Comunidade quilombola de Patioba enfrenta saneamento inadequado, poluição hídrica e do ar por agrotóxicos e queimadas, degradação do solo e escassez de recursos naturais devido às monoculturas de cana-de-açúcar e à exploração petrolífera

UF: SE

Município Atingido: Japaratuba (SE)

População: Agricultores familiares, Quilombolas

Atividades Geradoras do Conflito: Agrotóxicos, Linhas de transmissão

Impactos Socioambientais: Alteração no ciclo reprodutivo da fauna, Assoreamento de recurso hídrico, Contaminação ou intoxicação por substâncias nocivas, Desmatamento e/ou queimada, Falta / irregularidade na autorização ou licenciamento ambiental, Falta de saneamento básico, Incêndios e/ou queimadas, Poluição atmosférica, Poluição de recurso hídrico, Poluição do solo

Danos à Saúde: Contaminação por agrotóxico, Contaminação química, Desnutrição, Insegurança alimentar, Piora na qualidade de vida

Síntese

A comunidade quilombola de Patioba está localizada no município de Japaratuba (SE), a cerca de 54 km de Aracaju, às margens da rodovia federal BR-101 e próxima ao Parque de Tubos de Saquinho, usado por empresas que exploram o petróleo no campo petrolífero de Carmópolis, o maior campo petrolífero continental do Brasil. Fundada por ex-escravizados, a comunidade abriga cerca de 160 famílias, totalizando aproximadamente 720 pessoas, que obtêm renda da agricultura familiar, programas sociais, e como trabalhadores/as na indústria petrolífera e artesanato.

A área apresenta condições precárias de saneamento básico, com coleta de lixo insuficiente, queima de resíduos, esgoto a céu aberto e armazenamento inadequado da água, o que contribui para doenças transmitidas por microrganismos e contaminantes químicos ambientais. O reconhecimento formal da comunidade como remanescente de quilombo ocorreu em 12 de maio de 2006 pela Fundação Cultural Palmares (FCP), seguido pelo Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (Rtid) elaborado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em 2016.

A criação da Fundação Cultural Palmares (FCP) (Lei 7.668/1988) e do Programa Brasil Quilombola em 2004, posteriormente substituído pelo Programa Aquilomba Brasil em 2023, são marcos das políticas públicas voltadas aos direitos territoriais, sociais, econômicos e culturais dos remanescentes dos quilombos. Apesar disso, a comunidade ainda enfrenta vulnerabilidades significativas, como saneamento inadequado, poluição hídrica e do ar, degradação do solo e escassez de recursos naturais devido às monoculturas de cana-de-açúcar e à exploração petrolífera.

O uso indiscriminado de agrotóxicos e queimadas prejudica a saúde dos moradores e afeta a disponibilidade de alimentos provenientes da caça e da pesca. A poluição hídrica e a erosão causada pela indústria petrolífera impactam a fauna, a flora e a agricultura familiar. A legislação vigente, como a Lei 11.445/2007 e a Lei 14.016/2020, prevê a universalização do saneamento básico, mas as condições locais demonstram um descompasso entre as normas e a realidade, expondo a comunidade a riscos sanitários.

A ação do Ministério Público Federal em Sergipe (MPF/SE) tem sido fundamental para proteger os direitos de Patioba, incluindo ações civis públicas contra a FCP, o Instituto do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e a Companhia Hidroelétrica do São Francisco (Chesf) por obras irregulares, além de negociações com empresas de cana-de-açúcar para reduzir impactos de queimadas e pulverizações aéreas de agrotóxicos.

Apesar do reconhecimento formal e de políticas públicas, a comunidade quilombola de Patioba continua vulnerável à pressão de grupos econômicos, e sua luta histórica pela preservação territorial, cultural e ambiental permanece central para sua sobrevivência e resistência.

 

 

Contexto Ampliado

A comunidade quilombola de Patioba se localiza no município de Japaratuba (SE), que fica a cerca de 54 quilômetros da capital do estado de Sergipe, Aracaju. A comunidade fica a cerca de 7,5 quilômetros da sede do município e às margens da rodovia federal BR-101, perto do depósito de materiais industriais conhecido como Parque de Tubos de Saquinho, administrado pela Petróleo Brasil S/A (Petrobras).

Japaratuba faz parte da região do campo petrolífero de Carmópolis. Esse campo abrange áreas nos municípios de Carmópolis, General Maynard, Japaratuba, Maruim, Rosário do Catete e Santo Amaro das Brotas (SE), e é considerado o maior campo petrolífero continental do Brasil (Almeida, 2019).

Japaratuba faz parte da mesorregião do leste sergipano e da microrregião que leva o mesmo nome do município. As principais atividades econômicas desenvolvidas na cidade estão ligadas à Petrobras e à monocultura de cana-de-açúcar (Santana, 2014).

A comunidade quilombola de Patioba foi fundada por ex-escravizados que fugiram dos engenhos de açúcar da região. Seu nome tem origem indígena e significa “cobra peçonhenta” (Santana, 2014).

 

Imagem de satélite mostrando a localização da comunidade Patioba. Fonte: Google Maps (2025).

 

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Primeiro Censo Quilombola do País, realizado em 2022, registrou a existência de 495 territórios quilombolas oficialmente delimitados, nos quais vivem 167.789 pessoas. Ainda foram registrados mais 1.162.417 quilombolas que vivem fora de seus territórios, totalizando 1.330.186 pessoas autoidentificadas como remanescentes de quilombos no Brasil, representando cerca de 0,66% da população total (IBGE, 2023).

 

Apresentação de dança na Comunidade Quilombola Patioba. Fonte: Tiago Neves  (MPF/SE, 2020).

 

Cerca de 160 famílias e 720 pessoas residem na comunidade quilombola de Patioba, das quais 143 são cadastradas e reconhecidas como quilombolas. (Feitosa et al., 2021). A maior parte dos moradores obtém sua renda com a agricultura familiar e por meio de programas assistenciais do governo federal, como o Bolsa Família e a aposentadoria rural. Além dessas fontes de renda, alguns membros da comunidade trabalham na indústria petroleira, e outros produzem artesanato para vender, especialmente as mulheres (Almeida; Silva, 2019).

Em 1988, no contexto da promulgação da nova Constituição Federal pós-ditadura militar, a Fundação Cultural Palmares (FCP) foi criada pela Lei 7.668/1988, uma entidade pública ligada ao Ministério da Cultura (MinC). Entre outras atribuições à FCP, a lei determinava que:

“Art. 1º Fica o Poder Executivo autorizado a constituir a Fundação Cultural Palmares – FCP, vinculada ao Ministério da Cultura, com sede e foro no distrito Federal, com a finalidade de promover a preservação dos valores culturais, sociais e econômicos decorrentes da influência negra na formação da sociedade brasileira. Art. 2º A Fundação Cultural Palmares – FCP poderá atuar, em todo o território nacional, diretamente ou mediante convênios ou contrato com Estados, Municípios e entidades públicas ou privadas, cabendo-lhe: I – promover e apoiar eventos relacionados com os seus objetivos, inclusive visando à interação cultural, social, econômica e política do negro no contexto social do país; II – promover e apoiar o intercâmbio com outros países e com entidades internacionais, através do Ministério das Relações Exteriores, para a realização de pesquisas, estudos e eventos relativos à história e à cultura dos povos negros; III – realizar a identificação dos remanescentes das comunidades dos quilombos, proceder ao reconhecimento, à delimitação e à demarcação das terras por eles ocupadas e conferir-lhes a correspondente titulação. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.216-37, de 31.8.2001) Parágrafo único. A Fundação Cultural Palmares – FCP é também parte legítima para promover o registro dos títulos de propriedade nos respectivos cartórios imobiliários. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.216-37, de 31.8.2001)” – (Lei 7.668/1988, Brasil).

A criação da FCP foi um marco na luta pelos direitos das pessoas negras e dos quilombolas no Brasil. Essa instituição está presente em diversas discussões legislativas e se articula com movimentos sociais para buscar cumprir a missão estabelecida pela lei que a constituiu.

Em 12 de março de 2004, o primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT – 2003-2006) criou o “Programa Brasil Quilombola”, com o objetivo de fortalecer as políticas públicas voltadas às populações das comunidades de remanescentes de quilombos brasileiras. Esse programa foi considerado uma das principais políticas públicas do governo em questão e buscava garantir os direitos à terra, alimentação, documentação básica, educação, esporte, infraestrutura, lazer, moradia adequada, previdência social e saúde nas comunidades (Santana, 2014).

Em 12 de maio de 2006, a FCP reconheceu Patioba como Comunidade Remanescente de Quilombo. Esse reconhecimento deu início a um processo de estudos antropológicos, étnicos, culturais, históricos e socioeconômicos conduzidos pelo setor de Regularização de Territórios Quilombolas do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária em Sergipe (Incra/SE) (Ministério Público Federal, 2016).

Segundo informações levantadas por Rosevaldo de Santana, especialista em Gestão de Políticas Públicas pela Universidade Federal do Sergipe e professor da rede pública de ensino básico, a Associação de Moradores da Patioba foi fundada em 17 de julho de 2009, com o objetivo de formalizar a organização dos moradores da comunidade para pleitear seus direitos e o processo de regularização da posse das suas terras pelo Incra (Santana, 2014).

Segundo o estudo no qual realizaram um levantamento acerca das condições dos quilombos sergipanos, Feitosa et al. (2021) apontam que as famílias da comunidade Patioba vivem em situação de precariedade de saneamento básico, citando a falta de um sistema de coleta de lixo e de abastecimento de água adequados. O acesso à água na Patioba é feito por meio de poços artesianos, bombas d’água e carros pipa, que abastecem as caixas d’água da comunidade. (Feitosa et al., 2021)

Ainda em relação aos problemas relacionados à qualidade da água em Patioba, Torales et al. (2019) apontam que os moradores relatam que as caixas d’água utilizadas para o armazenamento da água quase nunca são higienizadas, e que a maioria das pessoas não realiza o tratamento adicional com hipoclorito de sódio disponibilizado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) por falta de incentivos e informação. Essa realidade causa diversas doenças transmitidas por microrganismos que se desenvolvem na água não tratada, utilizada pelos habitantes da Patioba (Torales et al., 2019).

O manejo dos resíduos sólidos na comunidade Patioba merece atenção. Como a coleta de lixo disponibilizada pela prefeitura municipal só ocorre em dois dias na semana, muitos moradores realizam a queimada de boa parte de seus resíduos sólidos produzidos no ambiente doméstico (Torales et al., 2019).

Essa prática interfere na qualidade do ar da comunidade, ocasionando problemas respiratórios, especialmente em idosos e crianças. Além da queima de resíduos, alguns moradores também descartam seu lixo na rua diante de suas residências, ao ar livre, a fim de limpar seus quintais (Ibid.).

Portanto, percebe-se que o problema, que tem origem na ineficiência da prefeitura municipal em oferecer o serviço de coleta de lixo adequada à comunidade, contribui para a situação de vulnerabilidade sanitária de seus moradores. Não obstante, a pesquisa realizada por Torales et al. (2019) demonstra que parte da comunidade já está consciente de que a reciclagem desses resíduos poderia ser uma saída para mitigar as questões relativas ao lixo. Todavia, a falta de políticas públicas voltadas a esse objetivo no local também impede que essa seja uma alternativa viável para os residentes de Patioba lidarem com o lixo que produzem.

No que se refere ao saneamento básico, todas as residências do quilombo contam com caixas coletoras de dejetos humanos. Entretanto, isso não ocorre com relação ao esgoto da água utilizada nos afazeres domésticos, como lavar louças ou roupas e tomar banho (conhecidas como “águas cinzas”), pois boa parte das residências conta com um sistema de escoamento que resulta na exposição desse esgoto a céu aberto, ocasionando mau cheiro e problemas de saúde (Torales et al., 2019).

Devido aos dados acerca das condições sanitárias da comunidade expostos acima, pode-se perceber uma lacuna na execução do que é previsto pela Lei federal 11.445/2007, posteriormente alterada pela Lei 14.016/2020, que define as diretrizes nacionais para o saneamento básico. Essa legislação, entre outros pontos, discorre sobre a necessidade de promover a universalização de boas condições de saneamento para a população brasileira.

Em outro trecho da Lei 14.016/2020, observa-se que a obrigação do Estado é prestar serviços públicos de “abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo dos resíduos sólidos realizados de forma adequada à saúde pública, à conservação dos recursos naturais e à proteção do meio ambiente” (Lei 14.016/2020, Art. 2°, inciso III).

A mesma lei demonstra em seu Capítulo IX, que define a Política Federal de Saneamento Básico, critérios de prioridade para a promoção universal do acesso ao saneamento básico:

Art. 48. A União, no estabelecimento de sua política de saneamento básico, observará as seguintes diretrizes: (…) IX – adoção de critérios objetivos de elegibilidade e prioridade, considerados fatores como nível de renda e cobertura, grau de urbanização, concentração populacional, porte populacional municipal, áreas rurais e comunidades tradicionais e indígenas, disponibilidade hídrica e riscos sanitários, epidemiológicos e ambientais.” (Lei 14.016/2020, Art. 48, inciso IX)

Logo, percebe-se que há um descompasso entre o que observa a legislação e o que ocorre na comunidade quilombola de Patioba com relação aos serviços de saneamento básico, que colocam em risco sanitário a população local. Inclusive, em estudo conduzido na comunidade, foi detectado um nível alto de coliformes termotolerantes, grupo ao qual pertence a bactéria Escherichia Coli, conhecida como E. Coli, responsável por doenças gastrointestinais como a diarreia, “conforme as Resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) nº 396/2008 (Brasil, 2008) para águas subterrâneas e, a Portaria do Ministério da Saúde nº 2914/2011 (Brasil, 2011) referente a potabilidade de água de consumo humano” (Bortoluzzi et al., 2019).

As lavouras de cana-de-açúcar que dominam boa parte do município de Japaratuba são outra ameaça à saúde e ao modo de vida tradicional da comunidade. Os moradores relatam dificuldades em obter alimentos oriundos da caça e da pesca, pois os animais estão rareando em função da aplicação de agrotóxicos (Torales, 2013).

A poluição do ar por parte dos donos das monoculturas de cana também é um problema denunciado pela comunidade quilombola. Segundo denúncia apresentada pelos moradores ao Ministério Público Federal em Sergipe (MPF/SE) em 2025, pulverizações aéreas de agrotóxicos e queimadas estão sendo realizadas nas lavouras de cana-de-açúcar pelos latifundiários da região, que chegam até a Escola Muncipal Tarsila Canuto Tadeu, localizada em Patioba.

Segundo nota publicada no site do MPF:

“As crianças vêm sendo afetadas com o cancelamento de aulas por causa da queima de cana perto da escola. ‘As queimas e as pulverizações não são avisadas, não tem contato com a empresa, tampouco compensação para a comunidade. As máquinas destroem as estradas e o Riacho Jenipapo está sendo atingido pela pulverização aérea’, informou representante da comunidade durante a reunião.” (MPF/SE , 2025)

 

Queimadas nas plantações de cana-de-açúcar em Japaratuba/SE. Fonte: Almeida; Silva, 2019.

 

Além disso, a utilização dos recursos hídricos para a irrigação das plantações vem causando uma diminuição do nível dos corpos d’água de toda a bacia hidrográfica do rio Japaratuba (Almeida, 2019), o que compromete também as famílias que dependem da agricultura familiar para retirar seu sustento econômico e alimentar. Inclusive, foram flagradas barragens construídas pelos donos das monoculturas de cana-de-açúcar, como podemos ver nas imagens abaixo:

 

Barragens irregulares no rio Japaratuba. Fonte: Almeida; Silva, 2019.

 

Outra atividade econômica desenvolvida no município de Japaratuba e que causa impactos socioambientais na comunidade quilombola de Patioba é a indústria petrolífera, que atua no campo petrolífero de Carmópolis:

“É o maior campo petrolífero terrestre do país, que tem área de aproximadamente 150 km², reunindo mais de 1.200 poços de extração. Essa produção foi iniciada na década de 1960, e tem a Petrobrás como empresa responsável pela operação desse campo, que destina um recurso para os municípios em que o petróleo é extraído, denominado de royalties. Essa área, além de extrair petróleo, atividade de maior proporção, extrai gás natural, sal gema, sais de potássio e magnésio em menor proporção.” (Almeida, 2019)

A utilização dos recursos hídricos por parte da Petrobras na região afeta a qualidade da água dos rios e riachos. As águas residuais oriundas da produção petrolífera têm sido lançadas no rio Japaratuba (Embrapa, 2012 apud Almeida; Silva 2019), comprometendo a vida animal e vegetal nos corpos hídricos devido à presença de metais pesados e outros componentes que alteram quimicamente a qualidade da água (Almeida,2019).

A extração de sedimentos do solo colabora para o aumento da erosão por conta do maior escoamento superficial da água, contribuindo em larga escala para o assoreamento dos rios da região (Ibid). Todas essas alterações em relação às águas, ao solo, à qualidade do ar e ao ciclo reprodutivo de plantas e animais afetam as comunidades rurais do muncípio de Japaratuba, em especial aquelas que têm com a terra uma relação de codependência e pertencimento, como é o caso da comunidade quilombola.

Em 11 de maio de 2016, o Incra publicou o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (Rtid) do território da comunidade quilombola de Patioba no Diário Oficial da União (DOU). Esse reconhecimento institucional foi um passo importantíssimo para que a comunidade conseguisse acesso a seus direitos fundamentais, ao facilitar o apoio da FCP e o acesso a políticas públicas voltadas aos povos quilombolas, como é o caso do Programa Brasil Quilombola.

Esse programa, em 2023, foi substituído pelo Programa Aquilomba Brasil, instituído pelo decreto presidencial nº 11.447, de 21 de março de 2023, assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Esse decreto definiu que o recém-criado Ministério da Igualdade Racial (MIR) coordenaria as ações do programa, que tem como princípios:

“Art. 3º São princípios do Programa Aquilomba Brasil: I – a transversalidade de gênero e de raça nas políticas públicas destinadas à população quilombola; II – o respeito à autodeterminação, à integridade territorial e à plena efetividade dos direitos sociais, econômicos e culturais da população quilombola, reconhecidos na Constituição e na Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho; III – o reconhecimento do modo de vida tradicional quilombola como prática sustentável de relação com a natureza; IV – a priorização do atendimento das comunidades quilombolas em situação de vulnerabilidade social, em que existam índices significativos de violência e baixa escolaridade; V – a participação social e o controle social nas políticas públicas para a população quilombola; VI – a equidade de gênero; e VII – a celeridade das ações governamentais de efetivação dos direitos da população quilombola.” (Decreto nº 11.447/2023, Brasil)

Além das questões socioambientais já explicitadas aqui, em 11 de abril de 2020, a partir de denúncias feitas pelos moradores da comunidade de Patioba, o MPF/SE, por meio da procuradora da República Lívia Tinôco, ajuizou uma ação civil pública (ACP) contra a Fundação Cultural Palmares (FCP), o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e a Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (Chesf) por irregularidades na construção da Linha de Transmissão Jardim-Penedo.

A comunidade denuncia que os moradores foram privados do acesso a corpos d´água em meio às obras, houve desmatamento de mata ciliar e que a comunidade não foi ouvida previamente sobre a obra, como determina a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Segundo publicação no site oficial do MPF:

“No documento, o MPF aponta que a FCP emitiu declaração falsa, afirmando o cumprimento das condicionantes de licenciamento ambiental para a construção do empreendimento, quando estas não tinham sido preenchidas. O Ibama foi processado por ter concedido as licenças necessárias sem prévia fiscalização, e a Chesf, pela construção irregular e por causar danos à comunidade Patioba.” (MPF, 2020)

A ação pediu que a Chesf indenizasse a comunidade, realizando melhorias na infraestrutura local e construindo a sede da Associação de Moradores. Como reparação por danos morais, o MPF/SE requereu à Justiça o pagamento por parte da Chesf e da FCP de R$ 5 mil a cada uma das 160 famílias, totalizando R$ 800 mil em indenizações. O Ibama ficou encarregado de fiscalizar as atividades e as sanções eventualmente impostas às rés (MPF, 2020).

Em 11 de junho de 2025, reunião no MPF/SE tratou de denúncias da comunidade quilombola Patioba contra as empresas Fazenda Ladeira (Agropecuária São José) e a Agroindustrial Campo Lindo, responsáveis por pulverização aérea de agrotóxicos e queimadas em áreas próximas à comunidade, inclusive adjacentes à escola municipal onde as crianças estudam.

Segundo relatos dos moradores, as pulverizações e queimadas são realizadas sem nenhum aviso prévio, resultando inclusive no cancelamento de diversos dias de aulas. Além disso, foram relatados casos de desenvolvimento de problemas respiratórios por parte de alguns moradores decorrentes da exposição à fumaça e aos agrotóxicos lançados pelos aviões. Outra queixa da comunidade é a degradação das estradas de acesso à comunidade, que são danificadas pelas máquinas de trabalho das lavouras.

Os compromissos assumidos pelas empresas na reunião com o MPF/SE foram os seguintes:

“os representantes da Fazenda Ladeira (Agropecuária São José) se comprometeram a retirar a cana de açúcar que está plantada nas proximidades da escola municipal. Também ficou acordado que a pulverização será comunicada à comunidade e à Secretaria Municipal de Meio Ambiente com antecedência de 15 dias. A pulverização deve ser feita a uma distância de 500 metros da comunidade, de povoados e de residências, conforme prevê a legislação. Os representantes do Agroindustrial Campo Lindo se comprometeram a informar a queima da cana com antecedência de 15 dias à comunidade e à Secretaria Municipal de Meio Ambiente. A queima deve ser feita observando a legislação, principalmente quanto às condições climáticas no dia da atividade. Na reunião, ficou estabelecido que a empresa e a comunidade devem iniciar um diálogo para estabelecer medidas compensatórias que possam ser implantadas para beneficiar o quilombo, visto que a comunidade é diretamente atingida pela fumaça tóxica derivada da atividade econômica. A Prefeitura de Japaratuba se prontificou a promover, em conjunto com as empresas, a manutenção da estrada, de forma que fique em condições adequadas para o tráfego de veículos, inclusive de maquinários pesados. (MPF, 2025)

O relato acima evidencia que, apesar de já haver conquistado o reconhecimento formal do Estado brasileiro por meio da FCP e do Incra como comunidade remanescente de quilombo, a comunidade de Patioba ainda luta contra a falta de infraestrutura básica e com a atuação de grupos econômicos, que impõem suas agendas graças à força do capital.

 

Atualizada em setembro 2025.

 

 

Cronologia

22 de agosto de 1988 – Criação da Fundação Cultural Palmares (FCP), para atuar pela promoção dos direitos da população negra brasileira e pelo reconhecimento das suas contribuições para a cultura e sociedade brasileira.

12 de março de 2004 – Criação do Programa Brasil Quilombola pelo goveno federal na administração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

12 de maio de 2006 – FCP reconhece a comunidade Patioba como Comunidade Remanescente de Quilombo, dando início ao processo de regularização do território pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

17 de julho de 2009 – Criação da Associação dos Moradores da Comunidade Patioba.

11de maio de 2016 – Incra publica o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (Rtid) do território da comunidade quilombola de Patioba no Diário Oficial da União (DOU).

11 de abril de 2020 – Ministério Públido Federal em Sergipe (MPF/SE), na figura da procuradora da República Lívia Tinôco, ajuiza ação civil penal (ACP) em favor da comunidade quilombola de Patioba contra a FCP, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e a Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (Chesf), por conta de irregularidades na construção da Linha de Transmissão Jardim-Penedo.

21 de março de 2023 – Instituição do Programa Aquilomba Brasil, uma atualização do Programa Brasil Quilombola, realizada no terceiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

11 de julho de 2025 – Reunião é realizada no MPF/SE para responsabilizar as empresas Fazenda Ladeira (Agropecuária São José) e a Agroindustrial Campo Lindo por danos socioambientais causados na comunidade de Patioba e para buscar soluções para resolver o conflito.

 

 

Fontes

ALMEIDA, José Vinícius. Mapeamento dos hidroterritórios e conflitos pela/da água no município de Japaratuba/SE. Relatório final de Iniciação Científica (Pibic/Copes) — Universidade Federal de Sergipe – UFSE, 2019. Disponível em: https://shre.ink/SVU4. Acesso em: 09 set. 2025.

BORTOLUZZI, Pamela Cunha et al. Avaliação da qualidade da água em comunidade quilombola no município de Japaratuba – Sergipe. In: Encontro de Recursos Hídricos em Sergipe, XII, 2019, São Cristóvão. Anais. São Cristóvão: ABRHidro, 2019. Disponível em: https://shre.ink/SVU1. Acesso em: 09 set. 2025.

BRASIL. Conselho Nacional do Meio Ambiente – Conama. Resolução CONAMA nº 396, de 3 de abril de 2008. Dispõe sobre a classificação e diretrizes ambientais para o enquadramento das águas subterrâneas e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, n. 66, p. 64–68, 7 abr. 2008. Disponível em: https://shre.ink/ozLz. Acesso em: 17 out. 2025.

BRASIL. Ministério da Saúde – MS. Portaria nº 2.914, de 12 de dezembro de 2011. Dispõe sobre os procedimentos de controle e de vigilância da qualidade da água para consumo humano e seu padrão de potabilidade. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 14 dez. 2011. Seção 1, p. 39–46. Disponível em: https://shre.ink/ozLJ. Acesso em: 17 out. 2025.

BRASIL. Ministério Público Federal – MPF. MPF cobra na Justiça indenização à comunidade quilombola Patioba (SE). Sala de Imprensa, 11 abr. 2020. Disponível em: https://shre.ink/SVnh. Acesso em: 09 set. 2025.

BRASIL. Ministério Público Federal – MPF. Em Sergipe, MPF atua em defesa da comunidade quilombola Patioba. Sala de Imprensa, 11 jul. 2025. Disponível em: https://shre.ink/SVnE. Acesso em: 09 set. 2025.

BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Decreto nº 6.261, de 20 de novembro de 2007. Dispõe sobre a gestão integrada para o desenvolvimento da Agenda Social Quilombola no âmbito do Programa Brasil Quilombola, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 20 nov. 2007. Disponível em: https://shre.ink/SVUF. Acesso em: 09 set. 2025.

BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Decreto nº 11.447, de 21 de março de 2023. Institui o Programa Aquilomba Brasil, no âmbito da administração pública federal, com a finalidade de promover medidas intersetoriais voltadas à promoção da igualdade racial e ao enfrentamento das desigualdades estruturais da população negra. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 21 mar. 2023. Disponível em: https://shre.ink/SVUX. Acesso em: 09 set. 2025.

BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei nº 7.668, de 22 de agosto de 1988. Autoriza o Poder Executivo a constituir a Fundação Cultural Palmares (FCP) e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 22 ago. 1988. Disponível em: https://shre.ink/SVUh. Acesso em: 9 set. 2025.

BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007. Estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico; altera as Leis nºs 6.766, de 19 de dezembro de 1979, 8.036, de 11 de maio de 1990, 8.666, de 21 de junho de 1993, 9.984, de 17 de julho de 2000, e 10.257, de 10 de julho de 2001; e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 jan. 2007. Disponível em: https://shre.ink/SVUG. Acesso em: 09 set. 2025.

BRASIL. Presidência da República. Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial – Seppir. Programa Brasil Quilombola. Brasília, 2004. Disponível em: https://shre.ink/SVU5. Acesso em: 9 set. 2025

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE); FUNDO DE POPULAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (UNFPA); MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO (MEC). O Brasil Quilombola. Rio de Janeiro: IBGE; UNFPA; MEC, mar. 2025. 9 f. Disponível em: https://shre.ink/SVn4. Acesso em: 9 set. 2025.

SANTANA, Rosevaldo de. As políticas públicas educacionais voltadas à sustentabilidade na comunidade quilombola Patioba em Japaratuba-SE. Revista Ouricuri, Salvador, v. 3, n. 1, pp. 93-108, jan./jun. 2014. Disponível em: https://shre.ink/SVnS. Acesso em: 09 set. 2025.

TORALES, Andréia Poschi Barbosa. Qualidade de vida e autoestima de comunidades quilombolas no estado de Sergipe. Aracaju: Universidade Tiradentes, Programa de Pós-Graduação em Saúde e Ambiente, fev. 2013. Dissertação de Mestrado. Disponível em: https://shre.ink/SVnt. Acesso em: 09 set. 2025.

TORALES, Andréia Poschi Barbosa; SOBRAL, Heliosania Clíngea Fontes; OLIVEIRA, Cristiane Costa da Cunha. Representação social de problemas ambientais por mulheres quilombolas. Acta Scientiarum. Human and Social Sciences, Maringá, v. 41, n. 2, p. 1-10, 2019. Disponível em: https://shre.ink/SVnI. Acesso em: 09 set. 2025.

 

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