ES – Com sua herança reduzida a um-quarto, quilombolas de Araçatiba buscam reconhecimento e usam cultura para manter vivas as tradições

UF: ES

Município Atingido: Viana (ES)

Outros Municípios: Viana (ES)

População: Quilombolas

Atividades Geradoras do Conflito: Atuação de entidades governamentais, Monoculturas

Impactos Socioambientais: Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, Falta / irregularidade na demarcação de território tradicional

Danos à Saúde: Falta de atendimento médico, Insegurança alimentar, Piora na qualidade de vida

Síntese

Descendentes dos antigos escravos do fazendeiro Sebastião Vieira Machado, os atuais moradores da comunidade quilombola de Araçatiba, em Viana, sul do Espírito Santo, lutam pelo reconhecimento de seu legado cultural e pela titulação de seu território tradicional.

Araçatiba está localizada a cerca de 20 km da sede do município de Viana e a 30 km do centro de Vitória. Possui aproximadamente 200 famílias ou cerca de 800 moradores. Majoritariamente, sua população é descendente de quilombolas, mas também há uma pequena parcela de famílias não-quilombolas na comunidade. Algumas manifestações culturais preservam a identidade negra no local, como a criação e manutenção da banda de Congo Mãe Petronilha. No entanto, a área ainda não é oficialmente reconhecida como quilombola.

Desde 2006, a comunidade tem se organizado a fim de obter este reconhecimento. Os cerca de cinco hectares que ocupam hoje são oficialmente propriedade da Arquidiocese de Vitória, que os recebeu em nome de uma doação feita pelos descendentes do antigo proprietário a Nossa Senhora D?Ajuda (terra de santo), para usufruto dos ex-escravos de seu antepassado. Cada escravo recebeu um lote nas terras, do qual seus descendentes possuem apenas recibos registrados em cartório, sem qualquer direito além de habitar e cultivar as terras.

Inicialmente as terras legadas aos negros possuíam aproximadamente 20 hectares, porém, foram paulatinamente sendo ocupadas por fazendeiros da região, até restar apenas a parcela ocupada atualmente. As terras restantes são insuficientes para a manutenção de seu modo de vida tradicional, o que obriga a maioria dos quilombolas a buscar emprego fora da comunidade, seja em Viana, seja em outros municípios da Grande Vitória.

Além da necessidade de reconquistar e garantir seu território original e do reconhecimento da comunidade enquanto remanescente de quilombo, a comunidade de Araçatiba ainda sofre com a falta de saneamento básico e atendimento médico. Das 215, casas apenas 32 têm sistema de esgoto ligado à rede geral. O sistema, contudo, ainda não está operando. Cerca de 12% das casas ainda dependem exclusivamente de água advinda de poços ou nascentes para suas atividades diárias.

O posto médico existente na comunidade possui apenas um clínico geral, que atende apenas três vezes por mês. Não há serviço de enfermagem ou de emergência após as 15hs, e tampouco há atendimento odontológico ou pediátrico. A prefeitura local se mostra mais disposta a financiar ações pontuais de resgate cultural, como oficinas de culinária tradicional, do que garantir o acesso da comunidade a um sistema de saúde de qualidade.

Apoiados por ONGs e entidades ligadas ao movimento quilombola, os moradores de Araçatiba têm se articulado com outras comunidades remanescentes de quilombo do estado a fim de fortalecer sua luta e garantir seus direitos. Entre essas entidades parceiras se destacam o Fórum Comunitário de Araçatiba, o Comitê de Entidades no Combate à Fome e pela Vida (COEP), o Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (IBASE) e os Agentes de Pastorais Negros do Espírito Santo (APN/ES).

Contexto Ampliado

Segundo artigo de Nahyda França, a comunidade de Araçatiba é uma das mais antigas do Estado do Espírito Santo. Originalmente parte das terras do fazendeiro Sebastião Vieira Machado, a então chamada Fazenda Araçatiba, tornou-se a comunidade existente hoje por volta de 1860, quando os herdeiros de Sebastião Machado doaram cerca de 20 hectares aos remanescentes daqueles 800 escravos trazidos da África por Sebastião para o cultivo de cana-de-açúcar.

Seguindo as tradições da época, as terras foram doadas oficialmente a Nossa Senhora d?Ajuda, ficando sob posse da Arquidiocese de Vitória. Aos ex-escravos e seus descendentes era garantido apenas o usufruto do território e os frutos do seu trabalho. Essas terras foram então subdivididas em lotes, que cada família pode cultivar de acordo com seus interesses. Devido à situação peculiar da titularidade das terras, nenhuma família possui títulos definitivos de seus lotes, apenas recibos emitidos pelo cartório local que indicam que determinado lote pertence àquela família. Essa situação propiciou que muitos fazendeiros da região ocupassem vastas áreas do território original, ocasionando sua redução em mais de 75%. Dos 20 hectares originais, restam em posse dos quilombolas pouco mais de cinco hectares.

Aos poucos, a cultura da cana-de-açúcar foi sendo substituída pela cultura da mandioca e a produção de farinha. Nessa época, os moradores da comunidade ainda encontravam ocupação nas fazendas e complementavam assim a sua agricultura de subsistência. Posteriormente a agricultura foi dando lugar a pastos para o gado, e os quilombolas se viram forçados a vender sua força de trabalho na sede do município e em outras cidades. Em geral, ocupam postos subalternos em empresas de vigilância ou como empregados domésticos. Por esses motivos, atualmente menos de 10% da população local ainda cultiva em seus lotes.

A perda do território e de parte de seu modo de vida tradicional não significou, porém, a extinção de suas manifestações culturais. A história da comunidade ainda é transmitida de forma oral pelos seus moradores mais antigos, a tradição da congada é mantida viva pela banda de congo Mãe Petronília, e rituais africanos compartilham com a liturgia católica o espaço de oração, especialmente em ocasiões de festa. O batuque é passado às novas gerações através de uma banda mirim, e a capoeira permanece uma prática bastante difundida. Recentemente, a Prefeitura Municipal de Viana iniciou um programa de resgate das tradições culinárias da comunidade, no qual foram realizadas oficinas onde as mulheres da comunidade puderam compartilhar de receitas tradicionais que estavam caindo em desuso e aprender a culinária de suas antepassadas.

Todo esse trabalho, entretanto, corre o risco de se perder com a desestruturação da comunidade provocada pelo êxodo de seus membros para outras localidades em decorrência da pouca disponibilidade de terras e da falta de empregos na região. É nesse sentido, que a garantia de seu território original se insere enquanto importante fator de manutenção da coesão social da comunidade e de fortalecimento de sua identidade diferenciada.

Para tanto, as diversas organizações existentes na comunidade têm se articulado localmente, através do Fórum Comunitário de Araçatiba. Regionalmente há uma forte aliança com os quilombolas da comunidade de Retiro, em Santa Leopoldina. Dessa aliança nasceu, em agosto de 2007, a Caminhada Noturna dos Zumbis Contemporâneos, que uniu quilombolas de diversas comunidades do Espírito Santo numa marcha entre Cariacica e Santa Leopoldina.

Segundo os organizadores da marcha: ?A passeata [tinha] como objetivos homenagear o mais importante líder quilombola, Zumbi dos Palmares, dar visibilidade à luta do movimento negro organizado, partilhar momentos de resistência, solidariedade e vitórias dos movimentos participantes. Além disso, integrantes do movimento lutam pela titulação das terras quilombolas, reparações e cotas para a população negra, educação quilombola alternativa. Protestam ainda contra o assassinato da juventude negra e o reconhecimento e valorização dos(as) congueiros(as)?.

Cultura, território e luta formam, assim, a base das ações da comunidade a fim de garantir para seus filhos um elo de ligação com o passado e a base da construção diária de seu futuro.

Última atualização em: 17 de dezembro de 2009

Fontes

EXPO BRASIL. Mobilização comunitária para o desenvolvimento Local. Disponível em: http://www.rededlis.org.br/?q=pt-br/node/182. Acesso em: 11 maio 2009.

FRANCA, Nahyda. Araçatiba: terra de preto(a), terra de indígena, terra de santo? Disponível em: http://www.ibase.br/modules.php?name=Conteudo&pid=1818. Acesso em: 11 maio 2009.

IBASE. Comunidades quilombolas caminham em defesa da consciência negra. Disponível em: http://www.viana.es.gov.br/index.php?target=noticia_leitura&nid=331. Acesso em: 11 maio 2009.

__________. Diagnóstico social de Araçatiba. Disponível em: www.ibase.br/userimages/Diagnostico_Aracatiba.pdf. Acesso em: 11 maio 2009.

OBSERVATÓRIO QUILOMBOLA. Quilombolas participam de pré-conferência de segurança alimentar. Disponível em: http://www.koinonia.org.br/oq/noticias_detalhes.asp?cod_noticia=2524&tit=Not%EDcias. Acesso em: 11 maio 2009.

PREFEITURA MUNICIPAL DE VIANA. Araçatiba festeja cultura negra com missa e shows de congo. Disponível em: http://www.viana.es.gov.br/index.php?target=noticia_leitura&nid=331. Acesso em: 11 maio 2009.

__________. Mulheres de Araçatiba resgatam pratos típicos da culinária local . Disponível em: http://www.viana.es.gov.br/index.php?target=noticia_leitura&nid=331. Acesso em: 11 maio 2009.

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