MA – Comunidades quilombolas de Queimadas, Três Irmãos e Monta Barro lutam por reconhecimento e regularização fundiária de território
UF: MA
Município Atingido: Codó (MA)
Outros Municípios: Codó (MA)
População: Quilombolas
Atividades Geradoras do Conflito: Atuação de entidades governamentais, Monoculturas
Impactos Socioambientais: Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, Falta / irregularidade na demarcação de território tradicional
Danos à Saúde: Insegurança alimentar, Piora na qualidade de vida, Violência – ameaça
Síntese
As comunidades quilombolas de Queimadas, Três Irmãos e Monta Barro estão localizadas no município de Codó, zona da mata dos cocais do Maranhão. Codó é a cidade maranhense que concentra o maior número de conflitos por terra segundo a publicação Conflitos no Campo no Brasil 2013, da Comissão Pastoral da Terra (CPT).
Estas comunidades, segundo pesquisa realizada pela Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar no Estado do Maranhão (FETAEMA), CPT e outros órgãos, configuram um território de grande riqueza histórico-cultural, com cemitérios, bosques e resistência do tambor e estão envolvidas em um conflito pela terra há mais de 30 anos com o Grupo Empresarial Costa Pinto. Esta empresa é responsável pela expulsão de centenas de famílias de suas terras nas cidades de Codó, Caxias e Aldeias Altas.
Desde o ano de 2010 as investidas da empresa sobre as comunidades Três Irmãos, Queimadas e Monta Barro se tornaram mais intensas. A partir de 2012 as ações da empresa tomaram caráter de ameaça contra a vida das lideranças das comunidades, que figuram inclusive no Programa de Proteção aos Direitos Humanos da Presidência da República. Este ano marcou também a abertura do processo de reconhecimento das comunidades junto ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), ainda em andamento.
Recentemente, em junho de 2014, as comunidades conseguiram vitórias parciais nos processos que vêm tramitando na Justiça pela manutenção da posse de sua terra. No entanto, o caminho para o reconhecimento e regularização fundiária do território quilombola ainda é longo.
Contexto Ampliado
O Estado do Maranhão, segundo publicação da Comissão Pastoral da Terra (CPT) de 2013, lidera a lista dos estados com maior número de conflitos no campo no Brasil, e o município de Codó é o mais conflituoso no Estado, com 13 casos nesse ano. Situado na zona dos cocais, Codó concentra várias comunidades quilombolas e de agricultores e é palco de muitos conflitos pela terra, entre agricultores familiares e populações tradicionais ameaçadas pelos interesses do capital privado.
Dentre as várias comunidades quilombolas existentes no município de Codó, aqui abordaremos o conflito entre as comunidades de Três Irmãos, Queimadas e Monta Barros e o Grupo Empresarial Costa Pinto.
O Grupo Costa Pinto, dirigido pelos latifundiários Umberto Costa Pinto Júnior e Umberto Costa Pinto Neto, empresários do Rio, diz ter um império fundiário no Maranhão. Segundo o padre Bento Cabezas e Ronilson Costa, agentes da CPT/ Coroatá, a história deste grupo no Maranhão é marcada por muitas irregularidades e processos, acima de tudo por desrespeito aos direitos dos trabalhadores/as recrutados como mão-de-obra barata, em municípios da região, e alguns poucos das comunidades rurais por onde se estendem suas propriedades.
A empresa e chegou ao Maranhão ainda na década de 1970, através dos incentivos fiscais e de crédito concedidos pelo Governo Federal por meio do programa Pró-Álcool. Instalou-se, inicialmente, no município de Aldeias Altas, onde começou a produzir cana-de-açúcar em 1978. Os anos 1980 foram de sucesso econômico para a empresa, porém, logo no início dos anos 1990, com o enfraquecimento do Pró-Álcool, somado à uma crise interna da empresa, suas atividades foram suspensas e a falência decretada em 1992. Segundo a CPT, a empresa desapareceu do Maranhão e abandonou as terras e suas instalações por mais de 10 anos, deixando um rastro de processos correndo na Justiça do Trabalho.
São muitas as comunidades atingidas pelo Grupo Costa Pinto em todo o Estado do Maranhão, mas aqui nos cabe falar das três comunidades quilombolas já especificadas. Os conflitos das comunidades quilombolas Queimadas, Três Irmãos e Monta Barros figuram na lista da CPT desde 2010, pelo menos. É interessante, no entanto, perceber a diferença de tratamento recebido pelos moradores das comunidades. No ano de 2010, apenas as 18 famílias da comunidade de Queimada recebiam a denominação quilombola, as 20 famílias de Três Irmãos e as 10 de Monta Barros eram denominadas posseiros. Na publicação referente ao ano de 2013, as três comunidades aparecem como quilombolas.
Além da disputa pela terra, esses conflitos com a Costa Pinto também fazem o município de Codó constar da lista daqueles que possuem pessoas ameaçadas de morte. Em 2012, o padre Benito Cabezas, da CPT, constava como ameaçado (01/03/2012), referente ao conflito da comunidade Três Irmãos, assim como José da Silva Pacheco, o Sousa. No ano seguinte, o religioso não constava mais da lista; no entanto, somou-se à ameaça já existente contra Souza uma ameaça contra a vida da liderança quilombola Maria Romana, também de Três Irmãos. Data de 2013 também, segundo o advogado Diogo Cabral, a entrada de Souza no Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos da Presidência da República.
Na avaliação do advogado Diogo Cabral, os governos federal e estadual praticam uma contrarreforma agrária no Maranhão. Até dezembro de 2013, nenhum decreto presidencial que declara área de interesse social para fins de reforma agrária foi emitido para beneficiar áreas no Estado do Maranhão, apesar das centenas de processos administrativos represados no INCRA. E, apesar das inúmeras violências praticadas contra as comunidades quilombolas, os procedimentos de titulação se encontram paralisados, ao passo que o agronegócio avança sobre os territórios tradicionais. Cabral afirma ainda que o órgão de terras do governo do Maranhão é completamente desaparelhado, com forte limitação de recursos humanos e técnicos, o que reflete a posição histórica dos governos estaduais em promover o agrobusiness, em detrimento da agricultura familiar.
Já no ano de 2010 a CPT acompanhava os conflitos pelos quais passam essas comunidades. Em outubro deste ano, nos dias 22 e 23, membros da CPT fizeram visitas à área de conflitos relacionados ao Grupo Costa Pinto. Segundo os agentes da CPT, a Costa Pinto vem garantindo sua presença na área através de seus gerentes, que passam uma vez na semana nas comunidades querendo saber, da parte de seus encarregados, se há alguma manifestação por parte da comunidade ou se alguém está descumprindo alguma ordem determinada pela empresa.
Esses encarregados, para a CPT, são pessoas que preferem defender os interesses da grande empresa que os explora, a lutar junto com os demais companheiros. É uma estratégia da empresa, que vê o caboclo orgulhoso com o título de encarregado e este se deixa enganar, pensando que o patrão está do seu lado.
Durante a visita à comunidade Três irmãos, que na época contava com 20 famílias, foram recebidos por José da Silva Pacheco, conhecido como Sousa, e sua família. Seu Sousa contou aos agentes que seu pai Manoel Pacheco, já falecido, já morava e produzia suas lavouras na região ainda na década de 1940, e que depois teria trabalhado para o antigo proprietário daquelas terras, Alderico Machado. Que sua família nunca abandonou aquelas terras, estando ali as raízes de várias gerações. Sousa acredita que a empresa tem impedido a instalação de energia elétrica, que está distante apenas 4 km; além da energia, a estrada e água potável. Além disso, representantes da empresa já teriam avisado aos moradores que, para o ano seguinte, as famílias teriam que pagar pelo uso da terra; no entanto, há mais de quinze anos as famílias deixaram de ser forçadas a ter que pagar renda, quando muitas vezes encarregados responsáveis para recolher a renda tiveram postura abusiva.
Na comunidade Queimadas, que à época era formada por 18 famílias, distante três quilômetros de Três Irmãos, a CPT esteve com Dona Maria Romana, líder da comunidade, e com o professor conhecido por Maguila, que relataram uma situação semelhante à que passa a comunidade vizinha. Em Queimadas, de acordo com a CPT, os representantes da Costa Pinto já se reuniram com as famílias para comunicar a possibilidade de acordo com a empresa Plano Representações, que atua no ramo da soja. Na ocasião, mais uma vez tentaram convencer os trabalhadores que ninguém seria incomodado, pelo contrário, teriam a garantia de emprego. Como se sabe, é assim mesmo que acontece a fim de evitar qualquer articulação de resistência dos camponeses/as.
Em 14 de dezembro de 2011, aconteceu uma reunião na comunidade de Queimadas, que contou com a participação de representantes de órgãos governamentais para tratar das ameaças sofridas pelas comunidades. Participaram o representante do INCRA/MA, José Lino, o Delegado do Ministério do Desenvolvimento Agrário do Maranhão (MDA/MA), Rubem Sergio, o vice-presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Codó, Antonio José, além do padre Bento da CPT de Coroatá e o Sr. Humberto Costa Pinto. Na ocasião, o Sr. Humberto se apresentou como sendo o dono das terras da Costa Pinto. De acordo com a CPT, a atitude do empresário foi arrogante inicialmente, mas o mesmo mudou sua postura ao perceber a presença dos representantes dos órgãos federais. Humberto informou na reunião que está interessado em fazer um acordo desde que deixem que ele desenvolva seus projetos sem ser incomodado pelas famílias que moram na região.
Para a CPT, esse discurso da Costa Pinto é muito antigo, e foi o mesmo utilizado quando a empresa iniciou suas atividades com cana-de-açúcar na comunidade de Aldeias Altas, e que levou a expulsão de várias famílias de suas terras, região em que hoje se encontra um grande deserto verde de cana. Este discurso é utilizado para convencer os moradores de que estão levando desenvolvimento e emprego para a região, e que não há motivos de preocupação com despejo d terras. No entanto, quando a cana, ou como é o caso da nova empreitada em Monta Barros, Queimadas e Três Irmãos, o eucalipto, cortarem o terreiro da casa e o fundo do quintal, ninguém conseguirá permanecer ali. A CPT analisa que é importante que a sociedade reconheça que:
os processos de proletarização dos camponeses, ou a tentativa dessa, vem sendo ao longo da história um ato de violência extremamente grave contra as comunidades tradicionais. A intransigência do capital agrário tem gerado violência e exploração de mão-de-obra em grandes proporções, e destruído costumes e valores culturais secularmente preservados pelas comunidades tradicionais.
O ano de 2012 marcou o recrudescimento das investidas da Costa Pinto sobre as comunidades e suas lideranças. Segundo o advogado da Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura no Estado do Maranhão (FETAEMA), Diogo Cabral, neste ano a empresa passou a proibir qualquer tipo de plantio nas terras das comunidades, além de proibir também a pesca no rio Iguará.
Em 07 de janeiro de 2012, representantes das três comunidades estiveram reunidos em Queimadas com representantes de outras comunidades atingidas pela Costa Pinto na região (Estiva, São Domingos, Parnaso e Limão), com o objetivo de discutir a organicidade do grupo e suas estratégias de resistência. Havia uma presença forte de jovens na reunião e foi relatada a presença constante da Costa Pinto nas comunidades, sobretudo quando são realizadas reuniões, de forma a realizar pressão psicológica, insegurança e tensão entre os moradores.
Neste dia não foi diferente: segundo a CPT, houve tensão no início da reunião pois a empresa teve conhecimento do encontro e enviou seus jagunços para participar. Uma vez que os presentes reconheceram os cinco indivíduos presentes, foi efetuada a retirada dos mesmos para que a reunião acontecesse. De acordo com o relato da reunião, um destes homens, funcionário da empresa e que se identifica como gerente da Costa Pinto, Israel, passou o dia monitorando a movimentação das famílias presentes ao encontro.
Segundo as mulheres de Monta Barros que estiveram presentes, esse Sr. Israel teria dito de forma intimidadora e ameaçadora para que elas não fossem participar da reunião. Durante toda a tarde de sábado, Israel e seus jagunços ficaram de plantão em uma das casas que normalmente costumam visitar em Queimadas, observando quem chegava. O bando só se retirou do povoado quando já se aproximava do fim do encontro dos trabalhadores.
A reunião, serviu para animar as famílias a se organizarem e se fortalecerem enquanto um coletivo para resistir às pressões da Costa Pinto. É unânime entre as famílias que a terra que estão reivindicando junto ao INCRA é a totalidade da área onde moram e trabalham há quase 100 anos.
No mês seguinte, em 25 e 26 de fevereiro de 2012, a CPT realizou um encontro de conscientização com as três comunidades. Depois deste encontro, segundo nota da CPT divulgada no início de março, a situação das comunidades se agravou, sobretudo em Três Irmãos, a mais organizada.
Segundo relato do animador da comunidade Três Irmãos, o Sousa, feito à Paróquia São Raimundo, houve dois acontecimentos na primeira semana de março que deixaram a comunidade apreensiva. No dia primeiro de março, pela manhã, o Israel, gerente da Costa Pinto, esteve na comunidade acompanhado do seu ajudante Raimundinho à procura do Sousa. Como o Sousa não foi encontrado, Israel avisou que procuraria pela estrada, pois tinha notícias de que o dono das terras, Humberto Costa Pinto Neto, visitaria as comunidades na terra dele. No mesmo dia, a comunidade se reuniu pela tarde para se organizar, e, visando se proteger contra as ameaças da empresa, os moradores interditaram o caminho para a comunidade Três Irmãos, para que carros não pudessem passar.
No dia 03 de março, ainda segundo o relato de Sousa, em Cacimba de Areia, local onde as crianças de Três Irmãos vão à escola, a professora desta localidade, Helena, teria se informado com os vizinhos sobre os nomes de todos os moradores de Três Irmãos e feito uma lista. Um dos vizinhos de Helena – e seu marido Aldemir – avisou ao Sousa que esta lista seria levada, por Helena, para Aldeias Altas, cidade vizinha, de onde viriam os homens (não especifica se é polícia ou pistoleiros) para pegar o Sousa e os homens da comunidade toda de Três Irmãos.
Na noite deste mesmo dia, vários homens desconhecidos chegaram ao ponto em que a comunidade havia interditado a estrada. Como não puderam passar, voltaram para Cacimba de Areia e se hospedaram na casa de Aldemir e Helena. Segundo a nota da CPT que divulgou o relato de Sousa, os homens estão lá para planejar o ataque contra o Sousa e a Comunidade Três Irmãos.
Mediante as constantes ameaças às comunidades tradicionais de Codó, o município foi escolhido para a realização do II Seminário Regional de Capacitação de Lideranças Quilombolas, entre os dias 26 e 27 de março de 2012. A atividade de formação, financiada por convênio da Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH) com a Secretaria de Promoção de Políticas de Igualdade Racial (Seppir), da Presidência da República, tem se repetido em outras áreas do estado e contou com a participação de representantes de diversos órgãos, dentre eles a Secretaria de Estado da Igualdade Racial (Seir), Fórum de Educação Étnico Racial do Maranhão, Conselho Estadual de Educação, Centro de Cultura Negra do Maranhão (CCN/MA) e Associação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas do Maranhão (Aconeruq). Foram discutidos temas como legislação e acesso a políticas públicas por quilombolas.
Ciente da situação das famílias rurais de Codó, a FETAEMA apresentou uma denúncia em diferentes meios de comunicação, no dia 14 de novembro de 2012, acerca dos conflitos por terra no município. Foi realizada uma coletiva de imprensa com os representantes do órgão que denunciaram a situação que mais de 12 comunidades rurais e tradicionais (Lagoa do Leme, Santa Joana, Puraquê, Santa Maria dos Moreiras, Três irmãos, Monte Barro, Queimadas, Mata Virgem, Vergel, Santa Rita dos Moisés, Matões dos Moreiras e Buriti Corrente) enfrentam em Codó.
Segundo nota do Territórios Livres do Baixo Parnaíba, o descaso dos órgãos públicos quanto à regularização de terra no Maranhão foi um tema que mereceu destaque durante a Coletiva. Na ocasião, a secretária de Política Agrária da FETAEMA, Maria Lúcia Vieira, falou sobre as comunidades tradicionais de Codó e a defesa que a Federação faz destes povos:
Não podemos permitir, enquanto Federação, o desrespeito às comunidades tradicionais e quilombolas. Temos imagens de jagunços armados ameaçando as famílias em Codó, não é possível cruzar os braços e observar esta realidade como se estivesse longe de nós, pois ela acontece debaixo dos nossos olhos. Muitas vezes a própria polícia, que deveria proteger os cidadãos do campo, é justamente quem aterroriza as comunidades, a mando dos grandes coronéis locais.
Em 18 de novembro de 2012, cerca de 200 pessoas estiveram reunidas na VIII Assembleia Diocesana de Pastoral, da Diocese de Coroatá. Durante o encontro, os diocesanos ouviram relatos sobre violências e ameaças a centenas de famílias nas mais de 20 comunidades camponesas e quilombolas nos municípios de Codó, Timbiras, Arari, Alto Alegre, Pirapemas, São Mateus, Miranda do Norte e Peritoró, ameaças estas feitas por milícias armadas e jagunços, tendo como consequência destruição de casas, intimidação, ameaças, constantes pressões, e mortes, a fim de que territórios de comunidades tradicionais sejam disponibilizados para empreendimentos capitalistas.
Diante da situação preocupante, os presentes à Assembleia lançaram uma carta de solidariedade às famílias camponesas ameaçadas no Maranhão. Segundo a Carta:
2. Denunciamos os latifundiários dos municípios citados, as empresas que produzem álcool, celulose, os pecuaristas e políticos (dois deputados e um prefeito) e demais aliados que apoim o modelo de desenvolvimento que não reconhece direitos naturais e constitucionais, como responsáveis pelas violências contra as comunidades bem como pela devastação dos cocais e do cerrado.
4. Denunciamos como principais responsáveis o ITERMA, o Governo do Estado, o INCRA e o Poder Judiciário pela morosidade e omissões dos processos de reconhecimentos de territórios tradicionais e regularização fundiária. Responsabilizamos, outrossim, o IBAMA e a Secretaria do Meio Ambiente do Governo do Estado pelo descaso em relação à preservação dos biomas entregues sem a devida fiscalização à exploração das empresas do agronegócio.
Em 14 de dezembro de 2012, a empresa Costa Pinto Agroindustrial ingressou com uma Ação Possessória (Processo n° 2644-38.2012.8.10.0034) contra José da Silva Pacheco e contra o agente da CPT, o padre Benito Cabezas Fernandes (Padre Bento). A ação teve como objetivo impedir que José Pacheco entrasse na comunidade Três Irmãos, seu local de nascimento e moradia, e que o religioso deixasse de realizar missas e visitas à comunidade.
De acordo com o portal do INCRA, no ano de 2012 o órgão contratou empresa para elaborar 34 relatórios antropológicos de comunidades quilombolas no Maranhão, e 27 destes tiveram início ainda neste ano. O relatório antropológico é peça fundamental que aborda a história da comunidade sobre os aspectos da ancestralidade, de ocupação territorial e aspectos socioculturais. Não há informações se as comunidades de Três Irmãos, Queimadas e Monta Barro fazem parte desta lista de 34 relatórios contratados, mas se deu em 2012 a abertura do Processo para sua regularização fundiária junto ao órgão, sob o número 54230.001070/2012-42.
De acordo com Sebastião Bandeira Coelho, Bispo da Diocese de Coroatá, no dia 12 de setembro de 2013, dois homens desconhecidos estiveram na comunidade Três Irmãos procurando por José da Silva Pacheco, que por sorte não se encontrava no local.
As reivindicações dos quilombolas maranhenses começaram a ter alguma resposta, quando em 17 de setembro de 2013 o INCRA instalou uma Mesa Estadual de Acompanhamento Permanente de Regularização Quilombola no estado do Maranhão. De acordo com a coordenadora nacional de regularização fundiária do INCRA, Givânia Maria da Silva, este é um espaço que tem como objetivo manter o diálogo e o monitoramento permanentes das ações que o INCRA tem desenvolvido no âmbito da regularização dos territórios quilombolas em todo o país. A mesa do Maranhão foi a quarta instalada. Givânia afirmou que houve prioridade nas escolhas dos primeiros estados a receber as mesas: Além da Mesa Nacional que já está funcionando, priorizamos o Maranhão, Pará, Minas Gerais e Bahia para que as mesas fossem instaladas em curto período de tempo devido à grande demanda desses estados.
Neste dia, o superintendente regional do INCRA no Maranhão, José Inácio Rodrigues, destacou que a instalação da Mesa fará com que o INCRA regional avalie a questão quilombola e afirmou que muitas ações já estão em andamento. Temos 336 processos abertos na Superintendência. Este espaço servirá para encontrarmos os gargalos, buscar soluções e chegarmos a tão sonhada regularização fundiária. Dentre os 336 processos, consta o das comunidades de Três Irmãos, Queimadas e Monta Barro.
A audiência de justificação do processo aconteceu apenas no dia 21 de outubro de 2013, depois de ter sido adiada três vezes. No dia 06 de novembro de 2013 o, Dr. Cândido José Martins de Oliveira, Juiz de Direito Titular da 2ª Vara da Comarca de Codó, concedeu liminar favorável à empresa, proibindo que Padre Bento e Souza entrassem na comunidade e delimitando uma multa de R$ 500,00 por dia, caso o fizessem.
O advogado Diogo Cabral, que defende os quilombolas e o religioso neste caso, logo contestou a decisão do juiz através de um agravo de instrumento. O desembargador Jamil Gedeon julgou o caso e, em 25 de novembro, proferiu sentença favorável aos quilombolas. O desembargador ressaltou que o Interdito Proibitório, concedido à empresa, é um instrumento que visa garantir a posse de um imóvel frente à uma ameaça, e que, pelas provas do caso, a posse é dos atuais moradores da comunidade, sendo improcedente o interdito favorável à empresa Costa Pinto.
Em 2014, a luta das comunidades se mantém. Além das ameaças já abordadas acima, de acordo com Diogo Cabral, empregados da empresa invadiram a casa da liderança e presidente da Associação Quilombola da comunidade Queimadas, Maria Romana, no dia 09 de abril, e anunciaram em alto e bom tom[sic], que, a partir deste ano, todas as comunidades terão que pagar aforamento (a corveia medieval) ao grupo empresarial Costa Pinto. Cabral destaca que o capital de apenas uma das empresas do Grupo Costa Pinto é de R$ 9.367.484,36 (nove milhões, trezentos e sessenta e sete mil, quatrocentos e oitenta e quatro reais e trinta e seis centavos), enquanto há dezenas de famílias que dependem única e exclusivamente das roças de mandioca, milho, arroz, feijão, da criação de pequenos animais e que têm como único teto casas feitas de barro e cobertas de palha, muitas destas sem energia elétrica e saneamento básico.
Em março de 2014, entre os dias 19 e 21, Codó sediou o Encontro de Comunidades Tradicionais da Região dos Cocais. Contando com a participação de mais de 100 representantes de cerca de 40 comunidades tradicionais da região dos Cocais, o encontro debateu os problemas diários enfrentados pelas comunidades e buscou apontar soluções. De acordo com reportagem da CPT sobre o encontro, boa parte dos presentes reclamou de conflitos agrários violentos, envolvendo empresários, políticos e empresas aliadas ao latifúndio da região, com a contribuição do estado, a força repressora da polícia e a mão de ferro do judiciário, que desconhece a realidade agrária do Maranhão, condenando as comunidades em defesa dos interesses desses grupos. O encontro foi encerrado com uma passeata pelo centro de Codó.
Maria Romana, liderança quilombola da comunidade de Queimadas, esteve presente ao encontro e denunciou que em sua comunidade até a construção da capela foi impedida: É muito difícil, eles impediram que eu fizesse uma capelinha simples porque (…) eles dizem que a gente quer tomar a comunidade deles. () O pessoal tem medo de agir porque eles ficam intimidando as pessoas direto, denunciou.
Diante da situação dos quilombolas, Diogo Cabral entrou com uma ação de posse (Processo Nº 1007-81.2014.8.10.0034) contra a Costa Pinto Agroindustrial no dia 07 de maio de 2014, em nome da Associação dos Agricultores e Agricultoras na Agricultura Familiar dos Povoados Três Irmãos, Queimadas e Monta Barro. No dia seguinte, o juiz Rogério Pelegrini concedeu a liminar de manutenção de posse favorável às comunidades.
No texto da decisão judicial, o juiz afirma não haver dúvidas quando à posse da terra pelas comunidades associadas, o que foi comprovado por uma série de documentos, dentre eles o Relatório de Viagem firmado pela Ouvidoria Agrária Regional do INCRA, o Termo de Atendimento pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e fotografias. O juiz constatou ainda que as ameaças às comunidades vêm ocorrendo desde 2010, tendo os incômodos se agravado no ano de 2014.
No dia 26 de maio de 2014, segundo o portal BNC Notícias, cerca de 1.200 pessoas bloquearam a BR 316 (ligação do Nordeste ao Norte do Brasil) por mais de 12 horas como forma de protesto pela titulação de territórios quilombolas, desapropriação de latifúndios, reforma de estradas, além da construção de escolas e postos de saúde para as comunidades tradicionais de Codó.
A empresa Costa Pinto Agroindustrial recorreu da decisão judicial de manutenção de posse emitida em maio. No entanto, em 13 de junho, o desembargador Jamil de Miranda Gedeon Neto negou o pedido da empresa, baseando-se no seguinte argumento:
() E, examinando os autos, em juízo de cognição sumária, tenho que a informação trazida pela Agravada de que representa comuniddes tradicionais cuja posse-trabalho é por vezes desenvolvida em regime de economia familiar ou comunitário faz supor a existência de um interesse coletivo, cuja defesa em juízo não pode ficar restrita ao plano individual.
Passados mais de 20 dias deste protesto, nenhuma atitude foi tomada pelos órgãos governamentais. Sendo assim, representantes de dez comunidades tradicionais de Codó estiveram na sede da CPT-MA, no dia 16 de junho de 2014, com o intuito de denunciar as mazelas a que estão submetidos e, segundo o BNC Notícias, articular uma ação de denúncia do Estado Brasileiro aos organismos internacionais de proteção dos direitos humanos. Participaram deste encontro, além dos representantes das comunidades quilombolas, a coordenação da CPT-MA, o Movimento Quilombola do Maranhão (MOQUIBOM) e o assessor da Sociedade Maranhense dos Direitos Humanos, Luís Antônio Pedrosa.
Uma das lideranças presentes, Sergilson Rodrigues Souza, do território quilombola de Santa Maria dos Moreiras, relatou que a situação de sua comunidade é semelhante à de Três Irmãos, Queimadas e Monta Barros: proibição de realizar roçados, intimidações e ameaças, criminalização de lideranças etc. Além disto, Sergilson responsabiliza o Governo Federal pela situação das comunidades quilombolas de Codó, pois este titulou, nos últimos 11 anos, apenas uma única comunidade quilombola em Codó, apesar dos inúmeros processos e conflitos que ocorrem na região.
Diante das denúncias feitas, segundo o BNC Notícias, a Coordenação Estadual da CPT no Maranhão lançou, no dia 18 de junho, uma Nota Pública de Exigências de Direitos aos Povos Tradicionais de Codó, direcionada às três esferas de governo:
Ao Governo Federal:
A titulação dos territórios quilombolas de Codó, com a devida destinação de recursos pelo governo federal para a elaboração do RTID e garantia de desapropriação;
A desapropriação de latifúndios improdutivos de Codó, cujos processos tramitam no INCRA há décadas;
Fornecer proteção total aos trabalhadores rurais ameaçados de morte, cuja relação se encontra há mais de 2 anos com a SDH/PR, contudo sem nenhuma medida concreta a efetivar a proteção dos defensores dos direitos humanos;
Ao governo estadual:
A garantia de segurança das comunidades em conflito, em especial Santa Maria dos Moreiras, Puraquê, Livramento, Três Irmãos, Monta Barro, Queimadas, bem como a investigação completa de todas as alegações de ameaças, destruição de bens e assassinatos contra trabalhadores rurais, já apresentados diversas vezes ao estado por meio de numerosos ofícios;
A pavimentação da MA-026, que garantirá a mobilidade de centenas de comunidades de Codó, em especial as mais distantes da sede municipal;
Ao governo municipal:
A construção de escolas de alvenaria, nos termos do Termo de Ajustamento de Conduta firmado entre o Município de Codó e o Ministério Público do Maranhão.
As comunidades conseguiram vitórias parciais recentes na Justiça com relação à sua manutenção na terra, mas ainda aguardam que avancem os processos de regularização do território Quilombola de Três Irmãos, Queimadas e Monta Barro.
Cronologia
Década de 1940 – Primeiros relatos da presença de remanescentes quilombolas na região da comunidade Três Irmãos, em Codó.
Década de 1978 – Chegada do Grupo Costa Pinto ao Maranhão, motivada pelo programa Pró-Álcool.
1992 – Decretada falência da empresa Costa Pinto Agroindustrial.
22 a 23 de outubro de 2010 – Comissão Pastoral da Terra (CPT) visita as áreas de conflitos entre comunidades tradicionais do município de Codó e o grupo empresarial Costa Pinto.
14 de dezembro de 2011 – Reunião na comunidade de Queimadas com a participação de representantes de órgãos governamentais para tratar das ameaças sofridas pelas comunidades tradicionais de Codó.
2012 – Ano que marca o recrudescimento das investidas da Costa Pinto sobre as comunidades e suas lideranças: a empresa passou a proibir qualquer tipo de plantio nas terras das comunidades, além de proibir também a pesca no rio Iguará.
07 de janeiro de 2012 – Reunião das comunidades no município de Codó: marcada pela tensão devido à presença de funcionários da empresa.
25 e 26 de fevereiro de 2012 – CPT realiza encontro de conscientização com as três comunidades.
01 de março de 2012 – Padre Benito Cabezas, da CPT, e José da Silva Pacheco, o Souza, constam como ameaçados de morte pelo conflito de terra da comunidade Três Irmãos, segundo publicação da CPT.
01 de março de 2012 – Gerente da Costa Pinto, Israel, vai à comunidade Três Irmãos à procura do líder Sousa.
01 de março de 2012 – Moradores fazem bloqueio de carros na estrada que dá acesso à comunidade.
03 de março de 2012, manhã – Professora da comunidade Cacimba de Areia entrega lista com nomes dos moradores da comunidade de Três Irmãos a funcionários da Costa Pinto.
03 de março de 2012, noite – Homens desconhecidos tentam, sem sucesso, passar pelo bloqueio de carros.
26 e 27 de marços de 2012 – II Seminário Regional de Capacitação de Lideranças Quilombolas.
14 de novembro de 2012 – Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar no Estado do Maranhão (FETAEMA) apresenta denúncia acerca dos conflitos por terra no município de Codó.
18 de novembro de 2012 – VIII Assembleia Diocesana de Pastoral, da Diocese de Coroatá, recebe denúncias de violências e ameaças sofridas pelas comunidades tradicionais de Codó.
18 de novembro de 2012 – Diocese de Coroatá lança carta de solidariedade às famílias camponesas do Maranhão.
14 de dezembro de 2012 – Costa Pinto Agroindustrial ingressa com uma Ação contra José da Silva Pacheco e contra o agente da CPT, o padre Benito Cabezas Fernandes (Padre Bento), para impedir que entrem nas comunidades.
2012 – Aberto processo junto ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) pelo reconhecimento das comunidades quilombolas de Três Irmãos, Queimadas e Monta Barros.
2013 – Maranhão lidera a lista de estados com maior número de conflitos no campo segundo publicação da CPT. Codó lidera a lista dos municípios deste estado.
2013 – José da Silva Pacheco, o Souza, entra no Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos da Presidência da República.
12 de setembro de 2013 – Dois homens desconhecidos vão à comunidade Três Irmãos à procura de José da Silva Pacheco.
17 de setembro de 2013 – INCRA instala Mesa Estadual de Acompanhamento Permanente de Regularização Quilombola no estado do Maranhão.
21 de outubro de 2013 – Realizada audiência de justificação do processo, contra padre Bento e José Pacheco.
06 de novembro de 2013 – Juiz de Direito Titular da 2ª Vara da Comarca de Codó concede liminar favorável à empresa, proibindo que padre Bento e Souza entrem na comunidade.
25 de novembro de 2013 – Desembargador Jamil Gedeon julga o caso e suspende a liminar, favorecendo os quilombolas.
09 de abril de 2014 – Empregados da empresa invadem a casa da liderança e presidente da Associação Quilombola da comunidade Queimadas, Maria Romana, e anunciam que, a partir deste ano, todas as comunidades terão que pagar aforamento ao grupo empresarial Costa Pinto.
19 a 21 de março de 2014 – Encontro de Comunidades Tradicionais da Região dos Cocais, em Codó.
07 de maio de 2014 – Comunidades reunidas abrem ação de manutenção de posse das terras contra a Costa Pinto.
08 de maio de 2014 – Juiz concede liminar de manutenção de posse favorável às comunidades.
26 de maio de 2014 – Protesto de quilombolas bloqueia a BR 316 reivindicando titulação de territórios, desapropriação de latifúndios, reforma de estradas, construção de escolas e postos de saúde para as comunidades tradicionais de Codó.
13 de junho de 2014 – Desembargador nega o pedido do GrupoCosta Pinto para reverter a liminar de manutenção de posse, ela permanece com os quilombolas.
16 de junho de 2014 – Representantes de dez comunidades tradicionais de Codó comparecem à CPT-MA, para formalizar denúncias da situação de ameaças que vem sofrendo.
18 de junho de 2014 – CPT lança Nota Pública de Exigências de Direitos aos Povos Tradicionais de Codó.
Fontes
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BNC NOTÍCIAS. Nota Pública de Exigências de Direitos ao Povo Tradicionais de Codó- Nossa luta não é contra a carne e o sangue. Efésios 6:12. 19/06/2014. Disponível em: http://goo.gl/jCJ8cB. Acessado em: 15 jul. 2014.
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