Comunidade Quilombola da Pedra do Sal aguarda finalização do processo de titulação e regularização fundiária do território, bem como tombamento dos achados arqueológicos, reminiscências históricas do quilombo

UF: RJ

Município Atingido: Rio de Janeiro (RJ)

População: Comunidades urbanas, Moradores do entorno de zonas portuárias e de navegação, Moradores em periferias, ocupações e favelas, Mulheres, Operários, Pessoas em situação de rua, Quilombolas, Trabalhadores em atividades insalubres, Trabalhadores informais, Trabalhadores portuários

Atividades Geradoras do Conflito: Ação missionária, Atuação de entidades governamentais, Atuação do Judiciário e/ou do Ministério Público, Construção civil, Especulação imobiliária, Hidrovias, rodovias, ferrovias, complexos/terminais portuários e aeroportos, Indústria do turismo, Indústrias outras, Mega-eventos, Narcotráfico, Políticas públicas e legislação ambiental

Impactos Socioambientais: Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, Falta / irregularidade na autorização ou licenciamento ambiental, Falta / irregularidade na demarcação de território tradicional, Falta de saneamento básico, Favelização, Invasão / dano a área protegida ou unidade de conservação, Mudanças climáticas, Precarização/riscos no ambiente de trabalho

Danos à Saúde: Acidentes, Desnutrição, Falta de atendimento médico, Insegurança alimentar, Piora na qualidade de vida, Violência – ameaça, Violência psicológica

Síntese

O Quilombo Pedra do Sal fica na zona portuária da cidade do Rio de Janeiro (RJ), no entorno da Pedra do Sal, do Largo João da Baiana e da Rua São Francisco da Prainha. Com uma história de resistência que remonta ao período do tráfico negreiro, os quilombolas reivindicam um território formado por residências tradicionalmente ocupadas desde a época de seus antepassados.

Autores como Corrêa (2016) consideram que o Quilombo Pedra do Sal é um dos símbolos centrais da luta de todos os quilombolas brasileiros porque ali, o território chamado de Pequena África, foi o berço do samba e das primeiras escolas de samba do carnaval.

Reconhecidas pela Fundação Cultural Palmares (FCP) como uma Comunidade Remanescente de Quilombos desde 2005, as famílias da comunidade quilombola da Pedra do Sal vivem um conflito com a Venerável Ordem 3ª de São Francisco da Penitência (VOT), ligada à Igreja Católica Apostólica Romana, pela posse e titulação de imóveis na região da zona portuária do Rio de Janeiro.

As famílias da comunidade, originalmente cerca de 30 e atualmente reduzidas a pouco mais de dez, se afirmam descendentes dos escravizados africanos encarregados das obras de abertura da antiga rua da Saúde (atual rua Sacadura Cabral), posteriormente recompensados com imóveis na região.

O objetivo das obras, iniciadas em 1816, era ligar o cais do porto a São Cristóvão, bairro que hospedou a família real portuguesa quando esta chegou ao Brasil, em 1808, na debandada provocada pela aproximação das tropas de Napoleão Bonaparte a Lisboa.

Já a VOT reivindica a propriedade dos imóveis a partir de uma doação que teria sido feita por Dom João VI em 1821, a qual teria sido confirmada pela Prefeitura do Rio de Janeiro em 1942 (época em que a cidade era capital brasileira e sede do antigo Distrito Federal do Brasil).

De fato, a posse da área pela VOT era um ponto pacífico até meados dos anos 2000. Até então, conforme identificado por Almeida (2022) e Ferreira (2023), os membros da comunidade pagavam aluguéis mensalmente à Ordem e tinham sua permanência no local garantida. Tais aluguéis subsidiavam as atividades filantrópicas da entidade e possibilitavam a manutenção de uma escola no bairro e a promoção de cursos diversos

Em 1999, a Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro, sob a gestão de Luiz Paulo Conde (1997/2000), do Partido da Frente Liberal (PFL, atual Democratas), anunciou projeto de revitalização da região portuária da cidade, o qual incluiria ações de restauro e modernização da área onde está localizada a comunidade quilombola Pedra do Sal.

De acordo com publicação da Fundação Cultural Palmares (FCP, 22/06/2007), a partir da valorização dos terrenos, aumentou o interesse tanto do setor imobiliário quanto da própria VOT, que anunciou utilizar os imóveis para compor um projeto social.

Desde o anúncio dos projetos de revitalização da região (e consequente valorização dos imóveis ali localizados), diversas ações de despejo foram movidas contra as famílias que ocupavam os imóveis, e muitas delas foram efetivamente despejadas, tal como foi identificado por Corrêa (2016) e Ferreira (2023).

Nesse contexto, muitas famílias perderam o direito de continuar morando nos imóveis que ocupavam há décadas, conforme depoimento de Damião Braga, liderança do quilombo Pedra do Sal, registrado por Corrêa (2016).

Em 2004, os moradores se organizaram em torno de uma associação e reivindicaram a titulação coletiva das moradias em nome da Associação dos Remanescentes do Quilombo Pedra do Sal (Arqpedra), com base em sua ancestralidade quilombola (Atlas Observatório Quilombola, 2023). Tal reivindicação recebeu o apoio do movimento negro e quilombola do estado e deu origem a um processo administrativo junto ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária no Rio de Janeiro (Incra/RJ).

Em 2009, a condição de vulnerabilização dos quilombolas da Pedra do Sal é acentuada em meio à operação urbana denominada programa Porto Maravilha, parceria público-privada (PPP) de revitalização da zona portuária da cidade do Rio de Janeiro. O conflito nesse território passa a envolver outros agentes públicos e privados.

Em 2011, durante as obras do programa Porto Maravilha, o Cais do Valongo é desaterrado e, posteriormente, em 2012, a Prefeitura Municipal da Cidade do Rio de Janeiro (PMCRJ) transforma o Cais do Valongo em monumento preservado e aberto à visitação pública, passando a integrar o Circuito Histórico e Arqueológico da Celebração da Herança Africana, junto ao Jardim Suspenso do Valongo, Largo do Depósito, Pedra do Sal, Centro Cultural José Bonifácio e Cemitério dos Pretos Novos.

Em 2018, é publicado no Diário Oficial do Município do Rio de Janeiro o decreto que determinava o registro do Quilombo Pedra do Sal como Bem Cultural de Natureza Imaterial da cidade, apontando a necessidade da definição de políticas de proteção do território quilombola por meio do Instituto Rio Patrimônio da Humanidade, da Prefeitura do Rio de Janeiro.

Apesar do reconhecimento do quilombo como bem cultural, em 2018 a Arqpedra denuncia a morosidade do Incra/RJ para a titulação do território quilombola da Pedra do Sal. Ao longo dos anos, lideranças locais tiveram que abandonar o local por conta de ameaças e o acirramento dos conflitos.

Enquanto o processo de titulação e regularização fundiária do território não é finalizado, como mais uma estratégia de resistência, a Federação Nacional das Associações Quilombolas (Fenaq), em 2024, dá entrada no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) ao processo de Tombamento dos achados arqueológicos nos Sítios Cais do Valongo, Trapiche da Pedra do Sal e Trapiche da Ordem, os quais a Comunidade Remanescente do Quilombo Pedra do Sal declara que são reminiscências históricas do quilombo.

 

Contexto Ampliado

O Quilombo Pedra do Sal fica na zona portuária da cidade do Rio de Janeiro, no entorno da Pedra do Sal, do Largo João da Baiana e da Rua São Francisco da Prainha. Com uma história de resistência que remonta ao período do tráfico negreiro, os quilombolas reivindicam um território formado por residências tradicionalmente ocupadas desde meados do século XVIII (Côrrea, 2016), na época de seus antepassados.

O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) estima que a partir de 1774 o desembarque de escravizados no Rio de Janeiro foi integralmente concentrado na região da Praia do Valongo, onde se instalou o mercado de escravos que, além das casas de comércio, incluía um cemitério e um lazareto (estabelecimento para período de quarentena).

Autores como Corrêa (2016) consideram que o Quilombo Pedra do Sal é um dos símbolos centrais da luta de todos os quilombolas brasileiros porque ali, no território chamado de Pequena África, foi o berço do samba e das primeiras escolas de samba do carnaval.

O conflito envolvendo as famílias que hoje compõem a comunidade quilombola da Pedra do Sal contrapõe duas entidades que se organizam e legitimam suas ações em torno de um legado cultural, social e material que remontaria ao período colonial. Posteriormente, outros agentes sociais entram no conflito.

As famílias que compõem a Associação dos Remanescentes do Quilombo Pedra do Sal (Arqpedra) reivindicam a titulação coletiva dos imóveis a partir de um direito que inicialmente foi fundamentado em uma doação realizada a seus antepassados diretos, ancestralidade essa que não apenas subsidia e legitima as demandas territoriais do grupo, mas conforma uma memória coletiva e mantém vivos traços culturais comuns.

Esses fatores garantem a coesão dos grupos familiares envolvidos e demarcam uma especificidade em contraposição a outras famílias da mesma comunidade, ou a seus opositores.

Já a Venerável Ordem 3ª de São Francisco da Penitência (VOT) reivindica toda uma tradição de filantropia e caridade, ligada às próprias origens das ordens franciscanas, para justificar a necessidade e a legitimidade de sua posse sobre os imóveis. Além disso, a entidade afirma possuir documentos que comprovariam a doação de tais imóveis por Dom João VI, em 1821, e a confirmação dessa doação pelas autoridades distritais na década de 1940 (Ferreira, 2023).

Enquanto sua propriedade sobre os imóveis estaria, supostamente, lastreada por bases documentais fidedignas e juridicamente aceitas, a entidade ainda tenta se legitimar perante a sociedade e a comunidade por meio da necessidade de manter os imóveis sob sua propriedade para garantir a aferição dos aluguéis devidos e assim custear as atividades filantrópicas dela, entre as quais a manutenção de cursos e de uma escola regular no bairro.

A Venerável Ordem Terceira (VOT) está ligada à Igreja Católica Apostólica Romana. A organização de caráter religioso, sediada na cidade do Rio de Janeiro, no bairro da Tijuca, também tem influência no campo da educação.

Segundo Ferreira (2023), a organização mantém a Escola Padre Francisco da Motta e o Colégio Sonja Kill, localizados na rua Beco João José, no Bairro Saúde; o Centro Comunitário São Francisco de Assis e a Creche Santa Clara de Assis, na rua Benedito Calixto, na comunidade do Vidigal; a Creche Irmão Sol e Irmã Lua, na Tijuca; e o Centro Comunitário São José, Centro Comunitário Nossa Senhora das Graças e a Creche Menino Jesus, em Duque de Caxias/RJ.

Também no bairro da Saúde, a VOT mantém o Hospital São Francisco da Penitência. Ainda, está presente na Igreja da Venerável Ordem Terceira de São Francisco da Penitência, no Largo da Carioca, e na Capela da Prainha, o que mostra a influência dessa organização religiosa nas instituições escolares privadas de educação básica e na área da saúde filantrópica (Ferreira, 2023. p. 90 – 91).

É interessante observar que, no âmbito do discurso, ambos os agentes sociais – Arqpedra e VOT – reivindicam a posse dos imóveis em nome de uma coletividade. Enquanto os quilombolas reivindicam a posse coletiva dos imóveis em nome de um grupo bem definido e delimitado de família, a VOT reivindica a propriedade privada dos imóveis em nome de uma coletividade difusa e pouco definida (num sentido amplo, a população do bairro e de seu entorno ou, num sentido mais estrito, a fração dessa população beneficiada pelos projetos filantrópicos da ordem).

A tentativa de expropriação por parte da VOT sobre a comunidade quilombola Pedra do Sal ocorre desde a década de 1830, quando o grupo religioso tentava recuperar as terras localizadas no bairro da Saúde (Corrêa, 2016, p. 9 apud Ferreira, 2023). De acordo com a coleção Terras de Quilombolas (Corrêa, 2016), nessa época, a Ordem reclamou direito sobre uma vasta área na região, compreendida desde a Igreja São Francisco da Penitência até a Pedra do Sal.

Sobre a comunidade quilombola, na visão de Ferreira (2023, p. 90):

“A comunidade remanescente quilombola que reside no entorno da Pedra do Sal, entre o Largo João da Baiana e a Rua São Francisco da Prainha, é considerada símbolo central de (re)existência no território da Pequena África, que foi residência secular de escravizados e negros libertos. A formação dessa comunidade é fruto do processo histórico e da Diáspora Atlântica Africana. Com base nisso, é possível dizermos que a região, de fato, se caracteriza por aquilo que o sambista Heitor dos Prazeres definiu como Pequena África (Moura, 1995, p. 140-152), o que significa dizer que a população de cativos negros que se abrigaram na Região Portuária, em especial no bairro Saúde, teve que (re)existir em suas práticas culturais, simbólicas, os fazeres e saberes diante do novo território”.

Somente nas primeiras décadas do século XX a reivindicação da Ordem foi atendida, em detrimento da população que tradicionalmente ali vivia. Segundo Corrêa (2016), a Prefeitura do Rio de Janeiro doou o território pleiteado pela VOT, incluindo os prédios que lá se localizavam. Ainda de acordo com Corrêa (2016), apesar da doação desse território, parte dos antigos moradores permaneceu na região morando em imóveis alugados pela Ordem.

A antropóloga Roberta Guimarães, autora de “A Utopia da Pequena África: Projetos Urbanísticos, Patrimônios e Conflitos na Zona Portuária Carioca” (2014), traçou o percurso histórico desse conflito. Segundo ela, antes da década de 1980, a relação entre os moradores da Pedra do Sal e a VOT era menos conflituosa.

“A Igreja permitia que eles ocupassem o lugar, pagando um aluguel simbólico” – diz Guimarães. Depois, com o acúmulo de dívidas trabalhistas do hospital da entidade, concomitante à valorização gradual da zona portuária, a VOT adotou nova orientação: aumentou os aluguéis e expulsou do local as pessoas que não tivessem condições de pagá-los.

A Ordem Terceira, ao que parece, tentou escapar da falência se beneficiando desse movimento de revitalização. É nesse contexto que nasce o pedido de reconhecimento do território quilombola.” (Guimarães, 2014 apud Almeida, 2022). Já na visão de Corrêa (2016), a partir da década de 1990, a Ordem modificou sua estratégia administrativa e elevou exponencialmente os preços dos aluguéis.

Entretanto, evidências históricas documentam o direito dos quilombolas ao território em disputa. A litogravura pintada à mão “Mercado de Escravos” (1835), do pintor alemão Johann Moritz Rugendas, é emblemática: mostra, em primeiro plano, uma cena do cotidiano em um dos galpões onde os africanos eram comercializados e, ao fundo, a torre da Igreja de São Francisco da Penitência, local da sede da VOT (Corrêa, 2016, p. 10).

A cena da gravura de Rugendas mostra claramente a separação entre o galpão onde os escravizados ficavam (atual território quilombola) e a sede da VOT. Fonte: Corrêa, Maíra Leal. Quilombo Pedra do Sal. Belo Horizonte: FAFICH, 2016. Disponível em: https://shre.ink/gCGr.

Em novembro de 1984, a Pedra do Sal foi tombada, provisoriamente, pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac) por sua importância arquitetônica, histórica e cultural, sendo definitivamente tombada em 27 de abril de 1987 por meio da Resolução nº 23, publicada no Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro (Damião Braga, 10/11/2009).

Na visão de Ventura (2016), seu tombamento foi inovador para o ano de 1984 em vários aspectos: por ser o tombamento de uma rocha, um pedaço de chão de acesso ao Morro da Conceição; por ser o tombamento de um bem representativo da cultura afro-brasileira; e por ser a tentativa de preservação de aspectos imateriais desta cultura por meio do tombo. Tornou-se patrimônio cultural por ser um símbolo de reestruturação e resistência, um testemunho da “cidade negra” (Inepac, 1984, p. 06 apud Ventura, 2016, p. 02)

Apesar do reconhecimento do território sob o aspecto cultural, a ação por parte do estado do Rio de Janeiro não redundou em titulações ou na regularização fundiária da comunidade quilombola da Pedra do Sal. Ao mesmo tempo em que se reconhecia sua importância para a cultura carioca, especialmente devido a sua influência na música e nas artes, a comunidade quilombola permanecia sujeita ao jugo da VOT.

Em 1999, o então prefeito do município do Rio de Janeiro, Luiz Paulo Conde (1997/2000), do Partido da Frente Liberal (PFL, atual Democratas),anunciou o projeto de revitalização da região portuária da cidade, o qual incluiria ações de restauro e modernização da área onde está localizada a comunidade quilombola Pedra do Sal.

De acordo com a publicação da Fundação Cultural Palmares (FCP, 22/06/2007), a partir da valorização dos terrenos, aumentou o interesse tanto do setor imobiliário quanto da própria Ordem Terceira, que anunciou utilizar os imóveis para compor um projeto social.

A partir do ano 2000 diversas ações de despejo foram propostas pela VOT a fim de desocupar os imóveis da região. Um depoimento de Damião Braga, liderança do quilombo Pedra do Sal registrado por Corrêa (2016), expressa o ocorrido:

Por causa de conflitos perdi o direito de estar no meu território… perdi minhas coisas e sofremos uma grande perseguição no fim dos anos 1990 e início dos anos 2000 da Igreja, da grande mídia e dos setores mais conservadores da sociedade. Várias ações possessórias foram movidas contra nós, em especial pela Venerável Ordem Terceira de São Francisco” (Corrêa, 2016, p. 15).

Segundo Corrêa (2016) e Ferreira (2023, p. 92), em 2002 os conflitos se intensificaram quando a irmandade da VOT lançou o projeto social intitulado “Humanização do Bairro”, com o objetivo de recuperar as últimas casas ocupadas por moradores e descendentes de escravizados na região.

Sobre o termo “humanização”, a VOT alegava a necessidade de reaver os imóveis para uso em suas obras assistenciais (Albinati, 2016, p. 156). Após a implantação do projeto, em 2001, foram acelerados os processos judiciais de despejo das famílias. Ademais, de acordo com trecho do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (Rtid), do Incra:

“(…) a obra social da VOT cumpre o papel de ‘humanizar’ a região, funcionando como pólo de recuperação das populações pobres, consideradas em grande parte socialmente desajustadas, concentradas nos bairros da Saúde, Santo Cristo e Gamboa. O projeto desenvolvido está voltado, principalmente, para o atendimento à mulher e à criança. Baseia-se, porém, em uma visão bastante controversa e cheia de preconceitos em relação às populações portuárias, entendidas socialmente anônimas, habitantes desenraizados de uma zona de prostituição” (Incra, 2010, p. 25).

As ações da VOT se concretizaram também por meio de reuniões no colégio mantido pela instituição no bairro, assim como abaixo-assinado, distribuição de panfletos, contratação de historiador e antropólogo para sua defesa etc. A ordem também municiou a imprensa com seus argumentos e entrou com uma ação judicial como mandado de segurança em vara federal em Brasília, pelo qual se apresentava como detentora de imóveis na área reivindicada, iniciando ações de contestação às suas pretensões (Incra, 2010, p. 05).

Concomitantemente, grupos tradicionais, como Afoxé Filho de Gandhi e o movimento negro, defendiam a memória social e histórica da comunidade remanescente quilombola da Pedra do Sal (Ferreira, 2023. p. 93). Em 2004, o Sal do Samba – projeto cultural criado por lideranças da Pedra do Sal – associou-se a um movimento de resistência às desapropriações, liderado pela Associação dos Moradores da Saúde (Amas-RJ).

Esse apoio resultou na formação da Associação de Resistência Quilombola da Pedra do Sal (ArqPedra). Segundo o Atlas Observatório Quilombola (30/05/3023), foi a partir desse contexto que outras famílias negras ameaçadas de expulsão por meio das ações de reintegração de posse impetradas pela VOT se autodeclararam remanescentes de quilombo.

A título de complementação, foi identificado mais um agente social que se tornou apoiador do movimento quilombola da Pedra do Sal, o Instituto de Pesquisa e Memória Pretos Novos (IPN), criado em 13 de maio de 2005. O IPN foi criado com a missão de pesquisar e preservar o patrimônio material e imaterial africano e afro-brasileiro, com ênfase ao sítio histórico e arqueológico do Cemitério dos Pretos Novos. De acordo com o site da instituição, o IPN busca valorizar a memória e identidade cultural brasileira em diáspora.

Sobre o Cemitério dos Pretos Novos, segundo Alexandre Nadai, coordenador de comunicação do IPN, o cemitério foi descoberto na década de 1990 pelo casal Mercedes e Petruccio Guimarães dos Anjos, quando compraram a casa e iniciaram a reforma do imóvel (local onde foi construída, posteriormente, a sede do IPN). Em seguida, encontraram, nas escavações, ossadas humanas que, examinadas por cientistas e pesquisadores, comprovaram ser esse o local do antigo cemitério de negros africanos.

Ali foram enterrados entre 20 mil e 30 mil “pretos novos” – como eram chamados os escravizados que morriam após a entrada dos navios na Baía de Guanabara ou imediatamente depois do desembarque, antes de serem vendidos. Ele funcionou de 1772 a 1830, no Valongo, faixa do litoral carioca que ia da Prainha à Gamboa, após ter operado no Largo de Santa Rita (que fica na esquina da atual rua Miguel Couto), próximo ao mercado de escravizados recém-chegados.

Segundo Alexandre Nadai, para a Agência Brasil (06/05/2024), o Complexo do Valongo movimentou mais de 1 milhão de pessoas (o que daria cerca de 18 mil por ano), das quais cerca de 400 mil eram mulheres, tratadas como mercadoria e, em consequência, como reprodutoras.

Sobre a quantidade de pessoas enterradas nesse local, Nara Júnior (2016), do Instituto Histórico e Geográfico do Rio de Janeiro, defende a hipótese de que ali eram feitas “valas comuns”, onde os escravizados eram enterrados em covas coletivas.

Voltando ao relato acerca do conflito entre quilombolas da Pedra do Sal e a VOT, segundo dados divulgados na pesquisa de Ferreira (2023, p. 100), em outubro de 2005 a VOT consegue ordem de despejo para 30 famílias da comunidade da Pedra do Sal residentes no número 1 da rua Mato Grosso.

Em novembro, ela consegue ordem de despejo para cinco famílias da comunidade da Pedra do Sal residentes no número 113 da rua Sacadura Cabral. A mesma fonte de pesquisa destaca que famílias da comunidade da Pedra do Sal realizaram ato contra ações de despejo movidas pela VOT em novembro e dezembro de 2005.

Em 12 de novembro de 2005, a Fundação Cultural Palmares (FCP) publicou a certidão de autorreconhecimento da comunidade, reconhecendo-a oficialmente como remanescente de quilombo e possibilitando que a associação dos quilombolas pudesse reivindicar junto ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) a titulação dos imóveis e do território.

Ao longo do tempo, a comunidade quilombola foi fortalecendo sua articulação com o movimento negro e com a própria FCP. A entidade passou a auxiliar a Arqpedra no encaminhamento de suas demandas e, a partir de 2007, sua procuradoria acompanhou os quilombolas em reuniões que envolviam a titulação, como as realizadas em junho de 2007 no Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPE/RJ).

Segundo publicação da FCP (15/06/2007), além da Fundação, Incra, Instituto de Terras do Estado do Rio de Janeiro (Iterj) e a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República (Seppir) também participaram dessas reuniões. Em 19 de junho de 2007, o MP/RJ realizou audiência para avaliar o processo de titulação da comunidade Pedra do Sal, considerando que ele estava sendo conduzido pelo Incra por meio da Superintendência Regional do Estado do Rio de Janeiro.

Os rumos do processo administrativo do Incra levaram a VOT a questionar o próprio processo judicialmente. Em 30 de julho de 2007, a VOT entrou com mandado de segurança junto à 6ª Vara Federal do Distrito Federal requerendo que fossem suspensos os atos de delimitação e demarcação perpetrados pelas autoridades e declarados nulos os processos administrativos nº 16754180.001957/2005-44 e nº 54180.000262/2007-15, do Incra/RJ.

Como resultado, em 4 de outubro de 2007, o juiz concedeu pedido liminar, determinando a suspensão dos atos de delimitação e demarcação praticados pelo Incra nos procedimentos administrativos citados, por entender que o Decreto 4.887/2003, que regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras quilombolas, seria inconstitucional.

Essa decisão foi cassada pelo Incra em agravo de instrumento proposto em 14 de novembro daquele ano. Em decisão publicada em 19 de fevereiro de 2008, o juiz federal Cesar Augusto Bearsi, Relator do Tribunal Regional Federal (TRF), deferiu o pedido liminar formulado pelo Incra, suspendendo a decisão agravada e determinando a continuidade de andamento dos procedimentos administrativos de titulação.

Em sua decisão, o juiz Bearsi discorreu acerca dos direitos quilombolas, argumentando que o Decreto 4.887/2003 não poderia ser entendido como inconstitucional, pois apenas regulamenta o procedimento de titulação, e não o direito das comunidades quilombolas à sua terra.

O que lhes assegura o direito é o artigo 68 do Ato das Disposições Transitórias Constitucionais (ADTC) da Constituição Federal de 1988, que é norma constitucional autoaplicável e não depende, portanto, de regulamentação infraconstitucional que o estabeleça. Essa decisão foi importante, pois significa uma jurisprudência que permite que outras comunidades quilombolas possam recorrer de liminares semelhantes.

A condição de vulnerabilização dos quilombolas da Pedra do Sal é acentuada em meio à operação urbana denominada Porto Maravilha, parceria público-privada de revitalização da zona portuária da cidade do Rio de Janeiro. Contudo, o conflito nesse território passa a envolver outros agentes públicos e privados.

Em 2009, com a implementação do programa Porto Maravilha, projeto do governo municipal do Rio de Janeiro que fez parte das intervenções urbanísticas da cidade no âmbito das Olimpíadas (2016) e da Copa do Mundo (2014), os bairros portuários foram alvo do contínuo processo de especulação imobiliária e os conflitos se acentuaram. Os aluguéis e a compra e venda de imóveis tiveram valores inflacionados, provocando uma remoção forçada de moradores (Ferreira, 2023, p. 102).

De acordo com a pesquisadora Sirley da Conceição Ferreira (2023), a implementação do programa Porto Maravilha em 2009, os conflitos locais, despejo de moradores, aumento da expansão imobiliária e do valor das propriedades, mau uso e pouco investimento dos patrimônios culturais acentuaram os conflitos na região.

Para melhor contextualizar o programa Porto Maravilha, cabe ressaltar que em 26 de novembro de 2010 foi publicada a assinatura do contrato celebrado entre a Concessionária Porto Novo S.A. e a Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto do Rio de Janeiro S/A (CDURP) do Município de Rio de Janeiro para a prestação dos serviços e obras visando à revitalização, operação e manutenção da Área de Especial Interesse Urbanístico (AEIU) da Região Portuária do Rio de Janeiro.

De acordo com essas informações veiculadas no Radar PPP, a Concessionária Porto Novo S.A ficou responsável pelo Programa Porto Maravilha. Ainda com base na mesma fonte: a Concessionária vencedora era formada pelas empresas Carioca Christiani-Nielsen Engenharia S.A., Construtora OAS S.A., OAS Investimentos S.A., Odebrecht Engenharia e Construção Internacional S.A., Odebrecht Properties Parcerias S.A., ZI Participações S.A. e a concessão teria um prazo de 15 (quinze) anos, com valor de contrato de R$ 8.327.598.414,00 (oito bilhões, trezentos e vinte sete milhões, quinhentos e noventa e oito mil, quatrocentos e quatorze reais) e investimento estimado de R$ 370.040.000,00 (trezentos e setenta milhões e quarenta mil reais).

Em 2010, a Superintendência do Incra no estado do Rio de Janeiro constituiu um Grupo de Trabalho composto por um antropólogo, um engenheiro agrônomo, um geógrafo e um engenheiro cartógrafo com a incumbência de produzir o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (Rtid) da Comunidade Remanescente do Quilombo de Pedra do Sal, em conformidade com as exigências legais aplicáveis.

Segundo análises de Loureiro (2014), o Rtid, publicado em setembro de 2010, reconhece a importância da comunidade como depositária de uma memória que envolve o corte da Pedra do Sal para a abertura da rua Sacadura Cabral, os trabalhos de construção e operação do porto, a origem do candomblé e do samba na cidade, a criação de ranchos e blocos carnavalescos, entre outros eventos importantes para o Rio de Janeiro que depois se tornaram parte da identidade nacional brasileira (Incra, 2010 apud Loureiro, 2014).

O documento do Incra declara que as famílias da Pedra do Sal são usufrutuárias de uma área de 3.534 metros quadrados. O superintendente do Incra no Rio de Janeiro, na época, Gustavo Souto, explicou para a Agência Brasil (05/11/2010) que as informações levantadas indicavam que a área onde estavam as famílias da Pedra do Sal pertenciam à União.

Segundo ele, com a publicação do relatório, a VOT teria 90 dias para contestar os dados e procurar o Judiciário, assim como já fizera anteriormente, se desejasse buscar impedir a regularização fundiária da comunidade. O Rtid encontra-se disponível aqui: https://shre.ink/gCym.

De acordo com publicação do Observatório Quilombola e Territórios Negros (06/08/2010), a área reivindicada pela Arqpedra abrange o largo da Pedra do Sal (final da rua Argemiro Bulcão) até o fim da rua São Francisco da Prainha, terminando no largo São Francisco da Prainha, no bairro da Saúde, região que foi palco de muitos episódios da história carioca.

Nela, sambistas estivadores descarregavam o sal que vinha do porto e depois se reuniam para rodas de samba. Foi dessa região que saíram nomes como Donga, Pixinguinha e João da Baiana. Atualmente, sambistas se reúnem semanalmente para tocar no largo, mantendo viva a tradição e atraindo muitos moradores da cidade e turistas.

Ainda de acordo com a mesma publicação, das 17 famílias que seriam beneficiadas com a titulação quilombola, somente nove permaneciam residindo na área. A justificativa para a diminuição do número de famílias foi feita pela própria associação local: “A VOT começou em meados do ano 2000 um processo de despejo de moradores que vivem na área” – segundo a Arqpedra.

Já de acordo com a redação R7 (10/12/2015), a VOT afirmava ter criado um projeto humanitário com recursos da União Europeia (UE), e para lançá-lo precisou despejar as famílias dos sobrados. Ainda segundo a VOT, seriam oficinas de marcenaria, corte e costura, informática, entre outras atividades, para a população “carente” dos bairros da Saúde, Santo Cristo e Gamboa.

Para Marilucia Luzia da Conceição, da Arqpedra, a VOT começou os despejos e deixou os imóveis vazios para vendê-los. Ela e a mãe resistiam na área e estavam confiantes na titulação para continuar no território.

Minha mãe continua a pagar o aluguel para não passar por constrangimento [do despejo]. Mas já vi gente sendo despejada, com as coisas jogadas na rua. Teve uma mulher que morreu quando o Oficial de Justiça bateu na porta dela” – relatou Conceição, segundo Barbosa (2016).

Diana da Silva Barbosa, em sua pesquisa no Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj, 2016), entrevistou essa liderança da Arqpedra, perguntando-lhe por que os quilombolas da Pedra do Sal se reconheciam como tal. Para a entrevistada, Marilúcia, o autorreconhecimento dos quilombolas se deu a partir do reconhecimento e pertencimento do indivíduo com a história de seus antepassados, e a continuidade por estes das práticas passadas por seus ascendentes.

Marilúcia completou dizendo que esse reconhecimento advém de um sentimento afetivo com o passado, com a história de sofrimento e luta de seus ancestrais. Barbosa (2016, p. 105) observa que:

“(…) para a comunidade da Pedra do Sal o auto-reconhecimento está atrelado com a história dos seus antepassados, e esta ligação gera um sentimento de pertencimento a uma história, e o território onde esta foi vivenciada”.

Um dos locais que revela a história dos antepassados escravizados nessa região da cidade do Rio de Janeiro é o Cais do Valongo. De acordo com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), o Cais do Valongo foi desaterrado em 2011 durante as obras do Porto Maravilha. De forma resumida, o site do Iphan revela a história deste local:

“O Cais foi construído em 1811 pela Intendência Geral de Polícia da Corte do Rio de Janeiro. (…) Em 1831, o Valongo foi fechado quando o tráfico transatlântico foi proibido por pressão da Inglaterra. A norma – solenemente ignorada – recebeu a denominação irônica de ‘lei para inglês ver’. Entre a construção do Cais e a proibição do tráfico, nesse local, desembarcaram entre 500 mil e um milhão de escravos de diversas nações africanas. Ao longo dos anos, o Cais sofreu sucessivas transformações. Na primeira intervenção, em 1843, foi remodelado com requinte para receber a Princesa das Duas Sicílias, Teresa Cristina Maria de Bourbon, noiva do (então) futuro Imperador D. Pedro II, e passou a se chamar Cais da Imperatriz. Com a assinatura da Lei Eusébio de Queirós, em 1850, o tráfico para o Brasil foi suspenso, embora a última remessa conhecida date de 1872 e a escravidão tenha persistido até a Abolição, em 1888. Em 1911, com as reformas urbanísticas da cidade, o Cais da Imperatriz foi aterrado” (Iphan, s.d).

Outros detalhes foram revelados pelo Iphan. Em 2011, durante as obras do Porto Maravilha e as escavações realizadas no local, foram encontrados milhares de objetos (partes de calçados, botões feitos com ossos, colares, amuletos, anéis e pulseiras em piaçava de extrema delicadeza, jogos de búzios) e peças usadas em rituais religiosos. Entre os achados raros, há uma caixinha de joias esculpida em antimônio, com desenhos de uma caravela e de figuras geométricas na tampa (Iphan, s.d).

Neste contexto, em 2011, moradores da zona portuária do Rio de Janeiro se organizaram para discutir possibilidades de mobilização e resistência ao programa Porto Maravilha devido às “intensas transformações urbanas decorrentes das intervenções do projeto”.

Como estratégia de articulação, aos moradores foram somando-se outros agentes sociais, como Organizações Não-Governamentais (ONGs), universidades e mandatos parlamentares, formando, assim, o Fórum Comunitário do Porto (FCP).

Apesar de não descrever nominalmente quais eram os apoiadores, o blog do FCP descreve que o movimento trabalhou com três eixos de ação: “Eixo projetos e concepções de desenvolvimento; Eixo questão fundiária; Eixo violações de direitos e conflitos urbanos”.

Ao dissertar sobre os projetos que impactavam os moradores da zona portuária do Rio de Janeiro, o FCP revelou:

“Os três principais projetos de desenvolvimento da região portuária – a operação urbana consorciada do Porto do Rio, o chamado ‘Porto Maravilha’, o projeto Porto Olímpico 2016 e o programa municipal de urbanização de favelas ‘Morar Carioca’ do Morro da Providência – carregam as marcas destas características desiguais do desenvolvimento, ao mesmo tempo em que se articulam a outros grandes projetos como os novos corredores viários de BRT do Rio de Janeiro – TransOlímpica, TransOeste e TransCarioca – , os projetos vinculados aos Mega Eventos esportivos da Copa 2014 e das Olimpíadas de 2016, e os mega projetos do Porto do Açu, em São João da Barra, e da Companhia Siderúrgica do Atlântico (CSA), em Santa Cruz” (Fórum Comunitário do Porto, s.d).

Outros conflitos associados aos projetos citados anteriormente foram mapeados neste Mapa de Conflitos e estão disponíveis aqui: https://shre.ink/gu9h, https://shre.ink/gu97 e https://shre.ink/gg1P.

Em dezembro de 2011, a Revista Porto Maravilha, publicação oficial da Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro, informava em editorial assinado pelo prefeito da época, Eduardo Paes (então do Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB), a criação do “Circuito Histórico e Arqueológico de Celebração da Herança Africana” em 29 de novembro de 2011, por meio do Decreto nº 34803.

De acordo com as análises de Loureiro (2014, p. 211), o circuito, anunciado pela Prefeitura como parte das comemorações do Mês da Consciência Negra (novembro), incluiu “um conjunto de locais marcantes para a memória da cultura afro-brasileira”. Dentre esses locais destacou-se o Cais do Valongo, local de desembarque de navios negreiros, que seria transformado em museu a céu aberto (Paes, 2011 apud Loureiro, 2014).

Em 2012, a Prefeitura do Rio de Janeiro transformou o espaço em monumento preservado e aberto à visitação pública. O Cais do Valongo, que foi denominado sítio arqueológico Cais do Valongo, passou a integrar o Circuito Histórico e Arqueológico da Celebração da Herança Africana, que estabelece marcos da cultura afro-brasileira na região portuária, ao lado do Jardim Suspenso do Valongo, Largo do Depósito, Pedra do Sal, Centro Cultural José Bonifácio e Cemitério dos Pretos Novos (Iphan, s.d).

Uma publicação detalhada feita pelo Iphan sobre o sítio arqueológico Cais do Valongo está disponível aqui: https://shre.ink/gvH7.

A comunidade quilombola da Pedra do Sal manifestou-se sobre as escolhas deste circuito turístico, em especial, sobre o Cais do Valongo. Em dezembro de 2012, uma carta-denúncia publicada pela Arqpedra no blog do FCP manifestava o desagrado da entidade com a escolha do Cais do Valongo como símbolo mais representativo da cultura de matriz africana na região.

Afirmando que a intenção da entidade não era esconder a crueldade da escravidão, a Arqpedra criticava a supervalorização dos “espaços de registros do mal”, como o Cais do Valongo – imposto pelo Projeto Porto Maravilha como símbolo maior e mais visível da herança africana na cidade -, e defendia a legitimidade e representatividade dos “espaços de celebrações em que as heranças ainda persistem vivas nas pessoas”, como a Pedra do Sal (Arqpedra, 2012).

Trecho da carta-denúncia publicada no blog do FCP e assinada pelo Conselho Diretor da Arqpedra diz:

“Como se fez a escolha desses equipamentos como ícones da memória africana pelo Porto Maravilha? Qual foi o critério? Supervalorizar os espaços de registros do mal que nossos antepassados foram submetidos será a melhor forma de lhe apresentar sua história? Ou não seria mais legítimo vê-los reconhecidos em seus espaços de celebrações em que as heranças ainda persistem vivas nas pessoas? Não é de nossa intenção esconder ou descaracterizar a crueldade do mercado de escravo trazido para região portuária na segunda metade do século XVIII. Mas, uma vez que sempre existiu um espaço de celebração elevado a ícone por nossa mais legítima tradição, a Pedra do Sal, por que escondê-la, subvertê-la a espaço menor, dando ao espaço da tragédia o protagonismo? Aproveitando esse momento de indignação e reflexão, a ARQPEDRA, como organização comunitária de descendência africana, expõe aqui a sua discordância com respeito à escolha que os pesquisadores, contratados para o Projeto Porto Maravilha do poder público municipal, postularam como referência e importância para o Mercado de Escravos e o Cais do Valongo. O que de fato foi o cais do Valongo? Ele foi antes de tudo o espaço físico da crueldade e a calamidade de nossa condição humana depreciada a nada, sob o regime escravocrata colonial e imperial. Então, por que ele? Se já tínhamos um símbolo que existia e que traduzia não a tragédia dos nossos antepassados, mas sim o seu poder renovador criativo e de resistência: a Pedra do Sal (do Porto, do Santo e do Samba)!” (Arqpedra, 2012).

“Boutique de la rue du Val-Longo”, obra de Jean-Baptiste Debret, de 1834-1839, mostrando um dos mercados de escravizados que se erguiam ao longo da rua do Valongo, atual rua Camerino – RJ. Fonte: Agência Pública (2016). Disponível em: https://shre.ink/gv7o.

Em julho de 2014, Eduardo Paes, então prefeito da cidade do Rio de Janeiro, sancionou um projeto de lei criando a Área de Especial Interesse Cultural (AEIC) do Quilombo da Pedra do Sal. A Lei n° 5.781, de 22 de julho de 2014, inclui no perímetro de proteção os largos João da Baiana e São Francisco da Prainha, e o trecho da rua Argemiro Bulcão que sobe a Pedra do Sal. Também foram incluídos os imóveis do lado ímpar da São Francisco da Prainha e nove construções das ruas Argemiro Bulcão, Sacadura Cabral e Camerino, além da Travessa do Sereno.

De acordo com notícia no jornal O Globo (24/07/2014), o projeto foi de autoria do vereador Eliomar Coelho, do Partido Socialismo e Liberdade (PSol). Segundo o vereador da época, a criação da área de interesse cultural preenchia uma lacuna da legislação urbanística ao dar formalmente importância à cultura e à memória da comunidade remanescente de quilombos que ocupa a área.

É o reconhecimento de toda uma comunidade que viveu ali e deu continuidade à vida e à história daquele lugar. Isso evita ainda eventuais conflitos na esfera da legislação urbanística no futuro. Demarcando a área, mostramos o que tem de ser preservado” – alertou Coelho.

Eduarda Araujo, carioca e estudante da Brown University em Estudos da África e da Diáspora, na publicação da RioOnWatch (31/01/2015), revela que a região da zona portuária da cidade do Rio de Janeiro se tornou um circuito turístico da herança africana.

No entanto, nesse mesmo local, as ocupações urbanas, com uma maioria de habitantes negros e negras, foram removidas ou despejadas. Na visão dela, o discurso adotado pela Prefeitura procurava majoritariamente enfatizar ou valorizar as áreas da região mais associadas com as raízes europeias e com o catolicismo.

Araujo revela que, mesmo depois do reconhecimento do Quilombo Pedra do Sal como patrimônio material do estado do Rio de Janeiro, o Morro da Conceição (do qual a Pedra do Sal faz parte) foi continuamente retratado como um pequeno Portugal no Rio de Janeiro, cujos moradores “legítimos” e “desejáveis” eram descendentes de portugueses ou espanhóis.

Ainda segundo Araujo, essas definições excluíam moradores de origem nordestina, e/ou aqueles que haviam ocupado espaços abandonados, que eram vistos tanto por determinados moradores do local quanto por planejadores urbanos como “indesejáveis” e “descartáveis”. Ela chamou esse processo de “Projetos de homogeneização da cidade”.

No entanto, esses projetos encontraram resistência, tal como o conflito que envolveu os quilombolas da Pedra do Sal. Em suas palavras:

“Foi apenas depois de reivindicações como essa, de reaver a cidade para aqueles que com as próprias mãos a construíram e constroem, que o Circuito Histórico e Arqueológico da Herança Africana foi instaurado em 2011, incluindo o Cais do Valongo, o Cemitério dos Pretos Novos, o Centro Cultural José Bonifácio, o Largo do Depósito, o Jardim Suspenso do Valongo, e a Pedra do Sal. O documento que foi em parte responsável pela definição dos locais a serem incluídos no circuito (a ‘Carta de Recomendações do Valongo’) cita a tentativa histórica de ‘apagar traços do tráfico negreiro’ na Zona Portuária, mas falha em fazer a conexão essencial entre este passado e os dias de hoje, em que moradores negros ainda são sistematicamente removidos da região em torno ao circuito. Sem essa conexão, é difícil fazer com que essa memória, justamente trazida de volta à tona, seja utilizada para fazer as mudanças necessárias para o alcance da justiça racial” (Araujo, 2015).

Apesar das contradições e desafios, o Circuito Histórico e Arqueológico da Herança Africana contou com o apoio de moradores e lideranças religiosas para identificar peças encontradas na região do Cais do Valongo, conforme noticiado na reportagem de Clarissa Monteagudo, do Extra, em agosto de 2015.

Segundo essa publicação, a mãe de santo Celina de Xangô esteve como voluntária no reconhecimento de peças extraídas do Cais do Valongo, junto a uma equipe do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (MN/UFRJ), responsável pelos estudos do sítio arqueológico.

Nas palavras de Celina de Xangô, radialista criada em São Gonçalo e diretora do Centro Cultural Pequena África: “A pesquisadora achou nas escavações uma imagem de Bara, que é o orixá Exu. Como é católica, ficou até com medo de pegar, achando que era uma coisa ruim. Expliquei que ele é um orixá mensageiro, que tem a ver com virilidade e poder, por isso foi demonizado” – disse Celina, enfatizando a importância das peças trazidas pela equipe da professora Tânia Andrade Lima, arqueóloga do Museu Nacional da UFRJ.

Segundo a publicação do Extra (31/08/2015), a arqueóloga Tânia Lima foi auxiliada por Mãe Meninazinha de Oxum, pelo professor e babalaô Fernando Portugal e por Celina na identificação das peças encontradas no sítio arqueológico.

Visando fazer uma breve contextualização sobre as lideranças religiosas da região, a pesquisadora Vânia Oliveira Ventura, da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), explica que as “tias” Caiu Boneca, Maria Amélia, Rosa Olé, Gracinda Sadata, Ciata e Bibiana fizeram a história da “Pequena África”:

Foram verdadeiras líderes religiosas do candomblé, chefes de família, constituíram um elemento primordial no processo de socialização, nessa emaranhada rede de influências que vai determinar formas específicas de se localizar na vida social” (Ventura, 2016).

Em 12 de dezembro de 2015, a Arqpedra realizou uma cerimônia conhecida como Balaio das Yabás (ritual de candomblé) com o grupo Filhos de Gandhi, que lideraram uma procissão de moradores e adeptos em torno do Cais do Valongo até a Praça Mauá.

De acordo com artigo de Beth McLoughlin, republicado no blog Combate Racismo Ambiental (18/12/2015), as festividades vieram em um momento simbólico para a Pedra do Sal: além do reconhecimento formal do Quilombo Pedra do Sal dez anos antes pela FCP, o grupo também celebrou o 31º aniversário do reconhecimento da Pedra do Sal como monumento histórico e religioso pelo Inepac do Rio de Janeiro.

Contraditoriamente, além da celebração, esse foi um momento de protestos e denúncias pelos impactos negativos dos projetos governamentais na região: “Nós estamos exigindo uma política pública do Estado brasileiro” – disse Damião Braga, presidente da Arqpedra. “A lei diz que é responsabilidade do Estado preservar o patrimônio da região, mas eles não fizeram nada, além de colocar uma placa dizendo ‘Pedra do Sal’. Nós vemos isso como racismo institucional”.

Essa contradição foi percebida pelo pesquisador Rogério Jordão, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC/RJ), cuja tese de doutorado discorreu sobre o Cais do Valongo. Segundo ele, a Prefeitura do Rio de Janeiro se comporta de maneira paradoxal ao cuidar da memória da Pequena África: “É como se a prefeitura praticasse uma estranha dinâmica de lembrar esquecendo-se” – disse Jordão, de acordo com a reportagem de A Pública (19/06/2016).

Para ilustrar sua afirmação, o pesquisador aponta para o Museu de Arte do Rio (MAR) e o Museu do Amanhã – este construído com investimento de R$ 215 milhões – ambos administrados pela Fundação Roberto Marinho e considerados símbolos do Projeto Porto Maravilha:

Estes dois museus começaram a ser construídos no mesmo período [da redescoberta do Cais do Valongo] e já estão em pleno funcionamento, enquanto os milhares de objetos de matriz africana encontrados nas obras [de escavação] ainda não estão disponíveis ao público”.

Segundo a mesma reportagem, são peças de barro, seguis [uma espécie de conta], monjolos [engenho rústico, movido por água, usado para pilar milho e descascar café], búzios, louças quebradas, ocutá [pedra que atrai o Orixá] – como descreve Jordão em sua tese.

Ainda na reportagem da Agência Pública, publicada em julho de 2016, mãe Celina de Xangô também apontou para as contradições desse processo:

A coleta desses artigos foi feita em 2011 e cinco anos depois ninguém sabe como e quando eles ficarão expostos. Há um projeto do Museu da Diáspora Africana, mas sem haver nada de concreto. (…) É com muita tristeza que tomo conhecimento hoje que objetos tão importantes à nossa história, muitos deles pertencentes a cultos de matriz africana, estão em sacos plásticos dentro de contêineres” – lamentou a liderança religiosa.

Morador do porto, o arquiteto Felipe Nin chamou atenção na mesma reportagem para o número de ocupações populares organizadas em prédios abandonados que foram destruídas pela Prefeitura, como Quilombo das Guerreiras, Machado de Assis e Zumbi dos Palmares. “A prefeitura quer demonstrar apreço pela memória, enquanto quer tirar a população pobre da região” – criticou ele para a Agência Pública (2016).

A citada ocupação Quilombo das Guerreiras era um coletivo de pessoas sem-teto que reivindicavam o direito de morar com dignidade na cidade do Rio de Janeiro. O caso também está descrito neste Mapa de Conflitos, disponível aqui: https://shre.ink/gvKR.

Descontentes com a postura governamental, a utilização de estratégias artísticas como forma de resistência política é uma tática significativa na Pedra do Sal. A exemplo disso, entre os dias 9 e 13 de agosto de 2016, artistas, ativistas e membros da comunidade se reuniram para pintar um muro na Pedra do Sal.

Segundo Mariah Barber, em publicação divulgada pelo blog Combate Racismo Ambiental (31/08/2016), intitulada Projeto Sankofa, a pintura do mural foi usada tanto para destacar a importância histórica da região quanto para celebrar o 65º aniversário do Afoxé Filhos de Gandhi, grupo de carnaval local que toca ritmos musicais da religiosidade africana e promove os valores do pacifista e estadista indiano Mahatma Gandhi.

O Projeto Sankofa carrega o nome de um pictograma Adinkra, que são símbolos que representam conceitos ou aforismos. Amplamente utilizados em tecidos, logotipos e cerâmica, são incorporados às paredes e outras características arquitetônicas do povo Ashanti de Gana, que significa “olhar para trás para poder seguir em frente”.

Pinturas do Projeto Sankofa na região da Pedra do Sal – RJ. Fonte: Mariah Barber, RioOnWatch, 2016. Disponível em: https://shre.ink/guH3.

Enquanto partes da Região do Porto receberam investimentos por meio do Programa Porto Maravilha, a Pedra do Sal e sua comunidade quilombola continuavam negligenciadas, segundo a visão de lideranças locais. Damião Braga, presidente do Quilombo da Pedra do Sal, denunciou:

Estamos a 200 metros do que eles chamam de Boulevard Olímpico. Lá é o primeiro mundo e aqui é o terceiro mundo. Este mesmo governo está fazendo toda essa restauração urbana da Região do Porto. O mesmo governo tem a obrigação de dar a titulação do território do Quilombo da Pedra do Sal”.

Vanessa Rosa, artista coordenadora do Projeto Sankofa, argumentou que a pintura nos murais era uma forma de chamar a atenção para a região e para a negligência que a área sofria:

O intuito é de fazer oposição, mostrar uma posição contrária ao que está acontecendo no Porto Maravilha. Para mim é estranho que eles invistam tanto em uma rua específica e tenha tantos murais de artes lá e ignorem o resto da Zona Portuária que precisa de muito mais atenção”.

Em julho de 2017, o Cais do Valongo foi reconhecido como Patrimônio Cultural da Humanidade pelo Comitê do Patrimônio Mundial da Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco).

De acordo com a Agência Câmara de Notícias (09/07/2017), o título não se traduz em benefícios financeiros diretos, mas coloca o Cais do Valongo no mesmo patamar de importância histórica de outros patrimônios mundiais mais conhecidos, como o Campo de Concentração de Auschwitz, na Alemanha, e da cidade de Hiroshima, no Japão, que foram reconhecidos como locais de memória e sofrimento da humanidade.

No entanto, em mais uma ação considerada pelo movimento negro carioca como um ataque à cultura afrodescendente, o então prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, do Partido Republicanos, vetou em 28 de junho de 2018 um projeto de lei que tornaria o Quilombo da Pedra do Sal e a Roda de Capoeira do Saravá patrimônios imateriais da cidade. A decisão foi publicada no Diário Oficial do Município.

De acordo com a Revista Fórum, republicada pelo blog Combate Racismo Ambiental (29/06/2018), ao vetar o projeto de lei, Crivella deu uma justificativa administrativa, informando que não cabia ao legislativo municipal determinar esse tipo de classificação.

Na época, o vereador Fernando William, do Partido Democrático Trabalhista (PDT), um dos autores da proposta, questionou o argumento de Crivella:

O que tem ocorrido é que praticamente todos os processos da Câmara dos Vereadores são vetados com base na mesma alegação de que não é competência nossa registros de natureza administrativa. Ou é retaliação, com base nas minhas últimas decisões em votações, ou é um ato incoerente. Não tem sentido você vetar uma área de proteção cultural com base nessa justificativa”.

A decisão de Marcelo Crivella foi motivo de polêmica e críticas, levando-o a recuar estrategicamente de sua decisão. Em 06 de julho de 2018, foi publicado no Diário Oficial do Município do Rio de Janeiro decreto que determinava o registro do Quilombo Pedra do Sal como Bem Cultural de Natureza Imaterial da cidade.

Segundo Akemi Nitahara, da Agência Brasil (06/07/2018), o decreto previa que deveriam ser apresentados estudos para a elaboração de um inventário, para avaliação pelo Conselho Municipal de Proteção do Patrimônio Cultural (CMPC). O texto determinava ainda que o Instituto Rio Patrimônio da Humanidade (IRPH) empenhasse esforços para definir políticas de fomento para a proteção do quilombo.

Apesar dessa conquista, em termos da titulação e regularização fundiária, a situação do quilombo ainda estava indefinida. Em julho de 2018, Damião Braga relatou para o Jornal do Brasil (09/07/2018):

“Agora, precisamos da titulação não só do Incra, como também do estado e do município”, acrescentando que o ritmo da tramitação do processo no Incra desacelerara desde que o ex-vice-presidente Michel Temer (2016/2018) assumira o cargo de presidente da República. “Nomeações políticas no Incra pioraram a situação” – denunciou Braga.

A liderança da Arqpedra explicou que o Incra tinha o poder de dar título de propriedade aos quilombolas em 60% da área do Quilombo da Pedra do Sal, incluindo 25 imóveis. Já a prefeitura poderia titular os quase 40% restantes. Apesar da reivindicação da VOT sobre a propriedade de alguns imóveis, Damião explicou: “Mas já existe uma sentença judicial favorável à comunidade quilombola”.

O Quilombo da Pedra do Sal reivindicava também a guarda compartilhada dos materiais arqueológicos relacionados à herança africana encontrados nas escavações do Porto Maravilha, segundo Emily Almeida, da revista Piauí (set/2022). De acordo com essa reportagem, eles estavam sob os cuidados do Laboratório Aberto de Arqueologia Urbana (Laau), da PMCRJ.

Esses itens arqueológicos da comunidade são ligados à religião e precisavam ter um tratamento religioso, mas ainda não nos foi permitido fazer isso. Parte dessa coleção pertence ao quilombo e foi retirada de nosso território sem o nosso conhecimento” – disse Damião Braga. “Se fosse relacionado à cultura europeia, a manutenção estaria em dia. Mas como é um patrimônio ligado aos pretos, não tem valorização nenhuma.”

Os materiais eram seixos e blocos de pedra encontrados em partes do solo das ruas Sacadura Cabral e São Francisco da Prainha que, segundo autoridades do candomblé, estariam relacionados a algumas atividades religiosas do passado.

Um laudo de 2019, emitido pela Superintendência Regional no Rio de Janeiro, apontou que 1,3 milhão de itens, entre eles os reivindicados pelo Quilombo da Pedra do Sal, se encontravam, à época, em “ausência de controle ambiental de umidade e temperatura”, e que havia “utilização de materiais inadequados ao fechamento de sacos” e a “exposição de peças maiores a goteiras e fezes de animais.”

Em resposta à reportagem da Piauí, o Instituto Rio Patrimônio da Humanidade (IRPH), responsável pela gestão do Laau, disse que o material foi transferido para o Galpão Docas Pedro II em novembro de 2021, e se encontrava “em local seguro, abrigado da ação do tempo e de vetores”.

Damião Braga divulgou mais um posicionamento da comunidade quilombola da Pedra do Sal, no dia 15 de março de 2021, em publicação na rede social Facebook, dizendo que o Projeto Porto Maravilha aumentou os desafios da comunidade. Em suas palavras:

“O Porto Maravilha, com a proposta de instaurar o novo, não pode expulsar o velho, e no caso o velho somos nós. Não existe maior referência na região portuária do que a população afrodescendente. (…) Lutamos por políticas públicas de cultura na região portuária para que a lei saia do papel e a cultura quilombola seja mais reconhecida. O município diz não ter recursos para investir em políticas de cultura para a comunidade, mas o Porto Maravilha gerou pela transferência de CEPACs [Certificados de Potencial Adicional Construtivo] R$ 103 milhões. A Pedra do Sal ainda não teve participação nem acesso aos recursos. Vários outros grupos que hoje surgem na região são contemplados por serem tidos como os ‘fazedores de cultura’”.

Para maior explicação, os Certificados de Potencial Adicional Construtivo (Cepacs) são títulos usados para custear operações urbanas que recuperam áreas degradadas nas cidades. Conforme publicado pelo site da Prefeitura do Rio de Janeiro:

A operação urbana consorciada é um recurso previsto no Estatuto das Cidades (Lei Federal nº 10257/2001) para recuperação de áreas degradadas. Para conseguir recursos para a operação urbana, a prefeitura aumentou o potencial de construção de imóveis da Região Portuária, área que atrai a atenção de investidores do setor imobiliário para projetos comerciais e residenciais. Interessados em explorar esse potencial devem comprar Certificados de Potencial Adicional Construtivo (Cepacs)”.

Retornando os argumentos expostos por Damião Braga (15/03/2021), por causa dos conflitos na região, ele teve que deixar o território da Pedra do Sal. Entretanto, de acordo com as análises de Emily Almeida, da Piauí (setembro/2022), não foram somente os conflitos territoriais com a VOT que afastaram Damião Braga da zona portuária. O esvaziamento e o fechamento dos portos e armazéns fizeram com que muitas famílias, como a dele, que trabalhavam ali, tivessem que deixar a região por razões financeiras.

Damião relatou no Facebook,: Por causa de conflitos perdi o direito de estar no meu território já há 8 anos, perdi minhas coisas e sofremos uma grande perseguição no fim dos anos 1990 e início dos anos 2000 da Igreja, da grande mídia e dos setores mais conservadores da sociedade. Várias ações possessórias foram movidas contra nós, em especial pela Venerável Ordem Terceira de São Francisco. Em outubro de 2015 comemoramos o parecer favorável na Ação Civil Pública que foi interposta contra a ação da Igreja. Para nós essa decisão significa o início da reparação ao processo de escravidão que os nossos antepassados sofreram”.

Cabe salientar que não foram encontradas informações sobre a conclusão da Ação Civil Pública do ano de 2015, citada anteriormente. No entanto, Allan de Abreu, do jornal Folha de São Paulo, divulgou em setembro de 2021 uma reportagem revelando uma investigação minuciosa sobre a VOT e uma complexa relação política que envolve essa instituição religiosa.

Mesmo sem citar diretamente o conflito com a comunidade quilombola da Pedra do Sal, a reportagem denominada “Venerável Desordem” é digna de apreciação e análises, encontrando-se disponível aqui: https://shre.ink/gK9W.

Em 13 de julho de 2022, a Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados realizou audiência pública para debater a situação do sítio arqueológico Cais do Valongo e do Centro de Pesquisa e Acervos que estava previsto para ser construído nas Docas, zona portuária do Rio de Janeiro.

De acordo com a agência Câmara de Notícias (13/07/2022), a deputada federal Benedita da Silva, do Partido dos Trabalhadores (PT/RJ), lembrou que o Cais do Valongo foi reconhecido em 2017 como Patrimônio Mundial pela Unesco, argumentando:

Devido à urgência no trato do acervo e das condições de preservação patrimonial, se torna fundamental instituir o processo de salvaguarda e a gestão adequada dos bens materiais e imateriais afro-brasileiros localizados no Cais do Valongo e na Pequena África”.

Na ocasião, foi convidada para o debate a arqueóloga Tânia Andrade Lima, do Departamento de Antropologia e do Museu Nacional da UFRJ, e o quilombola, consultor das pesquisas arqueológicas desenvolvidas na Pedra do Sal e presidente da Arqpedra, Damião Braga.

Produzido pela Folha de São Paulo, no âmbito do Projeto Quilombos do Brasil que teve a parceria da Fundação Ford, o caso do conflito que envolve o território da Pedra do Sal foi, didaticamente, exposto em um vídeo documentário publicado no YouTube (01/03/2023):

A Folha de São Paulo também publicou uma reportagem em 02 de abril de 2023 tratando do conflito. Segundo a repórter Tayguara Ribeiro, Damião Braga relatou que a comunidade quilombola da Pedra do Sal já foi composta por cerca de 30 famílias, mas que atualmente o número é menor. Em suas palavras:

Ao longo desse período, muitos faleceram, outros desanimaram em função da pressão existente. A nossa questão econômica não gira em função da roda de samba, isso era diversão. O nosso ganha-pão é o trabalho do porto, a estiva, os navios” – disse a liderança quilombola.

Sobre o conflito com a igreja, segundo a mesma reportagem, a Associação Lar São Francisco, que sucedeu a VOT, afirma que desde o começo do caso não se opôs ao reconhecimento e à preservação do território quilombola, mas que não concordava com a perda da propriedade sem desapropriação e pagamento de indenização. O Incra também foi procurado pela reportagem, mas não se pronunciou acerca da fase em que estava o processo de titulação do território quilombola.

Além do conflito com a igreja, a comunidade convive com ameaças e violências, conforme apurado na reportagem de Ribeiro. Segundo seu relato, Damião está longe da Pedra do Sal há anos e troca de residência com frequência para evitar represálias. Ele reputa as ameaças à busca da regularização do território. Damião e seus advogados não disseram diretamente de quem partem as ameaças de morte.

Mas, segundo publicado por Ribeiro com base no depoimento de Damião, existem diversos outros interessados no território, como, por exemplo, pessoas ligadas ao tráfico de drogas. Nas palavras de Damião:

Eu estou fora do quilombo Pedra do Sal. Em 2010 que começaram [as ameaças]. Desde 2015, estou no programa de proteção aos defensores de direitos humanos. Mas na verdade é um programa que é muito no papel. Muita falação, mas pouca ação concreta. A gente acaba ficando por nossa conta e risco”.

Em 30 de novembro de 2023, o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) lançou o projeto de sinalização e reconhecimento de lugares de memória dos africanos escravizados no Brasil. A solenidade aconteceu no Museu da História e da Cultura Afro-Brasileira (Muhcab), no Cais do Valongo, Rio Janeiro. O Muhcab conta a história da região que testemunhou o maior desembarque de africanos escravizados no mundo.

De acordo com o site do MDHC (27/11/2023), a cerimônia de lançamento do projeto contou com a participação de Mercedes Guimarães, do Instituto Pretos Novos (IPN); Damião Braga, do Quilombo Pedra do Sal; Mônica Lima e Souza, do Arquivo Nacional e Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Marta Abreu, da Universidade Federal Fluminense (UFF); Hebe Mattos, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF); e Milton Guran, antropólogo, fotógrafo e pesquisador do Laboratório de História Oral e Imagem da UFF.

O projeto “Sinalização e Reconhecimento de Lugares de Memória dos Africanos Escravizados no Brasil” tem como objetivo dar visibilidade à história da matriz africana e afixar placas nos locais que representam a presença africana no País comprovada por registro histórico.

A ação está dividida em duas etapas, sendo a primeira a elaboração e afixação de placas alusivas ao reconhecimento feito pelo Programa Rotas dos Escravizados da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). A segunda fase será a disseminação do projeto por meio de plataformas digitais e a educação e cultura em direitos humanos.

Em maio de 2024, a Federação Nacional das Associações Quilombolas (Fenaq) deu entrada ao processo de Tombamento de Quilombos da Comunidade Remanescente de Quilombo Pedra do Sal no Iphan. Em documento assinado em maio de 2024 pelo Conselho Diretor da Comunidade Remanescente do Quilombo Pedra do Sal, a comunidade quilombola da Pedra do Sal afirmou:

São reminiscências históricas do antigo quilombo os achados arqueológicos feitos nos Sítios Cais do Valongo, Trapiche da Pedra do Sal e Trapiche da Ordem, cujas trajetórias são inseparáveis e indissociadas, como atestam os relatórios científicos produzidos pelas pesquisas neles realizadas e os artigos científicos publicados a partir da interpretação desses achados. Estamos cientes da instauração do processo no Iphan de declaração do tombamento constitucional do Quilombo Pedra do Sal pela Federação Nacional dos Quilombolas (Fenaq)”.

O tombamento dos territórios quilombolas no Brasil é um processo de tentativa de reconhecimento e preservação dos quilombos como patrimônio cultural brasileiro, visto por membros do movimento quilombola do País como uma ferramenta contra ameaças e conflitos.

Segundo José Alex Mendes, da coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), junto à certificação pela Fundação Cultural Palmares, o processo de tombamento funciona como mais uma camada legal de resistência frente às ameaças aos territórios, que passam por práticas como o racismo religioso e a especulação imobiliária.

 

Última atualização em: novembro de 2024

 

Cronologia

Década de 1810 – Escravizados recebem promessa de posse da terra na região portuária do Rio de Janeiro (RJ) em troca de trabalho na abertura da rua da Saúde (atual rua Sacadura Cabral).

1821 – Venerável Ordem 3ª de São Francisco da Penitência (VOT), ligada à Igreja Católica Apostólica Romana, teria recebido doação da mesma área por Dom João VI.

1830 – A VOT tenta recuperar terras localizadas no bairro Saúde, numa região compreendida desde a igreja de São Francisco da Penitência até a Pedra do Sal.

1942 – Prefeitura Distrital do Rio de Janeiro reconhece doação da área à Venerável Ordem 3ª de São Francisco da Penitência (VOT). Antigos moradores permanecem na região morando em imóveis alugados pela Ordem.

Novembro de 1984 – A região da Pedra do Sal é tombada, provisoriamente, pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac).

27 de abril de 1987 – Governo do Estado do Rio de Janeiro, por meio do Inepac, emite certificação de tombamento reconhecendo a Pedra do Sal por sua importância arquitetônica, histórica e cultural.

1990 – Sítio arqueológico do Cemitério dos Pretos Novos é escavado.

1999 – O prefeito do município do Rio de Janeiro, César Maia, anuncia projeto de revitalização da região portuária da cidade. Tem início o processo de especulação imobiliária e valorização dos terrenos e prédios na região.

A partir de 2000 – Diversas ações de despejo são propostas pela VOT a fim de desocupar imóveis da região portuária da cidade do Rio de Janeiro.

2002 – A VOT lança o projeto social intitulado “Humanização do Bairro”, intensificando os conflitos com as famílias quilombolas.

2004 – Formação da Associação de Resistência Quilombola da Pedra do Sal (ArqPedra).

Outubro de 2005 – VOT consegue ordem de despejo para 30 famílias da comunidade da Pedra do Sal residentes no número 01 da rua Mato Grosso.

05 de novembro de 2005 – VOT consegue ordem de despejo para cinco famílias da comunidade da Pedra do Sal residentes no número 113 da rua Sacadura Cabral.

Novembro e dezembro de 2005 – Famílias da comunidade da Pedra do Sal realizam ato contra ações de despejo movidas pela VOT.

12 de novembro de 2005 – Fundação Cultural Palmares (FCP) publica certidão de autorreconhecimento da comunidade da Pedra do Sal como remanescente de quilombo.

15 de junho de 2007 – FCP, Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Instituto de Terras do Estado do Rio de Janeiro (Iterj) e Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República (Seppir) realizam reunião para acompanhar o processo de titulação do Quilombo da Pedra do Sal.

19 de junho de 2007 – Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPE/RJ) realiza audiência para avaliar processo de titulação da comunidade Pedra do Sal.

30 de julho de 2007 – VOT propõe mandado de segurança junto a 6ª Vara Federal do Distrito Federal requerendo que sejam suspensos os atos de delimitação e demarcação perpetrados pelas autoridades e declarados nulos os processos administrativos n.º 16754180.001957/2005-44 e n.º 54180.000262/2007-15 do Incra/RJ.

04 de outubro de 2007 – Juiz da 6ª Vara Federal do Distrito Federal concede pedido liminar determinando a suspensão dos atos de delimitação e demarcação praticados pelo Incra nos procedimentos administrativos n.º 16754180.001957/2005-44 e n.º 54180.000262/2007-15, por entender que o Decreto 4.887/2003, que regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras quilombolas, seria inconstitucional.

14 de novembro de 2007 – Incra propõe agravo de instrumento, apresentado no Tribunal Regional Federal – 1ª Região (TRF1), contestando decisão da primeira instância.

19 de fevereiro de 2008 – Juiz Relator do TRF1, Cesar Augusto Bearsi, defere pedido de liminar formulado pelo Incra, suspendendo a decisão agravada, e determina a continuidade de andamento dos procedimentos administrativos de titulação.

2009 – Implementação do programa Porto Maravilha do governo municipal do Rio de Janeiro, que faz parte das intervenções urbanísticas da cidade. Os conflitos na região se acentuam.

26 de novembro de 2010 – É publicada a assinatura do contrato celebrado entre a Concessionária Porto Novo S.A. e a Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto do Rio de Janeiro S/A (CDURP) do Município do Rio de Janeiro para a prestação dos serviços do Programa Porto Maravilha.

2010 – A Superintendência do Incra no estado do Rio de Janeiro (Incra/RJ) constitui um Grupo de Trabalho para produzir o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação da Comunidade Remanescente do Quilombo de Pedra do Sal (Rtid).

Setembro de 2010 – O Incra publica o Rtid da Comunidade Remanescente do Quilombo de Pedra do Sal e declara que as famílias da Pedra do Sal são beneficiárias de uma área de 3.534 metros quadrados. A VOT tem 90 dias para contestar os dados.

2011 – Sítio arqueológico do Cais do Valongo é escavado durante as obras do programa Porto Maravilha.

2011 – É formado o Fórum Comunitário do Porto (FCP) como forma de mobilização e resistência ao programa Porto Maravilha.

29 de novembro de 2011 – A Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro, sob a gestão de Eduardo Paes, do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), cria o Circuito Histórico e Arqueológico de Celebração da Herança Africana.

2012 – Prefeitura do Rio de Janeiro transforma o Cais do Valongo em monumento preservado e aberto à visitação pública, passando a integrar o Circuito Histórico e Arqueológico da Celebração da Herança Africana, junto ao Jardim Suspenso do Valongo, Largo do Depósito, Pedra do Sal, Centro Cultural José Bonifácio e Cemitério dos Pretos Novos.

Dezembro de 2012 – Por meio de carta-denúncia publicada pela Arqpedra no blog do Fórum Comunitário do Porto, a comunidade quilombola manifesta desagrado com a escolha do Cais do Valongo como símbolo mais representativo da cultura de matriz africana na região.

Julho de 2014 – Eduardo Paes, então prefeito da cidade do RJ, sanciona um projeto de lei criando a Área de Especial Interesse Cultural (AEIC) do Quilombo da Pedra do Sal.

12 de dezembro de 2015 – A Arqpedra realiza uma cerimônia conhecida como Balaio das Yabás (ritual de candomblé), com o grupo Filhos de Gandhi, como forma de celebração de algumas conquistas da comunidade Pedra do Sal e denuncia o racismo institucional.

Julho de 2016 – Reportagem da Agência Pública denuncia a má gestão da Prefeitura do Rio de Janeiro no programa Porto Maravilha.

9 a 13 de agosto de 2016 – Artistas, ativistas e membros da comunidade se reúnem para pintar um muro na comunidade da Pedra do Sal como forma de resistência popular.

Julho de 2017 – Cais do Valongo é reconhecido como Patrimônio Cultural da Humanidade pelo Comitê do Patrimônio Mundial da Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco).

28 de junho de 2018 – O então prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, veta um projeto de lei que tornaria o Quilombo da Pedra do Sal e a Roda de Capoeira do Saravá patrimônios imateriais da cidade.

06 de julho de 2018 – Prefeito recua e é publicado no Diário Oficial do Município do Rio de Janeiro o decreto que determina o registro do Quilombo Pedra do Sal como Bem Cultural de Natureza Imaterial da cidade.

Julho de 2018 – Damião Braga, presidente da Arqpedra, denuncia a morosidade do governo municipal e federal para a titulação do território quilombola da Pedra do Sal.

2019 – Laudo da Superintendência Regional no Rio de Janeiro aponta que materiais arqueológicos relacionados à herança africana encontrados nas escavações do Porto Maravilha estão em más condições de gestão.

Março de 2021 – Damião Braga denuncia impactos do programa Porto Maravilha e relata que teve que deixar a região da Pedra do Sal após sofrer ameaças contra sua vida.

Setembro de 2021 – Allan de Abreu, jornalista da Folha de São Paulo, divulga reportagem que revela uma investigação minuciosa sobre a igreja da VOT e a complexa relação política que envolve essa instituição religiosa.

Julho de 2022 – Damião Braga, da Arqpedra, participa de audiência pública para debater a situação do sítio arqueológico Cais do Valongo.

Março de 2023 – Projeto Quilombos do Brasil, da Folha de São Paulo, em parceria com a Fundação Ford, publica vídeo documentário sobre o conflito que envolve o território da Pedra do Sal.

30 de novembro de 2023 – Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) lança projeto no contexto do Programa Rotas dos Escravizados da Unesco. Damião Braga representa a comunidade quilombola Pedra do Sal na cerimônia de lançamento do projeto.

Maio de 2024 – Federação Nacional das Associações Quilombolas (Fenaq) dá entrada ao processo de Tombamento da Comunidade Remanescente do Quilombo Pedra do Sal no Iphan.

 

Fontes

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