RJ – Pescadores lutam para garantir sua subsistência

UF: RJ

Município Atingido: Rio de Janeiro (RJ)

Outros Municípios: Araruama (RJ), Armação dos Búzios (RJ), Arraial do Cabo (RJ), Cabo Frio (RJ), Campos dos Goytacazes (RJ), Carapebus (RJ), Casimiro de Abreu (RJ), Conceição de Macabu (RJ), Macaé (RJ), Quissamã (RJ), São Francisco de Itabapoana (RJ), São João da Barra (RJ), Saquarema (RJ)

População: Caiçaras, Comunidades urbanas, Marisqueiras, Moradores em periferias, ocupações e favelas, Pescadores artesanais

Atividades Geradoras do Conflito: Atuação de entidades governamentais, Indústria química e petroquímica, Petróleo e gás – exploração, Petróleo e gás – refino, Petróleo e gás – transporte, Políticas públicas e legislação ambiental

Impactos Socioambientais: Desmatamento e/ou queimada, Erosão do solo, Falta / irregularidade na autorização ou licenciamento ambiental, Invasão / dano a área protegida ou unidade de conservação, Poluição atmosférica, Poluição de recurso hídrico, Poluição do solo, Poluição sonora

Danos à Saúde: Acidentes, Insegurança alimentar, Piora na qualidade de vida

Síntese

A bacia de Campos é uma área sedimentar de cerca de 100 mil quilômetros quadrados que se estende do Espírito Santo ao litoral norte do Estado do Rio de Janeiro, e cuja origem geológica remonta a processos de erosão das rochas da Serra do Mar. As condições geológicas de formação dessa bacia proporcionaram o acúmulo de grandes quantidades de petróleo em sua plataforma continental. Atualmente, a bacia de Campos conta com 38 campos off-shore em operação, nos quais são operados 1814 poços de óleo e gás através de 37 plataformas fixas e móveis de produção, que se interligam através de 3900 quilômetros de dutos submarinos.

Segundo Juliana Silva* e colaboradores, cerca de 40% da energia consumida no Brasil é proveniente do petróleo e seus derivados. Dados do Ministério de Minas e Energia comprovam que cerca de 40% da energia consumida pela sociedade brasileira é utilizada pela indústria, 26% pelo setor de transportes, 11% nas residências e menos de 5% nos setores comercial e público. Até 1997, a Petrobras possuía o monopólio da exploração petrolífera brasileira, o que colocava a empresa como maior fornecedora de insumos energéticos do país. Desde 1974, a empresa retira da bacia de Campos aproximadamente 85% do petróleo produzido no país. Com o fim do monopólio estatal, em 1997, diversas companhias brasileiras e estrangeiras se instalaram na região, catalisando um já caótico e desigual processo de crescimento econômico e demográfico.

Nesse cenário, destaca-se o município de Macaé como o “epicentro da maior província petrolífera do Brasil”, caracterizado pela presença de um “robusto aglomerado de empresas especializadas em atividades petrolíferas off-shore e como base das operações de produção de petróleo e gás da bacia de Campos”.

Silva afirma, ainda, que o atual modelo de exploração petrolífera “leva a um aquecimento da economia regional, traduzido em aumentos nas rendas municipais e benefícios diversos à sociedade como, por exemplo, a geração de empregos, impacto mencionado em todos os municípios. Entretanto, as estruturas econômicas e sociais evidenciam que não houve correspondência entre o visível crescimento econômico e o desenvolvimento nessa região, mostrando que dispor de recursos para investir não é condição suficiente para melhorar a situação da população, como o desenvolvimento de políticas públicas que garantam água potável, saneamento básico e atendimento médico para todos e todas as crianças na escola”.

A precariedade das condições de vida da população pobre gera situações de risco químico, agravos à saúde decorrente das péssimas instalações sanitárias, degradação ambiental e poluição. Além disso, a administração municipal é apontada por vários autores como um importante ator social na geração das chamadas situações de injustiças ambientais verificadas nos principais pólos regionais da bacia.

Outrora uma das principais atividades econômicas do norte fluminense, a pesca tem sido extremamente prejudicada pelo avanço da indústria petrolífera sobre a bacia de Campos. Diante daquilo que alguns pesquisadores chamam de “loteamento do mar”, os pesquisadores se veem cada vez mais pressionados pela expansão de áreas de exclusão de pesca, além do afastamento de cardumes pelas atividades de prospecção, a degradação de ecossistemas estuarinos e manguezais pela poluição hídrica, sobre-exploração e salinização do rio Macaé, tráfego descontrolado de embarcações, destruição de equipamentos, invasão de espécies “alienígenas” trazidas nas águas de lastro de navios internacionais e o descaso, tanto das empresas responsáveis quanto dos órgãos ambientais e agências reguladoras, teoricamente criados para fiscalizar os empreendedores.

Contexto Ampliado

Segundo dados do anuário estatístico 2009 da Agência Nacional do Petróleo (ANP), a bacia de Campos é hoje responsável por 85, 11% da produção petrolífera brasileira, gerando algo em torno de 90 milhões de m³ de óleo anualmente. Com o fim do monopólio da Petrobras, em 1997, ela passou a ser explorada por diversas companhias nacionais e internacionais, entre elas: Anadarko, Devon, Ecopetrol óleo e Gás, EnCana, Hydro Brasil, Inpex, Maersk, OGX, Petrogal Brasil, Repsol YPF, Shell, SK Brasil, Sonagol P&P, Staoil, Starfish e Total E&P Brasil.

Essa mudança no marco regulatório brasileiro permitiu a ampliação da exploração petrolífera brasileira. Segundo dados da ANP, em 1999, o Brasil produzia 1, 1 milhão de barris de óleo por dia (cerca de 400 milhões de barris/ano); em 2008, esse número chegou a 1, 82 milhões de barris diários (cerca de 663 milhões de barris/ano). A produção de gás natural saltou de pouco mais de 11 bilhões de m³, em 1999, para cerca de 21 bilhões de m³, em 2008, um aumento da ordem de 65 e 82%, respectivamente, em menos de uma década. Isso gerou um aumento de mais de 1000% no pagamento de royalties para a União, estados e municípios beneficiários – além de pagamento ao fundo especial -, saltando de cerca de R$ 980 milhões em 1999 para mais de R$ 10 bilhões em 2008.

Cidades do norte fluminense, como Macaé e Campos dos Goytacazes, foram as principais beneficiárias dos recursos advindos do pagamento de royalties e impostos. Segundo Silva e Brito, a partir de dados do IBGE, o PIB do município de Macaé cresceu 260% entre 1999-2003, contra um valor de 14% para o conjunto do estado do Rio de Janeiro. No mesmo período, o PIB industrial de Macaé cresceu 309% contra 47% do PIB industrial fluminense.

Esses dados contrastam enormemente com o quadro apresentado pelo cientista social Leonardo Silva a respeito da economia macaense até 1977 (ano do início da exploração petrolífera no Campo de Enxova pela Petrobras). De acordo com ele, até então Macaé era uma típica cidade do interior fluminense, vivendo basicamente da pesca e de um ainda incipiente setor turístico. Nas palavras do pesquisador: “A exploração do potencial turístico da cidade se dava de maneira pouco eficiente e planejada, dentro da realidade do município, que não dispunha de grandes investimentos na área”.

Silva também destaca que, a partir da década de 1980, a cidade presencia um rápido processo de urbanização e crescimento. A abertura de novos postos de trabalho nas empresas que se instalaram no município, gravitando em torno da Petrobras, atraíram milhares de pessoas, provocando a valorização das áreas centrais e o inchaço das áreas periféricas, reorganizando o espaço urbano. Segundo Silva, dados do IBGE apontam que, em 20 anos, a população de Macaé saltou de aproximadamente 75.000 habitantes, em 1980, para cerca de 130.000, em 2000. Isso representa uma taxa de crescimento de 74, 6%, num período em que a média estadual não passou de 27%.

O aumento da arrecadação e das oportunidades de empregos em Macaé e Campos potencializam o papel dessas cidades como pólos regionais, alterando a dinâmica demográfica, econômica e sociopolítica, não só destes municípios, bem como dos municípios próximos. Muitos destes acabam se tornando cidades-dormitórios de trabalhadores que passam a se deslocar diariamente para essas cidades a fim de ocuparem vagas geradas no mercado formal e informal, notadamente, após a instalação de novas companhias petrolíferas pós-1999 (ano que marca o início da exploração de novos campos pelas empresas vencedoras de diversas rodadas licitatórias ocorridas após o fim do monopólio da Petrobras).

Jayme Barral Neto e colaboradores, em trabalho apresentado no II Congresso Nacional de Excelência em Gestão, destacam que as dinâmicas econômicas verificadas nesses municípios não se traduzem necessariamente em mudanças na estrutura sociopolítica pré-existente. Segundo os pesquisadores: “Novos desdobramentos espaciais, econômicos e sociais têm ocorrido na região, ao mesmo tempo em que algumas realidades anteriores são reiteradas”.

Corroborando parte da tese defendida por Silva, Barral Neto et AL, afirmam que o norte fluminense pode ser caracterizado pela “existência de centros muito pequenos que pouco colaboram na produção de riqueza da região e de centros médios que drenam a maior parte da renda regional, engendrando uma forte desigualdade intra-regional”. Isto acaba criando o que os pesquisadores chamam de “enclaves petrolíferos” nas sedes dos pólos regionais, além de poucos efeitos positivos para os municípios vizinhos.

A concentração espacial das empresas em determinadas áreas de Macaé aumenta a demanda por terrenos em alguns locais, incentivando um intenso processo de especulação imobiliária e de inflacionamento do solo urbano. Do ponto de vista ambiental, isso resulta na “incorporação cada vez mais agressiva de novos espaços”, resultando em “ocupações intensivas em áreas antes florestadas, na modificação da forma do relevo e mesmo na pura e simples poluição dos recursos hídricos e dos solos”.

Enquanto na sede de Macaé a especulação imobiliária propiciou a ocupação de terrenos altamente valorizados – muitas vezes, sem a infraestrutura adequada, mas próximos o suficiente das áreas de produção, refino e gestão -, na periferia, a ocupação se deu em terrenos desvalorizados, contando com serviços públicos e infraestrutura extremamente precários, redundando em processos de favelização e ocupação ilegal.

O aumento da população de baixa renda nesses locais exerce forte pressão sobre o poder público municipal, que vê aumentar a demanda por transporte, infraestrutura de saúde, educação, saneamento básico e segurança. Enquanto isso não ocorre, os impactos são inúmeros para os ecossistemas costeiros, como lançamentos de esgoto in natura em corpos d”água, a destinação final inadequada de resíduos sólidos, o aterro de manguezais e lagoas, a ocupação de áreas de preservação permanente e desmatamento.

Porém, o lado mais perverso dessa dinâmica é que o atendimento dessas demandas implica na valorização dos terrenos e imóveis, o que muitas vezes acaba por expulsar a fração mais pobre da população desses bairros, que passam a não poder mais pagar os preços cobrados pelos alugueis.

Para Juliana Silva e colaboradores, esse fato se dá pela aquisição de terras onde se localizavam suas casas por custos relativamente baixos, pela valorização da área e consequente aumento na cobrança de impostos, levando-os a procurarem outro local para residirem. Não se restringindo às áreas periféricas, Silva destaca que o mesmo ocorre entre as comunidades tradicionais de pescadores da beira-mar.

Esses mesmos pesquisadores afirmam que o crescimento urbano desordenado e a concentração populacional em determinadas áreas do município “acontece sem se levar em conta um planejamento urbano que garanta o acesso da população a serviços básicos e a proteção de áreas de preservação permanente, como restingas, manguezais, encostas e margens de rios e lagoas, levando a saúde pública a se tornar um problema ambiental. Além disso, o crescimento das populações em aglomerados urbanos aumenta exponencialmente a demanda por matéria e energia, e altera as relações espaço-temporais dos ciclos biogeoquímicos, uma manifestação dos efeitos do aumento da entropia”.

Diferente de Barral et al, a equipe de pesquisadores encabeçada por Silva expande os impactos desse processo para além da especulação imobiliária, favelização, crescimento urbano desordenado e os problemas ambientais a eles relacionados. A perda da identidade cultural, aumento dos índices de violência, criminalidade, prostituição, tráfico de drogas, poluição sonora, custo de vida, desigualdade social e risco de vida também aparecem como consequência da falta de planejamento público e da pressão do mercado sobre o território.

As conclusões dessas pesquisas parecem corroborar a constatação feita pela equipe coordenada pelo professor Claudio Paiva, do Departamento de Economia da Universidade Estadual Paulista (Unesp), de que “os royalties do petróleo não têm sido suficientes para melhorar a qualidade de vida da população nos principais municípios produtores”.

Analisando os gastos de Campos e Macaé com a saúde de sua população, a equipe de Paiva concluiu que “o município de Campos gastou R$ 18 milhões em convênios com quatro hospitais da cidade, mas que o número de internações manteve-se o mesmo no período”. O mesmo ocorreria em outros setores básicos, como a habitação.

Em entrevista concedida à repórter Fabrícia Peixoto, da BBC Brasil, em março de 2010, Paiva afirmava que não existe uma política deliberada de aplicação dos royalties. Como os municípios não têm qualquer forma de planejamento, esse dinheiro vai para o ralo”, o que resultaria da falta de mecanismos de controle dos gastos públicos. Para Paiva: “Por não ter um controle social adequado, um marco regulatório, o dinheiro dos royalties, na verdade, trouxe com ele a corrupção. Essa é questão-chave. Isso não quer dizer que tenhamos de tirar os recursos desses municípios. Temos é que ter um controle forte sobre esses recursos”.

O mesmo tipo de crítica foi feito pelos participantes da III Feira de Responsabilidade Empresarial e Social, realizada em Macaé em maio deste ano. Por ocasião da abertura do evento, o professor da UFF, poeta e ambientalista, Arthur Sofiatti, cobrou “transparência na aplicação dos royalties de petróleo” e discursou sobre “a necessidade da mudança de uma economia tradicional, baseada no estímulo ao consumo, para uma economia sustentável, que considera as questões ambientais e sociais para uma sociedade mais justa e igualitária”.

Já o escritor, ambientalista e diretor da Rede Brasileira de Informação Ambiental (Rebia), Vilmar Berna, lembrou a consternação internacional, naquele mesmo mês, diante do grave acidente ambiental ocorrido nas águas do Golfo do México – nas operações em águas profundas da British Petroleum (BP), quando mais de 70 mil litros de óleo vazaram a 1, 5 mil metros -, e questionou se a região tem como combater um vazamento em um poço profundo.

Esse tipo de paralelo se torna relevante quando se tem em mente que a aceleração na produção na bacia de Campos não tem sido acompanhada, na mesma proporção, de cuidados com a segurança ambiental das operações. Por exemplo, em 2004, um afloramento de óleo no campo de Marlin Sul, a 160 quilômetros da costa de Macaé, demorou mais de 30 dias para ser debelado. Segundo dados do IBAMA, numa rocha próxima ao poço MLS 107, surgiu um afloramento que despejou de 20 a 600 litros por dia no mar, gerando uma mancha de até 10 km quadrados.

Na época, o diretor de fiscalização do IBAMA, Diogo Chevalier, chegou a admitir que o afloramento pudesse ter relação com o processo de extração, mas que o órgão não possuía meios para realizar uma vistoria independente – dadas as especificidades da exploração em águas profundas -, e dependia dos dados fornecidos pela Petrobras (detentora do poço) para acompanhar o desenvolvimento e determinar as origens do óleo.

Ainda naquela época, o então deputado Carlos Minc utilizou a imprensa para demonstrar preocupação com o fato de o afloramento demorar tanto tempo para ser controlado. Esse episódio demonstra o despreparo dos órgãos ambientais para fiscalizar este tipo de atividade e a ineficácia das medidas de controle realizadas pelas empresas petrolíferas.

Diante dos graves impactos ambientais verificados na costa norte-americana, e tendo como referência episódios como este, traçar um paralelo, entre os impactos ocorridos por lá e os riscos que cada vez mais a população norte fluminense corre por aqui, é inevitável. Principalmente, quando se sabe que a BP prepara-se para atuar também na bacia de Campos após ter adquirido poços da Devon (EUA), inclusive pretendendo se habilitar para explorar as novas reservas descobertas na camada pré-sal.

Não é sem motivo que entidades ambientalistas fluminenses, como a Associação Macaense de Defesa Ambiental (AMDA) e a Assembleia Permanente de Entidades em Defesa do Meio Ambiente do Estado do Rio de Janeiro (APEDEMA-RJ), visualizam na indústria petrolífera o principal adversário na luta em prol da preservação dos ecossistemas marinhos e em defesa dos direitos coletivos da população do norte fluminense.

Segundo os pesquisadores Luiz Felipe Cozzolino e Marta Irving, uma das maiores conquistas das entidades ambientalistas da região foi o impedimento da construção de uma monobóia para transferência de óleo e de um terminal de petróleo no arquipélago de Santana, posteriormente transformado em parque municipal marinho.

Contudo, se o meio ambiente encontra grandes defensores, o mesmo não se pode dizer a respeito das populações tradicionais da região; em especial, as comunidades de pescadores artesanais. Os trabalhadores de baixa renda são os principais afetados pelo crescimento urbano desordenado, pela falta de planejamento e especulação imobiliária, enquanto os pescadores estão na linha de frente quanto aos impactos negativos da exploração petrolífera sobre os ecossistemas marinhos.

Dependentes do mar para sua subsistência, essas famílias se veem ameaçadas quando os cardumes se afastam devido a testes sísmicos de prospecção de petróleo e gás, quando são estabelecidas áreas de exclusão para a pesca justamente nos locais de melhor pesqueiro ou quando os dejetos dos navios, plataformas e vazamentos de óleo poluem o mar e provocam a extinção de diversas espécies.

Oswaldo Sevá Filho, engenheiro, pesquisador e professor da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), destaca em recente comunicação que “fica evidente que, tanto na fase de obras de construção, como na fase de operação, a indústria e suas embarcações, numerosas e de tipos variados, provocam uma grande movimentação na superfície do mar e na costa, colocam grande quantidade de peças e equipamentos no fundo do mar, usam água doce dos rios próximos e também água salgada, despejam efluentes em grande volume e nem sempre devidamente tratados, são fontes de muito ruído, incessante, além de permanecerem iluminadas durante a noite. Todos esses são fatores de grande influência negativa nas condições pesqueiras da área e nas condições de vida das populações vizinhas e usuárias das mesmas áreas”.

Sevá faz ainda uma completa descrição de como as diversas fases da exploração petrolífera impactam o meio ambiente, a qual consideramos relevante citar abaixo:

“Os navios de prospecção têm canhões de ar comprimido da popa, dirigidos para o fundo do mar, e lançam cabos com sensores, cujos trajetos varrem numerosas vezes as áreas-alvo, que são os polígonos licitados pela Agência Nacional do Petróleo e arrematados pelas empresas petrolíferas.

Caso se decida perfurar, entram em campo os navios-sonda, que furam o solo utilizando como lubrificante uma lama de argila com aditivos químicos, e jogando ao mar quase todo o cascalho retirado da perfuração. E caso sejam considerados aptos, os poços são completados com tubos metálicos e cimento; nessas etapas, sobem bolhas de gás (“kicks”) ou grandes erupções de gás (“Blow outs”) que golpeiam as linhas de tubos e, às vezes, as próprias embarcações, podendo romper os dutos no meio do caminho, ou chegar até o convés, provocando vazamentos e incêndios. A parte final de cada poço, a mais funda, deve ser objeto de pequenas demolições, feitas por meio de tiros de canhão para abrir espaços ocos nas rochas e forçar o fluxo do óleo.

Para produzir e coletar as matérias-primas, os poços são equipados com válvulas no piso do mar (“árvores de Natal”), várias delas interligadas por tubos rígidos e flexíveis, e intermediadas por outros conjuntos ainda maiores de válvulas (“manifolds”). Partindo de algumas dessas plataformas, saem dutos submarinos de óleo e de gás, lançados por navios especiais (“pipe layers”), que vão até o continente e são encaminhados em dutos terrestres às refinarias e às unidades de processamento de gás natural (UPGN).

Nos terminais petrolíferos que sempre incluem grandes parques de tancagem para armazenamento, prossegue a tarefa de separar do petróleo a água de formação, o que significa descartá-la no mar, com ou sem o devido tratamento. Sabendo-se que os navios-tanque, quando vazios, devem ser preenchidos com água “de lastro” para favorecer sua flutuação equilibrada, dois problemas ambientais adicionais aparecem: quando esvaziam seus tanques nos terminais, devem captar água doce por ali mesmo para formar lastro; e quando vão encher com petróleo nas monobóias, ou com derivados nos terminais de exportação, devem soltar ali mesmo seu lastro contaminado.

Cada plataforma tem que ser abastecida regularmente por meio de navios-rebocadores, com materiais vindos da terra, inclusive água potável extraída de algum rio próximo das bases terrestres do “off-shore”. Cada uma delas despeja no mar seus restos de comida e os dejetos humanos de sua tripulação, mas deve despachar suas sucatas e resíduos sólidos para o continente por meio desses rebocadores.

Nas plataformas e navios de produção, o óleo cru é separado do cascalho. Uma grande parte da água de formação do petróleo coexiste com ele dentro da rocha desde os tempos geológicos da sua formação – uma espécie de salmoura cheia de compostos químicos. Ambos, cascalho e água, são descartados no mar, bem como eventuais vazamentos das tubulações ou decorrentes de acidentes”.

A esses impactos inerentes à atividade econômica se somam outros advindos da imprudência, imperícia ou descaso das companhias petrolíferas ou das empresas que prestam os mais diversos serviços para estas, como empresas de “catering” (alimentação a bordo), de equipamentos de proteção e segurança industrial, de navios especializados em colocação de dutos no mar (“Pipe-layers”), de navios de equipes de mergulho profundo, empresas especializadas em robótica submarina, guindastes, gruas, ancoras, tubos, vasos metálicos e contêineres (inclusive os velhos, sucateados).

Um exemplo dos impactos ambientais indiretos na zona costeira é a salinização dos estuários próximos ao rio Macaé e a destruição de áreas de manguezal – importantes áreas de reprodução marinha – pelo uso descontrolado de sua água doce pela Petrobras e outras. De acordo com Sevá, isso resultaria em uma “demanda adicional”, a qual se traduz na “transposição de uma vazão de mais de centenas de litros/segundo diretamente para o alto-mar” antes de o rio chegar a sua foz.

Segundo ele: “Essa vazão d’água, subtraída antes do rio Macaé, chegar à sua foz permite que a cunha salina e as marés avancem progressivamente rio adentro, prejudicando o manguezal estuarino e sua fauna”, além da pesca artesanal e da mariscagem realizadas próximas a esse local, especialmente na Praia do Pontal.

O avanço da prospecção sísmica sobre pisos mais rasos, mais próximos da costa, também contribui para inviabilizar a atividade pesqueira, já que cria novas áreas de exclusão à pesca, além de espantar os cardumes durante a atividade. A pesca em pisos marinhos exige o uso de equipamentos e uma infraestrutura logística que a maioria dos pescadores artesanais da região não possui, o que significa que estão ficando cada vez mais sem alternativas.

Mesmo aqueles melhor equipados ainda precisam lidar com o intenso trânsito de embarcações nas áreas de pesca, o risco de destruição dos equipamentos por condutores imprudentes, de acidentes e o paradoxal fenômeno da migração de vários cardumes justamente para as áreas de exploração.

Isso porque “muitas das plataformas fixas foram colocadas sobre pisos cascalhados, preferidos por vários tipos de cardumes em suas rotas migratórias, e mesmo nas semi-submersíveis, que têm parte de sua estrutura dentro da água; e os cardumes de peixes são atraídos pelas plataformas, pois além dos dejetos e dos restos orgânicos usualmente despejados, e da forte iluminação durante a noite, agrupam-se nas estruturas algas e plantas marinhas, desenvolvem-se colônias de cracas, ostras, e com isso as partes submersas desses edifícios metálicos tornam-se viveiros de peixes menores, que atraem os maiores e assim por diante”.

Diante da redução dos cardumes próximos à costa – e impedidos de se aproximar das melhores áreas de pesca em alto-mar -, cerca de 15 mil pessoas em Macaé (entre pescadores, marisqueiras, descascadeiras de camarões ou escarneadeiras de caranguejos e siris) veem diariamente seu meio de vida ser inviabilizado por atividades econômicas para as quais não possuem as qualificações necessárias para se empregar.

O que significa que, enquanto uma das principais fontes de renda no município definha, milhares de pessoas são confrontadas com um nível de pobreza e miséria não visto no passado. O paradoxo da exploração petrolífera na bacia de Campos é trazer miséria e pobreza em meio a uma abundância de recursos jamais vista em toda a história da região.

Não é por outro motivo que entidades como a Federação de Pescadores do Rio de Janeiro (FEPERJ) vêm lutando, inclusive através da via judicial, para sensibilizar a ANP e os órgãos ambientais a mudarem as regras de licenciamento ambiental de diversas atividades ligadas à exploração petrolífera, especialmente as operações de prospecção, na tentativa de reverter um quadro extremamente desfavorável para os pescadores artesanais e todos aqueles que tiram seu sustento do mar.

Cronologia

1974: Início das operações da Petrobrás em Macaé.

1977: Início da exploração petrolífera na bacia de Campos.

1997: Quebra do monopólio da Petrobrás sobre a exploração da bacia de Campos. Início da atuação de grupos internacionais. Colônia de pescadores da região denuncia a redução dos estoques pesqueiros devido à  ação de navios de prospecção.

Dezembro de 2002: FEPERJ consegue, na justiça federal, liminar com tutela antecipada suspendendo a Licença de Operação das empresas de prospecção PSG, CGG e Veritas. Liminar também condenava União e IBAMA a pagarem multas diárias em caso de descumprimento da decisão.

Dezembro de 2004: Ocorre vazamento de óleo junto ao poço MLS 107 da Petrobrás no campo Marlin Sul, a 160 km de Macaé.

Cronologia

1974: Início das operações da Petrobrás em Macaé.

1977: Início da exploração petrolífera na bacia de Campos.

1997: Quebra do monopólio da Petrobrás sobre a exploração da bacia de Campos. Início da atuação de grupos internacionais. Colônia de pescadores da região denuncia a redução dos estoques pesqueiros devido à ação de navios de prospecção.

Dezembro de 2002: FEPERJ consegue, na justiça federal, liminar com tutela antecipada suspendendo a Licença de Operação das empresas de prospecção PSG, CGG e Veritas. Liminar também condenava União e IBAMA a pagarem multas diárias em caso de descumprimento da decisão.

Dezembro de 2004: Ocorre vazamento de óleo junto ao poço MLS 107 da Petrobrás no campo Marlin Sul, a 160 km de Macaé.

Fontes

AGêNCIA NACIONAL DO PETRóLEO. Tabela 2.8 – Produção de petróleo, por corrente, segundo Bacia Sedimentar e Unidades da Federaçâo – 2008. Anuário estatístico 2009. Disponível em: http://www.anp.gov.br/?dw=3653. Acesso em: 24 maio 2010.

______. Quadro 2.1 – Blocos na fase de exploraçâo em 31/12/2008. Anuário estatístico 2009. Disponível em: ANP. Acesso em: 24 maio 2010.

______. Gráfico 2.5 – Evoluçâo da produçâo de petróleo, por localizaçâo (terra e mar) 1999-2008. Anuário estatístico 2009. Disponível em: http://www.anp.gov.br/?dw=3575. Acesso em: 24 maio 2010.

______. Gráfico 2.6 – Evoluçâo da produçâo de gás natural, por localizaçâo (terra e mar) 1999-2008. Anuário estatístico 2009. Disponível em: http://www.anp.gov.br/?dw=3576. Acesso em: 24 maio 2010.

______. Gráfico 2.7 – Evoluçâo da distribuiçâo de royalties sobre a produçâo de petróleo e de gás natural, segundo beneficiários – 1999-2008. Anuário estatístico 2009. Disponível em: http://www.anp.gov.br/?dw=3577. Acesso em: 24 maio 2010.

AMORA, Dimmi. Petróleo vaza no fundo do mar em Macaé. O Globo, Rio de Janeiro, 15 dez. 2004. Disponível em: Rios Vivos. Acesso em: 24 maio 2010.

BARRAL NETO, Jayme Freitas; DIAS, Robson S e SILVA NETO, Romeu. Desafios para o desenvolvimento sustentável numa regiâo produtora de petróleo: Estudo de caso no município de Macaé/RJ. In: Congresso Nacional de Excelência em Gestâo, 2, Niterói, 2006. Anais. Disponível em: scribd. Acesso em: 24 maio 2010.

COZZOLINO, Luiz Felipe F e IRVING, Marta de A. A APA do Sana (Macaé, RJ) na perspectiva da populaçâo local. In: Encontro de Educaçâo Ambiental do Estado do Rio de Janeiro, 7, set. 2004. Anais. Rio de Janeiro: UERJ, 2004. Disponível em: REARJ. Acesso em: 24 maio 2010.

ENNE, Erika. Palestra aborda os impactos sociais e ambientais da exploraçâo do petróleo. Correio da BR, Casimiro de Abreu. Disponível em: http://www.correiodabr.com.br/noticia-755. Acesso em: 24 maio 2010.

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*SILVA, Juliana M. C. et al. Impactos Ambientais da Exploraçâo e Produçâo de Petróleo na Bacia de Campos, RJ. In: Encontro Nacional da Associaçâo Nacional de Pós-Graduaçâo e Pesquisa em Amebiente e Sociedade, 4, Brasília, 4 a 6 jun. 2008. Papers. Disponivel em: Projeto Polen. Acesso em: 24 maio 2010.

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