MT – Trabalho análogo às condições da escravidão campeia no Mato Grosso – até empresa de ex-presidente dos Estados Unidos foi flagrada submetendo trabalhadores a condições degradantes

UF: MT

Município Atingido: Vera (MT)

Outros Municípios: Alta Floresta (MT), Alto Garças (MT), Alto Taquari (MT), Brasnorte (MT), Campo Alegre de Goiás (GO), Campo Novo do Parecis (MT), Campo Verde (MT), Campos de Júlio (MT), Confresa (MT), Costa Rica (MS), Dom Aquino (MT), Itiquira (MT), Jaciara (MT), Mineiros (GO), Nova Bandeirantes (MT), Nova Ubiratã (MT), Novo Mundo (MT), Novo São Joaquim (MT), Paranatinga (MT), Perolândia (GO), Poconé (MT), Primavera do Leste (MT), Querência (MT), Rondonópolis (MT), Santa Rita do Trivelato (MT), Santa Terezinha (MT), São Félix do Araguaia (MT), São José do Xingu (MT), Sorriso (MT), Tabaporã (MT), Vera (MT)

População: Agricultores familiares

Atividades Geradoras do Conflito: Madeireiras, Monoculturas

Impactos Socioambientais: Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, Poluição atmosférica, Poluição de recurso hídrico, Poluição do solo

Danos à Saúde: Acidentes, Desnutrição, Doenças não transmissíveis ou crônicas, Falta de atendimento médico, Insegurança alimentar, Piora na qualidade de vida, Suicídio, Violência – ameaça, Violência – lesão corporal

Síntese

A agricultura é hoje o principal setor da economia mato-grossense e representa aproximadamente 41% do PIB do Estado. A produção de soja e algodão se destaca entre os produtos vegetais, mas a alta produtividade é ainda baseada no uso intensivo de agrotóxicos, e no emprego de técnicas que aos poucos vão sendo apropriados também pelos produtores familiares: mecanização do plantio e da colheita, emprego de tecnologias de aprimoramento genético e de correção do solo. A participação da agricultura familiar, de acordo com o censo agropecuário de 2006, recém publicado, demonstra que, em matéria de produtividade, os estabelecimentos da agricultura familiar estão ultrapassando o chamado agronegócio no Brasil.


Mesmo ocupando 25% da área ocupada pela agropecuária nacional, os produtores familiares ocupam 75% da população que trabalha no setor – isto é, mais de 13 milhões de pessoas, enquanto a agricultura não familiar ocupa pouco mais de quatro milhões de brasileiros. Para se ter uma ideia, para cada 100 hectares de terras exploradas pela agricultura familiar, a taxa de ocupação é de 15,3 pessoas, enquanto na agricultura não familiar a mesma área ocupa 1,7 pessoa. No caso específico do Mato Grosso, o censo identifica um total de 215 mil pessoas ocupadas na agricultura familiar, enquanto na agricultura não familiar este número é de 143 mil. Enquanto 86 mil estabelecimentos familiares ocupam cerca de 5 milhões de hectares no Mato Grosso, os 27 mil estabelecimentos não familiares ocupam quase 43 milhões de hectares. A produção de animais de grande porte, horticultura, extração vegetal e avicultura dos pequenos produtores mato-grossenses é superior à dos grandes produtores.


No campo das grandes monoculturas, entretanto, as grandes empresas vencem a produção. Este segmento recebe muito financiamento federal, embora alcance um número substantivo menor de pessoas, e comprometa mais intensamente o meio ambiente natural, as águas e force a expulsão de famílias tradicionais que poderiam estar se somando ao lado mais produtivo da agropecuária brasileira.


Apesar da utilização destas técnicas – algumas modernas, e outras nem tanto – e se configurar enquanto importante setor da economia nacional, fonte de divisas e de atração de investimentos estrangeiros e multinacionais do setor, parte do agronegócio e empreendimentos detentores de grandes extensões de terras no Mato Grosso vêm perpetuando relações anacrônicas de trabalho.


Não são raras as denúncias envolvendo as péssimas condições de vida a que são submetidos os trabalhadores assalariados do setor: alojamentos precários, falta de infra-estrutura, condições sanitárias sub-humanas, falta de equipamentos de proteção individual, contratos de trabalho incompatíveis com a legislação trabalhista nacional, não observância de direitos trabalhistas e até mesmo denúncias de trabalhadores submetidos a condições de trabalho análogas à escravidão.


Desde 1999, operações do Ministério Público do Trabalho (MPT) e do Grupo Móvel de Fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) libertaram mais de 1600 pessoas dos locais que incorriam neste crime. Somente na operação realizada pelo Grupo Móvel do MTE, nas fazendas da Destilaria Gameleira, em Confresa, em junho de 2005, 1200 trabalhadores foram libertados e tiveram seus contratos de trabalho regularizados.


O MPT tem movido ações contra proprietários das fazendas flagradas com trabalhadores submetidos a tais condições e o MTE mantém, desde 2004, a chamada "lista suja" do trabalho escravo (criada pela Portaria nº 540/2004), com os nomes de todos os empregadores que, desde então, foram processados pelo Grupo Móvel do MTE, por manterem trabalhadores em condições de trabalho análogas à escravidão. Esses produtores perdem o direito ao financiamento da safra com recursos dos bancos públicos, motivo pelo qual o Ministério tem sido obrigado periodicamente a alterar a lista em virtude de liminares concedidas pela justiça em ações judiciais movidas pelos produtores. É importante lembrar que a inclusão dos nomes dos produtores só ocorre depois de finalizado o processo administrativo contra os mesmos, nos quais lhes é facultado o direito de defesa. Até 22 de julho de 2009, data da última atualização da lista, já haviam sido incluídos os nomes de 175 produtores rurais e empresas agropecuárias.


Não são raras as doenças e mortes, decorrentes das condições degradantes e insalubres de trabalho a que esses trabalhadores rurais são submetidos. O subemprego também pode causar mortalidade por exaustão ou assassinatos promovidos por prepostos desses empregadores. Geralmente pessoas humildes, arregimentadas em outras regiões do país, esses trabalhadores rurais são mantidos cativos por dívidas contraídas já no momento da contratação e obrigações e salários que inviabilizam permanentemente o pagamento dessas dividas. A simples fiscalização e consequente libertação dos trabalhadores serão medidas paliativas do problema, caso as condições que propiciaram o aliciamento se mantenham, ensejando que o crime volte a ocorrer. Por esse motivo, algumas entidades têm proposto programas que possibilitem alternativas de trabalho e investimentos que tornem mais humanas as relações de trabalho no campo.

Contexto Ampliado

A comprovação do trabalho degradante não é exclusividade do Mato Grosso, mas o Estado ganha destaque por ser considerado o vice-campeão nacional em libertações, ficando apenas atrás do vizinho Pará. A predominância desses dois estados não é mera coincidência. Segundo estudos da Organização Internacional do Trabalho (OIT), o trabalho escravo ocorre concomitantemente com o desmatamento e a grilagem de terras, justamente nas áreas de expansão da fronteira agrícola nacional. Esses problemas estão relacionados com a forma desordenada e predatória com que tal expansão se deu no Cerrado brasileiro e continua avançando sobre o bioma Amazônia. Lucros rápidos, em detrimento da sustentabilidade ambiental e da responsabilidade social, são os objetivos dos empresários que praticam tais crimes.


No histórico recente das ações de combate ao trabalho escravo no Mato Grosso, o ano de 1999 merece destaque. Denúncias ocorridas neste ano resultaram na aplicação de multas consideráveis a produtores rurais responsáveis por processos desse tipo.


No final de 1999, três trabalhadores conseguiram fugir da fazenda Inajá, de propriedade de Gilberto Resende, localizada em São José do Xingu. Eles acusaram o fazendeiro de utilizar capangas armados para vigiar 16 trabalhadores, que chegavam a ser espancados com golpes de corrente e a levar pontapés. Segundo notícias da época, em um exame de corpo de delito realizado em uma das pessoas que fugiram, foram encontradas 29 escoriações nas costas e pescoço, entre outros ferimentos, que possuíam evolução compatível com a narrativa dos fatos e com o tempo decorrido entre a agressão e a realização do exame. Além disso, os trabalhadores não recebiam salário, não eram registrados, trabalhavam sob jornada exaustiva e não utilizavam equipamentos de proteção individual (EPIs).


Todas essas denúncias deram origem a um processo trabalhista que tramitou na Vara do Trabalho de São Félix do Araguaia até janeiro de 2007, quando o juiz do Trabalho João Humberto Cesário, condenou o réu Gilberto Resende a pagar uma multa de R$ 1 milhão ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), a título de danos morais coletivos. Todo o processo correu à revelia do réu, pois o mesmo não apresentou defesa. Não houve prisões decorrentes do processo, pois o mesmo correu exclusivamente no âmbito trabalhista, sem consequências penais.


Apesar do destaque que o caso recebeu na ocasião, e da condenação exemplar, a ação da justiça não coibiu a ocorrência de novos casos de manutenção de trabalhadores em condições similares ou ainda mais degradantes. Por esse motivo, o MTE tem realizado operações periódicas no Estado na tentativa de erradicar o trabalho escravo. A Portaria 540/2004 (complementada pela Portaria 496/2005) se tornou importante instrumento de penalização dos empregadores flagrados cometendo este crime. Em articulação com outras leis, a portaria impossibilita que o produtor rural realize o financiamento de sua safra nos bancos públicos (principais financiadores do setor agrícola nacional), desta forma comprometendo a continuidade da atividade econômica de muitos deles. Segundo a portaria 540, a retirada do nome dos produtores da lista suja está condicionada a regularização das infrações verificadas no processo administrativo, comprovada por nova auditoria realizada dois anos após a inclusão. Essas ações integram a Política Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo, instituído pelo Governo Federal em 2003. Há ainda a Proposta de Emenda Constitucional 438, que deve possibilitar a desapropriação de fazendas condenadas pela utilização de mão-de-obra escrava.


Outras instituições também têm atuado no sentido de incentivar ações de combate ao trabalho escravo no Brasil. Entre elas está o Instituto Ethos de Responsabilidade Social que, com o apóio da Organização Internacional do Trabalho, instituiu em 2005 o Pacto Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo. Assinado em maio de 2005 por mais de 80 signatários, entre eles empresas públicas e privadas como Coteminas, Carrefour, Pão de Açúcar, Wal-Mart/Bompreço, Votorantim, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal, o pacto prevê objetivos como:


– definir metas específicas para a regularização das relações de trabalho nas cadeias produtivas, o que implica na formalização das relações de emprego pelos produtores e fornecedores, no cumprimento de todas as obrigações trabalhistas e previdenciárias e em ações preventivas referentes à saúde e a segurança dos trabalhadores,


– definir restrições comerciais àquelas empresas e/ou pessoas identificadas na cadeia produtiva que se utilize de condições degradantes de trabalho, associadas a práticas que caracterizam escravidão,


– apoiar ações de reintegração social e produtiva dos trabalhadores que ainda se encontrem em relações de trabalho degradantes ou indignas, garantindo a eles oportunidades de superação da sua situação de exclusão social, em parceria com as diferentes esferas de governo e organizações sem fins lucrativos,


– apoiar ações de informação aos trabalhadores vulneráveis ao aliciamento de mão-de-obra escrava, assim como campanhas destinadas à sociedade de prevenção contra a escravidão,


– apoiar e debater propostas que subsidiem e demandem a implementação pelo Poder Público das ações previstas no Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo,


– monitorar a implementação das ações descritas acima e o alcance das metas propostas, tornando públicos os resultados deste esforço conjunto.


Caso venha a funcionar efetivamente, esse pacto pode servir como mecanismo de controle pela sociedade civil daquelas empresas que burlam a legislação em nome do lucro rápido. Sem financiamento oficial e sem compradores em potencial, essas fazendas serão obrigadas a regularizar suas atividades sob a ameaça de possível falência.


Empresas como a Destilaria Gameleira, em Confresa, teriam que rever suas práticas trabalhistas. Em junho de 2006, mais de 1.200 pessoas foram libertadas na usina Gameleira por uma operação do Grupo Móvel de Fiscalização do MTE, com apoio do Ministério Público do Trabalho e da Polícia Federal.


O nome da usina já constava na lista suja do MTE por três processos anteriores (em apenas um deles, 318 trabalhadores já haviam sido libertados) e também estava no centro de denúncias de tráfico de influência, por ocasião da intervenção do Presidente da Câmara dos Deputados Severino Cavalcanti perante a decisão de grandes distribuidores de combustíveis, como a Ipiranga e Petrobrás, de rompimento de contratos com a empresa. Segundo denúncias destes distribuidores, o próprio deputado teria ligado para seus executivos a fim de realizar consultas sobre o motivo do rompimento dos contratos. Tal pressão repercutiu negativamente na imprensa nacional.


Segundo auditores fiscais do Grupo Móvel foram constatadas na usina situações como superlotação nos alojamentos, condições insalubres nas instalações dos mesmos, com intenso mau cheiro, alimentação estragada sendo servida aos trabalhadores de forma subumana (era jogada de caminhões no chão para os trabalhadores), além da existência do sistema de escravidão por dívida. Os trabalhadores eram obrigados a comprar tudo o que necessitavam na cantina da destilaria a preços sempre acima da média de mercado e recebendo baixos salários, nunca suficientes para saldar a dívida com a empresa. Por esse sistema, capangas armados garantiam que nenhum trabalhador deixasse a fazenda sem saldar dívidas, o que dificilmente aconteceria, visto que os trabalhadores estavam sempre em débito.


Além disso, em decorrência das condições insalubres dos alojamentos e da péssima alimentação, não raros eram os episódios de diarréia e outras doenças gastrointestinais entre os trabalhadores, que ainda eram cobrados pelo tratamento dessas doenças, o que implicava no aumento das respectivas dívidas. Também há denúncias de violência física contra os trabalhadores.


A Usina Gameleira, de propriedade de Eduardo de Queiroz Monteiro, produz anualmente cerca de trinta milhões de litros de álcool combustível que até pouco tempo atrás eram comercializados por distribuidoras como Ipiranga, Petrobras, Shell, Texaco, Total e PDV. Dessas, apenas Ipiranga, Petrobrás, Shell e Texaco são signatárias do Pacto Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo. As suspensões dos contratos pela Ipiranga e Petrobrás fazem parte das ações do Pacto e se deram apesar de a empresa ter conseguido no mês anterior liminar judicial exigindo a retirada de seu nome da lista suja.


Além da fiscalização do MTE, dos efeitos do pacto e da lista suja, outro importante ator na luta contra o trabalho escravo no Brasil, em especial no Mato Grosso, tem sido o Ministério Público do Trabalho (MPT). Através de denúncias, o MPT tem atuado no sentido de não permitir que os produtores rurais flagrados mantendo trabalhadores em condições de trabalho análogas à escravidão permaneçam impunes.


A exemplo disso, em janeiro de 2006, o MPT ofereceu denúncia contra o proprietário e quatro funcionários da Fazenda Roncador, localizada em Querência, no norte de Mato Grosso, por manter trabalhadores nessas condições. Além da decretação da prisão preventiva dos acusados, a promotoria pediu a condenação dos mesmos nos termos da lei, o que significaria dois a oito anos de prisão.


Essa denúncia é complementar à operação da Polícia Federal realizada na fazenda em 2004, quando cerca de 220 trabalhadores foram encontrados em situação degradante na fazenda. Nos depoimentos, as vítimas informaram que eram mantidos na fazenda desde 1998.


Enganados por seus aliciadores, os trabalhadores já chegaram à fazenda endividados, não havia alojamentos, o que os obrigou a construir barracos, não havia banheirose tábuas colocadas no chão serviam como suporte na hora de dormir. A água usada para banho, higiene e consumo provinha de uma represa que também era utilizada pelos animais do local. Os trabalhadores eram obrigados a comprar no armazém da fazenda a preços elevados e nunca conseguiam saldar suas dívidas.


O atual governador do Mato Grosso Blairo Maggi é também um dos maiores produtores de soja do país e do mundo. Esse duplo papel de liderança política e produtor rural tem gerado constantes conflitos entre Maggi, grupos ambientalistas e até mesmo o Ministério do Meio Ambiente, que veem na atuação política do governador o favorecimento de sua classe em detrimento da responsabilidade ambiental e social no Estado. Há no Mato Grosso forte clima de tensão decorrente deste conflito de interesses. Na tentativa de minimizar essa situação, o foverno do Estado tem realizado ações pontuais no sentido de demonstrar seu comprometimento com a defesa do meio ambiente, das populações rurais e contra o trabalho escravo. Em maio de 2006, o governo Maggi negociou com os ministros da Secretaria Especial de Direitos Humanos e do Ministério do Trabalho e Emprego a proposta de parceria com as unidades produtivas do Estado para erradicar o trabalho escravo na região.


Segundo essa proposta, os proprietários de terra serão convidados para assinarem um termo de compromisso pelo fim do trabalho escravo, além disso, as unidades produtivas que não assinarem o pacto serão rigorosamente fiscalizadas pelos grupos especiais de fiscalização móvel do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).


No ano de 2007, pelo menos mais 50 trabalhadores foram libertados em operações do Grupo de Fiscalização Móvel nas fazendas Paraná Berneck e São Bernardo (propriedades de Gilson Mueller Berneck) , em Brasnorte, eShalom , em Alta Floresta. As indenizações por danos individuais e coletivos ultrapassaram R$ 1 milhão de reais.


No caso da fazenda Shalom, os cinco trabalhadores encontravam-se alojados em barraco de lona no meio do mato, sem as mínimas condições de saúde e segurança. Não havia instalações sanitárias e fornecimento de água potável. Toda a água usada pelos trabalhadores para beber, tomar banho e preparar a comida provinha de uma mina de água parada localizada ao lado do barraco. Um dos trabalhadores resgatados encontrava-se há mais de semana ferido gravemente no pé, não tendo recebido qualquer assistência médica ou mesmo primeiros socorros. O dono da fazenda, Luis Olavo Sabino dos Santos, se negou a pagar os direitos trabalhistas e, em razão disso, o MPT propôs, no dia 2 de outubro, duas ações na justiça do trabalho: uma ação civil pública, buscando indenizações por danos individuais e coletivos em montante superior a R$ 200 mil e uma ação de execução no valor de R$ 507 mil, tendo em vista o descumprimento de compromisso anteriormente firmado pelo proprietário junto ao MPT.


Em março de 2008, uma operação do Grupo de Fiscalização Móvel do MTE pôs em xeque a coerência do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) com o Plano Nacional de Erradicação ao Trabalho Escravo. A fiscalização do MTE encontrou irregularidades em alojamentos da Companhia Brasileira de Energia Renovável (Brenco), de propriedade do ex-presidente da Petrobras, Henri Phillipe Reischtul, do ex-presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton, do ex-presidente do Banco Mundial, James Wolfensohn e dos executivos Steve Case (ex- AOL-Time Warner) e Vinod Khosla (Sun Microsystems).


Com usinas em operação ou em construção nos municípios de Alto Taquari (MT), Campo Alegre de Goiás, Mineiros, Perolândia (GO) e Costa Rica (MS) – todas na região da tríplice fronteira entre esses estados – a empresa se dedica à produção de etanol com a ambição de se tornar uma das maiores produtoras mundiais de bio/agrocombustível até 2015.


Segundo relato dos fiscais do MTE, em Mineiros, a equipe fiscalizadora encontrou 116 trabalhadores alojados em duas hospedarias e três casas. Todos os locais estavam superlotados e em péssimas condições. As pessoas estavam trabalhando em duas usinas da Brenco no município. Em nenhuma das casas a instalação sanitária estava adequada. Numa das casas, 15 pessoas dormiam num mesmo quarto. Em outra, a chuva havia molhado todos os colchões, em Campo Alegre de Goiás, havia 17 pessoas contratadas pela empresa desde janeiro alojadas de modo irregular, aguardando autorização para serem transportadas para Alto Taquari (MT). (…) O alojamento era sujo e havia ratos e baratas. O chuveiro estava quebrado com risco de choque e os quartos não tinham armário. Tudo estava pelo chão: lixo, roupas e pertences. Além disso, alguns trabalhadores estavam com problemas para receber devido à falta de documentos e passavam fome. Eles sofriam ameaças do contratador por não pagarem o aluguel. De acordo com o relato dos trabalhadores, reclamações foram encaminhadas à empresa, mas não houve providências.


O grupo móvel também visitou as frentes de trabalho da empresa, onde os contratados pela Brenco fazem o plantio de cana-de-açúcar no período até o mês de maio. Nas fazendas Laranjeiras e Quixadá I, propriedades arrendadas para abastecer as usinas de Mineiros, o transporte de mudas de cana foi interditado. De acordo com a médica do Trabalho e integrante do grupo móvel, Maria Cristina Toniato, falta aos veículos um cinto de segurança especial que deve ser usado por trabalhadores que jogam as mudas do alto dos caminhões canavieiros. A empresa informou àequipe que já havia providenciado a compra do equipamento e que o seria resolvido na semana seguinte à fiscalização. Na ocasião o Ministério Público do Trabalho anunciou que entraria com ações civis públicas por danos coletivos contra a empresa, exigindo o pagamento de indenizações de até R$ 5 milhões.


Apesar de toda esta operação ter acontecido em março de 2008, isto não impediu que o BNDES firmasse acordo com a empresa em agosto daquele ano. Segundo dados divulgados pela imprensa em junho de 2009, entre o final de 2008 e o início de 2009, o BNDES teria injetado mais de um R$ 1 bilhão de reais em recursos públicos na empresa para a implantação de unidades de processamento de cana e plantação de lavoura em Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás e teria representantes no conselho de administração da mesma. Segundo o BNDES, o financiamento às atividades da Brenco estaria coerente com as políticas do banco, tendo em vista que não havia qualquer prova contra a mesma no momento em que foi fechado o contrato ou na atualidade. Esta afirmação ignorou o fato de a Brenco ter naquela ocasião 107 autos de infração emitidos pelo MTE, e de não figurar na lista suja devido aos efeitos de liminar concedida pela 12ª Vara do Trabalho de Brasília, em maio de 2009.


Devido a este fato, o governo federal se viu na paradoxal posição de autor e de parceiro de um dos réus de ação judicial. Ao mesmo tempo em que tenta derrubar a liminar, financia através do BNDES as atividades da empresa. Essa situação demonstra a dualidade com que a questão tem sido tratada no âmbito das diversas instâncias do executivo brasileiro. Enquanto determinadas instituições se articulam e agem para combater o crime, outras instituições agem, de modos muitas vezes escusos, como parceiros dos infratores. A erradicação do trabalho escravo no Mato Grosso e no Brasil depende, portanto, do fim desse duplo padrão por parte do governo federal e o combate a brechas existentes nas leis e políticas públicas que permitem que os detentores do poder econômico e político permaneçam explorando trabalhadores rurais.

Última atualização em: 10 de outubro de 2009

Fontes

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