RN – Comunidade Quilombola Macambira, no município de Lagoa Nova, luta há quase duas décadas pela garantia de manutenção do seu território tradicional e modo de vida

UF: RN

Município Atingido: Lagoa Nova (RN)

Outros Municípios: Bodó (RN), Lagoa Nova (RN), Santana do Matos (RN)

População: Quilombolas

Atividades Geradoras do Conflito: Atuação de entidades governamentais

Impactos Socioambientais: Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, Falta / irregularidade na demarcação de território tradicional

Danos à Saúde: Insegurança alimentar, Piora na qualidade de vida, Violência – ameaça, Violência – coação física

Síntese

Nós não tamos invadindo nada de ninguém, não tamo querendo terra de ninguém, tamo querendo uma terra que é nossa. Eu peço que deem esse direito da gente viver da nossa terra. Porque agricultor só sabe plantar, nós se criamos aqui nessas terras trabalhando. […] Além de dar o sustento das nossas famílias, também damos sustento para muitas famílias na cidade, porque sem o trabalho do homem do campo as pessoas da cidade não sobrevive! (Vilmário Candido – Presidente da Associação dos Quilombolas da Macambira do Município de Lagoa Nova).

A comunidade Quilombola Macambira, no município de Lagoa Nova, Rio Grande do Norte, luta há quase duas décadas pela garantia de manutenção do seu território tradicional. O conflito de terras é contra grandes proprietários rurais da região. As mais de 260 famílias que residem na comunidade estão tendo seu direito à terra, que lhes garante sustento através da agricultura, negado.

A certidão de autorreconhecimento da comunidade como remanescente de quilombolas foi expedida pela Fundação Cultural Palmares (FCP) em 2005. No ano seguinte, foi aberto processo junto ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) para a regularização fundiária das terras da comunidade.

No entanto, a demora do órgão em dar andamento ao processo e as constantes ameaças e ações judiciais por parte de um grande proprietário, Ivanilson Araújo, fazem com que até dezembro de 2013, oito anos depois, o processo ainda não tenha sido concluído. Neste cenário, as famílias estão passando por muitas dificuldades e tendo sua qualidade de vida prejudicada.

Contexto Ampliado

O município de Lagoa Nova está localizado na Serra de Santana, região do Seridó Potiguar, no estado do Rio Grande do Norte, e possui uma população de cerca de 13.900 habitantes, de acordo com o censo do Instituo Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010. Na zona rural do município está localizada a Comunidade de Remanescentes de Quilombo da Macambira, que também abarca territorialmente trechos de dois municípios vizinhos, Bodó e Santana de Matos.

Atualmente, 263 famílias, cerca de 1.200 pessoas, fazem parte da comunidade e utilizam tradicionalmente o território. Segundo dados do programa de extensão de Capacitação em Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), a Comunidade Quilombola Macambira tem economia baseada na agricultura familiar, predominando o cultivo da mandioca e da fruticultura em geral: caju, manga, pinha, jaca etc, além de apresentar criação pecuária de pequena escala.

O histórico de ocupaç&atildeccedil;a a gente perder isso aqui pra uma pessoa que não é dono, porque dono é nós! Eu digo que nós somos donos porque as escrituras dizem que essa propriedade foi de nossos antepassados e eles não passaram ela pra ninguém. […] No cartório diz que elas não foram vendidas pra ninguém, então elas não foram vendidas! E hoje nós estamos reivindicando um direito que é nosso!.

No dia 19 de maio de 2010, o INCRA publicou edital de comunicação com o resultado do RTID, onde foram detalhados os limites da comunidade, bem como as propriedades confrontantes. Foi estabelecido um prazo de 90 dias para que os interessados apresentassem contestações.

De acordo com o MPF/RN, quando os proprietários de terras na área abrangida pela comunidade tiveram conhecimento do conteúdo do RTID, apresentaram recursos e contestações ao mesmo, que foram negados pela área técnica do INCRA e pelo Comitê de Decisão Regional do órgão. Tais negativas motivaram que Ivanilson Araújo, proprietário de terras da região de Macambira, apresentasse novo recurso contra o RTID, em 2012, que apesar de já haver recebido parecer técnico contrário pela Coordenação Geral de Regularização de Territórios, do INCRA, ainda aguardaria decisão final do órgão.

Em 2013, a mobilização pela demarcação das terras da comunidade se intensificou e o Ministério Público Federal/Rio Grande do Norte (MPF/RN) começou a intervir no conflito.

De acordo com relato do presidente da Associação de Remanescentes de Quilombolas da Macambira, Vilmário Candido, concedido ao blog Lagoa Nova Destaque, em 12 de abril de 2013, um comboio de várias viaturas, vieram cumprir uma ordem de reintegração de posse da área de 500 hectares, que atualmente era explorada por 260 famílias de remanescentes de quilombolas que tiravam dali o seu sustento.

O mandato judicial de reintegração de posse, que foi emitido pela Juíza da comarca de Santana do Matos em favor de Ivanilson Araújo, é relativo a 500 hectares de terra, restando outros 2.500 em negociação entre o INCRA e os demais proprietários. Segundo o blog Lagoa Nova Destaque, os agricultores não teriam sequer o direito de colher as lavouras de milho, feijão e mandioca que já estavam plantadas. Um morador não identificado relatou ao jornal que as famílias antes não tinham nenhuma expectativa de vida, estavam em um estado de miséria total, e se não for revertida esta situação, nós que fazemos parte dos remanescentes de quilombolas da Macambira estaremos regredindo 16 anos na sua história. O editorial complementava: Que justiça é esta que prejudica 260 famílias em favor de um grande latifundiário?.

Diante da ameaça de remoção, os moradores relataram seus temores. Edilson Palmeira dos Santos, mais conhecido como Nego Veio, posseiro na região há 16 anos, teve suas terras tomadas pelo Batalhão de Choque no dia 12 de abril. Edilson contou ao Lagoa Nova Destaque que ele e sua família de seis filhos e dois netos trabalham a terra; plantam mandioca, milho, feijão, caju e macaxeira, em oito hectares de roça, plantados há um ano e meio e que estavam perto de ser colhidos.

Dona Maria das Neves, sogra de Edilson, mora na Comunidade Macambira há 50 anos. Junto com seu esposo, o Sr. Pedro Chico, criou sua família nestas terras. A situação causou aflição à Dona Maria: Caso não haja solução para este impasse, será a seca mais terrível que já se enfrentou.

Alguns dias depois, em 20 de abril, uma equipe técnica do INCRA, em vistoria à comunidade, realizou também uma reunião com o prefeito de Lagoa Nova, João Maria Assunção, e alguns secretários, representantes da comunidade e do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Lagoa Nova e Edmundo Pereira, professor de antropologia da UFRN e responsável por pesquisa sobre a comunidade Macambira. A reunião foi motivada pela notícia da reintegração de posse ocorrida havia poucos dias, tendo o INCRA se mobilizado para tentar contornar a situação de crise da comunidade, através da elaboração de um relatório da situação atual da propriedade com relação à produção agrícola e ao uso tradicional da terra.

O prefeito se mostrou solidário às famílias, tendo declarado ao Lagoa Nova Destaque que:

Nós, que fazemos o poder executivo de Lagoa Nova, somos solidários com as 263 famílias que estão envolvidas neste impasse, pois no que depender de nós pode contar conosco. Somos sabedores desta comunidade de remanescentes quilombolas, que há gerações tiram o sustento de suas famílias lavrando a terra dos seus ancestrais.

Em 11 de julho de 2013, a assessora institucional da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República, Vera Gomes, e a representante da Fundação Cultural Palmares, Maria José da Silva, visitaram a Comunidade Quilombola da Macambira. Segundo matéria da Gazeta da Serra, a comitiva apresentou programas de governo para quilombolas e conheceu a realidade das comunidades do Seridó. Vilmário Candido, que foi quem as recebeu, afirmou que: Há muito tempo estamos sofrendo com a falta de ações em benefício do nosso povo. Na ocasião, também foi relatado pelos moradores, segundo o Lagoa Nova Destaque, que: um leão de chácara, a serviço do latifundiário [Ivanilson Araújo], chegou a puxar uma arma e ameaçar três mulheres que tinham ido colher produtos na roça; na ocasião, uma criança de 10 anos, filho de uma das mulheres, entrou em estado de choque.

Vera Gomes recolheu cópias dos documentos da comunidade e se comprometeu a ajudar as famílias no seu processo de regularização fundiária.

A autorização judicial para colher as lavouras na área em conflito com Ivanilson Araújo foi emitida em 03 de julho, estabelecendo um prazo de 60 dias. No dia 15 desse mês, o repórter do Lagoa Nova esteve na comunidade e relatou que os agricultores colhiam a mandioca precocemente, acarretando um prejuízo muito grande para as famílias. De acordo com o agricultor Francisco Maurino dos Santos, se a lavoura de mandioca pudesse ser colhida dentro de mais um ano, poderia colher uma média de 120 toneladas do produto; com a colheita precoce, ele esperava colher apenas 12 toneladas, cerca de 10% do total esperado. O prazo se estendia até 03 de setembro, quando os agricultores ficariam impedidos de entrar na área.

Esta visita foi registrada em vídeo, com entrevista a Vilmário Candido, presidente da ASQUIMA, quando o mesmo relatou a situação do conflito e a opinião da comunidade:

O Ivanilson não precisa disso aqui, pois ele é um homem milionário, a quantidade de fazenda que esse homem tem. […] Peço a compreensão dele que não crie problema com a gente, que negocie com o governo e deixe a gente no que é da gente, por que a gente precisa dar de comer aos nossos filhos. Nós precisamos disso aqui! […] Nós não vamos tomar a terra dele, o governo vai indenizar a propriedade. Ele não sabe o mal que está causando a essas pessoas. A juíza não sabe o mal que ela causou dando essa reintegração de posse, não levando em conta os 17 anos que a gente está aqui, não levando em conta a quantidade de mandioca que tem plantada aqui, de milho e de feijão. […] Nós só estamos dando essa entrevista agora porque o Juiz deu autorização pra gente andar aqui dentro. […] Se ele não tivesse dado, nós não estaríamos aqui. Estaria os policias todos aqui. Policial só não passou hoje, mas todos os dias eles estão aqui, […] eles estavam hospedados na fazenda do Ivanilson.

A comunidade recebeu uma visita técnica da Justiça Federal em 26 de setembro de 2013, quando o juiz Halisson Rêgo foi conhecer a realidade das famílias. De acordo com notícia do jornal Gazeta da Serra de Santana, o antropólogo Edmundo Marcelo, que estuda a comunidade, também estava presente e resumiu ao juiz: Essas terras pertencem historicamente ao povo quilombola.

No dia 31 de outubro de 2013, a procuradora da República, Clarisier Azevedo Cavalcante de Morais, visitou a comunidade para conhecer a realidade da população e melhor formular sua ação. Também esteve presente o chefe da Procuradoria Federal Especializada do INCRA/RN, o advogado Adriano Vilar Villaça.

Durante a visita, a procuradora afirmou ser de extrema importância que o Conselho Diretor do INCRA julgasse o mais rapidamente possível o recurso já mencionado, uma vez que as famílias estavam vivendo em situação de extrema dificuldade. Segundo a procuradora, o órgão recebeu informações de representantes da comunidade e da Procuradoria Federal junto ao INCRA/RN de que as famílias se encontravam em situação precária, sem qualquer forma de obter sua subsistência, pressionados por duas forças:

De um lado, pela impossibilidade de acesso às terras nas quais cultivavam suas lavouras; e, de outro, pela indefinição do INCRA quanto à legitimidade de ocupação das terras, considerando a premente implantação de um parque eólico de grandes dimensões na área objeto da disputa.

A procuradora informou ainda, que está trabalhando conjuntamente com a 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF, em Brasília, na tentativa de agilizar o julgamento do recurso.

Durante a entrevista em vídeo realizada no mês de julho, mencionada acima, é possível avistar ao fundo os aerogeradores aos quais a procuradora se refere, já instalados na região. No entanto, não existem maiores informações sobre seus impactos sobre a comunidade.

O MPF/RN ingressou com uma ação civil pública (ACP), em novembro, com pedido de liminar para que o INCRA e a União concluam, em no máximo três meses, a regularização das terras da Comunidade Quilombola Macambira. Nos autos iniciais da ACP de autoria da Procuradora Clarisier Azevedo, afirma-se que, com base na cópia do processo administrativo que corre no INCRA, o RTID constatou que toda a área objeto do processo já foi reconhecida como território quilombola, pelo que se recomendou a aquisição das áreas pela autarquia (através de regular processo de desapropriação).

A liminar pedida pelo MPF/RN na ACP requereu também a cobrança de R$ 1 milhão em indenização a título de danos morais coletivos, valor a ser revertido em investimentos diretos em políticas públicas destinadas à terra quilombola Macambira.

O MPF/RN informou ainda, em nota divulgada em 23 de novembro, que já tramitou na Justiça Estadual do Rio Grande do Norte uma ação de reintegração de posse proposta por um dos proprietários da área; no seu entendimento, isto deveria ter acelerado o processo que corre no INCRA, ou ao menos garantir o cumprimento dos prazos. Com o atraso, a comunidade sofre mais ameaças e ainda fica vulnerável aos outros prejuízos, como destacou o teor da ACP: A demora na regularização provoca uma série de problemas para essa parte da população, como dificuldade de subsistência, falta de acesso a serviços públicos, insegurança jurídica e casos de violência e preconceito.

Por fim, a ACP não pede a garantia do reconhecimento das terras, e sim a celeridade na conclusão do processo, mas alerta: Se o procedimento vem acompanhado de estudos antropológicos e históricos, não pode a regularização ser denegada por questões que não sejam técnicas.

O Conselho Diretor do INCRA, em dezembro de 2013, ainda não havia realizado julgamento do recurso contra o RTID, apresentado em 2012. O processo de regularização fundiária da comunidade se encontra parado.

Cronologia

1995 – Comunidade ocupa área de 500 hectares, de propriedade de Ivanilson Araújo, onde estabelece lavouras.

01 de maio de 2005 – Fundada a Associação dos Quilombolas da Macambira do Município de Lagoa Nova (ASQUIMA).

29 de julho de 2005 – Emitida a Certidão de Autorreconhecimento da comunidade enquanto remanescente de quilombo pela Fundação Cultural Palmares (FCP).

2006 – Aberto processo no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) para regularização fundiária das terras da comunidade.

2006 – Formada equipe para elaboração do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID).

10 de maio de 2010 – RTID é aprovado pelo Comitê de Decisão Regional do INCRA.

19 de maio de 2010 – INCRA publica edital de comunicação com o resultado do RTID.

2012 – Ivanilson Araújo, proprietário de terras da região de Macambira, apresenta mais um recurso contra o RTID.

12 de abril de 2013 – Policiais chegam à comunidade para cumprir ordem de reintegração de posse da área de 500 hectares em favor de Ivanilson Araujo.

20 de abril de 2013 – Equipe técnica do INCRA vistoria a comunidade com a presença do Prefeito de Lagoa Nova.

11 de julho de 2013 – Assessora institucional da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República, Vera Gomes, e a representante da Fundação Cultural Palmares, Maria José da Silva, visitam a Comunidades Quilombola da Macambira.

03 de julho de 2013 – Autorização judicial para colher as lavouras na área em conflito estabelece prazo de 60 dias, o que causa prejuízos aos agricultores.

26 de setembro de 2013 – O Juiz Federal, Halisson Rêgo, visita a comunidade.

31 de outubro de 2013 – Procuradora da República, Clarisier Azevedo, visita a comunidade.

Novembro de 2013 – Ministério Público Federal / Rio Grande do Norte ingressa com ação civil pública (ACP) com pedido de liminar para que o INCRA e a União concluam, em no máximo três meses, o processo da comunidade.

Fontes

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