CE – Comunidades urbanas instaladas há décadas no mesmo território lutam contra especulação imobiliária que usa como desculpa a Copa e VLT
UF: CE
Município Atingido: Fortaleza (CE)
Outros Municípios: Fortaleza (CE)
Impactos Socioambientais: Falta / irregularidade na autorização ou licenciamento ambiental
Danos à Saúde: Acidentes, Falta de atendimento médico, Insegurança alimentar, Piora na qualidade de vida, Violência – ameaça
Síntese
As obras do projeto do Veículo Leve Sobre Trilhos (VLT) que ligará o bairro de Parangaba ao Porto de Mucuripe, na cidade de Fortaleza/CE, está inserida na Matriz de Responsabilidades do Governo Federal brasileiro no âmbito das obras de mobilidade urbana necessárias à realização da Copa do Mundo da FIFA de 2014.
Serão 12 km de linhas férreas que aproveitaram um ramal de cargas já existente, cortando 22 bairros da cidade, ligando o aeroporto e rede hoteleira ao centro. Muitas comunidades carentes serão atingidas e estão ameaçadas de remoção.
Desde 2009, essas comunidades estão organizadas no Movimento de Luta em Defesa da Moradia, mais conhecido por “Comunidades dos Trilhos”. Com apoio do Comitê Popular da Copa, reivindicam respeito aos direitos humanos e condições justas no processo de desapropriação. As comunidades estão há mais de 40 anos instaladas no mesmo lugar, território onde estabeleceram as relações de sociabilidade que lhes garantem a sobrevivência.
A área destinada pelo governo do estado para o realocamento das quase cinco mil famílias fica distante do local de origem e não dispõe de infraestrutura necessária à população, como escolas, postos de saúde e sistema de transporte público.
A negociação com o governo não é clara, pois não há informações concretas sobre as remoções e, além disso, os valores sugeridos para as indenizações e alugueis sociais são, de acordo com os moradores, insuficientes para garantir outra moradia com a mesma qualidade.
Contexto Ampliado
Desde o anúncio de que o Brasil sediaria a edição de 2014 da Copa do Mundo de Futebol da Federação Internacional de Futebol Associado (FIFA), em 30 de outubro de 2007, diversos projetos de infraestrutura começaram a ser propostos no país. Em maio de 2009, foram indicadas as cidades sede e, na sequência, uma série de obras teve início nas cidades brasileiras que sediarão jogos do campeonato. Junto com as obras, uma grande quantidade de conflitos eclodiu.
Em Fortaleza, capital do estado do Ceará que sediará alguns jogos do Mundial, os conflitos se dão em torno da construção da via férrea Parangaba-Mucuripe, que receberá um Veículo Leve sobre Trilhos (VLT). A obra, realizada pelo Governo do Estado, está inserida nas propostas de mobilidade urbana necessárias à realização da Copa de 2014.
Daqui não saio, daqui ninguém me tira! É com esse grito de guerra que diversas comunidades de Fortaleza se articulam para resistir às remoções a que estão sendo submetidas devido às obras de implantação do VLT.
Segundo a cartilha do projeto disponibilizada pela Companhia Cearense de Transporte Metropolitano (METROFOR), a ideia de implantar um sistema de transporte de passageiros sob trilhos – entre os bairros de Parangaba e Mucuripe, fazendo uso da linha férrea que pertencia à antiga estatal RFFSA (Rede Ferroviária Federal S/A) – remonta à década de 1990. Controvérsias sobre competências para realização das obras, no entanto, não permitiram que até então ela fosse realizada.
A crescente demanda por transporte público em toda Região Metropolitana fez com que o Governo do Estado, através da Secretaria de Infraestrutura do Estado (SEINFRA) e sua vinculada Metrofor, retomassem a ideia. Em 2003, a empresa EPTISA foi contratada para elaborar os estudos de viabilidade do projeto de implantação do VLT. A escolha de Fortaleza como sede de jogos da Copa do Mundo de 2014 aumentou essa pressão e possibilitou ao governo estadual obter recursos para a realização da obra.
O projeto consiste em remodelar o ramal ferroviário Parangaba-Mucuripe, já existente, que opera apenas no transporte de cargas, para incluir o transporte de passageiros no sistema VLT, passando a operar nos dois modais de forma segregada. Ligará o Aeroporto Internacional de Fortaleza – Pinto Martins, localizado no bairro de Parangaba, e a região hoteleira ao Porto de Mucuripe, no centro da cidade.
O traçado de 12,7 km de extensão, sendo 11,3 em superfície e 1,4 em elevado, cortará 22 bairros e estará integrado às linhas de metrô da cidade em alguns trechos. Possuiu uma demanda estimada de 909 mil passageiros por dia e contará com dez estações de embarque e desembarque localizadas próximas ao centro de cada bairro, sendo elas: Parangaba, Montese, Vila União, Rodoviária, São João do Tauape, Pontes Vieira, Antônio Sales, Papicu, Mucuripe e Iate.
De acordo com o blog Combate Racismo Ambiental, a Matriz de Responsabilidades da Copa (documento do Governo Federal que trata das áreas prioritárias de infraestrutura das 12 cidades que irão receber jogos) para o estado do Ceará informa que o VLT custará R$ 265,5 milhões, sendo R$ 170 milhões em verbas federais, via Caixa Econômica Federal (CEF), destinados à obra, e R$ 95,5 milhões de investimentos do Tesouro Estadual do Ceará para a elaboração do projeto básico/executivo e para as desapropriações. Pela primeira versão do documento, de 2010, as obras deveriam ter sido iniciadas em julho de 2010 e concluídas em março de 2012. No entanto, este calendário não foi cumprido e em maio de 2012 um termo aditivo foi publicado com o valor do projeto reajustado para R$ 276,9 milhões, sendo R$ 263 milhões do Governo Federal e o restante do Estadual, e com prazo para início das obras em agosto daquele ano, com conclusão prevista para janeiro de 2014.
Devido às obras de ampliação de vias e de instalação do novo sistema, cerca de 2.700 moradias, localizadas em pelo menos 20 comunidades carentes, têm previsão de serem removidas, atingindo mais de quatro mil famílias, segundo informações do Brasil de Fato. Muitas destas famílias residem nas comunidades há mais de 50 anos, tendo consolidado sua posse sobre as casas e terrenos, bem como suas condições de moradia, trabalho, saúde, educação e relações de sociabilidade. Dentre as comunidades atingidas, destacam-se: Trilha do Senhor, Dom Oscar Romero, São Vicente, Rio Pardo, Canos, Jangadeiros, João XXIII, Aldaci Barbosa, Lagamar, Serviluz, Lauro Vieira Chaves, Bela Vista, Caminho das Flores e Barroso.
O conflito, como será explorado adiante, gira em torno, principalmente, dos valores de indenização e do local de realocação das famílias propostos pelo governo. A legislação municipal exige realocamento próximo ao local de origem; no entanto, o governo ofereceu apenas a opção de construção de casas pelo Programa Minha Casa Minha Vida em terreno localizado no Bairro de José Walter, distante aproximadamente 14 km de onde vivem as famílias.
Segundo reportagem de A Pública, moradores das comunidades atingidas pela obras criaram, em 2009, o Movimento de Luta em Defesa da Moradia (MLDM), se autodenominando a Comunidade dos Trilhos. O MLDM organiza manifestações, mantém um blog e uma página no Facebook com notícias sobre o VLT Parangaba-Mucuripe, o mais caro projeto de mobilidade urbana de Fortaleza.
As ameaças às famílias tiveram início, segundo o Combate Racismo Ambiental, em abril de 2010, quando jornais locais começaram a anunciar a realização da obra e a consequente remoção dos moradores. À época, funcionários das empresas terceirizadas COMOL e MOSAICO visitavam as comunidades realizando cadastros socioeconômicos na área sem fornecer informações detalhadas sobre o projeto.
Ainda segundo a mesma fonte, estas visitas teriam como objetivo realizar avaliações dissimuladas, destinadas a subsidiar a fase de negociação do valor do bem antes mesmo do início do estudo de impacto ambiental. Antes mesmo do Estudo de Impacto Ambiental e do Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) ser iniciado, o METROFOR já negociava os valores de imóveis com a Comunidade Lauro Vieira Chaves, no bairro Montese.
A mesma situação ocorria na Comunidade Aldacir Barbosa, no Bairro de Fátima, onde, segundo a fonte, os moradores eram convocados para reuniões de negociação nas quais seriam fixados os valores da indenização. O Combate Racismo Ambiental fez uso das informações contidas em Ação Civil Pública (ACP) instaurada pela Defensoria Pública do Ceará em 2011, que relatou o caso. Nesta ACP, afirmava-se que:
as convocações para anuir ao valor da indenização ofertada iniciaram-se ainda durante a fase de cadastramento social, portanto antes do Estudo Prévio de Impacto Ambiental, ato inicial de uma série de outros que compõem o complexo procedimento de licenciamento ambiental, o qual, destaque-se, tem o condão de aprovar ou desaprovar a implementação de determinados projetos, concedendo ou não a licença, e somente após a licença é permitido o início do levantamento de valores para fins de avaliação e subsequente expropriação.
Em 14 de julho de 2010, o governador Cid Gomes assinou o Decreto 30.263 em que declarava de utilidade pública, para fins de desapropriação uma área total de 381.592,87 m² ao longo do trecho do antigo ramal da RFFSA e suas margens, abrindo caminho oficialmente para a instalação do VLT e a remoção das famílias.
De acordo com matéria da agência A Pública, estar de posse da área em que seria construído o VLT era uma exigência da Caixa para repassar as verbas. Por isso, o governo cearense pediu à Superintendência Estadual de Meio Ambiente (Semace) a concessão de uma licença prévia para a realização das obras do VLT e, em agosto, obteve o termo de referência 681/2010 para elaborar o EIA/RIMA do projeto, que continuaria a ser tocado pelo governador.
A organização Comunidades do Trilho lançou carta aberta à população de Fortaleza no dia 02 de agosto, manifestando sua posição contrária às obras do VLT e à forma como as comunidades estaam sendo abordadas. Na carta, afirmavam que as comunidades estavam na região desde 1940 e que conheciam seu direito à moradia. Este direito ao nosso chão é sagrado e não vamos entregá-lo porque é aqui que acontece nossa VIDA e não passa pela nossa cabeça termos que sair para outro lugar.
O depoimento de uma moradora, não identificada, exposto na carta demonstra o sofrimento destas famílias:
Eu moro há 49 anos na minha casa, quando eu e meus pais chegamos lá não tinha água, nem luz, só tinha mato e o trilho. […] Nós vínhamos do interior sem dinheiro e sem lugar para ficar, foi que um senhor cedeu um quartinho para nós ficarmos enquanto meu pai construía a nossa casa. […] Nós nunca soubemos que as terras tinham dono, porque elas eram praticamente do mesmo jeito que Deus deixou, e que eu saiba, ele não deixou escritura de terras pra ninguém, então, temos todo o direito sobre elas, porque fomos nós que cuidamos; agora não temos culpa se ela se tornou uma área nobre e só para os ricos. Sair da minha casa pra mim é uma das piores mortes, é aquela que vai te matando aos poucos de tristeza e solidão, porque os meus vizinhos e os meus amigos fazem parte da minha família.
Eu já não durmo e nem como direito, já perdi 05 (cinco) quilos e isto é só o começo! Quando eu era adolescente as pessoas falavam que com o tempo não iria existir emprego porque tudo seria na base da máquina e do robô, só que pelo que vejo os robôs são os próprios humanos, porque fazer isto com milhares de famílias indefesas é desumano, isto não é coisa de Deus.
As primeiras notícias de organização e de manifestações contra o empreendimento e suas consequentes ameaças de remoção aconteceram em 25 de setembro de 2010, quando moradores da comunidade de Rio Pardo fizeram cortejo pelas ruas do bairro Papicu, distribuindo panfletos sobre a situação. Já neste momento, os moradores denunciaram a falta de informação e diálogo por parte das autoridades públicas sobre os impactos do projeto.
De acordo com nota do Fórum Cearense de Meio Ambiente (FORCEMA) disponível no Combate Racismo Ambiental, pessoas desconhecidas estiveram na comunidade numerando as casas e apresentando documentos para que as famílias assinassem. O medo dos moradores, que ocupam a área há décadas, era de que fossem removidos sem indenização justa, ou deslocados para conjuntos habitacionais distantes e sem infraestrutura, em condições de maior vulnerabilidade social.
O Estudo de Impacto Ambiental e seu respectivo relatório (EIA/RIMA), realizado pela empresa Geolpan Projetos e Construções, foi disponibilizado em 31 de maio de 2011 para análise dos técnicos da Semace. Posteriormente, segundo A Pública, o Tribunal de Contas do Estado do Ceará (TCE) fez criticas ao documento através do Relatório de Inspeção nº 0002/2011, no qual afirmou:
O documento é incompleto e superficial, apontando entre as lacunas a falta de Estudo de Impacto de Vizinhança, de análise das alternativas ao VLT e ao local de implantação, de análises de impactos ambientais em zonas de proteção ambiental e, principalmente, em zonas de ocupação urbana, o que levou o órgão a recomendar que fosse refeito.
Em 18 de junho de 2011, moradores das comunidades Trilha do Senhor, Dom Oscar Romero, São Vicente, João XXIII, Rio Pardo, Jangadeiros, Canos e Aldacir Barbosa, organizados no Movimento de Luta em Defesa da Moradia – Comunidades do Trilho, lançaram um manifesto de denúncia das ameaças sofridas:
A falta de diálogo, transparência e publicidade por parte do poder público tem sido uma marca registrada de todo o processo. Até o momento, nem mesmo os projetos das obras nos foram apresentados, muito menos discutidos! Também não foi apresentado nenhum estudo que comprove a viabilidade e funcionalidade das obras para além do evento Copa do Mundo. Em várias ocasiões, exigimos que nos fosse apresentado e discutido um projeto alternativo que não envolvesse remoções, como determina a Lei Orgânica do Município, mas só tivemos como resposta o silêncio, o descaso e a indiferença. O mais absurdo de tudo: apesar da ameaça de remoção de mais de 4.000 famílias, muitas das quais vivendo no local há 70 anos, nenhum projeto habitacional nos foi apresentado. […] Para nós, tal situação deve ser tratada como verdadeira REMOÇÃO FORÇADA EM MASSA, pois apresenta o pagamento de indenizações irrisórias como única possibilidade, sem qualquer preocupação com os grupos vulneráveis existentes na área e destituindo MILHARES de moradores, não apenas de seus imóveis, mas de toda a rede de relações sociais e da possibilidade de acesso a equipamentos e serviços fundamentais, como escolas, hospitais, postos de saúde, oportunidades de trabalho e renda etc. […] Por fim, ressaltamos nossa disposição de permanecermos firmes em nossa legítima luta de resistência pela garantia das nossas moradias, por entendermos que nossos direitos não podem ser violados e pisoteados à revelia de todas as leis nacionais e internacionais de proteção aos Direitos Humanos e sociais, sob o pretexto da realização de um evento como a Copa do Mundo ou de qualquer projeto de desenvolvimento econômico que vise à construção de uma cidade muito boa para os negócios e para os turistas, mas exclui e despreza os habitantes mais pobres de uma cidade que já é uma das mais desiguais do mundo.
A audiência pública para discutir o EIA/RIMA foi realizada em 27 de junho. Sobre isto, a Defensoria Pública afirmou, segundo matéria de A Pública, que o convite para a audiência, enviado por e-mail, chegou apenas três dias úteis antes do evento e sem ter o EIA/RIMA anexado, o que inviabilizou a realização da instrução adequada para que a comunidade pudesse participar. Ao constatar as irregularidades no estudo destacadas na ação, os movimentos sociais incluindo o Comitê Popular da Copa em Fortaleza solicitaram novas audiências públicas, mas o projeto seguiu adiante sem que a população fosse ouvida.
Em 19 de julho de 2011, o Ministério Público Federal (MPF), através do Procurador da República Alessander Sales, ajuizou ação civil pública na Justiça Federal solicitando que fosse invalidado o Decreto de Desapropriação de nº 30.263, mencionado acima, que autoriza o Governo do Estado a remover famílias para as obras VLT. Esta medida impediria o governo de levar adiante qualquer ação de desapropriação que tivesse como justificativa a construção do VLT.
De acordo com notícia do Diário do Nordeste, o EIA/RIMA do VLT foi aprovado pelo COEMA em 02 de setembro de 2011. Apesar de todas as criticas, 17 conselheiros foram a favor da aprovação. Logo depois do anúncio, os defensores públicos José Lino da Silveira (Estado) e Dinarte Páscoa Freitas (União) anunciaram que os órgãos iriam recorrer da decisão na Justiça. Onze dias depois, a Licença Prévia foi concedida pela Semace.
Dentre outros pontos, a ação incluía o pedido de suspensão dos termos de ajuste financeiro firmados entre Caixa Econômica Federal e o Governo do Estado; proibição de avaliação dos imóveis para levantamento de valores de indenizações para desapropriação, realização de acordos administrativos e pagamentos agendados. Estas etapas estavam em andamento pelo Governo. O MPF também recomendou à Semace que o EIA/RIMA fosse complementado com todas as alternativas mitigadoras e compensadoras para as comunidades afetadas.
Pelo entendimento do MPF, a remoção das casas só poderia ser realizada depois de expedido o licenciamento ambiental pela Semace, conforme noticiou o Combate Racismo Ambiental. Na ocasião da reportagem, o presidente do Conselho Estadual do Meio Ambiente (Coema), Paulo Henrique Lustosa, afirmou que os técnicos analisavam o EIA/RIMA há 45 dias.
Na noite de 02 de agosto de 2011, o governador Cid Gomes visitou a comunidade Aldaci Barbosa para conversar com os moradores. Conforme vídeo divulgado pela Oficina Olho Mágico, a visita foi muito tumultuada e foram registradas agressões dos seguranças do governador aos moradores.
A fala de um dos moradores, não identificado, presentada no vídeo, transmitia a ideia geral de como o processo era visto pelas comunidades:
O processo do VLT que estão colocando na imprensa é mentiroso! Ele não vai favorecer nenhuma comunidade, porque nenhuma comunidade precisa do VLT, não. Precisa é das suas casas pra morar! O que eles estão fazendo aqui é uma arbitrariedade.
Segundo matéria publicada no Combate Racismo Ambiental sobre o ocorrido, a Presidente Dilma Rousseff comunicou que as obras estavam ameaçadas de serem retiradas do PAC da Copa, devido ao atraso. A intenção do Estado é dar a ordem de serviço até novembro. Mas o engajamento pessoal do governador dá a noção do tamanho da dificuldade por superar.
Na última semana de novembro de 2011, a urbanista Raquel Rolnik, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (USP) e relatora especial da Organização das Nações Unidas (ONU) para o direito à moradia adequada, divulgou em seu site que o governador do Ceará, Cid Gomes, encaminhou um Projeto de Lei (PL) à Assembleia Legislativa do Estado do Ceará, em 21 de novembro, a ser votado em regime de urgência, sobre o processo de indenização dos moradores a serem removidos por conta das obras do VLT. A professora avaliou que, aparentemente, a iniciativa do governo de tratar o assunto através de um PL era positiva, pois abria possibilidades para o debate com a população, uma vez que as obras no contexto da Copa de 2014 vinham sendo feitas sem nenhum diálogo em outras cidades do país.
No entanto, segundo Raquel, a proposta apresentada estaria em desacordo com o ordenamento jurídico brasileiro e com as normas internacionais que protegem o direito à moradia adequada e definem os padrões para remoções. Dentre os principais problemas encontrados no PL, a professora destacou o tratamento discriminatório com relação aos posseiros. Àqueles que têm títulos da propriedade, a indenização será calculada com base no valor do terreno somado às benfeitorias; no entanto, para os posseiros, a indenização se dará apenas pelas benfeitorias. Raquel relembrou que, no Brasil, a partir da Constituição de 1988 e uma série de outras leis, o direito de posse, assim como em que condições deve ser reconhecido, já está estabelecido. […] Indenizar os posseiros apenas pelas benfeitorias contraria totalmente esse ordenamento.
Além disso, não havia informações sobre a data em que os conjuntos habitacionais prometidos para abrigar os removidos seriam entregues. Dessa forma, não havia garantia de que as famílias teriam onde morar quando deixassem suas casas. Segundo Raquel, a legislação internacional exige que as casas devem estar prontas no momento em que as pessoas forem removidas.
Outro ponto problemático era sobre o local de reassentamento, que seria definido pela Secretaria de Infraestrutura. Os moradores devem ser destinados a um ponto o mais próximo possível do seu local de origem de moradia, e devem participar do processo de escolha do local. A professora afirmou ser muito grave o regime de urgência da votação. Esse é um tema que merece ampla discussão pública com a sociedade e, especialmente, com as pessoas diretamente afetadas.
Em primeiro de dezembro de 2011, os Núcleos de Moradia e Habitação e de Direitos Humanos e Ações Coletivas, da Defensoria Pública do Ceará, impetraram Ação Civil Pública (ACP), assinada pelos Defensores Públicos José Lino Fonteles e Amélia Soares da Rocha, contra a Semace e o Estado do Ceará, e em defesa de cerca de cinco mil famílias de Fortaleza. A ação foi instaurada pela Defensoria, segundo o Combate Racismo Ambiental, com base em solicitação das comunidades que procuraram o órgão por estarem apreensivas quanto ao destino que suas vidas tomariam com as obras.
Na ACP, a Defensoria questionou o trajeto do VLT previsto do EIA/RIMA do projeto, que desviava de grandes empresas privadas e terrenos vazios, mas atingia comunidades inteiras. Com relação, por exemplo, à Comunidade Lauro Vieira Chaves, com 203 famílias (mais de 800 pessoas), o Combate Racismo Ambiental informou que:
O trajeto do VLT desvia do traçado da linha férrea REFFSA, que vem sendo seu parâmetro, e faz uma curva acentuada para atingir toda a comunidade. Como se a curva desnecessária não bastasse, é notória a existência de um extenso terreno descampado, por onde a obra deveria passar se seguisse seu traçado normal da obra. E isso preservaria os moradores, como determina a Constituição do Município.
A Defensoria apontou ainda irregularidades no que diz respeito ao órgão licenciador. Por ser o impacto do empreendimento apenas local, o licenciamento deveria ser realizado pelo órgão municipal, a Secretaria de Meio Ambiente e Controle Urbana (SEMAM), e não pela Semace, um órgão estadual.
A ACP solicitou elaboração de Estudo Prévio de Impacto à Vizinhança, apresentação de Licença Urbanística do empreendimento – como condições para o licenciamento – e que a Licença Prévia do projeto VLT fosse suspensa até que se analisassem as seguintes irregularidades:
a) a incompetência do órgão licenciador;
b) a insuficiência das alternativas locacionais e tecnológicas;
c) a não realização de audiência pública para debater as complementações ao EIA/RIMA com as comunidades atingidas;
d) a falta de Licença Urbanística;
e) a inexistência de Estudo de Impacto de Vizinhança.
Sensibilizadas com a situação das cinco mil famílias, as Comunidades Eclesiais de Base de Fortaleza (CEBs) lançaram uma carta de apoio no dia 19 de dezembro de 2011, na qual reconheciam a importância do projeto para a cidade, mas questionavam os meios pelos quais ele vinha sendo implementado. Com relação à tecnologia escolhida para o VLT de Fortaleza, que passa sobre trilhos já existentes, as CEBs questionaram a rápida decisão do governo do Estado de dispensar a opção técnica de trilho dentro do leito da rua, sem prejuízo da circulação de automóveis, e amplamente utilizada em cidades europeias. Entendem que esta atitude demonstra que o Governo Cid Gomes pretende mesmo é limpar a área nobre da cidade de famílias pobres para entregar o espaço às grandes construtoras de prédios e condomínios de luxo.
Além de questionar o ponto das indenizações (valores e formas de cálculo), que já mencionamos por outras fontes, as CBEs abordaram também a questão da área de alocação das famílias removidas. O terreno indicado pelo governo do estado, situado no bairro Pref. José Walter, até a data de lançamento da carta estava sem qualquer construção ou infraestrutura instalada. Ao contrário, a área estava ocupada por população sem-teto, à qual tinha sido prometido, anteriormente, como local de sua futura moradia!. Estabelecido este impasse, o governo determinou a liberação de pagamento de R$200,00 mensais a cada família como aluguel social. Sobre esta situação, as CEBs perguntaram:
Onde numerosas famílias acharão, contando apenas com esta quantia ridícula, abrigo de sol e chuva e isso ao longo de no mínimo um ano, já que nenhuma obra habitacional foi iniciada até agora para receber toda essa população? Que Feliz Ano Novo é esse que o Governo deseja a seus cidadãos?.
O governo do Ceará reagiu a esta ACP, publicando a Lei Estadual 15.056/2011 (atualizada depois pela Lei Estadual 15.194/2012) que estabeleceu, como contrapartida para as desapropriações, as unidades habitacionais do programa Minha Casa Minha Vida e o aluguel-social; além das indenizações, sem entretanto resolver o problema da maioria das famílias.
No dia 21 de dezembro de 2011, segundo o Combate Racismo Ambiental, representantes das comunidades atingidas e do Comitê Popular da Copa realizaram uma manifestação na Praça do Ferreira, centro de Fortaleza, contra a remoção das famílias. Durante o protesto, foi organizada uma pelada de futebol para satirizar a situação: o jogo entre o Time do Povoe o Time da Luiziane e do Cid tinha como juiz a Federação Internacional de Futebol (FIFA), que apitava sempre a favor do segundo time. Apsar disso, o resultado da partida foi de 4 a 3, de virada, a favor do Time do Povo.
José Maria Queiroz, 38, morador da comunidade Lauro Vieira Chaves, no Aeroporto, questionou as remoções e a transferências para habitações do Programa Minha Casa Minha Vida: Por que eu vou ter que bancar a minha casa para o governo, pagando parcelas de R$ 50 a R$ 100?.
De acordo com A Pública, em 25 de janeiro de 2012, a juíza Joriza Magalhães Pinheiro, da 9ª Vara da Fazenda Pública de Fortaleza, determinou que não fossem iniciadas as obras do VLT antes do cumprimento da Lei estadual nº 15.056, publicada em 12 de dezembro de 2011, a fim de que:
Nenhuma família residente na área abrangida pelo projeto seja removida do local sem que lhe seja garantida a justa e prévia indenização em dinheiro e/ou o recebimento de unidade residencial digna, além do pagamento de aluguel social, tudo já disciplinado pela citada legislação.
Comunidades ameaçadas de remoção, movimentos sociais e demais organizações populares realizaram, em 11 de fevereiro de 2012, um encontro para discutir ações contra as retirada das famílias e denunciar as violações aos direitos humanos em função da realização das obras da Copa do Mundo de 2014.
Samuel Queiroz, morador da comunidade Lauro Vieira Chaves, afirmou, conforme o Combate Racismo Ambiental, que apenas na região da Itaoca, Vila União e Montese, mais de 300 famílias poderiam ser removidas: Os governos estão fazendo tudo sem a participação das comunidades, de forma truculenta, passando por cima da Lei Orgânica do Município […] e a proposta do governo só favorece a especulação imobiliária. Teriam outro lugar para colocar o VLT, mas eles escolheram que ele passe por cima das comunidades, denunciou.
Em fevereiro de 2012, mais uma carta-manifesto foi lançada referente à situação das comunidades; desta vez, pelo Comitê Popular da Copa – Fortaleza:
É a autorização de uma ordem de serviço de uma obra completamente irregular do ponto de vista jurídico, que não contou com qualquer tipo de diálogo com a população diretamente atingida e muito menos com a população de Fortaleza como um todo. […] Embora isso não seja divulgado, os enormes gastos com as obras da Copa do Mundo resultarão no aumento da dívida pública de Fortaleza, que passará de 307.674 milhões em 2010 para R$ 917.131 milhões em 2014, conforme previsão contida na Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2012.
Contrariando todas as recomendações do MPF e TCE indicadas acima, o processo seguiu adiante e a licitação foi aberta pela SEINFRA. O Consórcio CPE/VLT Fortaleza (formado pelas empresas Consbem Construção e Comércio, Construtora Passareli e Engexata) venceu a licitação e, em 24 de fevereiro de 2012, foi firmando o contrato (004/2012/SEINFRA), no mesmo dia em que, de acordo com o TCU, foi emitida a Licença de Instalação.
Mesmo com todos os questionamentos feitos por diferentes órgãos e moradores, e com a ACP em andamento, na primeira semana de abril de 2012 as obras do empreendimento foram iniciadas, já com quatro meses de atraso em relação à previsão inicial do projeto. De forma a não descumprir a determinação judicial de janeiro deste ano, as ações começaram por áreas onde não seriam necessárias remoções.
Na mesma semana, em 03 de abril, o Tribunal de Contas do Estado (TCE) emitiu nota, através da Conselheira Soraia Vitor, informando que a SEINFRA não havia enviado ao órgão todos os estudos de impacto necessários antes do início das obras, descumprindo, assim, as determinações do TCE.
De acordo com noticia do jornal O Povo, Soraia propôs uma multa de R$ 9 mil ao Secretário de Infraestrutura, Adail Fontenele, caso não fossem enviados imediatamente os documentos solicitados (Estudo de Análise de Risco, do Plano de Gerenciamento de Risco e do Plano de Resposta à Emergência); e sugeria que o governo interrompesse as obras até que o TCE os analisasse.
Sobre a ação do governo e a interrupção das obras, Soraia afirmou a O Povo:
É lógico que o Governo deve paralisar. Pela resolução, não deveria sequer ter começado ainda. Se há pressa do Estado, e acho que tem de ter, por que já não se apresentou a documentação requerida?.
Em 15 de abril, o MLDM lançou nota pública com sua opinião sobre as alterações no projeto do VLT, noticiadas pelo governo e METROFOR no dia 12 de março:
A maior das mudanças diz respeito à alteração do local de construção da estação do Bairro de Fátima, que atingiria grande parte da Comunidade Aldacir Barbosa. Antes da mudança seriam 250 imóveis desapropriados, número que caiu para cerca de 20 unidades.
O MLDM entendeu que esta alteração foi resultado da organização e da resistência da comunidade com relação às investidas do governo. A resistência da comunidade foi determinante!. As ações das comunidades conseguiram esta mudança e também que outras estações tenham seus tamanhos reduzidos e parte dos trajetos alterados para reduzir o número de remoções, que baixou de 2.500 para 1.700 segundo a Metrofor. Os altos números de reassentamentos tornam o projeto muito caro e com sérias dificuldades de execução.
Até o dia 16 de abril de 2012, dia em que o TCE se reuniu para discutir o caso, o Secretário ainda não havia se pronunciado, afirmando não haver sido notificado. De acordo com o Combate Racismo Ambiental, o TCE conferiu mais uma semana de prazo para que se enviasse os documentos. Representante dos moradores potencialmente atingidos pelas obras estiveram presentes na reunião. Lúcia Pereira da Silva, dona de casa, moradora do bairro João XXIII, afirmou que muitas famílias estão aflitas, temendo ser removidas a qualquer momento, por causa do início das obras.
Raquel Rolnik publicou matéria em seu blog, em 18 de abril, informando que as manifestações das comunidades começaram a surtir efeito, pois em março o governo do Estado divulgou mudanças no projeto do VLT na região da Comunidade Aldaci Barbosa.
Em agosto de 2012, acolhendo denúncias dos movimentos populares sobre as remoções forçadas de comunidades para obras da Copa, o Conselho Nacional de Defesa do Direito da Pessoa Humana (CDDPH) da Secretaria dos Direitos Humanos criou o Grupo de Trabalho Moradia Adequada. O GT colheu informações sobre os problemas enfrentados pela população com relação à moradia e os mega projetos e eventos em todo o país para fazer recomendações aos Estados e Município.
No dia 17 de janeiro de 2013, a comunidade Jangadeiro amanheceu com o barulho de motosserras derrubando árvores. De acordo com reportagem de A Pública, os moradores não haviam sido informados da ação e estavam munidos de documento judicial que impedia a realização de qualquer obra antes do reassentamento das famílias.
O morador Alisson da Silva, 22 anos e estudante de cinema, relatou: As pessoas saíam de suas casas apavoradas, muitas estavam chorando. Eu perguntava aos moradores se alguém tinha ouvido falar, se tinha algum comunicado sobre o que era aquilo, mas ninguém tinha. Os moradores se organizaram para falar com os funcionários e tentar entender o que acontecia:
Eu mostrei uma decisão judicial que a gente tinha, que impedia a realização de obras do VLT antes do reassentamento das famílias. Mas os funcionários alegavam que tinham uma autorização da própria Semace. Mesmo com a ordem judicial na mão, eu não podia colocar meu braço na frente de uma motosserra. Na maior arbitrariedade, eles ignoraram a gente. Continuaram derrubando as árvores, relatou Alisson.
A resistência dos moradores se deu através do impedimento dos funcionários da empresa MOSAICO de entrarem em seus domicílios para efetuar qualquer atividade. Edivan Miranda, 36 anos, relatou à agência A Pública que não deixou que os funcionários realizassem a medição técnica de seu apartamento: Eles passaram aqui na frente duas vezes, ficaram observando. Bateram na porta e eu fiz de conta que não escutei, que não tinha ninguém em casa. Desistiram e partiram para a próxima cas.
Edivan atua na comunidade convencendo os demais moradores a não ceder às pressões, pois não há garantia alguma por parte do governo: Eu dizia: Olha, não temos garantia nenhuma do governo, não tem a menor segurança de um imóvel para reassentar as pessoas. Então não vamos deixar medir porque isso significa deixar eles avançarem. Ainda que nem todos os vizinhos concordassem, Edivan foi irredutível em sua posição: Não vou deixar medir porque a minha casa não está à venda. Não estamos em uma calamidade pública, por que temos que sair a qualquer custo de um local que tem toda nossa história? Aqui a gente vive em um contexto de história, amigos, trabalho. Vivo aqui desde que nasci.
Em 28 de janeiro, o Combate Racismo Ambiental divulgou um vídeo sobre o ocorrido no dia 17. Nele, a moradora Zélia Carvalho Gomes, relatava como se deu a derrubada de um cajueiro na porta de sua casa, onde a família reside há mais de 50 anos. Denunciou, ainda, que foi agredida por um dos funcionários, que a empurrou quando tentava impedir que um trator fosse em direção à árvore, que havia sido estabelecida como um limite para o avanço da obra.
Zélia denunciou que Policiais Militares (PM) foram à comunidade amedrontar moradores e que havia casos de PM dentre os funcionários da empresa terceirizada: o que é ilegal, afirmou.
Em março de 2013, o jornal O Estado de São Paulo divulgou que, por orientação da Defensoria Pública, o governo cearense estava elaborando uma cartilha com explicações sobre remoções e reassentamentos para ser entregue às pessoas sob risco. Sobre esta situação, Cássia Salles, 40 anos, moradora da Comunidade Trilha do Senhor desde que nasceu, falou ao jornal: Essa proposta do [programa] Minha Casa Minha Vida é uma armadilha para nós. Vão nos tirar daqui e ainda vamos ter de pagar? […] Essa cartilha parece mais uma tentativa de ludibriar o povo.
O governador Cid Gomes visitou a comunidade Jangadeiro, no dia 10 de abril de 2013, de acordo com o G1, e foi recebido com protestos dos moradores, contrários à proposta do Estado de serem levados para o bairro José Walter.
Na ocasião, Roger Pires, integrante do Comitê Popular da Copa em Fortaleza, falou ao Adital sobre a situação das famílias: O aluguel social no valor de R$400 é muito baixo e os apartamentos oferecidos como troca no José Walter nem começaram a ser construídos. As indenizações também são muito baixas. Esclareceu ainda que, segundo a cartilha lançada alguns dias antes pelo governo, cada caso de remoção e indenização era específico.
Francinete Gomes, integrante do Movimento de Luta em Defesa da Moradia (MLDM), considerou que a visita surpresado governador refletia um ato de despreparo do governo diante das proximidades dos eventos esportivos na cidade. Não tem diálogo com o governo. O governador chega de surpresa e acha que a comunidade está disponível para falar na hora que ele quer, declarou.
Devido aos inúmeros protestos com relação às remoções oriundas das obras de mobilidade urbana para a Copa do Mundo de 2014, a Secretaria de Controle Interno da Presidência da República agendou, para o mês de maio, uma série de fiscalizações nas cidades-sede para averiguar denúncias de violações aos direitos humanos. Depois de passar por Natal (RN), Belo Horizonte (MG), Porto Alegre (RS), Curitiba (PR) e Recife (PE), os auditores chegaram à Fortaleza no dia 13 de maio.
De acordo com reportagem de Tatiana Felix, do Adital, a fiscalização incluiu: reunião no Observatório de Políticas Públicas da Universidade Federal do Ceará (UFC), junto com integrantes do Comitê Popular da Copa em Fortaleza, para definir a agenda de atividades na capital cearense, no dia 13; e vistoria às obras do estádio Governador Plácido Castelo, do Castelão, do Porto do Mucuripe e do Aeroporto Internacional Pinto Martins, equipamentos que sofrem reformas para receber o contingente de visitantes para o evento esportivo mundial, no dia 14.
As visitas às comunidades começaram no dia 15, em Caminho das Flores e Lauro Vieira Chaves. Segundo André Marini, um dos auditores, a situação das casas – algumas já demolidas, outras em processo de demolição – foi registrada em fotografias, e foram ouvidos relatos dos moradores que, em geral, reclamaram que as indenizações são injustas. O auditor acrescentou ainda que também aconteciam violações do direito ao trabalho, já que algumas famílias realizavam atividades econômicas em suas próprias residências.
André avaliou que a situação de Fortaleza era semelhante à de outras cidades, como é o caso, por exemplo, do conflito com relação à tentativa de remoção da Comunidade Vila Autódromo na cidade do Rio de Janeiro, que já foi relatado no Mapa de Conflitos envolvendo Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil. No conflito do Rio de Janeiro, o mega evento é representado pelos Jogos Olímpicos que a cidade sediará em 2016.
Ambos os conflitos, relacionados aos dois mega eventos, como avaliou a geógrafa Mariana Fernandes em reportagem do Brasil de Fato, apresentam obras socialmente classistas e espacialmente seletivas. Opinião compartilhada por moradores, como fica evidente na fala de Maria Edilzeu. A moradora da Comunidade Trilha do Senhor, em entrevista ao Estado de São Paulo, faz referência ao bairro nobre de Aldeota, do qual a comunidade é vizinha:
Aqui, temos toda infraestrutura. Escolas, hospitais, nossos parentes estão perto. […] Tem gente morando aqui há mais de 65 anos (a comunidade tem cerca de 80 anos). Gente que quando chegou era tudo mato. Agora, querem nos tirar. Pobre não pode viver ao lado de rico?.
A decisão judicial com relação à ação iniciada pelo MPF em julho de 2011 saiu em 26 de setembro de 2013. A decisão tomada pelo juiz João Luís Nogueira Matias, da 5ª Vara da Justiça Federal no Ceará, negou os três pedidos feitos pelo MPF, que irá recorrer. Cabe relembrar as solicitações do MPF:
Que a Caixa suspenda o repasse de recursos à obra do VLT até que o governo estadual lhe entregue um Plano de Reassentamento e Medidas Compensatórias; que a obra seja excluída da Matriz de Responsabilidades, uma vez que a perícia técnica do órgão concluiu que não ficará pronta a tempo; e que o Estado só faça as desapropriações após o Plano citado ser aprovado pela Caixa.
Em 08 de outubro de 2013, Roger Pires, do Comitê Popular da Copa de Fortaleza, concedeu entrevista ao Adital na qual informou que, ao menos em uma comunidade, remoções já haviam sido realizadas. A Comunidade Caminho das Flores estava na altura da primeira estação do VLT. Segundo Roger, cada família tem um caso de negociação, o que dependia do tamanho da casa; alguns já fizeram acordo, alguns já foram removidos, outros conseguiram ficar através da resistência.
Em 27 de novembro de 2013, moradores de várias das comunidades atingidas realizaram um protesto com uma passeata até o Palácio da Abolição, sede do governo do Estado. Uma vez que foram removidos de suas residências, segundo o G1, eles reivindicaram a entrega imediata da documentação e dos apartamentos prometidos pelo governador Cid Gomes. O Secretário das Cidades, Carlo Ferrentini, recebeu o grupo e teria explicado para cada família a sua situação. Algumas, já estariam com a situação resolvida; outras estariam em processo de análise, segundo o secretário.
As obras têm avançado para garantir o cronograma, mas a situação entre comunidades e governo continua tensa, apesar das audiências de conciliação em andamento, conforme informou A Pública.
Cronologia
30 de outubro de 2007 – Anúncio do Brasil como país sede da Copa de 2014.
2008 – Empresa EPTISA contrata para elaborar estudos de viabilidade do VLT.
Maio de 2009 – Fortaleza indicada como cidade sede.
2009 – Criado o Movimento de Luta em Defesa da Moradia (MLDM), Comunidades dos trilhos.
Abril de 2010 – Jornais locais anunciam realização da obra e a remoção dos moradores.
14 de julho de 2010 – Decreto Estadual CE 30.263 declaa de utilidade pública, para fins de desapropriação área às margens da estrada de ferro.
02 de agosto de 2010 – MLDM lança carta aberta à população.
25 de setembro de 2010 – Comunidade de Rio Pardo realiza cortejo pelas ruas do bairro Papicu, distribuindo panfletos contra o empreendimento.
Setembro de 2010 – Numeração das casas na Comunidade Rio Pardo.
31 de maio de 2011 – Disponibilização do EIA/RIMA.
18 de junho de 2011 – Novo manifesto do MLDM.
27 de junho de 2011 – Audiência pública para discutir o EIA/RIMA.
19 de julho de 2011 – MPF ajuiza ação civil pública na Justiça Federal para tentar impedir o governo de levar adiante qualquer ação de desapropriação que tenha como justificativa a construção do VLT.
02 de agosto de 2011 – Governador Cid Gomes visita Comunidade Aldaci Barbosa sob protestos.
02 de setembro de 2011 – EIA/RIMA aprovado pelo Conselho Estadual de Meio Ambiente.
13 de setembro de 2011 – Licença Prévia concedida ao empreendimento.
01 de dezembro de 2011 – Ação Civil Pública da Defensoria Pública do Ceará.
21 de dezembro de 2011 – Manifestação de comunidades e Comitê Popular da Copa.
22 de fevereiro de 2012 – Carta-manifesto do Comitê Popular da Copa- Fortaleza.
24 de fevereiro de 2012 – Assinatura de contrato com construtora e emissão da Licença de Instalação.
Abril de 2012 – Início das obras.
15 de Abril de 2012 – MLDM lança nota pública sobre as alterações no projeto do VLT.
17 de janeiro de 2013 – Ações de derrubada de árvores na Comunidade de Jangadeiro.
26 de setembro de 2013 – Decisão judicial nega pedidos do MPF de julho de 2011.
27 de novembro de 2013 – Manifestação de moradores na sede do Governo do Estado.
Fontes
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