AL – Comunidade Quilombola de Gameleiro enfrenta Lixão criado pela prefeitura de Olho D'Água das Flores e consegue a suspensão da atividade que ainda ameaça a saúde e sustentabilidade de seu território
UF: AL
Município Atingido: Senador Rui Palmeira (AL)
Outros Municípios: Batalha (AL), Carneiros (AL), Jacaré dos Homens (AL), Major Isidoro (AL), Monteirópolis (AL), Olho D’Água das Flores (AL), Olivença (AL), Santana do Ipanema (AL), São José da Tapera (AL), Senador Rui Palmeira (AL)
População: Quilombolas
Atividades Geradoras do Conflito: Atuação de entidades governamentais, Atuação do Judiciário e/ou do Ministério Público, Políticas públicas e legislação ambiental
Impactos Socioambientais: Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, Poluição de recurso hídrico, Poluição do solo
Danos à Saúde: Doenças não transmissíveis ou crônicas, Doenças transmissíveis, Piora na qualidade de vida
Síntese
Desde 2002, as cerca de 60 famílias da comunidade quilombola de Gameleiro, na zona rural de Olho D?Água das Flores, no sertão alagoano, lutam contra a permanência de um lixão em suas terras. Implantado pela prefeitura, à revelia da comunidade, o lixão tem sido o foco de um longo conflito entre os quilombolas e o poder executivo municipal. A prefeitura não reconhece a comunidade como remanescente de quilombo e, por esse motivo, não atua conforme a legislação nacional e internacional sobre essa questão. O princípio jurídico que determina que as comunidades tradicionais devem ser consultadas e informadas sobre os riscos de quaisquer projetos de infra-estrutura que tenham impactos diretos ou indiretos sobre seus territórios tradicionais foi totalmente ignorado nesse caso. Nem mesmo a legislação nacional sobre resíduos sólidos foi respeitada pela prefeitura de Olho D'água das Flores. De acordo com esta, nenhum lixão pode ser implantado a menos de dois quilômetros de áreas habitadas ? o lixão de Olho Dágua foi instalado a menos de 300 metros da comunidade do Gameleiro.
O lixão foi implantado em terreno em nível superior ao da comunidade e, assim, tem provocado constantes acidentes nas épocas chuvosas. O lixo acumulado é carregado pelas enxurradas e lançado violentamente contra as casas e demais construções da comunidade, provocando acidentes graves e danos materiais significativos. Além disso, a comunidade de Gameleiro é obrigada a conviver com a presença de ratos, baratas, moscas e outros vetores de doenças graves. O mau cheiro provoca constantes reclamações dos quilombolas. Há ainda o risco de incêndios provocados na estação seca e quente atingirem a comunidade, como efetivamente já ocorreu em dezembro de 2007.
A comunidade quilombola de Gameleiro está no local há mais de 300 anos, mas somente em março de 2008 foi oficialmente reconhecida pelo Estado brasileiro, por intermédio da Fundação Cultural Palmares (FCP). Até então, encontrou dificuldades para chegar às arenas públicas de decisão e se fazer ouvir em questões importantes, como este, da implantação do lixão, e do recente projeto de transferência dos resíduos para um aterro sanitário a ser instalado no mesmo local. Este aterro foi projetado para servir a dez municípios consorciados na região.
A atuação de entidades de apoio às comunidades tradicionais, como o Ministério Público, sindicatos e organizações da sociedade civil têm sido ocasionais e incipientes. Na maior parte do tempo, os quilombolas atuam diretamente através de sua associação, ou recebem apoio de entidades responsáveis pela proteção do meio ambiente ou pelas políticas direcionadas aos remanescentes de quilombos, como o Instituto de Meio Ambiente (IMA) ou a FCP. A Fundação Palmares tem sido a principal parceira da comunidade, auxiliando-a na busca de recursos de outras instituições públicas para auxiliar os quilombolas – e até mesmo para impedir a instalação do aterro sanitário na localidade.
Em novembro de 2008, mesmo com pouco apoio institucionalizado, os quilombolas conseguiram que a prefeitura de Olho D?Água das Flores suspendesse o envio de resíduos sólidos para o lixão e os transferissem provisoriamente para uma vala na localidade conhecida como Sítio Areias. Contudo, a comunidade ainda permanece sujeita aos impactos do lixo já depositado no local (que se decompõe a céu aberto e contamina o entorno). Há ainda o problema da indefinição quanto à localização do novo aterro sanitário intermunicipal. Se seguir o projeto original poderá provocar novos impactos sobre a comunidade. O licenciamento ambiental do aterro sanitário ainda não foi concluído, mas o IMA já se declarou favorável à sua implantação no município.
Contexto Ampliado
O impacto da proximidade entre o lixão de Olho D?Água das Flores e a comunidade quilombola de Gameleiro ganhou notoriedade, quando a Associação Quilombola de Gameleiro encaminhou, em outubro de 2007, denúncia ao Ministério Público Federal (MPF) sobre a negligência do poder municipal na gestão dos resíduos sólidos depositados no local. Essa deposição de resíduos provocava acidentes frequentes na comunidade, sendo implantada de modo autoritário e irresponsável, desrespeitando determinações constitucionais, convenções internacionais das quais o Brasil é signatário e legislações específicas sobre a gestão de resíduos sólidos.
Neste conflito, o Ministério Público teria fugido à regra da habitual solidariedade a comunidades injustiçadas como a de Gameleiro. Até 23 de dezembro de 2007, nenhuma autoridade havia se pronunciado sobre o caso. Naquela data, após um incêndio no lixão atingir a comunidade e provocar a ira de seus moradores, os quilombolas de Gameleiro impediram, em protesto, o acesso dos caminhões coletores ao lixão. Somente então ongs, autoridades municipais e o Ministério Público Estadual (MPE) estiveram no local para negociar a desobstrução do lixão e um acordo com os quilombolas. Na ocasião, o MPE se comprometeu a acompanhar o caso e a tomar as medidas necessárias para garantir os direitos dos quilombolas.
Cerca de um mês depois lideranças da comunidade divulgaram nota cobrando o cumprimento dos termos do acordo e ação mais decisiva do Ministério Público. Segundo a nota, o acordo não estava sendo cumprido:
?Neste momento estamos com nossos destinos nas mãos do MP, sabemos também que o MP visa o bem estar da população, principalmente aquelas que estão em situação de risco, que é o nosso caso, é claro que o MP fará tudo que for necessário para garantir nosso bem estar. Estamos conscientes dos nossos deveres bem como dos nossos direitos, principalmente quando estamos sendo prejudicados, sabemos o que queremos, e as influências positivas ou negativas de outras pessoas não mudará o nosso objetivo, não sofremos manipulação, mas sofremos sim as consequências graves da falta de políticas publicas estruturantes direcionadas à população, principalmente nós que vivemos em área de risco?.
O tom conciliador deste trecho contrasta com o desabafo da comunidade, expresso no último parágrafo do documento. Neste trecho é possível verificar o quanto a negligência do poder público local é desaprovada pelos membros da comunidade:
?Tanto o Executivo quanto o MP desde o ano de 2005 em momento algum discutiu com a comunidade sobre a implantação do aterro sanitário, não respeitando o direito de discutirmos tal projeto, tudo estava sendo feito às escondidas da população, e parece que em momento algum eles se preocuparam com a opinião dos moradores desta comunidade, que pedem urgência na retirada do lixão e a decisão prevalece para que o aterro seja implantado em outra localidade. O que esperarmos de nossos representantes e autoridades??
Este trecho também faz referência à audiência pública realizada no município em 11 de janeiro de 2008 para apresentar e debater o projeto de substituição do lixão por um aterro sanitário. Nesta ocasião os quilombolas deixaram clara sua oposição quanto à permanência do antigo lixão e à implantação do novo aterro sanitário em seu território. A comunidade de Gameleiro recebeu o apoio da Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura no Estado de Alagoas (FETAG/AL). Diante da oposição expressa da comunidade, o prefeito teria se comprometido a buscar outro local para implantar o aterro sanitário, mas nada ainda foi feito nesse sentido.
Diante de um cenário local adverso, os quilombolas encontraram na Fundação Cultural Palmares importante parceria na luta por seus direitos ? especialmente ao direito a um meio ambiente equilibrado e à garantia de sua saúde. Nesse sentido, a diretora de Proteção do Patrimônio Afro-Brasileiro da Fundação Palmares, Bernadete Lopes, atuou como importante articuladora, buscando o apoio de outras entidades governamentais, como o Instituto de Terras e Reforma Agrária de Alagoas (Iteral), a Polícia Federal, e o próprio Ministério Público para garantir que os direitos os quilombolas não fossem novamente ignorados.
Contrariamente ao que havia acordado em ocasiões anteriores, o prefeito de Olho D?Água das Flores prosseguiu com o funcionamento do lixão sem buscar alternativas que melhorassem a situação da comunidade. Em 23 de março de 2008 a comunidade de Gameleiro foi notificada de que, a pedido da prefeitura municipal, o Juiz da Comarca de Gameleiro havia concedido liminar que garantiria o funcionamento do lixão no local. Em reação à decisão do juiz, a FCP acionou sua Procuradoria para tomar as medidas judiciais cabíveis. Além disso, encaminhou o caso para a ouvidoria agrária do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e para a Subsecretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.
Ao mesmo tempo, a FCP atuava no sentido de garantir o reconhecimento da comunidade como remanescente de quilombos afim de que a sua população pudesse ter garantido o acesso às políticas públicas voltadas para estes grupos. Em 10 de abril de 2008, a Palmares publicou no Diário Oficial da União o registro e a certificação de nove comunidades. A comunidade quilombola de Gameleiro, certificada em 25 de março de 2008, estava na lista.
A atuação da FCP e o reconhecimento oficial dos quilombolas proporcionaram-lhes acesso a arenas de decisão política. Como consequência, as diversas esferas do governo alagoano não puderam continuar ignorando a presença dos quilombolas e seus direitos legais. O primeiro passo no sentido de uma mudança de postura em relação ao conflito se deu em maio de 2008 quando o Instituto do Meio Ambiente (IMA) convocou representantes da prefeitura municipal para discutir o projeto do aterro sanitário. Na ocasião ficou estabelecido que haveria agora um impedimento para implantação do mesmo no local.
?A prefeitura afirmou não ter conhecimento de que o terreno onde, hoje funciona o lixão, seja uma área quilombola, todavia, comprometeu-se que, em um pequeno espaço de tempo, não superior a trinta dias, apresentará os resultados de estudos, que se encontra em desenvolvimento visando a escolha de nova área para implantação de um aterro sanitário consorciado entre dez municípios da região?.
Entre 12 a 14 de novembro de 2008, os quilombolas de Gameleiro repercutiram sua situação no Encontro Estadual de Comunidades Negras Quilombolas de Alagoas, promovido pelo Instituto de Terras e Reforma Agrária de Alagoas (Iteral).
No dia 30 de novembro de 2008, os quilombolas de Gameleiro veriam o primeiro impacto positivo do conflito: a prefeitura de Olho D?Água das Flores anunciou o fechamento do lixão em Gameleiro e a proibição de novos depósitos de resíduos na localidade. Permanece ainda, a indefinição sobre a localização do novo aterro sanitário e sobre os possíveis impactos de longo prazo do lixo ainda presente na localidade.
Última atualização em: 14 de janeiro de 2010
Fontes
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______________. Fetag/AL participa de audiência pública para discutir criação do aterro sanitário na comunidade quilombola Gameleiro. Disponível em: http://www.alemtemporeal.com.br/index.php?pag=cidade&cod=2312/. Acesso em: 27 fev. 2009.
______________. Associação em Olho Dagua das Flores cobra solução relacionada a instalação de lixão. Disponível em: http://www.alemtemporeal.com.br/index.php?pag=municipios&cod=1206. Acesso em: 27 fev. 2009.
______________. Iteral: Fundação Palmares pede apoio contra aterro sanitário em comunidade quilombola. Disponível em: http://www.alemtemporeal.com.br/?pag=agricultura&cod=307/. Acesso em: 27 fev. 2009.
ALAGOAS NEGÓCIOS. Quilombolas podem ter acesso a políticas públicas. Funasa dispõe de R$ 4,8 milhões para Alagoas. Disponível em: http://www.alagoasnegocios.com.br/conteudo/Index.asp?vEditoria=Cidadania&vCod=6655/. Acesso em: 27 fev. 2009.
FUNDAÇÃO CULTURAL PALMARES. Fundação Palmares certifica mais 9 comunidades quilombolas. Disponível em: http://www.palmares.gov.br/003/00301009.jsp?ttCD_CHAVE=1098/. Acesso em: 27 fev. 2009.
______________. Lixo no Quilombo. Disponível em: http://www.palmares.gov.br/003/00301009.jsp?ttCD_CHAVE=1055/. Acesso em: 27 fev. 2009.
INSTITUTO DO MEIO AMBIENTE. Prefeitura de Olho d?Água das Flores e IMA discutem implantação de aterro sanitário. Disponível em: http://www.ima.al.gov.br/noticias/prefeitura-de-olho-d2019agua-das-flores-e-ima-discutem-implantacao-de-aterro-sanitario/. Acesso em: 27 fev. 2009.
______________. Município de Olho d?Água das Flores encerra atividade do lixão. Disponível em: http://www.ima.al.gov.br/noticias/municipio-de-olho-d2019agua-das-flores-encerra-atividade-do-lixao/?searchterm=Olho%20D%27%C3%81gua/. Acesso em: 27 fev. 2009.
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE ALAGOAS. Prefeitura Municipal interdita lixão de Olho d?Água das Flores. Disponível em: http://www.mp.al.gov.br/noticias/saiu_na_imprensa/Index.asp?vCod=9173/. Acesso em: 27 fev. 2009.
OBSERVATÓRIO QUILOMBOLA. Comunidade Quilombola é obrigada judicialmente a ter o lixão em suas terras. Disponível em: http://www.koinonia.org.br/oq/noticias_detalhes.asp?cod_noticia=4215&tit=Not%EDcias. Acesso em: 27 fev. 2009.
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TUDO NA HORA. Incêndio em lixão ameaça comunidade quilombola. Disponível em: http://lb.tudonahora.com.br/noticia.php?noticia=7038/. Acesso em: 27 fev. 2009.