BA – Ameaças de morte e de perda de emprego de familiares são utilizados para oprimir a população e desmontar a Reserva Extrativista de Canavieiras
UF: BA
Município Atingido: Canavieiras (BA)
Outros Municípios: Belmonte (BA), Canavieiras (BA), Una (BA)
População: Catadores de caranguejo, Marisqueiras, Pescadores artesanais
Atividades Geradoras do Conflito: Atividades pesqueiras, aquicultura, carcinicultura e maricultura
Impactos Socioambientais: Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, Assoreamento de recurso hídrico, Poluição de recurso hídrico
Danos à Saúde: Doenças não transmissíveis ou crônicas, Piora na qualidade de vida, Violência – ameaça
Síntese
Desde 2001, pescadores, marisqueiras e catadores de caranguejos de Canavieiras sofrem os impactos negativos da produção de camarões em cativeiro, a chamada carcinicultura. As consequências paras as comunidades tradicionais vão desde a diminuição do pescado e dos crustáceos da região, a contaminação dos rios e mangues, a ameaças, violência e tentativas de intimidação contra pescadores e seus familiares. Além disso, há denúncias de doenças entre os trabalhadores das fazendas, decorrentes da contaminação por metabissulfito, manipulado sem equipamentos de proteção individual. Apesar de terem conseguido a criação da Reserva Extrativista (Resex) Canavieiras, os pescadores e comunidades tradicionais da localidade ainda sofrem oposição de setores do governo municipal, da câmara de comércio e da imprensa local.
Contexto Ampliado
As primeiras denúncias oficiais registradas, relativas aos impactos da carcinicultura sobre a pesca no município, datam de 2002, quando seis associações de pescadores de Canavieiras denunciaram a alta mortandade de peixes, crustáceos e caranguejos decorrente das atividades de fazendas locais.
A mortandade foi verificada no rio do Cedreiro, tendo se espalhado pelo rio Cotovelo antes de chegar a Barra Velha e Puxim. Este relato integra o Mapeamento dos Conflitos Socioambientais relativos à carcinicultura no Estado da Bahia, publicado pela Rede MangueMar.
As denúncias foram apuradas por funcionários do IBAMA, motivo pelo qual tanto os pescadores quanto os funcionários do órgão federal sofreram ameaças por parte de proprietários de fazendas autuadas. Posteriormente, as ameaças e intimidações se estenderam a parentes e filhos dos pescadores.
Segundo denúncias de membros das comunidades atingidas, a relação de parentesco entre os trabalhadores das fazendas e os pescadores que pleiteavam a criação da Reserva Extrativista (Resex) de Canavieiras foi usada como pretexto para várias demissões nestas fazendas, numa clara tentativa de dividir as comunidades e pressionar os moradores a desistir de suas demandas territoriais.
A Rede MangueMar também denunciou as ameaças de morte que teriam ocorrido à época: Muitos pescadores, funcionários do Ibama e de ONGs sofreram ameaças de morte por se oporem à instalação das fazendas. Um pescador de Barra Velha sofreu ameaças de morte e teve seu poço de água potável contaminado propositalmente.
A Rede também divulgou relatos de contaminação dos trabalhadores devido ao uso inadequado de metabissulfito e a inexistência de equipamentos de proteção individual (EPIs). Nas ocasiões em que os EPIs eram fornecidos, não havia orientação aos trabalhadores das fazendas sobre a necessidade e o modo de utilização de tais equipamentos. Verificou-se, ainda, que o lançamento de efluentes contaminados nos rios e mangues próximos às fazendas de camarão estava contaminando o ecossistema local. Outros impactos relatados foram: assoreamentos dos rios; fuga de espécies exóticas de camarões nos estuários; destruição da fauna aquática da região através do processo de bombeamento e redução de populações endêmicas de peixes e crustáceos.
Em 5 de junho de 2006, após quatro anos de luta, o governo federal criou a Reserva Extrativista de Canavieiras, com 100.645,85 hectares, tendo por objetivo "proteger os meios de vida e a cultura da população extrativista residente na área de sua abrangência e assegurar o uso sustentável dos recursos naturais da unidade".
Segundo Cris Faustino e Tania Pacheco, 85% da área da Resex é formada por mar, e, 15%, por manguezais, rios e pequenas ilhas costeiras. Essas últimas representam 3% da área, e são utilizadas pelos pescadores como moradia ou pontos de apoio e de pesca. A população da RESEX é composta por 2.300 famílias, abrigando sete comunidades: Sede Municipal, Atalaia, Campinhos, Puxim do Sul, Puxim da Praia, Barra Velha e Oiticica, que representam um terço da população do município e dependem diretamente da pesca artesanal. (…) Após a publicação do decreto de criação, o IBAMA ficou autorizado a promover desapropriações dentro da área da Resex, a fim de viabilizar esses objetivos. Como consequência, a reserva sofre forte oposição dos grupos econômicos e políticos locais.
Há denúncias de que a prefeitura municipal iniciou campanha difamatória a respeito da reserva em julho de 2007. De acordo com a Rede MangueMar:
No dia 13 de julho de 2007, o prefeito do município [Zairo Loureiro (DEM)] decretou ponto facultativo, intimidando os funcionários da prefeitura a participarem de manifestação contrária à Resex, intitulada Natureza sim, Resex não, sob pena de corte de ponto. Não houve aula nas escolas e os postos de saúde permaneceram fechados. Professores e alunos foram coagidos a participar da marcha, sob pena, respectivamente, de desconto no salário e perda de pontos nas disciplinas escolares. Funcionários das fazendas foram obrigados a participar da manifestação sob pena de perderem o emprego. O carro de uma Ong que apoia a Resex foi arrombado. A imprensa local não abriu espaço para o ponto de vista daqueles que defendem a Resex. A Câmara dos Dirigentes Lojistas fechou o comércio da cidade e coagiu seus empregados a participarem da manifestação.
A proposta da prefeitura seria a de transformar a área da Resex em uma Área de Proteção Ambiental (APA). Ocorre que em vários lugares no Brasil as APAs vêm se tornando uma mera ficção jurídica, sem a devida efetividade para a garantia dos territórios e ecossistemas que se propõem a proteger.
Desde a criação da Resex, o IBAMA já embargou uma fazenda, fechou outra e multou outras 12 por estarem operando dentro da área de abrangência da Resex. A falta de medidas mais efetivas para cumprir as determinações do IBAMA, contudo, têm prolongado o conflito.
A criação da reserva extrativista não pôs fim a ele; pelo contrário, em alguns casos, até o intensificou. A leniência com que os órgãos governamentais tratam o caso permite que as fazendas de camarão continuem operando dentro da área da Resex, apesar das multas e embargos.
Segundo o Mapeamento da Rede MangueMar: a associação dos carcinicultores, aliados aos empresários do setor hoteleiro, à Câmara dos Dirigentes Lojistas e à Prefeitura tentam invalidar o decreto da Resex e transformá-la numa APA. As seis associações de pescadores e a Colônia de Pesca fizeram várias solicitações de audiências junto ao atual secretário estadual de Agricultura (Geraldo Simões) e ao governador Jacques Wagner, porém ainda não foram recebidas. Por outro lado, os pescadores e marisqueiras da Resex obtiveram apoio de outras instituições do Estado brasileiro, especialmente a nível federal.
A Ouvidoria Nacional do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) passou a acompanhar o caso e, em 10 de dezembro daquele ano, foi realizada uma audiência pública em Canavieiras para colher as denúncias e provas sobre a grilagem de terras e ameaças às comunidades da Reserva. O Desembargador João Pinheiro de Souza representou a Ouvidoria. Uma das consequências da audiência pública foi o início de investigações das ameaças sofridas pelos membros das comunidades. A Procuradoria da República esteve à frente das investigações com apoio da Polícia Militar do estado da Bahia e da Polícia Federal.
Cinco dias depois, o Ministério Público Federal (MPF), com o apoio do ICMBio, organizou uma reunião para formar o Conselho Deliberativo da reserva. Segundo Sérgio Freitas, chefe da Resex, a constituição do Conselho Deliberativo foi um passo importante para o fortalecimento da unidade: Ele representa um dos principais instrumentos de gestão e controle social da Reserva Extrativista, possibilitando a participação dos diversos grupos, como a comunidade beneficiária.
O Conselho Deliberativo, cuja posse só ocorreria em novembro de 2009, também é responsável pela análise e aprovação do Plano de Manejo da unidade, do Cadastro dos Usuários, das contas, projetos e empreendimentos situados no interior da Reserva.
Apesar dos avanços em relação ao apoio governamental às comunidades tradicionais de Canavieiras, a violência continuou a fazer parte de seu cotidiano. Em 20 de maio de 2009, cinco canoas pertencentes à comunidade de Campinho foram incendiadas. Em nota pública, a Associação Mãe dos Extrativistas da Resex de Canavieiras levantou a suspeita de que o incêndio tenha sido criminoso, realizado por grupos contrários à reserva.
As embarcações haviam sido doadas à comunidade pela Bahiapesca e eram utilizadas para o transporte de materiais de construção para as casas de um programa habitacional do governo. Estas casas faziam parte de um projeto habitacional executado através de um convênio entre a União, o governo estadual e a ONG Associação do Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos (Amova). Estava prevista a construção de, pelo menos, 160 destas casas (85na primeira fase e 60 numa segunda fase). As primeiras 48 foram entregues em dezembro de 2012.
Segundo a Associação, semanas antes do incêndio circularam boatos de que haveria vandalismo contra as associações das comunidades que integram a reserva extrativista.
Uma comissão composta por lideranças e representantes da comunidade e das colônias de pesca viajou no dia seguinte para Ilhéus, para registrar denúncia na Delegacia das Capitanias dos Portos, no Ministério Público Federal e na Delegacia da Polícia Federal e solicitar a abertura de investigações para apurar o caso.
Além da violência de grupos opositores, os pescadores e marisqueiras de Canavieiras ainda enfrentavam a morosidade da burocracia federal. Apesar de criada em 2006, a reserva ainda permanecia sem a assinatura do Contrato de Concessão de Direito Real de Uso (CCDRU) com a União, documento que consolida e regulariza a posse da comunidade sobre a terra e sobre o mar e que garante acesso a políticas voltadas para melhorias das condições de vida e trabalho na comunidade.
Uma primeira versão desse contrato havia sido proposta pela União em junho do ano anterior, mas os representantes da comunidade se recursaram a assiná-la, pois ela deixava de fora toda a área terrestre da Resex, limitando-se à área marinha. Para pressionar a União a assinar uma versão modificada do contrato, que garantisse às comunidades o efetivo usufruto de seus territórios e sua garantia contra a degradação ambiental provocada pela carcinicultura e pela especulação imobiliária, dezenas de organizações sociais ligadas às comunidades tradicionais, à defesa do meio ambiente e contra o racismo ambiental assinaram uma nota pública externando apoio à comunidade e exigindo providências.
Cronologia:
2002: Associações de Pescadores denunciam impactos de fazendas de criação de camarão em cativeiro sobre a pesca em Canavieiras. Técnicos do IBAMA constatam impactos e autuam proprietários do empreendimento.
Junho de 2006: Governo Federal cria a Reserva Extrativista de Canavieiras.
13 de julho de 2007: Prefeitura local, empresários e comerciantes organizam protesto contra a Resex. Como alternativa, Prefeitura de Canavieiras propõe a substituição da Resex por uma APA.
10 de dezembro de 2008: Ouvidoria Nacional do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) realiza audiência pública para discutir denúncias de violência contra comunidades da Resex.
15 de dezembro de 2008: MPF e ICMBio realizam reunião para formar o Conselho Deliberativo da reserva.
20 de maio de 2009: Embarcações da comunidade de Campinho são incendiadas por grupos contrários à criação da reserva.
Novembro de 2009: Conselho Deliberativo da Resex toma posse.
Dezembro de 2010: Organizações locais, associações e entidades da sociedade civil iniciam campanha nacional pela liberação do Contrato de Concessão de Direito Real de Uso (CCDRU) da reserva.
Dezembro de 2012: Primeiras casas do Programa Casa da Gente são entregues aos moradores das comunidades de Atalaia e Campinho.
Última atualização em: 15 de abril de 2013
Fontes
BAHIA. Secretaria de Desenvolvimento Urbano. Programa Casa da Gente garante moradia digna para 48 famílias da Reserva Extrativista de Canavieiras. Dez. 2012. Disponível em: http://goo.gl/orj6j. Acesso em: 16 abr. 2013.
BRASIL. Instituto Brasileiro de Meio Ambiente Recursos Naturais Renováveis. Criação da reserva extrativista de recursos pesqueiros de canavieiras e fortalecimento dos instrumentos de gestão territorial participativa. Disponível em: http://goo.gl/JJEzi. Acesso em: 05 nov. 2008.
______. Instituto Chico Mendes de Biodiversidade. Resex Canavieiras da posse a seu conselho deliberativo. Socioambiental, 18 nov. 2009. Disponível em: http://goo.gl/Ya7BT. Acesso em: 16 abr. 2013.
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FAUSTINO, Cris e PACHECO, Tania. BLOG ESPECIAL: Na Reserva Extrativista de Canavieiras, Bahia, a comunidade aguarda, ansiosa, a ação de Lula contra a as ameaças da política corrupta e do capital degradador. Combate ao Racismo Ambiental, 05 dez. 2010. Disponível em: http://goo.gl/WiE7t. Acesso em: 16 abr. 2013.
FREITAS, Sérgio; RODRIGUES, Jaqueline e DUTRA, Guilherme. Atentado destrói embarcação comunitária em Canavieiras. Conservação Internacional Brasil, 22 maio 2009. Disponível em: http://goo.gl/t17IT. Acesso em: 16 abr. 2013.
MINISTÉRIO Público Federal intervém na Reserva Extrativista Canavieiras. Revista Fator, 22 dez. 2008. Disponível em: http://goo.gl/v1Lna. Acesso em: 16 abr. 2013.
REDE MANGUEMAR BAHIA. Mapeamento dos conflitos socioambientais relativos à carcinicultura no estado da Bahia. Disponível em: http://goo.gl/KEsk4. Acesso em: 05 nov. 2008.
REIS, Cosme. Escândalo em Canavieiras. Políticos do Sul da Bahia, 04 nov. 2008. Disponível em: http://goo.gl/p3f4i. Acesso em: 05 nov. 2008.
SENADO FEDERAL. DECRETO DE 5 DE JUNHO DE 2006. Dispõe sobre a criação da Reserva Extrativista de Canavieiras, localizada nos Municípios de Canavieiras, Belmonte e Una, Estado da Bahia, e dá outras providências. Disponível em: http://goo.gl/dgkAr. Acesso em: 05 nov. 2008.