AL – Isolados, doentes e transformados em bóias-frias, após muita luta quilombolas de Filus começam a receber atenção

UF: AL

Município Atingido: Santana do Mundaú (AL)

Outros Municípios: Santana do Mundaú (AL)

População: Quilombolas

Atividades Geradoras do Conflito: Atuação de entidades governamentais, Monoculturas

Impactos Socioambientais: Falta / irregularidade na demarcação de território tradicional, Poluição de recurso hídrico

Danos à Saúde: Desnutrição, Doenças não transmissíveis ou crônicas, Doenças transmissíveis, Falta de atendimento médico, Insegurança alimentar, Piora na qualidade de vida

Síntese

A comunidade de Filus, encravada na pequena e árida Serra dos Cachorros, município de Santana do Mundaú, possui cerca de 170 quilombolas, sendo uma das comunidades de remanescentes de quilombos geograficamente mais isolada de Alagoas. Sem acesso a água potável, energia elétrica ou qualquer outro tipo de serviço público, não há escolas, postos de saúde ou telefones públicos na localidade. Até recentemente não existia qualquer política ou programa público voltado para esta população. Tanto o governo federal, quanto o governo de Alagoas, durante décadas, sequer reconheciam a história, a identidade ou mesmo a existência da comunidade de Filus.


Como consequência, a comunidade teve de sobreviver a duras penas e por seus próprios recursos. Enquanto possuíam terras férteis, os quilombolas viviam da agricultura de subsistência e cultivavam banana e mandioca vendidas, a preço abaixo do valor de mercado, para atravessadores. Depois que uma praga atingiu seus roçados, inviabilizando o cultivo, os remanescentes de quilombo passaram a vender sua mão-de-obra para grandes latifundiários da região, trabalhando como boias-frias, durante a época da colheita de cana-de-açúcar. Durante a entressafra, tinham que se contentar com o pouco que colhiam em suas roças e, muitas vezes, passavam fome.


Anos de má alimentação e subnutrição, exploração no trabalho do corte de cana e casamentos consanguíneos trouxeram impactos significativos à saúde desta população. Além da insegurança alimentar e da fome, os focos de esquistossomose ou doença de Chagas, põem em risco a saúde da comunidade. Os frequentes casamentos endogâmicos podem ter propiciado a grande ocorrência de albinismo verificada na localidade. Em 2008 foi verificado que de uma população de 170 pessoas, havia nove albinos. De acordo com a Organização Mundial de Saúde, em média, a incidência desta doença congênita na população mundial é de uma para cada 17.000 pessoas. O albinismo, aliado a um estilo de vida rural, onde é pequeno o uso de protetores solares ou outros tipos de proteções para a pele, tem provocado a ocorrência de óbitos por câncer de pele na comunidade.


A situação dos comunitários de Filus só começou a mudar a partir da sua articulação com outras comunidades quilombolas de Alagoas, por intermédio da Coordenação Estadual dos Quilombolas (Corpoal) e da atuação da Fundação Cultural Palmares (FCP). Esta reconheceu oficialmente a comunidade como remanescente de quilombos em junho de 2006. A partir do reconhecimento, os quilombolas de Filus têm conseguido acesso a recursos e políticas públicas estaduais, além do apoio do Instituto Irmãos Quilombolas, de Santana do Mundaú. Isso já resultou na participação em diversos eventos que propiciaram aos quilombolas da comunidade acesso a informações, cultura e serviços públicos. Contudo, o reflexo mais importante desta articulação foi o acesso que os membros albinos da comunidade tiveram aos serviços de saúde pública. Recentemente oito dos nove albinos fizeram exames e receberam atendimento médico e promessa de acompanhamento anual no Hospital Universitário da Universidade Federal de Alagoas.


O maior desafio da comunidade agora é estender o acesso aos tratamentos de saúde ao restante da população, trazer para a localidade programas e projetos que propiciem a auto-sustentabilidade, evitar a exploração do trabalho nas lavouras de cana de açúcar dos grandes fazendeiros, diminuir os índices de desnutrição e demarcar suas terras tradicionais. Este último desafio não foi concluído pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

Contexto Ampliado

Os quilombolas da Comunidade de Filus de Santana do Mundaú formam, juntamente com as comunidades de Mariana e Jussarinha, um conjunto de comunidades relativamente isoladas do restante da população do município.


Este isolamento geográfico e social trouxe graves consequências para a população da comunidade. Uma delas é a grande incidência dos casamentos endogâmicos e consanguíneos que, segundo os estudiosos, é um dos fatores que leva à alta incidência do albinismo e de doenças a ele relacionadas, como por exemplo, o câncer de pele.


O albinismo é uma condição de natureza genética em que há uma deficiência na produção de melanina pelo organismo. Esta deficiência é a causa de uma ausência parcial ou total da pigmentação dos olhos, pele e cabelos. Além da ocorrência em humanos, pode também ocorrer entre espécies animais ou vegetais.


Além das consequências para a saúde, como queimaduras devido à exposição solar e o aparecimento de diversos tipos de câncer de pele, há várias consequências sociais relacionadas à doença na comunidade. Até recentemente, os albinos da comunidade de Filus se consideravam brancos, o que provocava conflitos em relação à identificação com os demais membros de seu grupo. Em alguns casos, essa discrepância dos albinos em relação à identificação com os membros do seu próprio grupo deu origem a problemas de ordem jurídica, na medida em que, ao se auto-identificarem como brancos, os albinos e suas famílias perderiam os direitos sociais voltados exclusivamente para a população quilombola.


Além desta situação, o isolamento geográfico da comunidade trouxe ainda outras consequências. A primeira foi a inexistência de políticas públicas voltadas para a comunidade. Sem acesso à água potável ou saneamento básico, os quilombolas de Filus apresentavam diversas doenças – como esquistossomose, verminoses, diarreia e desidratação -, todas relacionadas ao consumo de água não-tratada.


Os impactos destas doenças poderiam ser menores se houvesse acesso a acompanhamento médico regular. Contudo, não há posto médico na comunidade, nem visita regular de médicos ou agentes de saúde. A primeira visita realizada aos quilombolas por profissionais de saúde ligados ao Programa Saúde da Família (PSF) se deu em janeiro de 2005, em ação pontual realizada para levar atendimento básico de saúde, aplicação de flúor, escovação e acompanhamento médico das gestantes. Até então, a população vivia totalmente desassistida pelo poder público.


A falta de informação sobre seus direitos civis, a baixa produtividade agrícola, os altos índices de analfabetismo (ou baixa escolaridade), a falta de meios de comunicação com as esferas do poder público, estradas de acesso precárias e o descaso das autoridades políticas contribuíram para que, durante décadas, os quilombolas de Filus fossem explorados por atravessadores inescrupulosos que compravam sua pequena produção excedente de banana e laranja por até um terço do valor de mercado.


A situação se agravou com o aparecimento de pragas nas lavouras, que diminuiu drasticamente a produção e dificultou a comercialização das frutas. Sem alternativas ou qualquer tipo de apoio do poder público, eles passaram a trabalhar como boias-frias nas fazendas de cana-de-açúcar da região, ganhando menos de R$ 10,00 por dia – ou R$ 300,00 por mês. Mais uma vez, os quilombolas se viram sujeitos à exploração de sua mão-de-obra. Neste período, houve grande escassez de alimentos na comunidade porque a mandioca – com a qual se faz a farinha (item importante da alimentação diária) -, também foi atingida por pragas.


A partir de 2007, o Instituto de Terras e Reforma Agrária de Alagoas (Iteral) e a Associação Irmãos Quilombolas se tornaram parceiros-chave da população de Filus. Em diferentes ocasiões, os dois órgãos se articularam para promover ações e eventos voltados para a melhoria da qualidade de vida da comunidade.


Em novembro de 2007, as duas entidades realizaram, com as comunidades quilombolas de Filus e Jussara, o 1º Encontro Quilombolas em Busca da Cidadania. Durante o evento, foram realizadas palestras sobre a Lei Maria da Penha, ministradas por Maria Aparecida Batista, presidente do Conselho Estadual da Mulher (Cedim), e sobre a atuação do Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA) em Alagoas, por Sandra Lira, delegada federal do MDA. O objetivo do encontro foi tratar das possibilidades de melhoria nas áreas de saúde, educação e infraestrutura das comunidades.


No dia 02 de março de 2009, estas instituições encaminharam os quilombolas albinos para receber atendimento médico no Hospital Universitário da Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Segundo os promotores da ação, ela visava prevenir e monitorar possíveis doenças provocadas em decorrência do albinismo. Na ocasião, eles foram atendidos pelo médico especialista em cirurgia plástica Fernando Gomes, que realizou o seguinte prognóstico: é bem provável que todos eles, em alguma fase da vida, desenvolvam tumores, por isso, precisam de acompanhamento.


O médico também informou que o primeiro passo para o acompanhamento dos albinos seria o encaminhamento para setores de clínica médica, genética e dermatologia, que deveriam solicitar exames para diagnosticar o possível aparecimento de doenças relacionadas ao albinismo. Após essa fase, eles deveriam retornar ao hospital, pelo menos, duas vezes ao ano, para a realização de novos exames.


Em 09 de março daquele ano, foi realizado o 1º Festival da Cultura e Cidadania dos Quilombolas do Vale do Mundaú. Durante os três dias do festival, os quilombolas das comunidades de Filus, Jussarinha e Mariana foram atendidos por serviços do Estado com orientações e palestras do Corpo de Bombeiros, da Secretaria de Estado da Educação e do Esporte (Seed) e da Secretaria de Estado da Mulher, da Cidadania e dos Direitos Humanos (SEMCDH).


Segundo o coronel Jadir Ferreira Cunha, comandante geral do Corpo de Bombeiros, a banda de música da corporação fez uma apresentação e foram dadas orientações de como prevenir acidentes domésticos. Ele disse também que a Diretoria de Saúde da entidade fez pequenos atendimentos no local. Já a secretaria estadual de Educação promoveu palestra sobre a lei federal 10.639/03, que trata da obrigatoriedade do estudo da história da África e afro-brasileira nas escolas de educação básica.


Além disso, a Secretaria da Mulher levou palestrantes para falar sobre temas como a Lei Maria da Penha, Racismo Institucional e História dos Quilombolas Remanescentes em Alagoas. Discutiram ainda a criação de um núcleo representativo para as comunidades quilombolas da região por meio da Superintendência de Políticas para a Juventude. Este evento foi também obra da interação das comunidades com o Iteral e o Instituto Irmãos Quilombolas.


Apesar desse renovado interesse do Estado na comunidade, os quilombolas de Filus ainda não obtiveram a titulação de suas terras; sofrem com os impactos do empobrecimento do solo agrícola, com a falta de saneamento básico, empregos dignos e fontes alternativas de renda; além de dificuldades de acesso à saúde e à educação regulares, estradas ou moradias. Assim, um dos principais problemas da comunidade é a descontinuidade – ou irregularidade – das políticas públicas. Por exemplo, eles precisaram aguardar três anos antes que pudessem ser novamente atendidos no Hospital Universitário.


Apesar das promessas iniciais de atendimento regular, a segunda consulta ocorreu apenas em abril de 2012, quando foram atendidos pelo mesmo médico da primeira consulta. O próprio médico reconheceu que a descontinuidade no tratamento era prejudicial aos quilombolas. Representantes do ITERAL prometeram, na ocasião, maior regularidade no tratamento, e foi anunciado que estava sendo estabelecido um termo de cooperação entre o Governo Estadual e a Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) para melhorar as condições de vida dos quilombolas de Alagoas.


Para enfrentar os problemas de saúde e precariedade das suas condições de vida, os quilombols da comunidade de Filus estão se organizando e realizando ações para pressionar o Estado. Naquele mesmo mês, eles fecharam a rodovia AL-205 em protesto contra a falta de transportes que servissem à comunidade e contra as más condições da escola (que funciona numa única sala de aula, numa casa alugada, sem banheiros).


Segundo relato de Arísia Barros, durante o protesto, os quilombolas estenderam uma faixa na estrada que resumia o sentimento da comunidade: Os quilombolas de Filus também são seres humanos.


Em agosto daquele ano, a Secretaria Estadual de Saúde (SES) iniciou o fornecimento de protetores solares para evitar as conseqüências da exposição dos albinos ao sol. Porém, mais uma vez, a execução do programa se tornou irregular: após fornecer estoque suficiente para um mês do produto, a Farmácia do Estado (FARMEX) não entregou a remessa seguinte, o que os obrigou a retornar aos antigos métodos de proteção aos raios solares ou a permanecer em áreas cobertas a maior parte do dia.


Cronologia:


Janeiro de 2005: Equipe do Programa de Saúde da Família (PSF) de Santana de Mundaú realiza ações de saúde na comunidade.


Novembro de 2007: Realizado o 1º Encontro Quilombolas em Busca da Cidadania.


Março de 2009: Quilombolas albinos de Filus são encaminhados para avaliação médica no Hospital Universitário da UFAL.


09 de março de 2009: Realizado o 1º Festival da Cultura e Cidadania dos Quilombolas do Vale do Mundaú.


Abril de 2012: Quilombolas albinos de Filus são encaminhados para nova avaliação médica no Hospital Universitário da UFAL. No mesmo mês, realizam protestos por melhores condições de transporte e educação.

Última atualização em: 15 de abril de 2013

Fontes

ALBINOS de comunidade quilombola sofrem por falta de protetor solar. Minuto Zona da Mata, 05 out. 2012. Disponível em: http://goo.gl/GNGEk. Acesso em: 15 abr. 2013.

ALAGOAS EM TEMPO REAL. Iteral realiza I Encontro Quilombola em Busca da Cidadania. Disponível em: http://goo.gl/bmezH. Acesso em: 11 mar. 2009.

______. HU irá realizar acompanhamento médico de quilombolas albinos. Disponível em: http://goo.gl/sfI5f. Acesso em: 11 mar. 2009.

______. I Festival da Cultura e Cidadania vai levar os serviços do Estado aos quilombolas. Disponível em: http://goo.gl/2Ayc6. Acesso em: 11 mar. 2009.

BARROS, Arísia. Os quilombolas de Filus também são seres humanos. Cada Minuto, 22 abr. 2012. Disponível em: http://goo.gl/GNGEk. Acesso em: 15 abr. 2013.

BOL NOTÍCIAS. Classificados como brancos, albinos podem ficar fora de programas sociais para negros. Disponível em: http://goo.gl/ih8wv. Acesso em: 11 mar. 2009.

GAZETA DE ALAGOAS. Quilombolas enfrentam fome e miséria. Disponível em: http://goo.gl/XHhLs. Acesso em: 11 mar. 2009.

______. Em Filus é assim… Disponível em: http://goo.gl/S5xoC. Acesso em: 11 mar. 2009.

______. Quilombolas lutam pela sobrevivência. Disponível em: http://goo.gl/t4BcE. Acesso em: 11 mar. 2009.

INSTITUTO DE TERRAS DE ALAGOAS. Quilombolas albinos voltam ao Hospital Universitário de Maceió. Alagoas em Tempo, 18 abr. 2012. Disponível em: http://goo.gl/go1A7. Acesso em: 15 abr. 2013.

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