Território Quilombola Lago do Coco aguarda por conclusão de processo administrativo de titulação há mais de uma década

UF: MA

Município Atingido: Matões do Norte (MA)

População: Agricultores familiares, Quilombolas

Atividades Geradoras do Conflito: Atuação de entidades governamentais, Políticas públicas e legislação ambiental

Impactos Socioambientais: Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, Assoreamento de recurso hídrico, Desmatamento e/ou queimada, Falta / irregularidade na demarcação de território tradicional, Incêndios e/ou queimadas, Invasão / dano a área protegida ou unidade de conservação

Danos à Saúde: Piora na qualidade de vida, Violência – ameaça

Síntese

O Lago do Coco é território de uma comunidade remanescente de quilombo localizado nos municípios de Ariri e Matões do Norte, na região norte do estado do Maranhão. Estudos apontam que, desde as décadas de 1970-1980, as famílias da Comunidade Quilombola Lago de Coco já enfrentavam ameaças em seu território.

O pedido da Certidão de Autorreconhecimento junto à Fundação Cultural Palmares (FCP) ocorreu apenas em 2010 e, neste mesmo ano, de acordo com Relatório da Coordenação Geral de Regularização de Territórios Quilombolas (DFQ) do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra, 2018), houve a abertura do procedimento administrativo junto ao Incra, dando início ao processo de identificação e delimitação do território quilombola por meio da requisição do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID).

Nos anos de 2012 e 2013 foi fundada a Associação dos Remanescentes Quilombolas do Povoado Lago do Coco, envolvendo cerca de 80 famílias da comunidade, tendo a FCP emitido a Certidão de Autorreconhecimento da Comunidade Quilombola de Lago do Coco.

Por anos consecutivos a Comissão Pastoral da Terra (CPT) registrou, no relatório Conflitos no Campo Brasil, casos de violência envolvendo membros da Comunidade, inclusive situações de ameaças de morte por latifundiários e grileiros de terra da região.

Apesar do processo administrativo para o reconhecimento legal do território ter sido iniciado há mais de uma década, violações aos direitos territoriais, crimes ambientais e a morosidade do Incra no processo de titulação do território ampliaram os conflitos e a exposição da comunidade à violência.

A hipótese levantada pelo Poder Judiciário que acompanha o caso é de que houve omissão do Poder Público no que tange aos processos administrativos necessários para a certificação das terras ocupadas pela Comunidade Quilombola.

Durante o processo de judicialização deste conflito, em outubro de 2019, o Judiciário concedeu liminar favorável aos comunitários de Lago do Coco e estabeleceu prazo para o Incra concluir o Relatório Técnico de Identificação e Demarcação (RTID).

Não houve o cumprimento deste prazo, portanto, em março de 2022, a Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) determinou prazo de 180 dias, a contar da entrega do RTID, para o Incra concluir todo o processo de demarcação do Território Quilombola Lago do Coco.

Contexto Ampliado

O Lago do Coco é uma comunidade remanescente de quilombo localizada nos municípios de Ariri e Matões do Norte, na região norte do estado do Maranhão. De acordo com Sousa (2018), a comunidade fazia parte de um grande território conhecido como Lago do Bento Roque, uma vasta área de terra pertencente ao Padre Aureliano Nina, que até o século XIX englobava 38.000 hectares que se estendiam até as margens do Rio Mearim.

Sousa (2018), em sua pesquisa antropológica na região, relatou que, ao longo de diversos processos de desapropriações, apropriações e retornos no território, o Lago do Coco se configura atualmente em comunidades divididas entre famílias remanescentes de quilombolas e assentados.

O território Lago do Coco é composto pelos povoados: Lago do Coco, Marajá I e II, Santa Rosa, Morro Grande, Bacabeira, Vala, Vinagreira, Amago de Pau, Falta Melhor, Pindoval, Santo Antônio dos Pretos e Ponte, que se estima tenham sido formados há cerca de 200 anos.

O processo administrativo para a identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação do território da Comunidade Quilombola Lago do Coco iniciou-se há mais de uma década, e a hipótese levantada pelo Poder Judiciário que acompanha o caso é de que houve omissão do Poder Público no que tange aos processos administrativos necessários para a certificação das terras ocupadas pela Comunidade.

Cabe destacar também que, conforme dados publicados pela Comissão Pastoral da Terra (CPT – 12/08/2014), o Maranhão ocupa há anos os primeiros lugares no ranking nacional de conflitos agrários, sendo um dos estados da federação com maior número de comunidades quilombolas. Apesar disso, o Incra conta com menos de cinco antropólogos para uma demanda superior a 400 comunidades, muitas destas em conflito histórico com latifundiários, grileiros de terra e mineradoras.

De acordo com Diogo Cabral (advogado e assessor jurídico da CPT) em seu artigo republicado no blog Combate Racismo Ambiental (12/08/2014), ao se dedicar a pesquisas sobre territórios quilombolas no Maranhão, ele se deparou com notícias das décadas de 1970-1980 mostrando que desde então as famílias da Comunidade Quilombola Lago de Coco já enfrentavam ameaças em seu território. Ainda com base no mesmo blog, na década de 1980, homens armados invadiram uma das comunidades, sequestraram pessoas e dispararam armas de fogo para intimidar os moradores.

Foi constatado em documento publicado pelo Ministério Público Federal (MPF – 24/01/2022) que a abertura do processo de reconhecimento da Comunidade Quilombola Lago do Coco deu-se em dezembro de 2010 junto à Fundação Cultural Palmares (FCP), com o pedido da Certidão de Autorreconhecimento.

Neste mesmo ano, de acordo com Relatório da Coordenação Geral de Regularização de Territórios Quilombolas (DFQ) do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra, 2018), instaurou-se a abertura do procedimento administrativo nº 54230.012664/2010-17, dando início ao processo de identificação e delimitação do território quilombola por meio da requisição do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID).

A partir do ano de 2011, a CPT passou a considerar, no relatório Conflitos no Campo Brasil apresentado pelo Centro de Documentação Dom Tomás Balduino (Cedoc/CPT), casos de conflito por terras na Comunidade Quilombola Lago do Coco.

Apesar de não constarem informações detalhadas sobre os casos registrados no relatório, verificou-se que, nos anos 2011, 2013, 2016 e 2019, a CPT registrou situações de conflitos no município de Matões do Norte envolvendo diretamente a Comunidade.

Buscando formas de potencializar a organização social das famílias quilombolas, em 02 de outubro de 2012 foi fundada a Associação dos Remanescentes Quilombolas do Povoado Lago do Coco, envolvendo cerca de 80 famílias da comunidade. A Associação foi criada com o objetivo de promover atividades em defesa dos direitos sociais, segundo dados publicados no site Diário Cidade.

Conforme informações divulgadas pela Comissão Pró-Índio de São Paulo, que monitora políticas de regularização fundiária de terras quilombolas no Brasil, bem como a publicação no Diário Oficial da União de 30 de julho de 2013, a FCP emitiu a Certidão de Autorreconhecimento da Comunidade Quilombola Lago do Coco, dando mais um passo no processo de titulação e regulamentação do território quilombola.

A certidão emitida pela FCP, apesar de ser um aspecto crucial no processo de reconhecimento das comunidades quilombolas, não garantiu segurança para as famílias, vide situações de violência sofridas por lideranças da comunidade.

De acordo com a CPT (19/09/2013), o bispo de Coroatá, Dom Sebastião Bandeira, em uma carta de repúdio à violência publicada em 19 de setembro de 2013 se manifestou sobre perseguições à comunidade por grandes latifundiários, sobretudo a que vinha passando Francisco Xavier Casanova, uma importante liderança. Xavier fora ameaçado de morte inúmeras vezes, tendo sido incluído na lista da CPT por sofrer ameaças de morte em conflitos no campo.

Diogo Cabral, em artigo publicado no blog Combate Racismo Ambiental (12/08/2014), também divulgou outro momento de violência na comunidade, no qual Xavier Casanova, presidente da Associação Quilombola, contou fato ocorrido em agosto de 2014, quando vários homens invadiram as matas do território para extrair madeira de forma ilegal. Xavier relatou que, também no ano de 2014, ele e sua família sofreram perseguição e ameaças de latifundiários da região.

Segundo levantamento de Diogo Cabral, o líder Xavier recebeu por duas vezes a visita de membros do Programa Defensores dos Direitos Humanos da Presidência da República, mas, apesar dos esforços empreendidos pelo programa, Xavier e a comunidade de Lago do Coco continuavam sofrendo ameaças. Essa situação se agravava em razão da ausência de regularização do território tradicional quilombola, colocando toda a comunidade em situação de extrema vulnerabilidade.

De acordo com informações veiculadas pelo blog Territórios Livre do Baixo Parnaíba e no Combate Racismo Ambiental (16/11/2015), no mês de agosto de 2015, representantes da Secretaria Estadual de Direitos Humanos e Participação Popular (Sedihpop) visitaram a comunidade prometendo assistência e proteção aos quilombolas. No entanto, segundo membros da comunidade em relato divulgado nos referidos blogs de notícia, a Sedihpop não deu nenhum retorno concreto após essa visita.

Diante das ameaças e da morosidade do Incra no processo de titulação da Comunidade, no mês de setembro de 2015, o presidente da Associação dos Remanescentes Quilombolas do Povoado Lago do Coco protocolou, na Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Sema) e na Casa Civil do Governo do Estado, denúncias de agressões e crimes que vinham acontecendo dentro do território. Dentre eles, a exploração ilegal de madeira de lei, extração de pedra bruta, caçada de animais silvestres, desmatamento nas margens de igarapés e ameaças de morte.

A denúncia citava a participação de políticos, empresários, fazendeiros e caçadores da região. No entanto, Xavier Casanova relatou que não houve nenhuma providência dos órgãos competentes. Em suas palavras:

Já fiz várias denúncias na Imprensa, no Ministério Público Federal, Ministério Público Estadual, Delegacia de Polícia, Secretaria do Meio Ambiente e não sei mais a quem recorrer. Somos ameaçados de morte constantemente, até o governador já procurei e ninguém olha por nós”.

A denúncia envolvia o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Matões, e, segundo o representante da associação local, o sindicato e a prefeitura eram coniventes com os crimes. Para os quilombolas, o Incra também era responsável pelo conflito na região na medida em que não dava continuidade ao processo de demarcação do território quilombola, impedindo-os de terem acesso aos seus direitos.

De acordo com o ensaio de Silvia Lilia Silva Sousa, da Universidade Federal do Pará, intitulado “Caminhos e territórios histórico-míticos no quilombo de Lago do Coco – MA”, publicado na Revista Visagem (2018), parte das informações acessadas para sua pesquisa foi conseguida durante o processo de elaboração do relatório antropológico da comunidade, nos meses de dezembro de 2017 e fevereiro de 2018. Segundo a pesquisadora, o Incra contratou a empresa Instituto 3R Amazônia para a execução dos estudos referentes ao processo de elaboração do Relatório RTID da comunidade.

Mesmo constando essa informação sobre a existência de estudos do território produzidos pelo Incra e que subsidiaram o trabalho de Sousa, até o momento da elaboração desta pesquisa para compor o Mapa de Conflitos (abril, 2022) o RTID não havia sido concluído e outras informações sobre esses estudos não estavam acessíveis com facilidade.

Percebe-se haver uma lacuna nas informações sobre este processo de elaboração dos estudos antropológicos do território, o que leva a crer que o princípio da publicidade (que impõe transparência na atividade administrativa e permite maior controle social) não vinha sendo considerado com o rigor necessário.

As violações aos direitos territoriais, a morosidade nos processos de titulação e a expressiva diminuição de recursos públicos para essas políticas ampliaram os conflitos e a exposição da comunidade quilombola Lago do Coco à violência.

Cabe ressaltar que, em 2017, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos recomendou ao Brasil que desenvolvesse um plano nacional de titulação dos territórios quilombolas por meio de consulta livre, prévia e informada às comunidades, incluindo estratégias para apoiar medidas de reestruturação do Incra.

De acordo com notícia publicada (04/09/2018) no site oficial da Ouvidoria de Segurança do Estado do Maranhão (SSP – MA), no dia 11 de setembro de 2018, estiveram presentes na sede da Ouvidoria representantes da Associação Quilombola Lago do Coco com o objetivo de denunciar situações de violência no território.

Segundo a nota, ocorreram invasões e crimes ambientais envolvendo fazendeiros da região, que alegavam serem “donos das terras”. Com o uso de tratores e outras máquinas, desmataram cerca de 500 hectares do território, comprometendo também córregos d´água e lagos.

O presidente da Associação, Xavier Casanova, alegou que diversas denúncias foram encaminhadas para os órgãos competentes – citando especificamente o MPF, a Defensoria Pública da União (DPU), Ibama, Sociedade Maranhense de Direitos Humanos, Sema e FCP; no entanto, segundo ele, nenhuma providência eficaz foi tomada pelos órgãos citados.

O Secretário Adjunto de Segurança Pública na época, Saulo de Tarso Ewerton, encaminhou membros da Associação para a Secretaria de Estado de Igualdade Racial visando ajudar na resolução dos problemas denunciados. Ainda segundo a mesma reportagem, para o Ouvidor Marcio dos Santos Rabelo, a solução para conter a violência nos conflitos fundiários enfrentados pela comunidade Lago do Coco seria a titulação das terras.

No entanto, ele reconheceu que nos últimos anos houve um expressivo retrocesso no campo dos direitos humanos e nas políticas de regularização fundiária no país. Por fim, a Ouvidoria alegou ter enviado ofícios para todas as instituições citadas, com o intuito de obter informações sobre as possíveis medidas realizadas em prol da Comunidade Quilombola Lago do Coco.

Diante das constantes denúncias da comunidade e da morosidade dos órgãos numa intervenção eficaz para controlar os conflitos e violências em Lago do Coco, no dia 31 de outubro de 2018, representantes da Ouvidoria da SSP – MA visitaram a comunidade quilombola para listar suas principais reivindicações e traçar um plano de ação que previa a participação da Defensoria Pública do Estado do Maranhão (DPE – MA) e a Secretaria de Segurança Pública (SSP – MA).

De acordo com o site oficial da Ouvidoria SSP – MA (06/11/2018), existia a promessa de o Defensor Público titular do Núcleo de Direitos Humanos, Dr. Jean Carlos Nunes, acionar o Judiciário para investigar os conflitos em Lago do Coco. Por fim, o serviço de ouvidoria se colocou disponível às famílias quilombolas e prometeu reforçar a “Rede de Proteção Quilombola”, formada por diferentes órgãos no ano de 2018 com o objetivo de discutir e potencializar políticas públicas para os povos tradicionais do estado do Maranhão.

Diante da condição de insegurança da comunidade quilombola, a Associação dos Remanescentes Quilombolas do Povoado Lago do Coco ajuizou por meio da DPE – MA uma ação de reintegração de posse. Contudo, no dia 27 de junho de 2019, foi proferida sentença que considerou que a Associação “não poderia pleitear direitos de posse” – conforme trecho do processo divulgado no site JusBrasil (04/10/2019).

Também segundo o JusBrasil, nova ação de reintegração de posse foi movida em 2019 por membros da Associação em desfavor de “Benedito”, “Luís Vantajoso”, “Galego da Batata”, “Jair”, “Chico Macena” e outros, que alegavam terem parte das terras dentro do território quilombola e agiam com ameaças e crimes na região.

A ação reforçava que a posse da área conhecida como Território Quilombola de Lago do Coco era centenária, conforme comprovado em Certidões do Cartório de 1° Ofício de Cantanhede – MA.

De acordo com o texto do processo, para contextualizar o caso foram listados diversos conflitos ocorridos em 2019 que envolveram episódios de desmatamento, queimadas, extração de madeira e cercamento de áreas dentro da comunidade, impedindo a circulação dos moradores.

Em uma área conhecida como Axixá, inserida no território de Lago do Coco, houve desmatamento por tratores e carretas do sujeito conhecido como “Luis Vantajoso”. Segundo a mesma fonte de pesquisa referente ao processo de reintegração de posse, ele teria sido responsável pelo desmatamento de mais de 500 hectares, além do soterramento de igarapés e morte de animais silvestres. Somado a esses fatos, haveria ele ainda colocado portões nas estradas da região, impedindo o livre trânsito dos moradores dentro do próprio território tradicional.

Em outra região, localizada entre os municípios de Arari e Matões do Norte, houve denúncia de novas áreas de desmatamento, sendo essas ações protagonizadas pelo sujeito denominado “Galego da Batata”, que utilizou tratores e carretas para desmatar, além de cercar áreas dentro do território quilombola, alegando serem suas propriedades.

O texto trouxe outros casos similares, nos quais pessoas alegavam propriedades das terras e cercavam aéreas dentro do território como forma de intimidar e impedir a circulação da comunidade. Os casos foram denunciados à Secretaria de Meio Ambiente, delegacia Agrária, Promotoria Agrária, além do Ibama, conforme publicação do JusBrasil.

No mês de agosto de 2019, segundo denúncias do presidente da Associação, o Sr. Neto, morador de Miranda do Norte, saiu com um caminhão repleto de madeiras extraídas ilegalmente no território Lago de Coco e, após denúncias ao sistema de segurança do estado do Maranhão, policiais apreenderam o veículo e o levaram para a delegacia. Também no mês de agosto outro fato acentuou os conflitos na região, quando o Sr. Gilbene foi pego em flagrante pela comunidade de Lago do Coco retirando palmeiras de babaçu com uma motosserra.

Diante do contexto apresentado na ação de reintegração de posse movida pela Associação dos Quilombolas, o Defensor Público do estado do Maranhão, Jean Carlos Nunes Pereira, no dia 04 de outubro de 2019, pediu à Justiça concessão de liminar favorável aos representantes da Associação.

O Judiciário considerou a existência de documentos suficientes para comprovar a necessidade de titularidade e regularização do território quilombola de Lago do Coco. Segundo trecho do processo divulgado também pelo MPF (21/03/2022), ficou estabelecido:

reconhecer a responsabilidade por omissão do Incra e fixar o prazo de 180 (cento e oitenta) dias para conclusão do Relatório Técnico de Identificação e Demarcação (RTID) relativo à comunidade remanescente de quilombo de Lago do Coco, sob pena de multa diária no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), a ser revertida ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos.”.

O Incra, por sua vez, em suas razões recursais, alegou ter encontrado dificuldades, como a falta de profissionais da área antropológica e a insuficiência de recursos, entre outros, alegando ainda uma “natural demora” no processo demarcatório. Mais: que seria indevida a intromissão do Poder Judiciário no procedimento referente ao processo de titulação e registro da Comunidade Quilombola Lago do Coco.

Os casos ocorridos em 2019 e publicados nos sites do Jus Brasil e do MPF traziam um detalhe a mais neste conflito. De acordo com o processo de reintegração de posse, o quadro se agravou na região devido à presença de assentados do Incra que não se identificavam como quilombolas, e que estariam trazendo pessoas de outros povoados para devastar e construir moradias dentro do território reivindicado pela comunidade, o que leva a crer também haver um conflito interno entre os povoados de Lago do Coco.

De acordo com notícia publicada pelo Jornal Pequeno (02/04/2021), no segundo semestre de 2020 o desembargador Tadeu Duailibe determinou nova reintegração de posse a favor da Comunidade Quilombola, proibindo qualquer ato de extração de madeira e desmatamento na região.

No entanto, segundo a nota, o presidente da Associação Quilombola, Xavier Casanova, denunciou que, apesar da medida que favorecia os quilombolas, os crimes ambientais continuavam no território. Diante disso, o líder comunitário procurou a redação do Jornal Pequeno buscando dar maior visibilidade para as denúncias e a condição em que ele e outras famílias se encontravam.

No dia 25 de fevereiro de 2021, Xavier, como representante da Associação Quilombola, protocolou nova denúncia junto à DPE-MA acerca de crimes ambientais e ameaças às comunidades que permaneciam dentro do território. Essa informação também foi divulgada pelo Jornal Pequeno.

Conforme exposto no processo judicial divulgado pelo site Jus Brasil (01/10/2021), a juíza Luzia Madeiro Neponucena, Titular da Vara Agrária da Comarca da Ilha de São Luís do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, determinou, no dia 22 de setembro de 2021, uma inspeção judicial para fins de verificar in loco o conflito no território Lago do Coco, possibilitando uma melhor análise do caso. Em suas palavras:

Assim, procedendo desta forma, este Juízo poderá tomar as melhores soluções para a resolução da controvérsia de índole possessória coletiva, evitando possíveis nulidades futuras, bem como visando assegurar a razoável duração do processo e os meios que garantam a sua celeridade”.

Diante do exposto, ficou designada visita à comunidade quilombola por representantes do Judiciário e Defensoria Pública no dia 25 de outubro de 2021.

A Secretaria de Igualdade Racial do estado do Maranhão (SEIR) lançou nota em 16 de março de 2022 divulgando que o então secretário da pasta, Gerson Pinheiro, participou do 1º Encontro de Políticas de Igualdade Racial da cidade de Matões do Norte, evento realizado na Câmara Municipal e organizado pela Prefeitura local por meio da Coordenação de Igualdade Racial. O encontro teve como objetivo fortalecer o desenvolvimento de políticas voltadas às comunidades quilombolas de Matões do Norte, bem como levantar necessidades e pautar estratégias de ação.

Logo após o encontro, o secretário Pinheiro e vereadores locais visitaram as comunidades quilombolas Marajá I, Marajá II e Lago do Coco, ouvindo demandas dos quilombolas e levando informações sobre programas previstos.

“Viemos até Matões do Norte trazer informações sobre as nossas ações, a exemplo da Festa Quilombola, força de saúde que terá atuação em comunidades quilombolas desta cidade e de outras políticas públicas que desenvolvemos na SEIR, a exemplo do Programa de Fortalecimento Étnico e o Maranhão Quilombola. Buscamos o fortalecimento da parceria com o poder público municipal e o apoio de todos”, afirmou Gerson Pinheiro em nota publicada pela secretaria.

Após mais de uma década de morosidade no processo de titulação e demarcação do território da Comunidade Quilombola Lago do Coco, uma vitória para as famílias da comunidade foi anunciada no início de 2022. A Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) determinou, em março de 2022, o prazo de 180 dias, a contar da entrega do Relatório RTID, para o Incra concluir a demarcação do território.

Segundo publicação no site da Procuradoria Regional da República da 1ª Região, divulgada no Combate Racismo Ambiental (23/03/2022), o relator do processo, desembargador federal Souza Prudente, reconheceu que:

A omissão do poder público, cristalizada pela inércia do Incra quanto à prática dos atos administrativos necessários à efetiva conclusão do procedimento administrativo (…) afronta o exercício pleno desse direito, bem assim, a garantia fundamental da razoável duração do processo, com os meios que garantam a celeridade de sua tramitação, no âmbito judicial e administrativo”.

Cabe ressaltar que o MPF pleiteou a reforma da decisão da primeira instância, que negou pedido para a finalização do processo administrativo de titulação do território, deferindo apenas o prazo para a conclusão do RTID.

O MPF alegou que “a falta de titulação impede a aplicação de uma série de políticas públicas, como saúde e educação, já que condicionadas ao reconhecimento territorial, além de impedir a própria sobrevivência da comunidade”.

Portanto, o Judiciário entendeu que apenas a elaboração do RTID não seria suficiente para garantir os direitos das populações tradicionais e ainda geraria a necessidade do ingresso de nova ação judicial para garantir a continuidade do processo demarcatório, o que seria ineficiente e improdutivo. O documento de apelação do MPF, na íntegra, está disponível aqui.

Considerando que o processo administrativo de titulação do Território Quilombola Lago do Coco havia sido iniciado há mais de uma década, e que não havia previsão de término, o Judiciário afirmou não existir mais justificativa para a demora, determinando multa diária de R$ 10 mil se o Incra descumprisse o prazo para a titulação da Comunidade.

A Associação Nacional dos Procuradores da República, ao destacar assuntos semanais do poder judiciário, reforçou a notícia em 25 de março de 2022, afirmando que o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF 1) foi favorável aos argumentos do procurador regional da República, Felício Pontes Júnior, determinando que o Incra conclua o processo em 180 dias, contados a partir da entrega do RTID. O documento do acórdão está acessível aqui.

 

 

Cronologia

Décadas de 1970/1980 – Famílias da Comunidade Remanescente de Quilombo de Lago de Coco enfrentam ameaças em seu território.

Década de 1980 – Homens armados invadem uma das comunidades de Lago do Coco, sequestram pessoas e dispararam armas de fogo para intimidar os moradores.

Dezembro de 2010 – Abertura do processo de reconhecimento da Comunidade Quilombola de Lago do Coco junto à Fundação Cultural Palmares (FCP) com o pedido da Certidão de Autorreconhecimento.

2010 – Abertura do procedimento administrativo junto ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), dando início ao processo de titulação do território quilombola Lago do Coco.

2011 – A Comissão Pastoral da Terra (CPT) registra no relatório Conflitos no Campo Brasil casos de conflito por terras na Comunidade Quilombola Lago do Coco.

02 de outubro de 2012 – É fundada a Associação dos Remanescentes Quilombolas do Povoado Lago do Coco, envolvendo cerca de 80 famílias da comunidade.

30 de julho de 2013 – A FCP emite a Certidão de Autorreconhecimento da Comunidade Quilombola Lagoa do Coco.

19 de setembro de 2013 – Bispo de Coroatá, Dom Sebastião Bandeira, publica carta de repúdio à violência na comunidade Lago do Coco.

Agosto de 2014 – É registrado um caso de invasão ao território quilombola: homens invadem as matas para extrair madeira de forma ilegal.

2014 – Familiares do presidente da Associação Quilombola sofrem perseguição e ameaças de latifundiários e grileiros da região.

Agosto de 2015 – A Secretaria Estadual de Direitos Humanos e Participação Popular (Sedihpop) promete proteção aos quilombolas, mas não efetua nenhuma medida prática.

Setembro de 2015 – Presidente da Associação Quilombola protocola denúncias de crimes e ameaças de morte.

11 de setembro de 2018 – Comunitários de Lago do Coco denunciam na sede da Ouvidoria de Segurança do Estado do Maranhão (SSP-MA) situações de violência no território. Ouvidoria envia ofícios para averiguar a posição de órgãos públicos sobre o caso.

31 de outubro de 2018 – Representantes da SSP-MA visitam a comunidade quilombola e prometem ações mais eficazes.

Junho de 2019 – A Associação Quilombola, por meio da Defensoria Pública do Estado do Maranhão (DPE-MA), entra com ação de reintegração de posse. A sentença considera que a Associação “não poderia pleitear direitos de posse”.

2019 – Nova ação de reintegração de posse é movida por membros da Associação em desfavor de fazendeiros e grileiros da região.

Agosto de 2019 – Surgem denúncias de novos crimes ambientais dentro do território quilombola Lago do Coco.

Outubro de 2019 – Judiciário concede liminar favorável aos comunitários de Lago do Coco e estabelece prazo de 180 dias para o Incra concluir o Relatório Técnico de Identificação e Demarcação (RTID) relativo à comunidade quilombola.

2020 – O desembargador Tadeu Duailibe determina nova reintegração de posse a favor da Comunidade Quilombola Lago do Coco, proibindo qualquer ato de extração de madeira e desmatamento na região.

25 de fevereiro de 2021 – O presidente da Associação Quilombola protocola nova denúncia junto à DPE-MA acerca de crimes ambientais no território.

Setembro de 2021 – A juíza Luzia Madeiro Neponucena determina inspeção judicial para verificar o conflito na região de Lago do Coco.

25 de outubro de 2021 – Representantes do Judiciário e defensoria pública fazem vistoria na comunidade.

16 de março de 2022 – Ocorre o 1º Encontro de Políticas de Igualdade Racial da cidade de Matões do Norte, e a Comunidade Quilombola de Lago do Coco recebe visita de representantes do governo municipal.

Março de 2022 – A Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) determina prazo de 180 dias, a contar da entrega do Relatório RTID, para o Incra concluir a demarcação do Território Quilombola Lago do Coco, e determina multa diária de R$ 10 mil se o Incra descumprir o prazo.

 

Fontes

A COMUNIDADE quilombola Lago do Coco recebe visita da Ouvidoria SSP-MA. Secretaria de Segurança do Maranhão. S/I. 06 nov. 2018. Disponível em: https://bit.ly/3vc8RTN. Acesso em: 28 mar. 2022.

CARTA da Diocese de Coroatá frente ao avanço da violência no campo. Comissão Pastoral da Terra. 19 set. 2013. Disponível em: https://bit.ly/37et1ES. Acesso em: 28 mar. 2022.

CONFLITOS no Campo Brasil. Comissão Pastoral da Terra. Goiânia, GO. 2011. Disponível em: https://bit.ly/3rkXjMO. Acesso em: 29 mar. 2022.

_________. Comissão Pastoral da Terra. Goiânia, GO. 2013. Disponível em: https://bit.ly/37Hwfk2. Acesso em: 29 mar. 2022.

_________. Comissão Pastoral da Terra. Goiânia, GO. 2016. Disponível em: https://bit.ly/38Ng7hB. Acesso em: 29 mar. 2022.

_________. Comissão Pastoral da Terra. Goiânia, GO. 2019. Disponível em: https://bit.ly/3vglIEH. Acesso em: 29 mar. 2022.

DIÁRIO Oficial da União. Fundação Cultural Palmares, Portaria No – 109. S/I. 30 jul. 2013. Disponível em: https://bit.ly/3jumcBy. Acesso em: 04 abr. 2022.

EM MATÕES do Norte, Secretário Gerson Pinheiro participa de encontro sobre Política de Igualdade Racial. Secretaria de Igualdade Racial, Governo do Maranhão. S/I. 16 mar. 2022. Disponível em: https://bit.ly/37hxypX. Acesso em: 07 abr. 2022.

JUS BRASIL. Processo do Tribunal de Justiça do Maranhão. S/I. Disponível em: https://bit.ly/38AKurg. Acesso em: 04 abr. 2022.

________. Processo reintegração de posse. S/I. 08 ago. 2021. Disponível em: https://bit.ly/3uCnVLG. Acesso em: 04 abr. 2022.

JUSTIÇA estabelece prazo para conclusão do processo de demarcação de território quilombola no Maranhão. Combate Racismo Ambiental. Rio de Janeiro, RJ. 23 mar. 2022. Disponível em: https://bit.ly/3uAdzf6. Acesso em: 28 mar. 2022.

LAGO do Coco. Informações gerais. Comissão Pró-Índio São Paulo. S/I. Disponível em: https://bit.ly/37CsPPz. Acesso em: 28 mar. 2022.

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