RJ – Centenas de sem-teto lutam por moradia e direitos após serem ilegalmente despejados de ocupação de sete anos
UF: RJ
Município Atingido: Rio de Janeiro (RJ)
Outros Municípios: Rio de Janeiro (RJ)
População: Comunidades urbanas, Moradores em periferias, ocupações e favelas
Atividades Geradoras do Conflito: Atuação de entidades governamentais, Especulação imobiliária, Hidrovias, rodovias, ferrovias, complexos/terminais portuários e aeroportos
Impactos Socioambientais: Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, Favelização
Danos à Saúde: Piora na qualidade de vida, Violência – ameaça, Violência psicológica
Síntese
A Ocupação Quilombo das Guerreiras é um coletivo de pessoas sem-teto que reivindica o direito de morar com dignidade na cidade do Rio de Janeiro. Durante nove anos, esse coletivo tem se organizado e realizado ocupações urbanas em edifícios que estão totalmente abandonados há anos. Entretanto, em todas as tentativas, foram violentamente despejados e negligenciados pelo poder público. O Quilombo das Guerreiras é formado por pessoas que viviam na Baixada Fluminense, na Zona Oeste e em localidades periféricas do centro da cidade, como Gamboa, Santo Cristo e Saúde.
A ocupação iniciou-se a partir de encontros realizados no início de 2005, na Zona Norte e na área central da cidade do Rio de Janeiro. Estes primeiros encontros eram construídos por pessoas que não conseguiam pagar aluguel, apoiados por estudantes, por grupos como a Federação Anarquista do Rio de Janeiro (FARJ) e a Frente Internacional dos Sem-Teto (FIST), e incentivados também pelas ocupações Chiquinha Gonzaga e Zumbi dos Palmares, localizadas na região central do Rio de Janeiro, de acordo com Bueno (2008).
A Quilombo das Guerreiras já realizou três ocupações. Na terceira, ocorrida em 08 de outubro de 2006, no prédio abandonado há praticamente duas décadas na Avenida Francisco Bicalho n° 49, zona portuária da cidade do Rio de Janeiro, pertencente à Companhia Docas do Rio de Janeiro, os sem-teto permaneceram durante sete anos. Durante esse tempo, reconstruíram o prédio, criaram um sistema de autogestão, uma horta agroecológica, entre outras experiências coletivas.
Todavia, em 26 de fevereiro de 2014 foram despejados, visto que exatamente na área do imóvel será construído o “Trump Towers Rio de Janeiro”. Este empreendimento, que compõe o projeto “Porto Maravilha”, é idealizado por uma das maiores organizações de exploração imobiliária do mundo, as Organizações Trump, associadas às empresas MRP Internacional (Bulgária) e Even Construtora e Incorporadora (Brasil). As Trump Towers são um projeto composto por cinco torres que podem atingir até 50 andares cada, e sua construção tem uma expectativa de valor de mercado de até seis bilhões de reais.
Contexto Ampliado
A Ocupação Quilombo das Guerreiras é um coletivo de pessoas sem-teto que reivindicam o direito de morar com dignidade na cidade do Rio de Janeiro. Por nove anos esse coletivo tem se organizado e realizado ocupações urbanas em edifícios totalmente abandonados; entretanto, em todas as tentativas foram violentamente despejados e negligenciados pelo poder público.
O Quilombo é formado por pessoas que viviam na Baixada Fluminense, na Zona Oeste e em localidades periféricas do centro da cidade, como Gamboa, Santo Cristo e Saúde. Sendo que grande parte delas está há algum tempo vivendo na cidade do Rio de Janeiro, mas é originária do Nordeste. Pessoas que vieram em busca de melhores condições de vida e que encontraram apenas precários trabalhos informais, péssima mobilidade urbana e exorbitantes aluguéis na cidade maravilhosa.
Segundo Ana de Morais SantAnna, membro da Ocupação, a construção do grupo se deu da seguinte forma:
Um critério para todos os moradores que fazem parte do coletivo foi não ter casa. Então, todas essas pessoas, de alguma maneira, pagavam aluguel. Aí, como a gente entende que o sem-teto é alguém, hoje, que se pagar o aluguel não come, se comprar remédio não come… Não é só a condição mais grave do sem-teto, que é aquele que está na rua, mas aquele que não consegue sobreviver da sua força de trabalho. Então, esse é o coletivo que compõe a Quilombo. Na sua maior parte, mulheres, o que é até engraçado… As mulheres são as que atuam mais, são as que têm uma força a mais… Não que os homens não atuem, mas as mulheres puxam mais a bandeira aqui, entrevista publicada pela Revista Território Autônomo (2012).
Nesse sentido, a Ocupação iniciou-se a partir de encontros realizado no início de 2005, na Zona Norte e na área central da cidade do Rio de Janeiro. Estes primeiros encontros eram realizados por pessoas que não conseguiam pagar aluguel, apoiados por estudantes, por grupos como a Federação Anarquista do Rio de Janeiro (FARJ) e a Frente Internacional dos Sem-Teto (FIST), incentivados também pelas ocupações Chiquinha Gonzaga e Zumbi dos Palmares, localizadas na região central do Rio de Janeiro, de acordo com Bueno (2008).
Em outubro de 2005, em uma das reuniões realizadas por esse coletivo de sem-teto decidiu por nomear o grupo de Ocupação Quilombo das Guerreiras. Ana de Morais SantAnna, em entrevista publicada pela Revista Território Autônomo (2012), contou que o nome surgiu da seguinte forma:
O nome Quilombo das Guerreiras foi escolhido no primeiro processo, ainda quando era organizado em Vila Isabel. E foi escolhido por uma moradora, que nem chegou a ser moradora, defendendo a proposta que deveria ser quilombo porque quilombo era um espaço onde os negros podiam ter sua cultura, podiam resgatar sua cultura. Não um espaço de fuga, mas um espaço de construção, espaço de identidade. Das guerreiras porque as mulheres ao longo da história sempre foram negligenciadas, raramente nos livros de história se conta a luta das mulheres, da vanguarda, de estar à frente da luta, e, sobretudo hoje pela mulher, pela característica que ela exerce como mãe, como provedora, na sua grande maioria, na sociedade. A mulher como pai, mãe… prestar uma homenagem a essas mulheres. Então têm esses dois lados: o quilombo, a luta dos negros, esse resgate que eu acredito que seja quase que uma demarcação do consciente. Eu acho que as nossas ocupações são uma demarcação do consciente porque todas elas têm essa demarcação, demarcam esses nomes: Quilombo, Manoel Congo, a própria Chiquinha Gonzaga, que é uma mulher à frente de seu tempo, abolicionista, quer dizer… então é por esse motivo.
Ainda nesse primeiro momento de mobilização, a Ocupação elaborou um regimento interno para o grupo de ocupantes. Este foi discutido e aprovado em uma assembleia, ponto por ponto – cláusulas de conduta coletiva, de obrigações e de segurança. Este documento foi fundamental para que o grupo definisse seus princípios para darem início à ação de ocupação, de acordo com o relato da Federação Anarquista do Rio de Janeiro (FARJ) (s/d).
A primeira ocupação realizada pelo Quilombo foi em novembro de 2005. O prédio ocupado pertencia ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), localizado na Rua Alcindo Guanabara, centro da cidade, próximo à Câmara dos Vereadores, que se encontrava abandonado por mais de 15 anos. Entretanto, o coletivo permaneceu por pouco tempo no prédio, pois em menos de 24 horas de ocupação a polícia militar expulsou os sem-teto. A estratégia da prefeitura para enfraquecer os ocupantes foi restringir a transferência de água para o prédio ocupado, por meio da Companhia Estadual de Águas e Esgoto (CEDAE), enquanto a polícia militar impediu a saída e a entrada de ocupantes para inviabilizar a entrada de alimentos no prédio (BUENO, 2008).
Após esse acontecimento, a Quilombo passou a organizar uma próxima ocupação, e, embora o grupo tenha se modificado nesse processo de mobilização e despejo, o coletivo permaneceu com o mesmo nome. A região escolhida para a segunda ocupação foi a Zona Norte da cidade, com o objetivo de desviar os olhares da política e da prefeitura.
Em 03 de julho de 2006 foi realizada a ocupação de um prédio localizado na Rua Estrela, no bairro Rio Comprido. Entretanto, no dia posterior à ocupação, a polícia militar novamente realizou a desocupação do prédio. A ação da polícia foi muito rápida, visto que descobriram que o prédio era propriedade particular, estando registrado em nome do advogado Paschoal Scofano. Embora o prédio estivesse em desuso há mais de uma década, pelo simples fato do proprietário pagar imposto predial regularmente, os sem-teto foram obrigados a sair do prédio após negociação com a polícia militar e o Instituto de Terras e Cartografias do estado do Rio de Janeiro (ITERJ), que prometeu alocar as famílias em moradias populares (BUENO, 2008).
Nessa perspectiva, é importante pontuar que, segundo a Constituição Federal de 1988, o direito à propriedade rural e urbana está condicionado ao cumprimento da função social (art. 5º, XXIII), ou seja, a propriedade privada está submetida à garantia de justiça social e defesa de bem-estar social, independente de regularizada ou não. Considerando isso, ambos os despejos dos sem-teto do Quilombo das Guerreiras podem ser contestados, visto que os imóveis estavam abandonados por anos, mas a ação da polícia não considerou esse princípio.
Na sequência desse segundo despejo, no dia 04 de julho, os sem-teto da Ocupação Quilombo das Guerreiras emitiram o seguinte comunicado, com o apoio da Frente de Luta Popular.
No Brasil, há 80% de sua população sem acesso à paz, saúde, transporte, trabalho digno e moradia. A questão de moradia é uma séria causa, pois só no Rio de Janeiro há milhares de famílias sem condição de morar dignamente, vivendo em lugares distantes dos locais de trabalho, em alugueis sem condição de pagar por conta da baixa renda que é conseguida, vivendo na rua ou em barracos precários. Ao mesmo tempo, o preço da passagem do ônibus sobe, mal podemos comprar alimentos, a polícia continua violenta conosco, negros e pobres, que nos para e revista sem a menor causa, nos transformando em criminosos, nos violentando e executando nossos irmãos. Por conta disso, nós, 150 famílias de trabalhadoras e trabalhadores sem teto, ocupamos um prédio abandonado há mais de 15 anos, sem cumprir com sua função social. Batizamos a ocupação de Quilombo das Guerreiras, lembrando as resistências de nosso povo, que lutou por séculos, em quilombos, assentamentos, revoltas e protestos, contra os 500 anos de opressão e massacre que nós, negros, pobres, jovens, mulheres e homossexuais fomos submetidos. Destacamos a luta das mulheres que sofrem ainda mais com as desigualdades, por isso homenageamos todas as lutadoras como GUERREIRAS. Chamamos toda a população para o ato de solidariedade à ocupação que acontece em frente ao prédio ocupado, na Rua Estrela n° 64, próximo à Praça do Rio Comprido, a partir das 9h da manhã, nest segunda feira. Apareça!, publicado por Bueno (2008).
Segundo a sem-teto Ana de Morais SantAnna, em entrevista publicada em 2012, após o segundo despejo houve uma assembleia entre os membros da ocupação e nesta foi pontuada a necessidade da Ocupação mudar de nome, visto que Quilombo das Guerreiras não estava dando sorte. Ela expôs o fato da seguinte maneira:
Quando se ocupou Alcindo Guanabara e foi despejado, quando se ocupou o Rio Comprido e foi despejado, houve um ponto de pauta para mudar o nome porque o nome estava dando azar! Não acho que é o nome que está dando azar, a gente não está conseguindo ficar. Isso foi a defesa de um cara, e aí eu lembro que várias mulheres se inscreveram para defender Quilombo das Guerreiras. Acho que a defesa mais incisiva foi: Pô, eu sou sem-teto, não tenho condições de pagar aluguel, não tenho condição de viver, então o que está acontecendo? Vou ter que ir ao cartório mudar meu nome, meu nome tá dando azar? Então eu não posso acreditar nisso, que é o nome. Muito pelo contrário, eu acho que esse nome é o que vai ficar e a gente vai ser conhecido por ele. Acho que nessa terceira tentativa a gente vai conseguir ficar e acabou ficando o nome e acabou acontecendo.
A terceira ocupação do Quilombo ocorreu em 08 de outubro de 2006. Segundo relato da mesma sem-teto da Ocupação, o grupo de pessoas que compunha o coletivo nessa terceira ação era o mesmo que havia ocupado o prédio no Rio Comprido, e não houve expressiva desmobilização do sem-teto. Ela afirmou: As pessoas que organizavam esse processo eram pessoas que tinham como ideal a autogestão. Então, o processo foi organizado.
A ocupação dessa vez foi de um prédio abandonado há praticamente duas décadas na Avenida Francisco Bicalho n° 49, zona portuária da cidade do Rio de Janeiro, numa ação realizada por cerca de 100 famílias. De acordo com Bueno (2008), o uso mais recente do prédio foi do Departamento de Engenharia da Companhia Docas do Rio de Janeiro, extinto há mais de 15 anos.
No dia 20 de novembro de 2006, o ITERJ, representado por Célia Ravera, presidente, redigiu uma proposta de manutenção das famílias no prédio durante o período de 12 meses e encaminhou para a Companhia Docas do Rio de Janeiro. Segundo a argumentação de Ravera: O prédio está abandonado e a empresa pode prestar grande função social se fizer um acordo para abrigar centenas de pessoas que não têm onde morar (BUENO, 2008, p.71).
A partir desse momento, os sem-teto da Ocupação Quilombo das Guerreiras passaram a viver no prédio na região portuária do Rio de Janeiro de forma coletiva e a lutar pela permanência no local. Apoiaram a ação, as ocupações Chiquinha Gonzaga, Zumbi dos Palmares e Quilombo, além da Frente de Luta Popular (FLP) já extinta -, da Central de Movimentos Populares (CMP) e do Núcleo de Pesquisa em Desenvolvimento Socioespacial NuPeD.
Ana de Morais SantAnna, em entrevista publicada pela Revista Território Autônomo (2012), falou sobre a organização:
A gente se divide coletivamente nos trabalhos, na segurança do prédio, na manutenção do prédio, e essa divisão, até hoje, tem um ponto alto, que são as assembleias, onde surgem as nossas demandas de resolução pra dentro do prédio, onde temos também as demandas do que está acontecendo no Rio de Janeiro, das lutas que a gente entende que têm que ser unificadas e que a gente participa. E, assim, essas equipes somem quando a gente entra, porque elas são equipes dos primeiros dias que vão trabalhar… Por exemplo: uma equipe de limpeza, uma equipe de hidráulica, equipe de elétrica. Embora exista uma associação que a gente fundou em 2008 Associação de Habitação Popular da Ocupação das Guerreiras (AHPOG) – com o objetivo de ter um respaldo político, um CNPJ, para estar negociando a água e a luz, para viabilizar a negociação da água e da luz, essa associação não tem corpo aqui dentro, não existe presidente, não existem membros. O que existe é um coletivo; não existe liderança, onde cada morador tem voz e vez na reunião, onde os pontos de pauta surgem da demanda que o próprio morador traz pra discussão.
Em 2010, iniciou-se um trabalho com as crianças e adolescentes moradores da Ocupação para construção de uma horta agroecológica no terreno do Quilombo. A proposta foi iniciativa de uma moradora juntamente a uma apoiadora da Ocupação. A horta foi criada a partir de mutirões para limpeza da terra, construção de canteiros, compostagem e plantio. Embora tenha sido um desafio sua construção, visto que o terreno anteriormente era usado para depósito de lixo e fica bem em frente à Av. Francisco Bicalho – via que por ser muito movimentada traz muito lixo e sujeira -, os ocupantes conseguiram produzir e colheram tomates, abóbora, ervas, hortaliças e temperos, segundo a reportagem do Blog Pela Moradia (07/03/2013).
No início de 2012, a Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto (CDURP) divulgou que provavelmente o imóvel da Companhia Docas seria desocupado para que o terreno fosse incorporado às obras de revitalização portuária, no projeto denominado Porto Maravilha, de acordo com reportagem do Blog Pela Moradia (05/03/2013).
O Porto Maravilha, segundo publicação da FASE (S/D), é um megaempreendimento de revitalização da zona portuária do Rio de Janeiro que propõe o zoneamento da região e estabelece quatros áreas residenciais, sendo que uma é denominada de interesse social: a do Morro da Providência. As áreas restantes serão destinadas a empreendimentos de nível comercial, de serviço, culturais, de turismo e entretenimento. Modelos similares de projeto de revitalizações portuárias ocorreram em Buenos Aires (Argentina), Barcelona (Espanha), Nova York (EUA) e Roterdã (Países Baixos). São marcas de projetos como esse a privatização de espaços públicos abandonados pelo poder público, remoção das moradias populares e expulsão da população pobre dos territórios, criando uma espécie de estado de exceção, que ganha um status de área para uso exclusivo.
Nesse sentido, o Porto Maravilha tem o objetivo de valorizar a área através de um processo de gentrificação fenômeno que afeta uma região ou bairro pela alteração das dinâmicas da composição do local, tal como novos pontos comerciais ou construção de novos edifícios, valorizando a região e afetando a população de baixa renda local. Essa valorização é seguida de um aumento de custos de bens e serviços, dificultando a permanência de antigos moradores de renda insuficiente para sua manutenção no local cuja realidade foi alterada. Assim, a grande maioria da população da região portuária do Rio de Janeiro vem sendo sistematicamente removida com o intuito de que a área fique segura e limpa para a especulação imobiliária, segundo nota do Blog Pela Moradia (05/03/2013).
Ainda em 2012, uma notícia veio confirmar a provável expulsão das famílias que viviam na Ocupação Quilombo das Guerreiras: exatamente na área da Ocupação seria construído o Trump Towers Rio de Janeiro. O empreendimento traz a marca de uma das maiores organizações de exploração imobiliária do mundo, as Organizações Trump, associada às empresas MRP Internacional (Bulgária) e Even Construtora e Incorporadora (Brasil). As Trump Towers são parte de um projeto composto por cinco torres que podem atingir até 50 andares cada, e cuja construção tem uma expectativa de valor de mercado de até seis bilhões de reais. O terreno está em negociação para compra pela Prefeitura do Rio, enquanto boa parte do financiamento será realizado através da Caixa Econômica Federal. Além disso, foi exposto que o início das obras estava prometido para o segundo semestre de 2013, segundo notícia publicada pelo Combate Racismo Ambiental (02/02/2013).
Posteriormente, em 10 de setembro de 2013, foi publicado um decreto presidencial que autorizava a desapropriação de 14 imóveis na zona portuária do Rio de Janeiro para a implantação do projeto de revitalização da zona portuária. Entre esses imóveis estava o prédio ocupado pelo Quilombo das Guereiras, de acordo com o Blog Pela Moradia (12/09/2013).
Embora os sem-teto tenham se mobilizado e trabalhado para impedir sua desapropriação, a ponto de reconstruir o imóvel ocupado, em 26 de fevereiro de 2014, aproximadamente, 50 famílias da Ocupação Quilombo das Guerreiras foram despejadas após viverem no imóvel por sete anos. Mais uma vez o Estado do Rio de Janeiro restringiu o direito à moradia da população pobre. Segundo notícia divulgada pelo blog Pela Moradia (18/03/2013), sem sequer um mandato judicial para a ação ou aviso prévio, os trabalhadores foram expulsos arbitrariamente.
Isto porque, além do princípio da função social da propriedade previsto na Constituição Federal de 1988, o Estatuto da Cidade, Lei n°10.257, de julho de 2001, instituiu e disciplinou a possibilidade de áreas urbanas particulares sejam usucapidas coletivamente, visando que a população excluída tenha finalmente direito à moradia, já garantido na Constituição. O artigo 10 afirma:
As áreas urbanas com mais de 250 metros quadrados, ocupadas por população de baixa renda para sua moradia, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, onde não for possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor, são susceptíveis de serem usucapidas coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural.
Na sequência, em Carta Aberta publicada pelo blog Pela Moradia (09/03/2014), a Ocupação Quilombo das Guerreiras chama a atenção do governo municipal do Rio de Janeiro e expõe as mentiras divulgadas pelo mesmo:
O coletivo de moradores da Ocupação Quilombo das Guerreiras gostaria de pedir ao prefeito Eduardo Paes à gentileza de fornecer os endereços das casas que ganhamos. Ao contrário da declaração em entrevista, não recebemos casas através da Prefeitura ao sairmos do prédio na Av. Francisco Bicalho 49. Ao que nos consta, recebemos até agora o adiantamento de três meses de aluguel social para que pudéssemos conseguir pagar no máximo o depósito das moradias precárias que conseguimos de forma improvisada. Para que nossos filhos não precisassem sair da escola e que cada um de nós não precisasse abandonar o trabalho, vamos ter que inteirar o aluguel nos próximos meses, pois R$ 400,00 não paga aluguel em nenhum lugar no centro do Rio (…).
É observado por todas as pessoas mais próximas do coletivo da Quilombo que tentamos durante todo este tempo sete anos a permanência no prédio da Francisco Bicalho 49, da Companhia Docas, recentemente, administrado pela Prefeitura do Rio de Janeiro e em vias de negociação com Donald Trump. Sabemos da nossa correlação de forças negativas. Quem somos nós, pessoas comuns, trabalhadores sem-teto, para competirmos com Trump? E o que é uma moradia autogerida para competir com um contraste gigante de um complexo empresarial Trump Towers Rio de Janeiro? Com participações como: MRP Internacional (Bulgária), Even Construtora e Incorporadora (Brasil) e Organizações Trump (EUA), alguma dúvida sobre este ser o provável futuro da Av. Francisco Bicalho, 49?
Fomos questionados diversas vezes nestes últimos meses em relação a nos manifestarmos sobre os últimos acontecimentos. No entanto, só poderíamos fazer isto quando todos os moradores já estivessem devidamente seguros e realocados, pois existe um compromisso com a vida e a segurança que está acima de qualquer postagem, ou para além de rebater qualquer mentira postada ou noticiada.
Por isto, exigimos:
1- Que o prefeito Eduardo Paes entregue as casas declaradas na referida entrevista ou venha a público manifestar uma retratação a respeito de suas falsas afirmações.
2- Solução de moradia IMEDIATA para o coletivo de moradores da Ocupação Quilombo das Guerreiras.
A Ocupação Quilombo das Guerreiras continua como um coletivo organizado mesmo não estando territorialmente agrupado. Sobretudo porque, a cada dia, os governos municipal e estadual do Rio de Janeiro têm negado às populações pobres o direito à moradia, o direito à cidade, à vida urbana, e o acesso aos espaços da cidade. Nesse sentido, território nenhum será conquistado sem articulação e luta.
Cronologia
Início de 2005 Início da articulação dos sem-teto.
Outubro de 2005 O coletivo é nomeado Ocupação Quilombo das Guerreiras.
Novembro de 2005 – Primeira ocupação realizada pela Ocupação Quilombo das Guerreiras. Porém, em menos de 24h, os sem-teto são despejados.
03 de julho de 2006- É realizada a segunda ocupação, no bairro Rio Comprido.
04 de julho de 2006 – A polícia militar realiza a desocupação do prédio.
08 de outubro de 2006 Ocorre a terceira ocupação do Quilombo, na Avenida Francisco Bicalho n° 49, em prédio da Companhia Docas do Rio de Janeiro.
20 de novembro de 2006 – O ITERJ, representado por Célia Ravera, presidente, redige uma proposta de manutenção das famílias no prédio durante o período de 12 meses e encaminha para a Companhia Docas do Rio de Janeiro.
2010 – Inicia-se um trabalho com as crianças e adolescentes moradores da Ocupação para construção de uma horta agroecológica no terreno do Quilombo.
Início de 2012 – A Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto (CDURP) divulga que provavelmente o imóvel da Companhia Docas será desocupado para que o terreno seja incorporado às obras de revitalização portuária.
2012 Uma notícia confirma a provável expulsão das famílias da Ocupação Quilombo das Guerreiras: exatamente na área da Ocupação será construído o empreendimento Trump Towers Rio de Janeiro.
10 de setembro 2012 – É publicado um decreto presidencial que autoriza a desapropriação de 14 imóveis na zona portuária do Rio de Janeiro para a implantação do projeto de revitalização da zona portuária. Entre esses imóveis está o prédio ocupado pelo Quilombo das Guerreiras.
26 de fevereiro de 2014 As famílias da Ocupação Quilombo das Guerreiras são despejadas após viverem no imóvel por sete anos.
Fontes
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AGÊNCIA CONSCIÊNCIA. Ocupação Quilombo das Guerreiras resiste. Publicado em (S/D). Disponível em: http://goo.gl/1MMnSk. Acessado em: 18 de setembro de 2014.
BLOG PELA MORADIA. Carta aberta da Ocupação Quilombo das Guerreiras. Publicado 09 de março de 2014. Disponível em: http://goo.gl/Wxp8yL. Acessado em: 18 de setembro de 2014.
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______. Nota da FIP-RJ em apoio à resistência da população sem-teto e ao coletivo Quilombo das Guerreiras (RJ). Publicado em 18 de março de 2014. Disponível em: http://goo.gl/aB6HxZ. Acessado em: 18 de setembro de 2014.
______. Obras avançam ao redor da Ocupação Quilombo das Guerreiras (RJ). Publicado em 30 de abril de 2013. Disponível em: http://goo.gl/aFXrYw. Acessado em: 18 de setembro de 2014.
______. Quilombo das Guerreiras: futuros à deriva e a reivindicação de um porto (RJ). Publicado em 07 de março de 2013. Disponível em: http://goo.gl/dd1abE. Acessado em: 18 de setembro de 2014.
______. Quilombo das Guerreiras garante vitória parcial e reintegração é suspensa por 120 dias (RJ). Publicado em 19 de setembro de 2013. Disponível em: http://goo.gl/cXdSiz. Acessado em: 18 de setembro de 2014.
______. URGENTE: A Ocupação sem-teto Quilombo das Guerreiras exige uma solução imediata! (RJ). Publicado em: 26 de fevereiro de 2014. Disponível em: http://goo.gl/U6BSYF. Acessado em: 18 de setembro de 2014.
______. URGENTE: OCUPAÇÃO SEM-TETO FAZ BARRICADAS NO RIO! (RJ). Publicado em 26 de fevereiro de 2014. Disponível em: http://goo.gl/lU9rVj. Acessado em: 18 de setembro de 2014.
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MOREIRA, Marianna Fernandes. A ocupação quilombo das guerreiras: classes populares, coletivo e família. Publicado no XIII Simpósio Nacional de Geografia Urbana. Realizado em 18 a 22 de novembro de 2013. Disponível em: http://goo.gl/oSBjAT. Acessado em: 18 de setembro de 2014.
NOVA DEMOCRACIA. RJ: Quilombo das Guerreiras sofre ameaça de remoção. Publicado em 17 de setembro de 2013. Disponível em: http://goo.gl/tTtgNJ. Acessado em: 18 de setembro de 2014.
Vídeos:
Declarações de apoio à Ocupação Quilombo das Guerreiras. Publicado em 10 de outubro de 2013. Disponível em: http://goo.gl/21r8QW. Acessado em: 18 de setembro de 2014.
Abraço a Ocupação Quilombo das Guerreiras. Publicado em 10 de março de 2013. Disponível em: http://goo.gl/hc2oXh. Acessado em: 18 de setembro de 2014.
Mulheres Guerreiras. Publicado em 18 de março de 2013. Disponível em: http://goo.gl/LKmYxa Acessado em: 18 de setembro de 2014.
Quilombo das Guerreiras Promo. Publicado em 11 de março de 2013. Disponível em:
http://goo.gl/tRRAC3. Acessado em: 18 de setembro de 2014.
Quilombo das Guerreiras. Publicado em 16 de outubro de 2013. Disponível em: http://goo.gl/oqnbXl. Acessado em: 18 de setembro de 2014.
Venha dar um abraço na Ocupação Quilombo das Guerreiras (09/03/2013). Publicado em 28 de fevereiro de 2013. Disponível em: http://goo.gl/92g4P7. Acessado em: 18 de setembro de 2014.