AL – Povo indígena Kalankó tem língua própria, mas ainda luta por ter sua identidade reconhecida, sua terra delimitada e sua comunidade assistida dignamente com saúde e educação

UF: AL

Município Atingido: Mata Grande (AL)

Outros Municípios: Água Branca (AL), Mata Grande (AL)

População: Povos indígenas

Atividades Geradoras do Conflito: Atuação de entidades governamentais, Monoculturas, Pecuária, Políticas públicas e legislação ambiental

Impactos Socioambientais: Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, Falta / irregularidade na demarcação de território tradicional

Danos à Saúde: Falta de atendimento médico, Insegurança alimentar, Piora na qualidade de vida

Síntese

A área onde atualmente vive o grupo da etnia Kalankó está localizada próxima aos municípios alagoanos de Água Branca e Mata Grande. O grupo reivindica parentesco e descendência com os Pankaruru de Brejo dos Padres, Pernambuco. É que entre o final do século XIX e início do século XX uma parte deste grupo teria migrado em direção ao sertão alagoano. Segundo a tradição histórica da etnia seus antepassados migraram para Alagoas a fim de ocuparem regiões menos povoadas e propiciar a seu povo o acesso a um território então inexplorado e relativamente desabitado. Com o avanço da sociedade nacional sobre aquele território, especialmente com o poder político dos coronéis, os índios foram paulatinamente expropriados de suas terras e reduzidos a trabalhadores rurais nos novos latifúndios.

Em 1978, os Kalankó de Água Branca, depois de incentivos do velho cacique Geripankó Genésio Miranda e apoiados por parentes, assumiram publicamente sua identidade, numa grande festa, onde se encontravam sindicalistas, autoridades e representantes religiosos. ?A gente vivia se escondendo da sociedade, era conhecido como caboclo, mas agora ela está sabendo quem a gente é?, disse a Kalankó Maria Aparecida da Conceição ao jornal Porantim, nº 307, do Conselho Indigenista Missionário, de agosto de 2008. Esse auto-reconhecimento abriria a perspectiva de um povo entristecido passar a se assumir como merecedor de direitos, no do fortalecimento do movimento indígena, da crescente abertura política e social, e poucos anos depois, dos novos direitos firmados pela Constituição Brasileira de 1988.

Mais conscientes das conquistas de povos indígenas de outras localidades, os Kalankó passaram a reafirmar sua identidade étnica e a buscar o atendimento de demandas específicas, especialmente, do território tradicional da etnia, então ocupado por pequenas e médias propriedades rurais.

Dispersos e discriminados, os Kalankó romperam com a invisibilidade social e iniciaram intensa campanha de reorganização social, articulação política e auto-reconhecimento. Não é por outro motivo que a Fundação Nacional do Índio (Funai) até hoje não possui uma estimativa confiável do tamanho da população Kalankó. Segundo dados da entidade, seriam 313 pessoas divididas em 58 famílias, enquanto os próprios Kalankó afirmam serem constituídos por 77 famílias. Tais dados permanecerão provisórios, à medida em que o processo de reafirmação étnica estiver ainda em curso, e da mesma forma os critérios de pertencimento à etnia não estarem plenamente determinados. A própria Funai, na página sobre a etnia, afirma que ?há grande possibilidade de variação no tempo de disposição por parte das pessoas em adotar o critérios de pertencimento e se auto-incluírem na classificação étnica. Isto determina a necessidade de considerar a população Kalankó aberta e fluida, e os resultados do censo de forma relativa.?

A fluidez das fronteiras étnicas, o pouco tempo de reafirmação étnica (pouco mais de dez anos) e critérios sobre indianidade estariam levando a Funai a não reconhecer oficialmente os Kalankó como grupo indígena. Alguns setores do órgão ainda hesitariam em aceitar o auto-reconhecimento como critério para ?ser índio?. Desta forma apegavam-se a aspectos culturais e externos estereotipados, ignorando a história de discriminação e resistência dos índios nordestinos. Essa falta de reconhecimento por parte do Estado brasileiro dificultava o acesso da etnia a direitos básicos, como território, saúde e educação diferenciados.

Os Kalankó contaram, todavia, com o apoio do Ministério Público Federal (MPF) e de diversas organizações indígenas, indigenistas, ongs, pastorais e fóruns sociais. Mas tais apoios não eram ainda suficientes para sensibilizar a Funai para o reconhecimento da identidade étnica indígena e a formação de um Grupo de Trabalho para identificar e delimitar seu território tradicional (conforme determina a Constituição de 1988). Cansados de esperar uma posição oficial, os Kalankó retomaram, em junho de 2008, parte de suas terras e, sem apoio oficial, eles têm sido alvo de ações de fazendeiros e pecuaristas da região, interessados em expulsá-los das áreas ocupadas.

Contexto Ampliado

Os Kalankó, mesmo considerando tratar-se de grupo étnico relativamente recente, ? embora mantendo sua língua e costumes tradicionais ao longo do século passado ?, só vieram a ressurgir como etnia diferenciada, no âmbito da sociedade nacional, em meados dos anos 70 do século XX . Neste período recente, entretanto, os Kalankó de Água Branca e Mata Grande conseguiram construir ampla articulação com organizações da sociedade civil e com o movimento indígena.

Espalhados por diversas propriedades nas localidades Lajedo do Couro, Santa Cruz do Deserto, Batatal e Quixabeira, e algumas residências esparsas em Gangorra, Craibeiras, Moxotó, Gregório, Cacimba do Cercado, Serra do Sobrado, Oleria e Caldeirão, os Kalankó têm em Januária (em Água Branca) sua principal referência territorial. Eles afirmam que foi nesta localidade que seus antepassados se assentaram pela primeira vez, vindos de Pernambuco. Não é por outro motivo, que esta comunidade foi o palco da celebração dos dez anos da luta Kalankó por seu território.

Considerado um povo unido, os Kalankó vivem dispersos. A retomada de seu território tradicional é considerada como um requisito fundamental para a sobrevivência cultural e social do grupo e condição determinante para o atendimento de outros direitos, a que atualmente não têm acesso, como saúde e educação diferenciadas. Atualmente, a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) presta atendimentos de emergência e faz o traslado dos índios Kalankó para hospitais da região, não há atendimento regular nas aldeias ou comunidades e a atenção a demandas diferenciadas da comunidade não foi estabelecida. O mesmo ocorre em relação à educação indígena: não há escolas no território Kalankó, e nas que existem na região não há professores bilíngues ou ao menos treinados para atender às demandas específicas das crianças.

Diante dessa situação, os Kalankó têm se organizado e articulado para serem oficialmente reconhecidos e terem acesso às políticas públicas extensivas aos demais grupos indígenas brasileiros. Organizados em torno da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme), eles têm atuado localmente em parceria com povos indígenas do Nordeste como os Karuazu, Katokin e Koiupanká ? que como os Kalankó, procedem do antigo aldeamento de Brejo dos Padres, em Pernambuco. Os povos que migraram desta localidade para o alto sertão alagoano se consideram parentes.

Nacionalmente, têm atuado junto a organizações indígenas, como a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), a Orgfanização das Mulheres Indígenas de Roraima (Omir), o Conselho Indígena de Roraima (CIR) ou Comissão Pró-Yanomani, entre outras. Além disso, recebem o apoio de Organizações como o Fórum em Defesa dos Direitos Indígenas (FDDI), o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), a Comissão Pastoral da Terra (CPT), a Associação Nacional de Ação Indigenista (Anaí), a Associação Brasileira de Antropologia (ABA), o Centro de Trabalho Indigenista (CTI), a Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos Indígenas, o Instituto Socioambiental (ISA), o Centro de Cultura Luiz Freire (CCLF), o Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva (Cedefes), a Cáritas Nordeste, o Fundo Nacional de Meio Ambiente (FNMA) e entidades públicas, como o Ministério Público Federal (MPF).

Esta articulação política tem lhes garantido acesso a fóruns e arenas de decisão a nível federal, a programas de capacitação promovidos por ongs e a eventos onde estabelecem novos contatos e legitimam suas demandas.

A exemplo disso, em setembro de 2004, lideranças Kalankó e mais 15 etnias brasileiras, estiveram reunidas em Brasília com representantes de diversas entidades federais relacionadas com as políticas indígenas. Na ocasião, foi realizado um seminário sobre questões relacionadas à terra e uma audiência coletiva. O reconhecimento e delimitação da Terra Indígena Kalankó e de outras TIs foi um dos pontos centrais do debate. Além disso, os índios discutiram os impactos de grandes obras de infra-estrutura, como a transposição do rio São Francisco e a hidrovia Tocantins-Araguaia na organização social e as consequências do avanço do agronegócio sobre os respectivos territórios.

Em agosto de 2005, os Kalankó participaram de uma capacitação promovida pela Cáritas Nordeste, em parceria com o Fundo Nacional de Meio Ambiente (FNMA), sobre manejo de solos e formação de bancos comunitários de sementes. O treinamento tinha como objetivo auxiliar os índios no aprimoramento de técnicas de cultivo e aumento da produtividade da terra.

Estes Kalankó cultivam principalmente o milho, mandioca, feijão e criam caprinos e ovinos, além de galinhas, patos e alguns bovinos. Neste aspecto não se diferenciam da população sertaneja da região, seja pelo tipo de cultivo, ou pelas técnicas empregadas ? alguns dos reflexos de séculos de contato entre índios e sertanejos.

Em 2005 a precariedade da estrutura escolar disponibilizada para os índios foi objeto de denúncias da Relatora Nacional para Direito Humano à Educação da Plataforma Dhesca Brasil (Dhesca ? Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais). Ela fez três missões ao interior de Alagoas entre setembro e dezembro de 2005, participando de audiências públicas e reuniões com as comunidades e autoridades públicas. A visita às aldeias de Água Branca aconteceram no mês de novembro. Entre as irregularidades contatadas foram relatadas as seguintes:

? Ausência de escolas em territórios indígenas: apenas uma foi construída, porém a mesma não possui calendário, professores e proposta pedagógica que contemplem a diversidade cultural dos povos indígenas,

? Inexistência de escolas de ensino médio e de condições adequadas de acesso,

? Inexistência de iniciativas de formação específica inicial e continuada para professores indígenas e precariedade na relação de trabalho estabelecida entre o poder público e os professores indígenas,

? Precariedade e insegurança no uso de transporte escolar, principalmente à noite, e, em algumas situações, ausência do mesmo,

? Inadequação da infra-estrutura das escolas,

? Inexistência de professores indígenas,

? Dificuldades quanto à participação na gestão da educação, considerando-se os obstáculos à criação do Conselho Estadual de Educação Escolar Indígena e/ou à participação de representante nos conselhos estaduais e municipais,

? Inexistência de escolas nas aldeias do sertão,

? Evasão escolar.

Estas denúncias, como as demais relacionadas a demandas dos Kalankó, ainda não redundaram em atendimento aos seus direitos, ou no reconhecimento destes pelo poder público. A negligência e omissão do poder público também foi objeto de denúncias das mulheres Kalankó e de outras etnias presentes na 1ª Assembléia das Mulheres Guerreiras Indígenas do Leste e Nordeste, realizada pela Apoinme, em Ribeirão das Neves/MG em agosto de 2007. Diz o documento final do encontro:

?As políticas indigenistas governamentais têm se revelado incapazes de assegurar os direitos indígenas. Isso se reflete no Congresso Nacional onde o Estatuto dos Povos Indígenas encontra-se paralisado há mais de 12 anos. Enquanto os recursos orçamentários diminuem para a demarcação e garantia das terras, crescem os recursos para políticas assistencialistas, geradoras de dependência e desmobilização. Continuam as práticas integracionistas. Os desmandos na atenção à saúde, gerados pelo processo de terceirização, loteamento político dos cargos na Funasa e pela corrupção resultou no aumento trágico da mortalidade nas aldeias indígenas?.

As indígenas presentes ao encontro também denunciaram a apoio do governo federal a grandes projetos de infra-estrutura, ao agronegócio e outras atividades econômicas que têm impactado diretamente os povos indígenas e provocado situações de injustiça ambiental.

Em 12 de junho de 2008, os índios Kalankó retomaram parte de seu território tradicional, quando ocuparam uma fazenda em Januária e, desde então, reivindicam que a Funai reconheça o local como seu território tradicional. Segundo denunciam, a Fundação estaria ignorando seus apelos desde então, não reconhecendo seu direito territorial e se recusando a instituir um Grupo de Trabalho para identificar e demarcar a terra.

Por esse motivo, os Kalankó, junto com representantes dos Karuazu, Katokin e Koiupanká, se reuniram, em julho de 2008, com o procurador da República Rodrigo Tenório para discutir o assunto. Participaram da reunião José Heleno de Souza, administrador regional da Funai, e Jorge Vieira, representando o Conselho Indigenista Missionário (Cimi). José Heleno justificou sua atuação como consequência de orientação recebida da assessoria jurídica da Funai, que o teria orientado a ?nem visitar o povo Kalankó, muito menos prestar assistência?, informando que caso o fizesse seria punido por improbidade administrativa e teria que ressarcir os valores ao Tesouro Nacional. (Cf. Porantim/Cimi, ano XXX/nº 307).

Diante desse quadro, o procurador daria entrada a uma ação civil pública, caso a Funai não assumisse, no prazo de dez dias, as medidas necessárias para a criação de GTs para identificar e demarcar as TIs Kalankó, Karuazu, Katokin e Koiupanká.

Em julho e agosto de 2008, os Kalankó celebraram com festa os dez anos de início da luta e da campanha pelo seu reconhecimento. A contar da iniciativa de 1978, seriam entretanto 30 anos.

Última atualização em: 14 de janeiro de 2010

Fontes

ALAGOAS NOTÍCIAS. Kalankó celebra 10 anos lutando pela demarcação da terra. Disponível em: LINK . Acesso em: 19 fev. 2009

CONSELHO INDIGENISTA MISSIONÁRIO. Povos indígenas fazem seminário e audiência coletiva para debater terra. Disponível em: LINK . Acesso em: 19 fev. 2009.

__________. 1ª Assembléia das Guerreiras Mulheres Indígenas do Leste e Nordeste. Disponível em: LINK . Acesso em: 19 fev. 2009.

__________. Povo Kalankó retoma terra no sertão de Alagoas. Disponível em: LINK . Acesso em: 19 fev. 2009.

__________. Lideranças indígenas cobram assistência da Funai. Disponível em: LINK . Acesso em: 19 fev. 2009.

__________. Povo Kalankó espera há 10 anos pela demarcação de suas terras. Disponível em: LINK . Acesso em: 19 fev. 2009.

__________. Porantim, 307 (01/08/2008). LINK

DHESCA. SOARES, Edla A. Lira. CAVALCANTI, Ednar. Relatores Nacionais em Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais – Informe 2005 ? ps. 105-116.. Disponível em: LINK

FÓRUM BRASILEIRO DE ECONOMIA SOLIDÁRIA. Índios recebem capacitação em manejo de solos e bancos de sementes.Disponível em: LINK . Acesso em: 19 fev. 2009.

FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO. Kalankó. Disponível em: LINK . Acesso em: 19 fev. 2009.

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