ES – Projeto de aterro sanitário ameaça nascentes e população do bairro Litorâneo

UF: ES

Município Atingido: São Mateus (ES)

Outros Municípios: São Mateus (ES)

População: Moradores do entorno de lixões

Atividades Geradoras do Conflito: Atuação de entidades governamentais, Políticas públicas e legislação ambiental

Impactos Socioambientais: Falta / irregularidade na autorização ou licenciamento ambiental, Poluição atmosférica, Poluição de recurso hídrico

Danos à Saúde: Doenças não transmissíveis ou crônicas, Doenças transmissíveis, Piora na qualidade de vida

Síntese

A destinação final dos resíduos sólidos do município de São Mateus, norte do Espírito Santo, é, desde o início de 2007, o pivô de um intenso conflito entre a comunidade do bairro Litorâneo e a Prefeitura Municipal de São Mateus. O principal foco de conflito é o risco de que os resíduos provenientes do futuro aterro, especialmente o chorume, possam vir a contaminar nascentes existentes a 40 metros do local escolhido pela prefeitura. Essas nascentes seriam responsáveis pelo abastecimento do bairro e de parte do município de Conceição da Barra. Além disso, os moradores temem pela sua saúde, e que o aterro sanitário inviabilize a instalação de novos empreendimentos projetados para o local, como o Centro Universitário do Norte do Espírito Santo (CEUNES/UFES) e o Centro Federal de Educação Tecnológica (CETEFES), vistos como estratégicos para o desenvolvimento da região.

Toda a polêmica teve início quando o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) determinou que a prefeitura local fechasse o lixão existente no bairro Liberdade e destinasse adequadamente os resíduos sólidos do município. Inicialmente o lixo da cidade foi transportado para o aterro sanitário existente no município de Aracruz. Contudo, devido aos altos custos desse processo, se projetou um novo aterro sanitário para São Mateus. Este projeto recebeu o aval do Instituto Estadual de Meio Ambiente (IEMA), que o licenciou sem maiores considerações. A população do bairro escolhido reclama de não ter sido consultada sobre o projeto e se recusa a corroborá-lo.

Diante da recusa da prefeitura em cancelar o projeto, a Associação de Moradores do Bairro Litorâneo ofereceu denúncia ao Ministério Público Estadual (MPE), que, embasado em laudo técnico emitido pelo engenheiro agrônomo Marcos Eugênio Pires de Azevedo Lopes, entrou com ação popular e conseguiu o embargo judicial da obra.

Desde então, tanto o IEMA, quanto a Comissão de Meio Ambiente da Assembléia Legislativa do Estado do Espírito Santo (ALES), têm realizado audiências públicas a fim de esclarecer a população e negociar uma solução para o impasse. Deputados estaduais já realizaram visitas a fim de conhecer o local escolhido, aclarar pontos ainda obscuros do projeto e verificar as denúncias feitas pela população.

Segundo o Vereador André Nardoto, o projeto apresentaria vícios de origem, na medida em que técnicos do IEMA teriam prestado consultoria à Prefeitura de São Mateus ainda na fase de elaboração do projeto, o que seria motivo para anular todo o processo de licenciamento ambiental realizado pelo mesmo órgão. Tanto a prefeitura quanto o IEMA negam as acusações e alegam que o projeto do aterro sanitário é sólido e não apresentaria qualquer risco para a saúde da população ou para o meio ambiente local. Além disso, estaria de acordo com a legislação vigente.

Entretanto, o aterro sanitário não é o único projeto que preocupa os moradores do bairro Litorâneo. Em março de 2007, o Jornal Século Diário noticiou que uma usina termoelétrica estaria sendo licenciada pelo grupo francês Carbolyse junto à Secretaria de Meio Ambiente do município a fim de reutilizar parte dos resíduos provenientes do aterro sanitário como combustível para geração de energia. Segundo os moradores do bairro, a usina seria uma segunda ameaça à bacia do rio Cricaré e em nenhum momento eles teriam sido consultados a esse respeito. Não há novas informações sobre o andamento do licenciamento da usina, possivelmente devido ao impasse existente em relação ao projeto do aterro sanitário.

Todas essas denúncias caracterizam o conflito como um caso clássico de ameaça à saúde coletiva e ambiental decorrente de políticas públicas geradoras de situações de injustiça ambiental. A população do bairro Litorâneo e parte da população de Conceição da Barra estão sendo selecionadas para assumir os custos ambientais do desenvolvimento do município. Este caso também tem elementos que possibilitam que seja entendido como um caso clássico de transferência de riscos, na medida em que a comunidade do Litorâneo irá assumir os riscos hoje existentes no bairro Liberdade.

Contexto Ampliado

A dinâmica do conflito envolvendo a prefeitura do município de São Mateus e a comunidade do bairro Litorâneo não é estranha ao universo dos casos de riscos á saúde decorrente de situações de injustiça ambiental. Tradicionalmente, a alocação de aterros sanitários, lixões, usinas de reciclagem, incineradores, instalações industriais e/ou empreendimentos poluentes têm obedecido a uma lógica calcada na desigualdade de acesso a bens materiais e simbólicos que reserva esses empreendimentos prioritariamente a áreas e comunidades formadas por população de baixa renda, grupos étnicos ou raciais minoritários ou grupos socialmente vulneráveis.

Em São Mateus há ainda o agravante de o aterro sanitário se apresentar enquanto a solução para uma situação de risco ambiental pré-existente e para a qual não há mais meios de protelação. Diante da impossibilidade legal de se manter o despejo dos resíduos sólidos no lixão existente no bairro Liberdade, devido à determinação do IBAMA proibindo-o, a prefeitura local buscou uma solução que se apresentava como a melhor sob o ponto de vista meramente econômico (já que evitava os altos custos relacionados ao transporte do lixo para outros municípios), sem levar em consideração certas peculiaridades de terreno selecionado e sem qualquer tipo de consulta à população que iria passar a conviver com o futuro aterro sanitário.

Segundo alega o governo municipal, foram realizados estudos prévios que indicaram a área escolhida como a melhor opção de alocação do aterro. O principal argumento para isso é o fato de a área ter sido previamente degradada por décadas de plantio de eucalipto, o que significa que o lençol freático no local está bem abaixo do nível onde ficaria a manta a ser escavada para a impermeabilização do terreno e instalação do aterro. Segundo técnicos da prefeitura e do IEMA, o projeto do aterro sanitário foi elaborado de forma a não apresentar quaisquer riscos para a população ou meio ambientes locais e constitui a única alternativa viável para o problema da destinação final de todo o lixo gerado no município.

Entretanto, os moradores alegam que os estudos da prefeitura não teriam levado em consideração a existência de nascentes do rio Cricaré a menos de 40 metros do local escolhido, que poderiam ser contaminadas por possíveis vazamentos de chorume e outros resíduos tóxicos gerados na decomposição do lixo depositado no aterro. Além disso, laudo técnico elaborado pelo engenheiro agrônomo Marcos Eugênio Pires de Azevedo Lopes aponta ?que o aterro fere a legislação ambiental vigente, pois não respeita a distância mínima para corpos hídricos, não propicia a aceitação da população e não está de acordo com o zoneamento da região dada à importância hídrica da bacia de contribuição [do córrego das Piabas, contribuinte do córrego Cricaré, importante manancial que abastece os municípios] para os municípios de São Mateus e Conceição da Barra e o possível comprometimento do desenvolvimento da região de entorno pela instalação dos centros de educação Ceunes e Cefetes?. Além desses centros de educação, está prevista a construção de um hospital universitário no bairro. Certamente a proximidade com um aterro sanitário poderia inviabilizar a instalação de tais empreendimentos, o que significaria um impacto ainda maior para a população local, que se veria alijada de importantes alternativas educacionais e de acesso a serviços de saúde.

O próprio CEUNES, através da coordenadora do curso de Biologia, Mônica Maria Pereira Tognella de Rosa, apontou o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) do aterro como falho, na medida em que ?não apresentou levantamento topográfico da área do aterro sanitário, nem análise de mapa topográfico da região indicando declividade do terreno, nem dos locais vizinhos e desconsidera a existência na área de influência direta de duas fontes de extração de água mineral?.

A referência às fontes de extração de água mineral se deve à existência de empresas engarrafadoras de água mineral no bairro, que poderiam ter suas atividades paralisadas caso viesse a ocorrer qualquer tipo de contaminação das nascentes pelos resíduos provenientes do aterro. O que significa dizer que, além dos impactos ambientais, dos riscos à saúde da população, dos impactos sociais decorrentes da não-instalação dos empreendimentos previstos, o aterro ainda poderia gerar prejuízos econômicos às empresas já existentes. Todos esses fatores concorreram para que se estabelecesse no bairro uma grande oposição ao projeto.

Essa oposição ficou bastante nítida durante a realização de audiências públicas para discutir o projeto (realizadas após o início das mobilizações da comunidade, e não durante o processo de licenciamento), nas quais, em média, mais de 450 pessoas compareceram munidas de faixas, cartazes e discursos contrários à instalação do aterro. A primeira dessas mobilizações se deu em 13 de junho de 2007, durante a audiência sobre o Plano Plurianual realizada na Câmara dos Vereadores do município. Durante a audiência, cerca de 70 manifestantes compareceram para protestar contra o aterro sanitário. Nessa mesma ocasião, o vereador André Nardoto denunciou que ?houve a participação de funcionários do Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (IEMA), na consultoria feita para a instalação do empreendimento?. Os moradores da região ainda questionaram a validade dos estudos feitos e criticaram o Termo de Ajuste entre o empreendimento e o IEMA, que permitiu a instalação do lixão.

Pressionada pelas denúncias, a prefeitura local se viu obrigada a realizar uma audiência pública a fim de ?esclarecer? a população sobre o projeto. Esta audiência foi realizada no dia 19 de junho e contou com a presença de técnicos da prefeitura e do IEMA que garantiram a segurança do projeto e se posicionaram pela continuidade do mesmo. Na prática, a audiência não surtiu o efeito desejado e não evitou que o Ministério Público Estadual (MPE) entrasse com uma ação popular, com base nas denúncias feitas pela Associação de Moradores do bairro e dos laudos técnicos existentes, e conseguisse na justiça o embargo da obra.

No mês seguinte o problema foi apresentado à Comissão de Meio Ambiente da Assembléia Legislativa do Estado do Espírito Santo (ALES), através de denúncias durante audiência pública realizada na própria assembléia, em Vitória. Mais uma vez os moradores apresentaram seus temores, e mais uma vez a prefeitura negou qualquer possibilidade de contaminação. Na ocasião, a diretora técnica do IEMA, Sueli Tonini, garantiu que as normas técnicas para a implantação de um aterro sanitário estavam sendo seguidas e afirmou que a oposição ao projeto era fruto de ?preconceito? dos moradores do bairro Litorâneo. Nenhum dos lados cedeu durante a audiência, o que levou os deputados a organizarem uma visita ao local a fim de investigar in loco as denúncias e sanar as divergências existentes entre os dados apresentados pelo poder público e pela população.

Essa visita foi realizada no dia 2 de agosto de 2007 e, após a inspeção da área da obra, foi realizada uma nova audiência pública, na qual ficou decidido que seria criada uma comissão especial para tratar do assunto. Fariam parte dela, além de membros da Comissão de Meio Ambiente, representantes do IEMA, da Prefeitura, dos empresários locais, das associações de moradores, do Ministério Público e do Poder Judiciário.

Não há registros de que essa comissão tenha sido efetivamente criada. Contudo, no dia 13 de setembro de 2007, foi realizada uma nova audiência pública na Comissão de Meio Ambiente da Assembléia Legislativa, onde técnicos do IBAMA, da Secretaria de Meio Ambiente de São Mateus, da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), do CETEFES e do IEMA apresentaram pareceres técnicos sobre o caso. Apesar disso, o impasse permanece.

Desde 2008, São Mateus está cotado para ser o centro regional do projeto ?Espírito Santo sem lixão?, projeto do Governo do Estado do Espírito Santo para por fim à existência de lixões e substituí-los por aterros sanitários. O que significa que o aterro sanitário do Litorâneo receberia não apenas os resíduos sólidos do município, mas também os resíduos de diversos municípios da região, intensificando ainda mais os riscos existentes. Esse dado parece indicar que ainda não há perspectiva de que o conflito seja solucionado em um futuro próximo, e que a população do bairro tem um longo trabalho pela frente.

Última atualização em: 17 de dezembro de 2009

Fontes

ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO. Aterro sanitário de São Mateus será tema de nova audiência. Disponível em: http://www.al.es.gov.br/trabalho.cfm?ParId_noticia=12408. Acesso em: 1 jun. 2009.

ESPAÇO AMBIENTAL. Justiça embarga aterro sanitário em São Mateus. Disponível em: http://www.espacoambiental.com.br/pdf/espaco02.pdf. Acesso em: 1 jun. 2009.

SÉCULO DIÁRIO. Lixão e termoelétrica apavoram moradores de São Mateus. Disponível em: http://www.seculodiario.com.br/arquivo/2007/marco/30/noticiario/meio_ambiente/30_03_08.asp. Acesso em: 1 jun. 2009.

__________. Audiências debaterão construção do lixão em São Mateus. Disponível em: http://www.seculodiario.com.br/arquivo/2007/junho/13/noticiario/meio_ambiente/13_06_07.asp. Acesso em: 1 jun. 2009.

__________. Deputados vão a São Mateus visitar aterro sanitário. Disponível em: http://www.seculodiario.com.br/arquivo/2007/julho/10/noticiario/meio_ambiente/10_07_09.asp. Acesso em: 1 jun. 2009.

__________. Aterro em São Mateus entra em discussão novamente na Assembléia . Disponível em: http://www.seculodiario.com.br/arquivo/2007/setembro/12/noticiario/meio_ambiente/12_09_07.asp. Acesso em: 1 jun. 2009.

VERMELHO.ORG. Vereador André Nardoto denuncia lixão de São Mateus no norte do ES. Disponível em: http://www.vermelho.org.br/base.asp?texto=19621. Acesso em: 1 jun. 2009.

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