediata paralisação dos procedimentos administrativos na esfera federal e estadual relativos à construção da hidrelétrica.

O biólogo Ciro Barros apontou que, entre os impactos socioambientais da construção da hidrelétrica, estaria a inundação de propriedades rurais localizadas nas margens do rio. Além disso, ele expôs que os municípios de Iracema, Mucajaí, Boa Vista, Cantá e Bonfim também poderiam ser atingidos.

Ainda segundo o biólogo, o Estado possui grande potencial para energia eólica. Segundo ele:

“Assim como foi informado, segundo o Atlas Eólico Brasileiro, existe aqui um grande potencial eólico, sendo o campeão do vento. Então a construção da hidrelétrica nas corredeiras do Bem-Querer é desnecessária”.

O movimento estava planejando outras ações, como levar a campanha para outros municípios, principalmente aqueles que seriam afetados diretamente pelo empreendimento. Além disso, estariam também com objetivo de reunirem especialistas para construírem uma fundamentação técnica que apresentasse alternativas energéticas à construção da hidrelétrica, como a eólica e a solar.

Em dezembro de 2012, o IPHAN iniciou o processo de tombamento das corredeiras do Bem Querer. Segundo os pesquisadores, Mariana Dias e Raul Ivan Raiol de Campos, a abertura do processo se deu devido à importância cultural, científica e ambiental que o sítio representava para o município.

Segundo Vandré Fonseca, em seu artigo publicado no portal O Eco em 05 de agosto de 2013, seriam necessários para a construção cerca de R$ 3,9 bilhões de reais e a área alagada planejada para a construção da hidrelétrica seria de 599km², sendo maior que área alagada da UHE Belo Monte. Entretanto, o potencial energético de Belo Monte é de 11.200 megawatts, contra apenas 708 megawatts da usina do Bem Querer. Essa diferença de produção se daria, segundo Fonseca, devido a grande parte do rio Branco ser plana, tendo poucas áreas naturais de queda.

De acordo com as pesquisadoras Castelo Branco, Frank e Souza, a área do espelho d’agua seria de 2.530×10^6 m³ de volume. Desse total, 157,1km² correspondem ao leito do rio Branco; assim, quase um terço do leito do rio seria alagado para a implantação da usina. Os municípios de Caracaraí, Boa Vista, Bonfim, Cantá, Iracema e Mucajaí seriam afetados. Ainda segundo as pesquisadoras, caso os riscos do empreendimento não fossem bem avaliados, pelo menos 30% das cidades de Roraima seriam atingidas, o que poderia provocar uma catástrofe no Estado.

Segundo Fonseca, o alagamento da região pela usina hidrelétrica afetaria propriedades rurais, praias e sítios arqueológicos, matas ciliares, bem como atividades de agricultura e pecuária localizadas nas margens do rio. Além disso, o alagamento iria destruir parte da BR-174, rodovia que liga a capital de Roraima a Manaus. Fonseca ainda expôs que 12 mil pequenos agricultores e nove mil pescadores artesanais seriam negativamente afetados.

Ainda de acordo com as pesquisadoras Castelo Branco, Frank e Souza, o projeto da Usina Hidrelétrica do Bem Querer tem causado insegurança e incertezas entre a população do município de Caracaraí, especialmente aos pescadores que tiram o seu sustento do rio. Além disso, preocupa também os trabalhadores rurais que usam o rio como meio de transporte para se locomoverem para outras cidades e transportar mercadorias de uma região para outra.

Outro grupo que seria atingido pela construção da hidrelétrica de Bem Querer seriam os povos indígenas na região. Segundo o coordenador local do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Luis Ventura Fernandez, estima-se que entre oito e nove terras indígenas poderiam sofrer com os impactos da usina: TIs Tabalascada, Canaunim, Malacacheta, Moskow, Manoa/Pium, Jabuti, Bom Jesus e Serra da Moça, principalmente em relação à disponibilidade de água e peixes.

O artigo de Fonseca também apresenta, a partir da fala do biólogo Sylvio Romperio Bríglia Ferreira, analista do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), o impacto sobre a fauna e flora no rio Branco com a implantação da hidrelétrica. Segundo o biólogo, a instalação do empreendimento vai interferir na vazão das cheias e secas do rio Branco, movimento importante para a sobrevivência das cerca de 550 espécies de peixes e outros organismos aquáticos descritos em sua bacia. Além disso, a transformação do rio em lago, com a perda da correnteza natural e a transformação da água corrente em água parada, faz com que as ovas de peixes afundem, afetando a quantidade de peixes.

Outro impacto, apontado pelo biólogo Bríglia, seria a afetação nos grandes bagres da bacia amazônica, que costumam migrar pelo rio Branco para se reproduzir, uma vez que a barragem poderia interromper esse movimento. O biólogo também mencionou que o Parque Nacional do Viruá, situado no município de Caracaraí, local que contém uma das maiores diversidades de peixes do Brasil, também correria risco de ser atingido.

No dia 14 de agosto de 2013, ocorreu a Conferência Estadual de Meio Ambiente de Roraima, que é uma etapa preparatória para a IV Conferência Nacional de Meio Ambiente. Nessa conferência estadual foram aprovadas uma moção de repúdio com dois itens referentes à construção da hidrelétrica nas Corredeiras do Bem Querer.

O primeiro foi referente à aprovação da Emenda Constitucional nº 30, sem consulta à população, que retirava proteção da faixa de 500 metros ao longo das margens do rio Branco e das corredeiras do Bem Querer como parte do patrimônio cultural e ambiental de Roraima.

O segundo foi o projeto de construção da Hidrelétrica Bem Querer, no rio Branco, no qual o reservatório a ser construído ameaçaria a lagoa de estabilização de Boa Vista e afetaria todo o planejamento e execução dos Planos de Saneamento Básico dos municípios de Caracaraí, Iracema, Mucajaí, Boa Vista, Cantá e Bonfim, que, segundo dados da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), seriam os municípios afetados pela construção da hidrelétrica.

Uma notícia publicada no site do G1, no dia 29 de março de 2014, apontou a preocupação dos moradores do município de Caracaraí com a possível construção da hidrelétrica Bem Querer. De acordo com a notícia, os estudos preliminares para verificar a viabilidade do empreendimento já estariam sendo realizados, e a medição da vazão do rio, realizada com réguas instaladas na propriedade do empresário Alfredo Cruz. O próprio Alfredo Cruz informou ao G1 que estaria preocupado com a falta de informação do projeto: “Não sabemos como vamos ficar. Não se sabe se vai alagar, se vai afetar igarapés”.

Os pescadores da região também estariam se sentindo ameaçados pela construção da hidrelétrica. “Se inundar, ninguém vai pescar. Não tem para onde ir”, apontou o pescador Joel Michel. Ainda de acordo com a notícia, o analista ambiental da Fundação Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (FEMARH), Wagner Seveiro, informou que não existia nenhum estudo de impacto ambiental protocolado no órgão até aquele momento, “somente dados hidrológicos”.

No dia 5 de setembro de 2014, houve evento na Universidade Federal de Roraima (UFRR) intitulado ‘Salve o Rio Branco no dia da Amazônia, não à hidrelétrica’. O encontro teve como objetivo alertar sobre os possíveis impactos que Roraima iria enfrentar caso a construção da hidrelétrica Bem Querer ocorresse.

De acordo com notícia publicada no portal do Instituto Socioambiental, na mesma data, o biólogo Ciro Campos explicou que o principal problema para o Estado de Roraima seria o desaparecimento das praias, das ilhas e peixes de couro, que não conseguiriam superar a barragem da usina para procriar.

Campos ainda afirmou que os municípios de Caracaraí, Boa Vista e Mucajaí ficariam na beira de um lago, pois não haveria mais correnteza no rio. Segundo o biólogo:

“Precisamos saber se realmente é necessário estrangular o rio Branco, o nosso único e principal rio, para fazer uma hidrelétrica que já é considerada uma das piores da Amazônia, do século 21, pelos seus problemas de engenharia”.

Além disso, o biólogo expôs no evento que a implantação da usina traria inúmeros outros problemas, como, por exemplo, o risco do aumento de violência contra crianças e adolescentes durante a obra, como foi registrado em Altamira por ocasião das obras de construção da UHE Belo Monte.

Apesar das críticas, o Governo Federal não desistiu do empreendimento. De acordo com notícia publicada no Portal Amazônia, no dia 12 de abril de 2016, foi divulgado que o Plano Decenal de Energia 2024 (PDE 2024), do Ministério de Minas e Energia (MME), previa que entre 2016 e 2024 pelo menos 11 hidrelétricas deveriam ser construídas na Amazônia, entre elas a UHE Bem-Querer, com um novo orçamento de R$ 19.744.000,00 e prevista para começar a operar em 2024. Entretanto, segundo o MME, o empreendimento somente iria a leilão após a realização dos estudos de viabilidade.

Em 02 de abril de 2018, foi promovida uma audiência pública pelo MPF com representantes da Universidade Federal de Roraima (UFRR), do Movimento Puraké e da Diocese de Roraima, tendo como foco o debate sobre a preservação dos recursos hídricos na região, os impactos do garimpo ilegal e da Usina Hidrelétrica Bem Querer.

O evento também contou com convidados de diferentes instituições como: representantes do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), da Defensoria Pública da União (DPU), do Ministério do Meio Ambiente (MMA), do Ministério da Justiça (MJ), da Justiça Federal, da Fundação Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (FEMARH), da Companhia de Águas e Esgotos de Roraima (CAER), da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), além de lideranças da sociedade civil organizada.

Discutiram principalmente os efeitos da instalação da hidrelétrica no sítio arqueológico das corredeiras do Bem Querer e as consequências da perda desse local.

Entre os dias 23 e 28 de junho de 2018, a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) realizou audiências públicas para divulgar o início dos estudos socioeconômicos na região. As reuniões ocorreram nos municípios de Bonfim, Iracema, Cantá, Mucajaí, Caracaraí e Boa Vista, municípios que seriam diretamente afetados pelo empreendimento em caso de instalação.

Em 30 de setembro de 2018, de acordo com o site do Programa Master in Business Administration – Parcerias Público-Privadas e Concessões (MBA-PPP), da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), a EPE iniciou de fato estudos socioambientais da usina naquele mês. Segundo o site, os profissionais estariam em campo coletando informações sobre relevo, tipos de solo e usos da água. O consórcio formado pelas empresas Walm Engenharia Tecnologia Ambiental e Biota Projetos e Consultoria Ambiental Ltda foi contratado pela EPE para a realização desses estudos.

Entre os dias 18 e 22 de março de 2019, segundo notícia publicada no jornal Folha de Boa Vista no dia 26 do mesmo mês, os técnicos do EPE estiveram no município de Caracaraí para dialogar com os diversos representantes da sociedade civil e apresentar o atual estágio dos estudos e etapas do projeto da hidrelétrica.

Além disso, a equipe também esteve reunida com o governador Antonio Denarium (PSL), com o chefe da Casa Civil, Disney Mesquita, e o secretário de Planejamento, Marcos Jorge, e apresentaram relatório preliminar sobre o andamento dos estudos de viabilidade técnico-econômica e de impacto ambiental da usina hidrelétrica.

Segundo o secretário Marcos Jorge, a reunião com a equipe do EPE teve como objetivo permitir que a gestão estadual acompanhasse o andamento dos estudos:

“Estão agora na fase de elaboração do estudo de impacto ambiental e promovendo consultas públicas verificando nesse estudo quais são as regiões e municípios afetados pelo empreendimento, caso ele seja levado adiante. Então, a reunião girou em cima dessas explicações das fases e do início dos estudos de inventário para hidrelétrica.”

Ainda de acordo com o secretário, a previsão para a conclusão da hidrelétrica havia sido adiada para 2027. Ele ainda apontou:

“Eles deixaram claro que é um empreendimento a longo prazo para o País, pois a energia gerada não seria utilizada apenas em Roraima, mas também retroalimentaria o sistema energético nacional”.

Em 14 de março de 2019, ocorreu a 48º Assembleia dos Povos Indígenas do Estado de Roraima. Esse evento contou com a participação dos povos Ingariko, Macuxi, Wapichana, Wai Wai, Yanomami, Patamona, Sapará e Taurepang, e ocorreu na terra indígena Raposa Serra do Sol. Ao término da assembleia, os povos divulgaram carta apontando a falta de segurança nas 32 terras indígenas do Estado e violações de direitos. Dentre os temas abordados, estava a construção da Hidrelétrica do Bem Querer.

Na carta, os povos indígenas exigiam que o Ministério Público Federal interviesse em relação à construção da hidrelétrica, que o órgão obtivesse as informações necessárias e exigisse o cumprimento do direito de consulta das comunidades das terras indígenas: Tabalascada, Canauanim, Malacacheta, Moskow, Manoa/Pium, Jabuti, Bom Jesus e Serra da Moça.

Além disso, a carta também exigia que a FUNAI fornecesse dados, estudos e relatórios elaborados do componente indígena da construção da hidrelétrica para os povos em questão. Por fim, se posicionaram contrários a construção da hidrelétrica de Bem Querer e da Cachoeira de Tamanduá (no rio Cotingo), pois, segundo a carta, a intenção desses empreendimentos seria reforçar a mineração em terras indígenas.

Em 26 de março de 2019, a Reuters noticiou que o governo do presidente Jair Bolsonaro havia retomado os estudos para viabilizar a UHE Bem Querer. Ainda segundo a notícia, as movimentações do presidente e dos seus ministros indicavam uma ‘gestão aberta aos projetos desenvolvimentistas na Amazônia’.

De acordo com a notícia, o coordenador de energia do ISA, Ciro Campos expôs, em relação à retomada do projeto da usina hidrelétrica:

“Na nossa opinião, será a pior grande hidrelétrica da Amazônia no século XXI, se for construída. Não é uma usina trivial, ela é muito impactante”.

Ainda de acordo com a Reuters, o objetivo do EPE seria protocolar até o final de 2020, ou início de 2021, o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) no IBAMA. A notícia da Reuters também apontou que a previsão da EPE seria licitar a usina depois que houvesse a concretização de uma linha de transmissão que ligaria Roraima ao sistema elétrico brasileiro. O linhão foi licitado em 2011 e não avançou devido às dificuldades do licenciamento ambiental. Entretanto, o governo Bolsonaro declarou o projeto como “de interesse nacional”.

Campos apontou que devido ao tempo gasto para a implantação da hidrelétrica, seria mais viável buscar fontes alternativas de energia com menor impacto. Segundo ele:

“Se hoje em 2019 a viabilidade dessa usina já é controversa, imagina daqui a uns 10 anos, quando ela estiver à plena carga? Pela situação de viabilidade de outras fontes (como usinas eólicas e solares) já não se justificaria mais”.

Atualização: 26/04/2019

Cronologia

31 de dezembro de 1991: Sítio Arqueológico Corredeiras do Bem Querer é reconhecido como Patrimônio Material pelos legisladores na Constituição Estadual de Roraima.

31 de outubro de 2007: IPHAN inscreve o Sítio Arqueológico das Corredeiras no Cadastro Nacional de Sítios Arqueológicos (CNSA) com Proteção Legal Estadual.

29 de junho de 2012: Movimento Puraké publica manifesto explicando finalidade e atuação da organização.

23 de outubro de 2012: Assembleia Legislativa de Roraima retira, através da Emenda Constitucional nº 3, o tombamento das corredeiras da faixa de 500 metros das margens do rio Branco, bens anteriormente protegidos pelo artigo 159 da Constituição estadual.

31 de outubro de 2012: Movimento Puraké protocola no IPHAN pedido de tombamento do Sítio Corredeiras do Bem-Querer.

13 de novembro de 2012: Movimento Puraké, representantes de movimentos sociais e membros do poder público se reúnem na Federação do Comércio de Roraima (FECOR/RR) para discutir sobre o projeto da construção da hidrelétrica nas Corredeiras.

Dezembro de 2012: IPHAN inicia o processo de tombamento do Bem-Querer.

14 de agosto de 2013: Participantes da Conferência Estadual em Roraima publicam tópicos de Monção de Repúdio referentes à construção da hidrelétrica nas Corredeiras do Bem Querer.

5 de setembro de 2014: Universidade Federal de Roraima (UFRR) organiza evento intitulado ‘Salve o Rio Branco no dia da Amazônia, não à hidrelétrica’.

12 de abril de 2016: MME inclui a UHE Bem Querer no PDE 2024.

02 de abril de 2018: MPF, UFRR, Movimento Puraké e Diocese de Roraima promovem debate sobre a preservação dos recursos hídricos, impactos do garimpo ilegal e da Usina Hidrelétrica do Bem Querer. O evento conta com convidados de diferentes instituições.

23 a 28 de junho de 2018: EPE realiza audiências públicas para divulgar início dos estudos socioeconômicos na região em que se pretenderia implantar a hidrelétrica de Bem Querer.

30 de setembro de 2018: EPE inicia estudos socioambientais visando o licenciamento ambiental da usina hidrelétrica de Bem Querer.

11 de outubro de 2018: MME abre consulta pública para recebimento de contribuições sobre regras e diretrizes do chamamento para leilão de suprimento de energia a Boa Vista, Roraima, a partir de 2021.

14 de março de 2019: 48º Assembleia dos Povos Indígenas no Estado de Roraima conta com a participação dos povos Ingariko, Macuxi, Wapichana, Wai Wai, Yanomami, Patamona, Sapará, Taurepang. Ao término da assembleia, povos divulgam carta apontando falta de segurança nas 32 terras indígenas do Estado e violações de direitos. Dentre os temas abordados, destaca-se a construção da Hidrelétrica do Bem Querer.

18 e 22 de março de 2019: Técnicos do EPE vão ao município de Caracaraí para dialogar com diversos representantes da sociedade civil e políticos locais para apresentar relatório preliminar sobre estágio dos estudos de viabilidade socioeconômica.

 

Fontes

AGOSTINHO, Jaime de. Direito à água e futuro do Rio Branco são temas de audiência pública em Boa Vista. Eco Amazônia, 25 mar. 2018. Disponível em: http://bit.ly/2W4HHvf. Acessado em: 18 abr. 2019.

BRASIL. Ministério de Minas e Energia. Empresa de Pesquisa Energética. Estudos Socioambientais da Usina Hidrelétrica Bem Querer: Reuniões públicas para divulgação do início dos estudos. Disponível em: http://bit.ly/2IKqnZt. Acessado em: 19 abr. 2019.

BRASIL. Ministério Público Federal. Direito à água e futuro do Rio Branco são temas de audiência pública em Boa Vista. 23 mar. 2018. Disponível em: http://bit.ly/2XKK6fi. Acessado em: 18 abr. 2019.

______. MPF/RR recomenda tombamento do sítio arqueológico de Bem Querer. 26 out. 2012. Disponível em: http://bit.ly/2IVtOvP. Acessado em: 13 abr. 2019.

CAMPOS, Ciro. Meio ambiente: retrocessos até nas conferências. Instituto Socioambiental, 23 ago. 2013. Disponível em: http://bit.ly/2L499bI. Acessado em: 20 abr. 2019.

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2 comentários

  1. Olá, gostaria de saber se há informações de como esse conflito está atualmente, visto que a última data da cronologia é do ano de 2019. Agradeço antecipadamente a resposta.

    • Infelizmente não temos ainda como manter atualizados todos os conflitos e/ou inserir todos os novos, Helena. Mas estamos lutando para que isso se torne uma realidade.

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