RN – Transposição do rio São Francisco é questionada por técnicos, movimentos socioambientais, religiosos, comunidades indígenas e de pescadores. Vinculação a projetos do agronegócio poderá intensificar a desertificação da região Nordeste

UF: RN

Município Atingido: Mossoró (RN)

Outros Municípios: Mossoró (RN)

População: Agricultores familiares, Pescadores artesanais, Quilombolas, Ribeirinhos

Atividades Geradoras do Conflito: Atuação de entidades governamentais, Barragens e hidrelétricas, Políticas públicas e legislação ambiental, Transposição de bacias hidrográficas

Impactos Socioambientais: Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, Desmatamento e/ou queimada, Falta / irregularidade na autorização ou licenciamento ambiental, Invasão / dano a área protegida ou unidade de conservação

Danos à Saúde: Insegurança alimentar, Piora na qualidade de vida

Síntese

O “Projeto de Integração do rio São Francisco com as Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional” designa um empreendimento do Governo Federal. Está sob a responsabilidade do Ministério da Integração Nacional e está orçado aproximadamente em R$ 4,5 bilhões. Objetiva a construção de dois canais que irão, segundo os seus formuladores, irrigar partes áridas e pouco aproveitadas economicamente da região Nordeste e semiárida do país. Estes canais irão afetar e reduzir o impacto da seca nos estados do Rio Grande do Norte, Ceará, Paraíba e Pernambuco.

Os benefícios de tal projeto vêm sendo questionados por diversos grupos sociais: de trabalhadores rurais a pescadores, de indígenas a quilombolas, de ongs e movimentos sociais e ambientais a setores da Igreja Católica. Todos eles serão afetados, de forma direta ou indireta, pela construção dos canais. O impacto ambiental sobre o semiárido parece evidente.

Em diferentes ocasiões, a oposição ao projeto viveu momentos dramáticos, tal como os 24 dias de jejum e orações do bispo de Barra (BA) Dom Luiz Cappio.

Contexto Ampliado

Com o projeto de transposição em andamento, diversos grupos e movimentos sociais começaram a se articular. Antecedentes dessa articulação remontam à década de 1980, a exemplo da Associação Prá Barca Andar, promovida por militantes sociais e ambientais, educadores e artistas, como resultado de uma viagem de barco com o intuito de mobilizar a população ribeirinha em defesa do rio e sua cultura, entre Pirapora (MG) a Xique-Xique (BA). Na década de 1990, houve a peregrinação da nascente à foz do rio, ao longo de um ano, realizada, então, por Frei Luiz Cappio, Ir. Conceição, Adriano e Orlando – uma intensa mobilização religioso-ecológica, que reanimou e religou as forças vivas e resistentes da ribeira do São Francisco.

Em 2000, houve a criação de uma comissão na Universidade Federal do Rio Grande do Norte que tinha como objetivo subsidiar o debate sobre o projeto. Em junho de 2007, foi lançado o Relatório do Banco Temático da Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA), que resgatou o percurso das mobilizações entre os anos de 2005 e 2007. Desse modo, foram destacados três eixos de atuação e discussão nas notícias, nas cartas e campanhas da Rede.

O primeiro se referiu à iniciativa do Bispo Dom Luiz Flavio Cappio, que, em setembro de 2005, em protesto contra a transposição, protagonizou uma greve de fome marcada por uma carta enviada ao presidente Lula. O desdobramento do conflito se deu com a suspensão temporária e estratégica do projeto. No entanto, as expectativas iniciais sobre a disposição governamental ao diálogo foram frustradas logo em seguida e receberam críticas dos participantes da RBJA. Foi elaborado um dossiê sobre o conflito pelos participantes da discussão. Nos relatos ficou enfatizada a divergência entre o discurso social do governo e as prioridades implícitas do projeto, destacadamente a destinação das águas para irrigação ce grandes projetos do agronegócio, boa parte deles destinada à exportação.

O segundo movimento da atuação traduz-se na crítica dos movimentos sociais sobre relatório do Banco Mundial, destacada a possibilidade de ações mais eficientes e de menor custo para garantir a distribuição de recursos hídricos na região do semi-árido.

O terceiro movimento do conflito é a intervenção dos órgãos públicos em conjunto com o Fórum Permanente em Defesa do São Francisco que consegue uma liminar, cassando a licença prévia do Ibama para o início das obras. Foram incorporados argumentos de inviabilidade do projeto em relação à legislação ambiental e outros, ancorados por dados de governos estaduais da região, sobretudo de Sergipe (quando governada por João Luiz Alves, opositor do projeto da transposição), esclarecendo não existir o déficit hídrico alardeado nas regiões a serem afetadas pela obra.

Os conflitos que envolvem o projeto de transposição do rio São Francisco iniciaram desde as primeiras discussões sobre o empreendimento. Acusações de ser um projeto “desenvolvimentista” associam-no, pela forma de imposição, falta de transparência, e megalomania com resultados muito questionáveis, ao período da ditadura militar brasileira na década de 1970. Pode-se considerar que o projeto agrega também uma série de impasses e posições políticas que têm caracterizado o governo Lula.

Em termos mais técnicos, porém, igualmente envolvendo a dimensão política, a transposição do rio São Francisco deverá causar efeitos nefastos, como o do prosseguimento de processos de concentração fundiária e da desertificação em curso no Nordeste brasileiro. Pesquisas realizadas por engenheiros agrícolas da Universidade Federal de Campina Grande sugerem que os solos do semiárido tiveram gradativa perda de fertilidade desde a década de 1960. O uso equivocado dos solos poderá forçar a aceleração deste processo, na medida em que o projeto se propõe a tornar mais férteis e de uso mais intensivo os solos no entorno dos canais a serem criados.

Documentos de 2006 indicaram a intenção do governo federal retomar o projeto da transposição do São Francisco. Atos e acampamentos de movimentos sociais contra transposição marcariam o período pós-eleitoral, mas sem a mobilização efetiva das entidades envolvidas.

No caso do Rio Grande do Norte, há posições similares à do engenheiro agrônomo João Suassuna, da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), que afirma que o Estado já apresenta reservas hídricas disponíveis e acessíveis nos próximos 20 anos. Além disso, há muita contrariedade por parte dos grupos sociais que terão de ser realocados para outros locais, distantes de suas terras tradicionais de uso e produção econômica. Muitos povos indígenas de região serão afetados diretamente pelo projeto e deverão ser realocados para outras áreas, o que tem provocado mobilização e antagonismo diante da perspectiva da transposição. Uma das críticas ao projeto envolve igualmente as possíveis formas de concentração fundiária, fortalecendo projetos agroindustriais, ao invés de melhorar as condições de vida das populações tradicionais que vivem na atual área de influência do rio São Francisco.

A relação deste projeto com o comprometimento à saúde da população agrega várias comunidades afetadas por empresas já instaladas na região e que se vêem ameaçadas pela danosa instalação de outros projetos, como hidrelétricas, bem como a fragilidade da legislação ambiental para quem vive da pesca artesanal.

A este respeito, pescadores artesanais vêm questionando a portaria Ibama nº 18, de 11 de junho de 2008, que estabelece normas para a pesca no Rio São Francisco – particularmente em relação à proibição da pesca do Pirá, que segundo as associações de pescadores não estaria em extinção nas região do Alto Médio São Francisco, sendo uma importante fonte de alimento e renda para os pescadores.

Em dezembro de 2008, pescadores passaram a se manifestar contrariamente à transposição em razão dos riscos associados à saúde das populações tradicionais.

Em fevereiro de 2008, foi organizada a Conferência dos Povos do Rio São Francisco e do Semiárido, também intitulada Irradiando Esperança. Em maio de 2009, o bispo Dom Luiz Cappio e povos indígenas voltaram a lançar campanha em defesa do rio São Francisco.

Um conjunto de ações que incluem relatórios, mobilizações e petição popular, pretende pressionar o Supremo Tribunal Federal a julgar ações judiciais pendentes contra o projeto de Transposição das Águas do Rio São Francisco, em especial a que trata das terras indígenas afetadas. Dentro das reivindicações está também a realização de Audiências Públicas democráticas, para garantir o direito de participação popular na formulação e implementação das políticas do governo federal na bacia do São Francisco.

Última atualização em: 05 de dezembro de 2009

Fontes

Articulação Popular São Francisco Vivo LINK

Banco Temático da Rede Brasileira de Justiça Ambiental. LINK

CONFERÊNCIA DOS POVOS DO RIO SÃO FRANCISCO E DO SEMI-ÁRIDO – I, com o tema IRRADIANDO ESPERANÇA

CPT D. Cappio e povos indígenas lançam campanha em defesa do rio São Francisco. Disponível em LINK

Grupo de Combate ao Racismo Ambiental. Disponível em LINK

Jonas Duarte. Transposição do S. Francisco ilude populações do semi-árido. Disponível em (LINK)

Lista de Discussão da Rede Brasileira de Justiça Ambiental.
Ribeiro, Tereza, Pacheco, Tânia. Mapa Mapa de conflitos causados por Racismo Ambiental no Brasil

Marina dos Santos, Direção Nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST); Roberto Malvezzi, Assessor da Comissão Pastoral da Terra Nacional (CPT); Temístocles Marcelos, Coordenador da Comissão Nacional do Meio Ambiente e da Executiva Nacional da Central Única dos Trabalhadores (CUT):
Na Guerra da Transposição não há inocentes – O sertão pede a verdade

Portaria Ibama nº 18/2008. LINK

Relatório do Banco temático da Rede Brasileira de Justiça Ambiental. Disponível em LINK

Suassuna, João- TRANSPOSIÇÃO DO SÃO FRANCISCO NO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE: a água irá chegar em locais onde ela já é abundante.
Disponível em – LINK

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