MG – Povos indígenas Pataxó lutam por regularização fundiária, adequação jurídica do uso do território para fins sustentáveis e direitos indígenas básicos

UF: MG

Município Atingido: Açucena (MG)

Outros Municípios: Açucena (MG), Carmésia (MG)

População: Povos indígenas

Atividades Geradoras do Conflito: Atuação de entidades governamentais, Atuação do Judiciário e/ou do Ministério Público, Pecuária, Políticas públicas e legislação ambiental

Impactos Socioambientais: Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, Desmatamento e/ou queimada, Falta / irregularidade na autorização ou licenciamento ambiental, Falta / irregularidade na demarcação de território tradicional, Falta de saneamento básico, Invasão / dano a área protegida ou unidade de conservação, Precarização/riscos no ambiente de trabalho

Danos à Saúde: Falta de atendimento médico, Insegurança alimentar, Piora na qualidade de vida, Violência – ameaça, Violência – assassinato, Violência – coação física

Síntese

A Aldeia Jeru-Tukumã Pataxó está situada dentro do Parque Estadual do Rio Corrente, sob administração do Instituto Estadual de Florestas (IEF), em Açucena, na região leste de Minas Gerais. O Parque foi criado pelo Decreto 40.168 de 17 de dezembro de 1998 como Área de Proteção Integral, com a “finalidade de proteger a fauna e a flora regional, as nascentes dos rios e córregos da região, além de criar condições ao desenvolvimento de pesquisas e estudos” (art1º).

A área destinada ao Parque consta no texto do decreto como de “aproximadamente” 5.065,00 ha (cinco mil e sessenta e cinco hectares). Atualmente, está fechado à visitação e localiza-se no domínio do bioma da Mata Atlântica. O Decreto não foi elaborado a partir de ampla consulta pública e já havia a ocupação irregular e devastação de grande área do território por cinco posseiros criadores de gado, não havendo da parte do Estado de Minas Gerais nenhuma ação posterior para retirá-los. A demanda indígena é de mudança de status jurídico do Parque para área de uso sustentável.

Os ascendentes da Aldeia Jeru-Tukumã são originários do extremo sul da Bahia. Segundo dados da Reserva Pataxó Aldeia Velha (BA), esse povo habitava, desde o período do “Descobrimento”, o vasto território que compreende o rio Mucuri (ES) e o rio João de Tiba (Santa Cruz de Cabrália-BA). A identidade Pataxó afirma-se ao longo desses séculos como povo nômade e em luta. Dispersaram-se ao longo dos séculos por várias aldeias devido a processos históricos e conflitos.

Antes da ocupação do Parque Estadual Rio Corrente (2010), desde a década de 1970, viviam na “Fazenda Guarani”, no município de Carmésia (MG), quando foram transferidos de Postos indígenas em terras baianas pela FUNAI, havendo poucos estudos aprofundados e poucos registros sobre tais processos (Corrêa, 2000). Conviviam com os Krenak e outras famílias indígenas de etnias como Tupiniquim, Guarani, Maxacali, entre outras que conviviam com grande número de arrendatários, foreiros, e outros agentes econômicos em disputa.

Nessa área, também, se instalou o Reformatório Agrícola Indígena Krenak (1969-72), centro de “reeducação” e recuperação visando o binômio controle e transformação, em que se incluíam práticas de coerções físicas, punições e trabalho forçado – condutas corriqueiras da política indígena da época. Embora a documentação do órgão tenha desaparecido em incêndios e desvios, há documentos do SPI (Correa, 2000) em que consta uma consulta sobre a possibilidade de serem transferidos “os índios esparsos no território baiano”. Destes, e outros transferidos posteriormente, muitos permanecem até os dias atuais na “Fazenda Guarani”, como ainda é chamada a Terra Indígena Krenak, delimitada e reconhecida desde 1988.

As 16 famílias, ou aproximadamente 80 pessoas, que compõem a Aldeia Jeru-Tukumã, sob a liderança do Cacique Baiara, decidiram deixar a TI Krenak pleiteando a criação de novas terras, visando amenizar as situações de insuficiência territorial e escassez de recursos naturais a que estavam submetidas – situação essa agravada por um incêndio, em 2002, que destruiu o ambiente e a produção agrícola da Terra Indígena. Tornou-se inevitável a busca por outras terras para viver e reproduzir seus costumes.

Os Pataxó lutam pelo direito de existir e de recuperar o território adequado à reprodução de seus modos de vida. Lutam pelo direito de se afirmar etnicamente e de serem respeitados. Enfrentam conflitos com posseiros, sofrem ameaças de violência, e vivem sob insegurança, sem saneamento básico, luz elétrica, assistência à saúde ou direito de cultivo. Sua situação histórica é vulnerabilizada pela inércia e pelo descompromisso da burocracia estatal relativa à regularização fundiária, adequação jurídica do uso do território para fins sustentáveis, e execução de direitos indígenas básicos.

Há uma situação de litígio judicial entre Estado – IEF e antigos proprietários da empresa ACELOR MITTAL que tem sido citada pelos funcionários do IEF como obstáculo a qualquer status de uso para esta gleba de terra, embora existam saídas jurídicas apontadas na 4ª Reunião da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (CDH/ALMG), em 2013. Os posseiros estão em situação irregular, desde antes da criação do Parque, criam gado em ampla extensão e vivem em conflito com os indígenas.

A Prefeitura Municipal de Açucena tem se mobilizado no sentido de legalizar os investimentos de recursos em saúde e educação indígenas. Há perspectivas de solução através de Termo de Ajustamento de Conduta ou outro instrumento jurídico, através da ação do Ministério Público Estadual, que pode viabilizar as ações e os investimentos de recursos da Prefeitura.

Contexto Ampliado

As pegadas dos Pataxó vêm de longe. Pautando-se em antigos costumes e tradições recriadas em diferentes contextos de interação, a identidade Pataxó firma-se ao longo desses séculos como povo nômade e em luta. Segundo dados da Reserva Pataxó Aldeia Velha (BA), habitavam, desde o início da conquista e colonização portuguesa, o vasto território que compreende o rio Mucuri (ES) e o rio João de Tiba (Santa Cruz de Cabrália-BA).

Por deslocarem-se com agilidade e multiplicarem-se em subdivisões, realizavam guerras e disputas entre si e contra os invasores portugueses numa longa luta em defesa de suas terras. Sobre os Pataxó, Darci Ribeiro (1970) informa que eram grupos de pequena dimensão demográfica com grande capacidade de mobilidade, o que dava ilusão de serem maiores.

Um importante impacto atingiria suas identidades: a substituição do modo de vida nômade a partir de parâmetros instituídos pelos tutores de uma vida sedentária, que tinham como fundamento a crença, de base evolucionista vulgar, de que o nomadismo era uma etapa anterior ao estado ideal que os indígenas deveriam alcançar, que se associava ao sedentarismo e à agricultura (Corrêa, 2000). Esse processo de movimentação, deslocamentos, desterritorialização e reterritorialização (HAESBAERT, 2010), causando uma multiplicação de aldeias até regiões de Minas Gerais, precisa ainda ser estudado com profundidade.

Segundo dados da FUNASA (Fundação Nacional de Saúde) apresentados no site do ISA (http://pib.socioambiental.org/pt/povo/pataxo, 2010), os Pataxó compreendem uma população de 11.822 pessoas, localizados majoritariamente no extremo sul do estado da Bahia, em 36 aldeias distribuídas em seis Terras Indígenas Águas Belas, Aldeia Velha, Barra Velha, Imbiriba, Coroa Vermelha e Mata Medonha , situadas nos municípios de Santa Cruz Cabrália, Porto Seguro, Itamaraju e Prado. O número de aldeias apresentado está publicado e foi obtido junto às comunidades locais e a alguns de seus líderes ao longo de sucessivos trabalhos de campo realizados por diferentes pesquisadores. Essa estimativa, contudo, difere da apresentada pelos órgãos oficiais devido à própria dinâmica de ocupação territorial pataxó.

No estado de Minas Gerais, os Pataxó vivem em sete comunidades, das quais quatro Sede, Imbiruçu, Retirinho, e Alto das Posses estão localizadas na Terra Indígena Krenak, Fazenda Guarani, município de Carmésia; Muã Mimatxí, em um imóvel cedido à Funai pelo Serviço de Patrimônio da União (SPU), no município de Itapecerica; Jundiba/Cinta Vermelha, no município de Araçuaí e também habitada pelos Pankararu; e a Aldeia Jeru-Tukumã, criada em 2010, situada no Parque Estadual Rio Corrente (administrado pelo Instituto Estadual de Florestas – IEF), em Açucena, no distrito de Felicina.

Seus ascendentes são originários da Terra Indígena Barra Velha, município de Porto Seguro, mas antes da ocupação do Parque estavam na Fazenda Guarani, no município de Carmésia, desde a década de 1970, convivendo com os Krenak e outras famílias indígenas de etnias como Tupiniquim, Guarani, Maxacali, entre outras transferidas pela FUNAI para o local, havendo pouco estudo ou registro sobre o tema (Correa, 2000), o que relataremos mais adiante.

Para compreender a saga dos Pataxó e seus direitos à terra que ocupam, há que se buscar antecedentes históricos. Perceber a construção dos conceitos e as condutas políticas dos atores em conflito é imprescindível para a percepção dos direitos indígenas contemporâneos. Vejamos alguns.

O fracasso do domínio português em estabelecer um ciclo econômico forte na Capitania de Porto Seguro permitiria aos Pataxó viverem em terras baianas até o século XVIII de forma relativamente isolada e preservada, principalmente, durante o chamado Ciclo do Ouro. O governo português criou por volta de 1700 a 1808 uma zona-tampão como medida de controle de acesso e do comércio às minas, sendo a presença indígena benéfica no sentido de dificultar a entrada de exploradores a caminho das minas. Na área designada era proibido construir estradas, caminhos ou atividades econômicas.

Esta região se situava entre o Rio da Conta, na capitania da Bahia, ao norte, e Rio Doce, ao sul da capitania do Espírito Santo, englobando ainda a totalidade das terras da capitania de Ilhéus e Porto Seguro e parte das de Minas Gerais. Dada a interdição legal à ocupação desses espaços, essa zona transformou-se num refúgio para um número significativo de grupos indígenas. Entre eles, os Pataxó, Botocudos, Maxakalis, Tabajaras etc (Paraíso, 1998). Importa destacar que as relações entre os Pataxó e Maxakali são históricas, como o comprovam certas afinidades linguísticas e culturais.

A língua Pataxó pertence à família Maxacali, tronco Macro-jê. Essa aproximação da língua maxacali resulta de relações históricas. O povo Pataxó usa o português para se comunicar; entretanto, o uso frequente de termos maxakali combinados com palavras pataxó expressas na fala dos mais velhos, incentivou a criação da língua pataxó hã, que significa língua do índio guerreiro. O pataxó hã é ensinado nas escolas e grupos culturais como forma de fortalecer a luta (Cardoso, Thiago Mota e Pinheiro, Maíra Bueno (Orgs.), 2012).

Os primeiros Pataxó, em número de 500, foram contatados em 1660 tinham os lábios perfurados, corpo pintado com várias cores, seres rudes e silvestres, o que explicava não terem aceitado se aldear e trabalhar na agricultura ou sujeitarem-se. Assim contam os escritos jesuítas com seu olhar etnocêntrico (Leite, 1965 apud Paraíso, 1998). Preferiam ocupar sítios onde havia água e lenha, e disputavam qualquer coisa de rixas minúsculas surgiam separações definitivas… Foram moldando seu estilo de vida aos contornos geográficos e fluviais, fauna, flora e variações sazonais das terras que conseguem conquistar sob variados métodos, desde a conquista. E nesse movimento de frequentes deslocamentos, como o seu costume seja mudarem-se muito amiúde sem alterar em grande escala os ciclos da natureza, entre os primeiros habitantes da terra Brasil, os Pataxó moviam-se sempre na procura pelos melhores sítios (Leite, 1940, apud Silveira, 2003).

Os aldeamentos missionários já buscavam a fixação e combate dos maus costumes. Com expedições denominadas de descimentos, os missionários convenciam e impunham aos nativos, através da retórica, a descerem de suas aldeias para se juntarem a novos aldeamentos. Pela legislação, o aldeamento garantia a liberdade indígena; no entanto, nesse ambiente, os indígenas eram forçados a adaptar-se a novos elementos culturais, sofrendo interferência religiosa e moral. A condição de aldeados lhes dava alguns privilégios em relação aos africanos escravizados, ou de posição social inferior, que nada possuíam. Tinham direito à terra, embora fosse uma terra bem menor do que a extensão original, tinham direito a não se tornarem escravos, embora fossem submetidos ao trabalho compulsório, tinham direito a se tornarem súditos cristãos, embora tivessem que se batizar e, em princípio, abdicar de suas crenças e costumes. Este processo já mostra a instrumentalização da violência simbólica e material imposta a esses grupos (LEAH, UFU, 2012).

Até que a Zona-tampão chegou ao fim.

Após a decadência do ciclo de ouro, o território habitado pelos Pataxó (e outras etnias), antes protegido por um interdito legal, tornou-se área de expansão ao longo do século XIX. Não havendo ouro ali, a região passa a ser utilizada para extração de madeira, instalação de agricultores e criação de gado. A grande presença de indígenas e a diversidade de grupos passam a ser vistas como empecilho à exploração da terra e impedimento para a efetiva ocupação da área.

De conquistadores a colonizadores, os portugueses passaram a almejar o controle e o uso do trabalho indígena. O que se tornou possível pela superação do estado de guerra através de uma política que fixasse o indígena a um pedaço de terra e lhe impusesse novos comportamentos, mais adequados às novas necessidades, além a cada vez mais perversa redução de território para dimensões insuficientes a seus modos de reprodução social.

O território tradicional dos Pataxó é a Aldeia de Barra Velha, considerada a Aldeia Mãe por ser o primeiro aldeamento criado (1861) por decreto do governo da Bahia.

Não considerando os índios como sujeitos, mas sim seres não portadores de civilização, a mentalidade dos invasores e catequistas compreendia a dispersão e nomadismo como fatores associados ao seu estado selvagem, conformando as práticas de controle da política indigenista praticada pelo Estado Brasileiro nos vastos territórios por onde transcorria a vida dos Pataxó. Conforme diz Boaventura, (…) o selvagem é o lugar da inferioridade. O selvagem é a diferença incapaz de se constituir em alteridade. Não é o outro porque não é sequer plenamente humano. Tal mentalidade percebia sua diferença como medida da sua inferioridade e seu valor como o valor da sua utilidade, justificando o total pragmatismo dos meios: escravatura, genocídio, apropriação, conversão, assimilação (SANTOS, 2002).

Liberar terras para a colonização é um dos alvos da ação tutelar promovida pelo Estado e pela cobiça dos agentes econômicos.

Os deslocamentos impostos pela política de aldeamento compulsório, a destribalização, os desenraizamentos culturais, a mudança radical do padrão alimentar e dos modos de ordenamento do espaço alteraram violentamente o modo de vida Pataxó, que necessita de amplos territórios preservados em sua fauna, flora e fontes de águas.

Resistir e dispersar-se passam a ser a saga dos Pataxó e de outros povos indígenas, grupos e famílias dessa região.

Alguns marcos legais do século XIX e XX contextualizam a mentalidade vigente e as políticas indigenistas que se sucederam, com vestígios que ainda perduram na contemporaneidade contra os quais a conduta indígena da retomada se volta. Vale esclarecer que retomada é termo utilizado pelos indígenas para caracterizar a ocupação de terras atualmente não identificadas como indígenas, mas que a tradição Pataxó reconhece e reivindica como tal (vide Carta do Povo Pataxó, 1999, mostrada mais adiante).

A primeira Constituição brasileira, outorgada em 1824, ignorou completamente a existência das sociedades indígenas, prevalecendo uma concepção da sociedade brasileira como sendo uniforme e homogênea, consequentemente, desconhecendo-se a diversidade étnica e cultural do país.

O Ato Institucional de 1834 designava como sendo de competência das Assembleias das Províncias a tarefa de promover a catequese e de agrupar os índios em estabelecimentos coloniais, facilitando, com isso, a apropriação de suas terras.

A independência política do Brasil e o advento da monarquia não trouxeram mudanças significativas à política indigenista, que continuou a ser realizada nos mesmos moldes do Período Colonial. Ou seja, política praticada com base na criação e manutenção a ferro e fogo de aldeamentos indígenas, e por meio da catequese, inclusive com a participação de um leque maior de congregações religiosas além dos jesuítas que haviam perdido a hegemonia desde o século XVIII. Esse foi o contexto em que se desenvolveram projetos de modernização e civilização da sociedade indígena sob controle estatal. A política de catequese passou a coexistir com a política de proteção e assistência por parte de Estado tutelar, buscando a harmonia a partir do controle de grupos potencialmente perigosos, utilizando algum tipo de força policial.

A política indigenista praticada pelo Estado brasileiro, na relação de tutela aí inscrita, entende tutela como forma de poder do Estado representado como nacional, vista como modo de integração territorial e política, operada desde um aparelho estatizado e parte de um conjunto de redes sociais e relações ao longo dos séculos XVIII e XIX. Essa política conta em suas bases com o predomínio político de diferentes grupos de grandes produtores agrários, que têm mantido, por meios variados e como instrumento de sua construção, os recursos à violência física, às formas de coerção não-econômicas ao trabalho e os meios de organização essencialmente autoritários, em detrimento de recursos de solidariedade e de uma extensão real dos direitos políticos (Lima, 1995). O poder tutelar seria a forma reelaborada de uma guerra.

A criação do Serviço de Proteção ao Índio (SPI), já no século XX (1910), órgão tutelar que antecedeu a FUNAI (criada em 1967), é decorrente de um quadro que vinha se delineando ao longo do século XIX.

Em 1908, durante o XVI Congresso de Americanistas, que aconteceu em Viena, Áustria, houve denúncias de que o Brasil estava massacrando os índios, como parte de uma política nacional de extermínio destas populações. Essa má reputação internacional levou o governo federal a pensar numa ação de assistência e proteção leiga e privativa do Estado às populações indígenas.

A atuação indigenista militar, tendo como expoente o Marechal Rondon matar nunca, morrer se preciso for -, vem sendo questionada por estudiosos pela sua ação e ideologia protecionista que integrariam o futuro órgão tutelar (Machado, 1994). A atuação deste militar na Comissão Rondon (Comissão de Linhas Telegráficas Estratégicas do Mato Grosso ao Amazonas) teria sido a base prática e simbólica para a criação do Serviço de Proteção Indígena (SPI) e formulação de ações indigenistas que se tornariam corriqueiras: utilização da mão de obra não paga ou com paga irrisória para atividades ditas de interesse coletivo; controle das atividades e da circulação; regulação de casamentos; sanções que iam desde a não distribuição de brindes até punições físicas.

O SPI foi criado como instituição que deveria levar a paz e o progresso aos mais distantes rincões do país e aos índios, noções de saúde, trabalho, civismo, garantia de posse da terra e aproveitamento econômico. Estudiosos da questão indígena analisam a própria atuação do SPI e o funcionamento dos postos indígenas como semelhantes à gestão de indivíduos tidos como perigosos pelos órgãos encarregados da vigilância e ordem da sociedade brasileira (Corrêa, 2000).

Em relação aos Pataxó, há uma listagem do SPI – que organizava os índios esparsos do Estado de Minas Gerais (1924) – que considera os Pataxó (entre outros) como grupo considerado semi-civilizado. Essa classificação feita pelo Inspetor Lago, encarregado dos índios de Minas Gerais, é emergente da mentalidade do proteger, educar, e punir, visando o binômio controle e transformação, no qual incluíam-se práticas de coerções físicas e punições, destituindo os indígenas de suas organizações sociais, estilos de vida e cosmovisões.

Em 1926, o Estado da Bahia, através de lei Estadual, destinou 50 léguas de terras para o gozo dos índios Tupinambás e Patachós. Neste mesmo ano, o SPI instalou três postos para atração de indígenas Caramuru, Ajuricaba e Paraguaçu , com a missão básica de proteção, saúde, produção, educação e comportamento.

Em 1934, a Constituição reconhece a posse indígena inalienável das suas terras, porém não era vedado o arrendamento das mesmas, o que demonstra a política de redução do território indígena na qual o SPI teve atuação omissa ou ativamente incentivadora de arrendamentos e titulações, gerando conflitos entre os fazendeiros arrendatários (e ex-arrendatários) e os índios – estes últimos sendo expulsos das terras que lhes haviam sido destinadas e sofrendo baixas em confrontos armados.

Destaque-se a feição produtivista do SPI como um fator primordial para a ocorrência de atritos entre índios e funcionários, gerando sanções e punições, num contexto de frequentes e não divulgadas improbidades administrativas. Assegurava-se renda dos postos com arrendamentos e venda de produção, ao mesmo tempo em que se transformavam os índios em brasileiros tutelados. Os funcionários do SPI passam a ser legalmente os tutores dos indígenas (Lei 5484/1928), assegurando o predomínio do SPI sobre autoridades locais.

Em relação à educação, o funcionamento dos Postos Indígenas é apontado pelos estudiosos da questão como contraditório em sua função, ora assimiladora, ora como de resistência à assimilação. E mais, apontam que a educação ministrada aos indígenas pelos funcionários do SPI ainda não foi plenamente investigada com densidade e profundidade. As identidades indígenas foram deliberadamente violentadas e amparadas pelas ações oficiais visando reduzir seus territórios e possibilidades de manter seus modos de produção e reprodução.

Em relação à saúde indígena, a preocupação dos funcionários do SPI com as epidemias e mortes de índios, além da manutenção da limpeza e da higiene das moradias e área do posto, era movida pelo medo do impacto à população dos Postos e à imagem das unidades e do SPI. Um dos motivos elencados para o fim do SPI e sua substituição pela FUNAI foram as denúncias de repercussão internacional de morte (extermínio) de índios tutelados pelo SPI (Corrêa, 2000).

Após a extinção do SPI em 1961 e a criação da FUNAI, pelo menos em alguns postos, objeto de estudos, a atuação dos funcionários não mudou radicalmente, guardando semelhança com muitas das políticas praticadas pelo SPI, mantendo muitos dos preceitos e dilemas do projeto do órgão antecessor (Corrêa, 2000).

O território disponível ao bem viver indígena vai se reduzindo drasticamente:

Entre 1936 e 1937, o SPI e o estado da Bahia realizam, conjuntamente, a demarcação de uma área em torno dos postos Caramuru, Paraguaçu e Ajuricaba, no tamanho total de 54.100 hectares – menos de um terço da área inicialmente destinada aos índios, de 50 léguas quadradas, equivalente a 180.000 hectares (http://portal.mj.gov.br). A designação oficial da área passa a ser Reserva Indígena Caramuru-Paraguaçu. Embora a documentação do órgão tenha desaparecido em incêndios e desvios, há documentos do SPI (Correa, 2000) em que consta uma consulta sobre a possibilidade de serem transferidos para estes Postos os índios esparsos no território baiano, documento este que atesta a existência de várias etnias na área dos postos, assim como arrendatários, foreiros, e outros agentes econômicos em disputa.

E aqui destacam-se fatos históricos da maior importância. Esse mesmo território visto outrora como a menina dos olhos dos monarcas portugueses, sendo a terra mais fértil e mais rica no Brasil, um tesouro onde se encontravam as madeiras mais preciosas do país, em abundância, passou a ser objeto de disputa entre os índios e o IBDF (Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal), atual IBAMA (Carvalho, 2009). No Estado Novo, o evento da criação do Parque Nacional do Monte Pascoal (PNPM), criado por Getúlio Vargas em 1943 e oficialmente demarcado no ano de 1961, suscita o confronto entre a racionalidade burocrática e os valores e percepções das comunidades atingidas.

Ao ser finalizado o levantamento realizado abruptamente por Aurélio Costa (o Doutor Barros, Chefe da 4ª Inspetoria do Serviço Florestal da Bahia, à qual estava subordinado o PNMP) para efeito das indenizações, todas as atividades produtivas foram terminantemente proibidas (Ninguém caçava, ninguém fazia mais nada. Proíbe tudo!) Consultado sobre o destino dos Pataxó, Costa sugeriu limitar uma área de mais ou menos 100 hectares e deixar os índios fazerem uma barraquinha e ficar ali até que se resolva o problema. Agora, eles não podem plantar nada que não seja cereal, não consinto! Agora, o resto, deixe eles lá trabalhando até que o SPI resolva o que é que faz com eles. (Carvalho, 2009).

Um acordo entre a FUNAI e o IBDF aparentemente acompanhado e corroborado por parte dos Pataxó, apenas pelo cacique e vice-cacique à época, (respectivamente, Rufino Vicente Ferreira e Alfredo Braz), sem ampla consulta e de forma lesiva foi celebrado em 1980. Reservando 8.627 hectares para usufruto pataxó como área de posse imemorial indígena, recomendando sua regularização com a designação Colônia Indígena Barra Velha, finalmente, homologada pelo Decreto 396 (24/12/91) da Presidência da República.

A consciência histórica dos Pataxó, à luz de estudos recentes, parece ter dado um salto a partir deste momento da criação do PNMP (Carvalho, 2009). Desde então veio ocorrendo uma grande dispersão dos Pataxó compelidos e desesperados a buscar meios de subsistência em outras áreas, ao mesmo tempo em que persistem na retomada das terras onde situa-se o Monte Paschoal.

Enfrentaram um longo período de privações provocado pela proibição de utilização econômica do ambiente imposta por aquele órgão, além de acontecimento traumático denominado pelos indígenas como Fogo 51- um massacre realizado pelas forças policiais.

O Fogo 51, além da demarcação do PNMP, é outro fato histórico e um marco memorial do que podemos reconhecer como detonador da grande diáspora Pataxó.

Em maio de 1951, a pequena aldeia de Bom Jardim, atualmente denominada Barra Velha, se tornaria assunto jornalístico, devido a um movimento de sublevação, ainda hoje cercado de obscuridade, no qual foram envolvidos os Pataxó. O motim, desencadeado no vizinho povoado de Corumbau, suscitou uma desproporcional reação policial, que, além de danos físicos e emocionais, provocou a desorganização da população aí estabelecida. Em meio a lutas pela demarcação de terras no contexto da criação do PNMP (Parque Nacional do Monte Pascoal), esse fato é também conhecido pela comunidade local como a revolta de Barra Velha.

O processo SPI nº 4073/49 dá conta da informação de que a Aldeia Barra Velha, de que fazia parte o indígena Capitão Honório Borges, fora destroçada pela polícia de Ilhéus, sob o comando do Major Arsênio Alves (Carvalho, 2009). Os homens da Aldeia enfrentavam sérios problemas com fazendeiros e madeireiros, e se não houvesse esse enfrentamento não estariam hoje em Barra Velha com o território assegurado: perdemos muitos parentes, mas os governantes reconheceram. Não existe luta sem sofrimento (Adalto Pataxó, Liderança da Aldeia Barra Velha, bisneto do capitão Honório Borges, entrevistado por Rejane Cunha, em 27 de maio de 2010, em Barra Velha, Porto Seguro/BA) (Cunha, 2010).

A memória oral do massacre do povo Pataxó está registrada no livro Pataxó: Raízes e Vivências do Povo Pataxó nas escolas, da Secretaria de Educação de Salvador (MEC/FNDE/SEC/SUDEB, 2005 apud Carvalho, 2009). O estupro e o espancamento de mulheres, crianças morrendo nas pontas das baionetas e muitos índios fugindo para a mata para se esconder: até hoje o nosso povo chora quando os mais velhos contam (Carvalho, 2009). Da dura repressão resultou a morte de líderes não-índios, a prisão do capitão e de mais índios, homens e mulheres, e a dispersão dos demais, sob completo desespero.

A administração do Parque Monte Paschoal impedia o estabelecimento de roças mediante o exercício da violência, física e simbólica, razão de muitos conflitos. As pequenas roças eram complementadas com a pesca nos arrecifes, a coleta no mangue e a extração de piaçava às escondidas, nas primeiras horas do dia, para ser transportada na primeira parte da noite para Caraíva, onde era comercializada. O cotidiano alternava-se entre redar [pescar com rede] uma semana, pegar o peixe pra comprar farinha, e outra semana ia tirar piaçava e as mulher fundava no mangue pra tirar o caranguejo. Ficamos um bocado de ano assim desse jeito….

O Fogo de 1951 é também recorrentemente apontado como fator motivador da mistura, ou seja, da intensificação de alianças interétnicas com não-índios. Nesse sentido, é consensual a afirmação do pajé da aldeia de Boca da Mata de que, até o Fogo, a mistura era pouquinha. Na década de 1970, a admitida mistura, decorrente da compulsória dispersão e consequente desorganização das relações sociais Iam conhecendo outros lá fora, ia casando índio com outra nação , era encarada muito negativamente pelos mais velhos, para quem misturando, vai acabando a nação. De acordo com a sua percepção, nenhuma mudança repercutia to desfavoravelmente sobre a nação Pataxó quanto a mistura, que ameaçava a sua persistência. E, não tendo mistura, a nação tem que conseguir, era a sua conclusão axiomática, diz Carvalho (2009).

A auto-identificação étnica torna-se na contemporaneidade critério insubstituível de identidade e alteridade diante da dificuldade de se perceberem as diferenças culturais entre os grupos, alvo da violência das relações sociais e das práticas estabelecidas pelos órgãos da política indigenista estatal geradora de desorientação social; entre estes, os indígenas.

Na Aldeia Barra Velha, segundo a FUNAI (2014), os Pataxó organizam-se em famílias nucleares, constituída cada unidade de seis membros em média, nas quais as crianças, desde muito cedo, participam das atividades domésticas. A divisão social do trabalho é pouco rígida, embora aquelas poucas atividades que exigem maior dispêndio de energia sejam caracterizadas como mais propriamente masculinas, e haja pessoas que se destacam como artesãos e pescadores. As tarefas que dependem de maior quantidade de força-de-trabalho são realizadas de forma cooperativa, entre várias unidades familiares.

O cacique é representante político do seu povo, servindo como intermediário entre os Pataxó e a sociedade nacional, sobretudo a FUNAI. O seu papel político nos limites da aldeia é sempre exercido com o apoio dos chefes de família, prevalecendo a sua condição de mediador. Os 8.720 hectares dos 22.500 que compõem o Parque Monte Paschoal, além de ser uma área extremamente reduzida para as necessidades da sociedade Pataxó, é também uma dimensão drasticamente reduzida em relação ao território tradicional que ocupavam por ocasião da primeira medição em 1935 (segundo a memória indígena). Além disso, a região abrange, hoje, em sua maior parte, terrenos impróprios para a agricultura (brejos, faixas arenosas e campos), o que tem provocado grandes manifestações de insatisfação e revolta.

A Constituição federal de 1988 é um marco legal na conquista de direitos indígenas e superação do sistema de tutela, conforme o Art. 231, que aponta para o reconhecimento de sua organização social: São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens. Esta medida corrobora para as lutas dos grupos indígenas pela demarcação de terras indígenas (Anjos Filho, 2012).

O mesmo artigo 231 define em seu parágrafo primeiro que as Terras Indígenas (TI) são terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições (BRASIL, Constituição Federal, 1988 apud Anjos Filho, 2012). Por esta via é garantido aos indígenas a possibilidade de recorrerem diretamente à Justiça para defender seus direitos e interesses, cabendo ao Ministério Público intervir em todos os atos do processo.

No ano seguinte à criação da constituinte brasileira, foi convocada, em 27 de junho de 1989, em Genebra, a 76ª sessão da Conferência Geral da Organização Internacional do Trabalho, denominada Convenção Sobre Povos Indígenas e Tribais, com vistas a garantir a preservação e sobrevivência dos sistemas de vida dos povos indígenas e tribais e sua ativa e efetiva participação no planejamento e execução de projetos que lhes dissessem respeito (Convenção nº 169, 2005).

Em abril de 2004, através do Decreto 5.051, o Brasil torna-se signatário da Convenção acima citada, decretando em seu artigo 1º que executará e cumprirá inteiramente o texto que ela contém. Isso implica dizer que a auto-identidade indígena ou tribal é uma inovação do instrumento, ao instituí-la como critério subjetivo, mas fundamental, para a definição dos povos objeto da Convenção, isto é, nenhum estado ou grupo social tem o direito de negar a identidade a um povo indígena ou tribal que como tal ele próprio se reconheça (Convenção nº 169, 2005, p. 11).

Tal resultado das disputas, debates e discussões entre movimento social indígena e o Congresso Nacional representa uma conquista para realizar a regularização fundiária dos territórios reivindicados. Portanto, os povos indígenas e tribais deverão gozar plenamente dos direitos humanos e liberdades fundamentais, sem obstáculos nem discriminação. As disposições desta Convenção serão aplicadas sem discriminação aos homens e mulheres desses povos (idem, p. 23).

Destaque-se fato histórico relevante, no período compreendido entre 16 e 19 de agosto de 1999, quando representantes das aldeias Pataxó, reunidos em uma assembleia do Conselho de Caciques, confirmaram a necessidade de ampliação e recuperação do território tradicional, e, em Carta às autoridades brasileiras, afirmaram que: conscientes de que o Parque Nacional está dentro dos limites de nossa terra, conforme a história de nossos anciãos, decidimos imediatamente RETOMAR o nosso território, neste dia 19 de agosto de 1999, protegidos pela memória dos antepassados, protegidos pelo direito constitucional […], pretendemos transformar o que as autoridades chamam de Parque Nacional do Monte Pascoal em Parque Indígena, terra dos Pataxó, para preservá-lo e recuperá-lo da situação que hoje o governo deixou a nossa terra, depois de anos na mão do IBDF, atual IBAMA, que nada fez a não ser reprimir os índios e desrespeitar nossos direitos. Queremos deixar claro para a sociedade brasileira, para os ambientalistas, para as demais autoridades que não somos destruidores da floresta, como tem sido proclamado. […] Vamos celebrar os 500 anos em nossa terra, receberemos os nossos parentes de todo o Brasil aqui, no Monte Pascoal, único local possível para construirmos o futuro com dignidade. […] Mais uma vez pedimos o apoio de toda a sociedade brasileira (Carta do Povo Pataxó, 1999 apud Carvalho, 2009).

Vejamos agora caminhos trilhados pelos Pataxó, que saíram mundo afora após a dispersão dos anos 1950 e chegaram até Minas Gerais.

Há um raro registro nos anos 1970 (Boletim Informativo da FUNAI de 1972) dando conta de que indígenas Pataxó foram transferidos para a Fazenda Guarani, área do antigo Posto Indígena Guido Marlière, hoje Terra Indígena (TI) Krenak (homologada em 1988), onde funcionou entre 1969-1972 o Reformatório Agrícola Indígena Krenak, centro de reeducação e recuperação dos índios que transgridem princípios norteadores da conduta tribal, e cujos chefes, quando não conseguem resguardar a ordem da tribo, socorrem-se a FUNAI (Corrêa, 2000).

Tais deslocamentos, pode-se inferir, ainda que não profundamente estudados, tiveram forte impacto simbólico e material. O novo ambiente mais frio é estranho às famílias e aos grupos que habitavam e transitavam nas praias, matas e montanhas de uma área litorânea.

Nessa área onde habitavam os Krenak funcionou o Reformatório implantado sob a administração do Capitão Manoel Pinheiro, da Polícia Militar do Estado de Minas Gerais, e para lá eram enviados os indígenas que opunham resistência aos ditames dos administradores de suas aldeias ou eram considerados como desajustados socialmente. Eram mantidos em regime de cárcere, sofrendo repressões, como o confinamento em solitária e castigos físicos em casos de insubordinação – práticas não diferenciadas da conduta em outros postos Indígenas. Eram-lhes impostas atividades na agricultura durante o dia, sob forte vigilância de soldados da Polícia Militar de Minas Gerais e dos índios da Guarda Rural Indígena (GRIN), também fundada pelo Capitão Pinheiro (Povos Indígenas no Brasil, ISA, s/d).

A Guarda era composta por indígenas que Pinheiro definia como de “excepcional comportamento”, devidamente treinados e fardados, e encarregados de manter a ordem interna nas aldeias, coibir os deslocamento não autorizados, impor trabalhos e denunciar os infratores ao Destacamento da Polícia Militar, o que configura uma das instrumentalizações para o processo de assimilação às normas da sociedade brasileira.

Ante a pressão de fazendeiros e políticos para a liberação definitiva da área para a emissão dos títulos de propriedade aos arrendatários, apesar dos Krenak haverem ganho em 21/03/1971 a ação de reintegração de posse dos 4.000 hectares e o juiz ter determinado o prazo de 15 dias para os arrendatários serem retirados da área indígena, Manuel Pinheiro fez um novo acordo com o governo de Minas Gerais. Ele negociou uma permuta entre a área Krenak e a Fazenda Guarani, no município de Carmésia, pertencente à Polícia Militar de Minas Gerais, para onde os Krenak e os prisioneiros indígenas foram transferidos, ao invés da retirada dos arrendatários como a Justiça determinara. É interessante observar que também a Fazenda Guarani, antiga sede de tortura de presos políticos usada pela Polícia Militar de Minas Gerais, estava ocupada por grande quantidade de rendeiros e posseiros.

Durante décadas, foi política oficial do SPI o arrendamento a terceiros de lotes nas áreas dos índios. Esse foi o instrumento que patrocinou oficialmente a invasão de quase todas as terras indígenas até então demarcadas em todo o país, escreve Egon Heck, experiente ativista do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) (Campos, 2013).

Apesar de o acordo ter estabelecido que a Funai só deveria receber a Fazenda Guarani livre dos ocupantes, Pinheiro sequer esperou essa cláusula ser cumprida, merecendo, por isso, até mesmo uma repreensão por escrito da Presidência do órgão (Corrêa, 2000).

Diante da resistência dos Krenak em serem, mais uma vez, transferidos, Pinheiro determinou que os índios que persistiam na recusa a abandonar a área fossem algemados e levados à força para Governador Valadares, sede da Ajudância Minas-Bahia, da Funai. Dali, todos os Krenak, os presos do Reformatório e um grupo de índios Guarani, que ali haviam se instalado em 1969 vindos de Parati, no Rio de Janeiro, juntamente com seus poucos pertences e alimentos, foram colocados em caminhões e enviados para a Fazenda Guarani; mais tarde, chegaria mais um grupo de índios Pataxó do Posto Indígena Barra Velha, na Bahia. Destes, muitos permanecem até os dias atuais na Fazenda Guarani, tendo protagonizado a luta pela homologação da TI, ainda que os dados publicados sejam insuficientes sobre sua situação atual.

Os Pataxó da Aldeia Jeru-Tukumã, segundo líderes indígenas, deixaram a Fazenda Guarani e rumaram para o Parque pleiteando a criação de novas terras indígenas e visando amenizar as situações de insuficiência territorial e escassez de recursos naturais. Um incêndio na Fazenda Guarani em 2002 teria impactado o ambiente e a produção agrícola da área que ocupavam, tornando inevitável a busca de outras terras para viver e reproduzir seus costumes. O grupo da comunidade Alto das Posses, que hoje se chama Aldeia Jeru-Tukumã, liderado pelo Cacique Baiara Pataxó, há 32 anos em terras de Minas Gerais, viveu este processo.

A Aldeia Jeru-Tukumã ocupa hoje área do Parque Estadual Rio Corrente, no distrito de Felicina, Açucena, MG. Segundo site oficial do IEF (http://www.ief.mg.gov.br/areas-protegidas/), o Parque foi criado pelo Decreto 40.168 de 17 de dezembro de 1998 e traz em seu Art 1º os objetivos e critérios de regulamentação: Fica criado na região do médio Rio Doce do Estado de Minas Gerais, no município de Açucena, o Parque Estadual do Rio Corrente, que ficará subordinado ao Instituto Estadual de Florestas – IEF e terá por finalidade proteger a fauna e a flora regional, as nascentes dos rios e córregos da região, além de criar condições ao desenvolvimento de pesquisas e estudos (BRASIL, Decreto 40.168/98).

O atual conflito faz parte de uma complexa e enredada cadeia de legislações jurídicas, questões territoriais e processos fundiários, cujos atores disputam interesses múltiplos e antagônicos no mesmo espaço. Por este motivo, o Parque Estadual Rio Corrente se configura enquanto uma arena que será pleiteada por perspectiva e modos de vida díspares.

O Parque Estadual Rio Corrente se configura hoje enquanto uma Unidade de Conservação. Este processo que cria as unidades de conservação no Brasil consolida-se após dez anos de debates e discussões no Congresso Nacional até a aprovação da Lei 9.985/2000, que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) e estabelece em seu Art. 1º critérios e normas para a criação, implantação e gestão das unidades de conservação (BRASIL, Lei 9.985/00).

Este movimento está associado à criação das Unidades de Conservação de proteção integral no Brasil, realizado sobre áreas onde já existiam ocupações humanas, com modos de vida próprios e diversificados.

Dentre os objetivos deste instrumento, destaca-se proteger os recursos naturais necessários à subsistência de populações tradicionais, respeitando e valorizando seu conhecimento e sua cultura e promovendo-as social e economicamente. Para SANTILLI (2005), os objetivos do SNUC preveem a conservação da biodiversidade e da sociodiversidade, ou seja, (…) estão não apenas a conservação da biodiversidade como também a conservação da sociodiversidade, dentro de um contexto que privilegia a interação do homem com a natureza, e as interfaces entre diversidade biológica e cultural (SANTILLI, 2005).

A área destinada ao Parque é de aproximadamente 5.065,00 ha (cinco mil e sessenta e cinco hectares). Atualmente, segundo o IEF (www.ief.mg.gov.br), está fechado à visitação e localiza-se no domínio do bioma da Mata Atlântica. As capoeiras e matas abrigam mais de 20 nascentes de diferentes ribeirões e córregos, afluentes de importantes e imprescindíveis cursos hídricos, como o ribeirão São Mateus, o ribeirão São Félix e o córrego Porto Santa Rita, todos desaguando no rio Corrente, que por sua vez, deságua no rio Doce. O relevo é composto por pequenas colinas e morros de altitudes médias variando entre 250 e 500 metros. Na região podem ser encontradas espécies arbóreas típicas da Mata Atlântica como ipê, a quaresmeira, o angico, a sapucaia e, até mesmo, espécies em princípio de revegetação, como o vinhático, o cedro e o jacarandá. A fauna é composta por espécimes como o mutum do sudeste, seriema, paca, capivara, jacu, raposa e outras espécies que necessitam, prioritariamente, de ambientes florestais preservados para sua sobrevivência.

O Instituto Estadual de Florestas tem a tarefa de implantação e administração do Parque; contudo, segundo e-mail da gerente das Áreas Protegidas do Instituto Estadual de Florestas do Escritório Regional Rio Doce, situado em Governador Valadares, Luciana Andrade (2014): Não temos nenhum relatório com os dados solicitados foi sua resposta à solicitação desta pesquisadora de dados, relatório de monitoramento, avaliação da biodiversidade ou situação atual do desmatamento dentro dos limites do Parque.

Segundo o Art. 3º do Decreto, a Fundação Rural Mineira – Colonização e Desenvolvimento Agrário – RURALMINAS fará a discriminação administrativa ou judicial da área definida como Parque Estadual do Rio Corrente, para caracterização do domínio respectivo, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, o que não foi realizado. A Polícia Militar do Estado de Minas Gerais – PMMG, por intermédio do policiamento militar florestal tem sob sua responsabilidade, sob a coordenação do Instituto Estadual de Florestas – IEF, a fiscalização dessa Unidade de Conservação.

A aldeia não tem acesso à energia elétrica. A CEMIG terá de esperar a decisão do IEF para a instalação de luz elétrica, pois, com o parque decretado, o Estado não pode realizar nenhum investimento na área. Agravando a situação, a comunidade tem recebido ameaças constantemente de pessoas estranhas no entorno da Aldeia. No mês de janeiro de 2014, as ameaças se consumaram em um atentado a tiros de arma de fogo contra o indígena Edmar Braz da Conceição, que estava pesando. Os disparos foram feitos por indivíduos de dentro de um veículo. Felizmente, nenhuma bala atingiu Edmar, que fugiu do local. Nos dias seguintes, várias pessoas apareceram em motos perguntando sobre o cacique. Uma das pessoas foi reconhecida pelos indígenas como sendo um funcionário de um posseiro vizinho à aldeia Geru-Tucunã (CAMARGO, 2014).

Há uma situação de litígio que tem se sobreposto a qualquer status de uso para esta gleba de terra entre Estado-IEF e os antigos proprietários da ACELOR MITTAL, existindo posseiros desde antes da criação do Parque que criam gado de forma extensiva e vivem em conflito com os indígenas. Segundo o Gesta/UFMG (2013), Fazendeiros teriam sido indenizados quando da implementação do parque, mas permanecem no local. Esta área foi repassada ao Estado pela empresa Aperam South America (antiga Acesita, hoje Arcelor Mittal), em um processo de execução fiscal. Mas, ao receber a área da empresa, o Estado constatou a existência de posseiros vivendo dentro daquele território. A partir do decreto de 1998, criou-se um conflito jurídico, pois o IEF definiu aquele espaço como Unidade de Conservação, sendo que, ao mesmo tempo, o Estado admite que o ajustamento de conduta feito com a empresa não foi devidamente cumprido, porque a Aperam não teria atendido pré-requisitos que deveriam acompanhar a entrega das terras, que a área era pequena e que 70% do território é montanhoso, sendo improdutivo para lavoura.

Assim, o Parque Rio Corrente tem grande parte de sua área usada por posseiros criadores de gado que já deveriam ter sido retirados. A categoria Área de Proteção Integral definida pela não ocupação humana necessita ser alterada para uma outra categoria jurídica, tornando possível uma solução para o uso do território pelos indígenas no sentido de torná-lo área de uso sustentável.

Sobre essa situação de áreas não demarcadas há percepções diferenciadas entre os sujeitos e órgãos envolvidos, constatando-se inércia, descompromisso e omissão dos órgãos responsáveis pela solução política, jurídica e administrativa, o que podemos perceber nos depoimentos dos participantes da reunião da 4ª reunião da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais (ALMG), registrados integralmente em Notas Taquigráficas (2013) e em reportagem na página de notícias da Assembleia de Minas (2013). Foi presidida pelo deputado Durval Ângelo, no Município de Açucena, em 19/03/2013, tendo a presença do Cacique Baiara e vice-cacique Clemes, além de outros membros da comunidade, autoridades municipais e estaduais, e representantes dos Municípios vizinhos de Santana do Paraíso e Timóteo. A reunião teve a finalidade de debater violações de direitos humanos na comunidade indígena pataxó, situada no Parque Estadual do Rio Corrente, e os conflitos com os fazendeiros vizinhos. A complexidade da situação veio à tona.

A Prefeita Darcira de Souza Pereira de Açucena pediu a intervenção da Comissão dando conta de que cerca de 80 pataxós moram no Parque Estadual do Rio Corrente há algum tempo, vivem uma carência muito significativa em relação à educação e saúde e que, além disso, como Prefeita, ela vivia um paradoxo, pois a Prefeitura recebe recursos para investir na comunidade e saúde indígenas e não pode executar as ações, podendo incorrer, até, em crime de improbidade administrativa. Considera que a área pertence ao Estado e destaca um conflito entre estes e os cinco posseiros, assim como também há um conflito entre os índios e o próprio IEF, razão pela qual pediu a intervenção da Comissão de Direitos Humanos. Hoje esbarramos na questão da legalidade para continuar defendendo e implementando políticas. (…) Venho de uma comunidade rural onde foi possível aliar o trabalho na agricultura sustentável com o meio ambiente.

O Vice-Cacique Clemes Braz da Conceição reconhece a FUNAI e a secretaria de Saúde Indígena (Sesai) como nosso braço direito, declarando: Estamos no Parque do Rio Corrente com 20 famílias. Somos índios pataxós, da Bahia. Quem dividiu o Brasil foram vocês. Hoje lutamos por um pedaço de terra que era do governo do Estado. Por que dizemos isso? Queremos que essa terra do governo do Estado, que é o Parque Estadual do Rio Corrente, possa passar para a Funai. Depois a Funai a repassa para a nossa comunidade. O IEF levou madeira para nós e hoje alega que não podemos plantar nada. Como sobreviver da terra? O fazendeiro pode criar animal lá dentro e nós não podemos plantar um pé de batata? Quero que o IEF tenha a responsabilidade por isso. (…) Estamos com problemas em nossa escola. Quando chegamos em Felicina, não havia sequer o ensino médio; (…) a área está toda degradada, lá dentro existem mais ou menos 500 cabeças de bois. Esse parque ficou mais seguro quando chegamos lá. A água ficou limpa.

E completa as denúncias revelando que vivem ameaças diretas, além de barreiras na estrada com toras e arame: Doutor, um dia eu estava tocando um cavalo, e um rapaz, com um Pálio cor de cana, parou. Dei boa tarde a ele; ele segurou uma arma, para atingir a gente. Isso está ficando preocupante. Eu estava indo com uma menina, que estava perdendo o neném.

A representante da FUNAI, Caroline Willrich, declarou ter conhecimento de que a Aldeia fez um trabalho muito importante [na Fazenda Guarani] sobre meio ambiente; reflorestou uma área que estava degradada e criou um sistema agroflorestal muito bonito, que pode até servir de exemplo. Segundo ela, as Terras Indígenas conservam muito melhor o território e as Unidades de Conservação muitas vezes não o conseguem. Entende ainda que o IEF e a Funai devem estabelecer uma parceria em benefício da sociedade.

O Procurador da República Edmar Gomes Machado reconhece a reivindicação legítima por ser baseada na história. Esse povo vivia na Terra Indígena Guarani, onde havia uma quantidade muito grande de pessoas porque a população indígena cresceu e a área já não comportava de forma adequada. A terra, que era relativamente fraca, foi profundamente destruída por um incêndio, o que, aliado aos conflitos internos, fez com que esse grupo acabasse por se dividir. Paralelamente, o IEF incentivou-os a ir para essa área. É muito claro que eles não chegaram lá do nada. De certa forma, foram incentivados pelos agentes públicos estaduais para chegar a essa área. Entende ele também que o IEF e a Funai devem estabelecer uma parceria em benefício da sociedade em comum, e que é papel do Ministério Público Federal tutelar as populações indígenas.

Convém aqui lembrar que a única tutela admissível após a atual Constituição é aquela que, revestida do caráter de Direito Público, visa proteger os povos indígenas de seus bens, sob a perspectiva de que se trata de minorias culturais, independentemente de como os mesmos interagem com a sociedade majoritária (Anjos Filho, 2012).

O representante do IEF, órgão que tem a representação do Estado para gerir a política e administração do parque, pressionado pelos depoimentos anteriores como sendo órgão estatal do qual deveria partir iniciativas mais decisivas, mostra em suas declarações a confusão vigente entre concepções e assunção de responsabilidades: O IEF é vítima em parte também. Também sofremos ameaças, também sofremos agressões. A situação envolve posseiro, empresa, Estado. A terra lá não é do Estado, há uma briga judicial, nesse sentido a posse da terra ainda é da Aperam.

Lembrando que a polícia ambiental é quem tem de fiscalizar os conflitos entre indígenas e posseiros, atribui a gestões anteriores o equívoco da criação por decreto de uma Unidade de Conservação de Proteção Integral, sabendo da existência destes, sem nenhuma consulta pública. As decisões políticas parecem não ter responsável principal. Mas esse representante do IEF aponta em uma direção: No que tange ao [Escritório] Regional, estamos nos empenhando em redefinir onde vai ser parque e onde vai ser reserva extrativista ou outra modalidade de conservação, devido à presença dos índios, e já vislumbra o emperramento burocrátic: Tem de haver projeto de lei. Pode ser um pouco demorado. (…) Depois que a Prefeita nos oficiar, encaminharemos o ofício diretamente à Advocacia-Geral do Estado.

O Presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-MG, Sr. William dos Santos, contrapondo-se à confusão dos conceitos e inações emaranhados na burocracia, dirigindo-se às lideranças indígenas, esclarece, peremptoriamente, que o direito é maior do que a lei e que propriedade é diferente de posse. O assessor do IEF disse que a terra pertence à Aperam – a antiga Acesita, que é a empresa Arcelor Mittal; ou seja, o mesmo grupo do Mittal, cujo dono tem um histórico em conflitos e ocupação à força de terras. Se formos olhar a cadeia dominial desse imóvel onde o parque foi assentado, veremos, com certeza, que é uma terra devoluta. Esse mesmo Estado que tem o poder de desapropriar e indenizar, teria também a obrigação de anular o decreto e demarcar essa terra.

Neste atual momento, os indígenas teriam, a seu ver, o direito de posse, e um Termo de Ajustamento de Conduta, ou outro instrumento jurídico através da ação do Ministério Público, poderia viabilizar as ações e investimentos de recursos de educação e saúde da Prefeitura.

Eis a fala de Skuai, uma professora indígena: Temos projetos de construir áreas de conservação dentro do parque, trabalhar com a preservação. Não queremos destruir, e há documentos do pessoal da Funai, do Ministério Público, mostrando a situação. Há também planos para a construção de um posto de saúde na aldeia, há muitas picadas de cobra. O atendimento tem de ser rápido, pois, se passar de meia hora, pode ocorrer a morte de um indígena. Já houve três casos na aldeia. Queremos qualidade de vida. Não há nada demais construirmos um viveiro, uma horta medicinal, coisas que trazem qualidade de vida para todos. O nosso meio de vida é a agricultura e o artesanato. A nossa agricultura é a plantação de mandioca. Fizemos uma parceria com a outra gerente que estava lá. Plantamos árvores frutíferas e não frutíferas. O parque está precisando de preservação e de plantio. Infelizmente não temos isso. Realizamos um trabalho na outra aldeia mas o espaço ficou pequeno para nós. Na escola, estamos sendo ameaçados; os nossos filhos estão sem segurança. Chamamos a Diretora para conversar, dialogamos com ela. Infelizmente, uma das professoras nos disse: Antes de vocês virem para cá, a escola era uma beleza; hoje, virou um inferno.

Encaminhamentos da Comissão:

a) à Ouvidoria Agrária Nacional da Comissão Nacional de Combate à Violência no Campo, do Ministério do Desenvolvimento Agrário, à Procuradoria Regional da República em Ipatinga e à Presidência da Funai, as notas taquigráficas da 4ª Reunião Extraordinária dessa Comissão;

b) à Superintendência Regional da Polícia Federal em Minas Gerais denunciando ameaça, lesão corporal e tentativa de homicídio e pedido de providências para a instauração de inquérito policial para apuração da materialidade e da autoria dos delitos denunciados;

c) à Secretaria Especial de Saúde Indígena, denunciando a precariedade dos serviços de saúde prestados aos índios naquela localidade e pedido de providências para a instalação de um posto de saúde para atendimento aos índios no Distrito de Felicina, em Açucena;

d) ao Comando-Geral da PMMG, pedido de providências para a instalação de um posto policial no Distrito de Felicina, em Açucena;

e) à Superintendência Regional de Ensino de Governador Valadares, denunciando atos de discriminação racial contra índios matriculados na Escola Estadual Cristiano Machado; e pedido de providências para a instauração de procedimento administrativo para a apuração de responsabilidade quanto aos fatos;

f) à Diretoria-Geral do IEF e à Promotoria de Justiça de Defesa do Patrimônio Público da Comarca de Açucena, com denúncias da ação de posseiros na área do Parque Estadual do Rio Corrente; e pedido de providências para a apuração desse fato;

g) à Prefeitura Municipal de Açucena pedido de providências para o emprego das verbas públicas já repassadas aos cofres municipais em benefício dos índios pataxós da aldeia Geru-Tucunã, localizada no Distrito de Felicina;

i) à Prefeitura Municipal de Açucena, à Ouvidoria Agrária Nacional, à Secretaria Extraordinária de Regularização Fundiária, ao Sr. Edmar Gomes Machado, Procurador da República em Ipatinga, à Coordenadoria Regional da Funai em Governador Valadares, à Diretoria-Geral do IEF e à Coordenadoria do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Conflitos Agrários, pedido de providências com vistas à formação de grupo de trabalho, sob a coordenação do órgão de execução do Ministério Público Federal, para buscar soluções para os problemas enfrentados pelos índios pataxós da aldeia Geru-Tucunã, localizada no Distrito de Felicina, em Açucena;

j) ao Comando-Geral da PMMG pedido de esclarecimentos sobre violação de direitos que teria ocorrido no âmbito daquela instituição; e pedido de providências para o agendamento de reunião dessa Comissão com o Comandante-Geral da PMMG e a Coordenadora do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Direitos Humanos, para discutirem os fatos e denúncias apresentados;

k) à Procuradoria-Geral de Justiça e à Coordenadoria do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa dos Direitos Humanos, pedido de esclarecimentos sobre violação de direitos que teria ocorrido no âmbito da PMMG; e pedido de providências para apuração dos fatos contidos nessas notas;

l) à Advocacia-Geral do Estado, ao Comando da 12ª Região de Polícia Militar, à Secretaria Extraordinária de Regularização Fundiária e à Coordenadoria do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Conflitos Agrários, pedido de providências para apuração dos fatos registrados.

Uma nova audiência pública da Comissão de Direitos Humanos da ALMG está marcada para ser realizada no dia 19 de abril de 2014.

A fala dos indígenas da Aldeia Jeru-Tukumã, no eco da voz do Cacique Baiara, finalizou a reunião da comissão da ALMG em Açucena, e encerra este relato:

Pelos direitos humanos, buscamos proteção e pedimos que as autoridades olhem pelos direitos do cidadão brasileiro. A Constituição diz claramente quais são os nossos direitos. Sou filho da Bahia e estou em Minas Gerais há 32 anos. Fui para (- Inaudível [Fazenda Guarani]) e depois para Açucena. Realizamos um bom trabalho. Agradeço muito, mas o que está faltando é a nossa terra. Não podemos construir nada. Já pedimos a vários parceiros do IEF para construirmos, pois temos crianças e idosos. A área de preservação é o futuro dos nossos filhos. É importante para nós fazer essa parceria. Temos nos reunido com representantes do IEF, pessoas de grande responsabilidade, e dos parques do Estado, e eles deixaram muito claro para nós, caciques, onde vamos fazer nossa aldeia. Por isso, estou aqui. Não vim para cá de orelha, não invadi terra, foi tudo prometido para mim. Por isso, estou aqui.

Os indígenas da Aldeia Jeru-Tukumã têm garantido, constitucionalmente (art.232), o direito de ingressar em juízo na defesa de seus interesses, independente do Estado: “O amadurecimento progressivo do movimento indígena desde a década de 1970 e o consequente crescimento no número e diversidade de organizações nativas, dirigidas pelos próprios índios, nos sugere assim uma primeira distinção no campo indigenista: a política indígena, aquela protagonizada pelos próprios índios, não se confunde com a política indigenista e nem a ela está submetida” (Povos Indígenas no Brasil, ISA, s/d).

Cronologia

1824: A primeira Constituição brasileira ignora completamente a existência das sociedades indígenas.

1834: Ato Institucional define como competência das Assembleias das Províncias a tarefa de promover a catequese e de agrupar os índios em estabelecimentos coloniais, facilitando, com isso, a apropriação de suas terras.

1861: O território tradicional do Pataxó é a Aldeia de Barra Velha, considerada a Aldeia Mãe por ser o primeiro aldeamento criado neste ano por decreto do governo da Bahia.

1908: XVI Congresso de Americanistas, Viena, Áustria – denúncias de que o Brasil estava massacrando os índios, como parte de uma política nacional de extermínio destas populações.

1910: Criação do Serviço de Proteção ao Índio (SPI).

1926: Estado da Bahia, através de Lei Estadual, destina 50 léguas de terras para o gozo dos índios Tupinambás e Patachós.

1934: Constituição reconhece a posse indígena inalienável das suas terras, porém não é vedado o arrendamento das mesmas, o que demonstra a política de redução do território indígena na qual o SPI teve atuação omissa ou ativa.

1943: No Estado Novo, criação do Parque Nacional do Monte Pascoal (PNPM) por Getúlio Vargas, oficialmente demarcada no ano de 1961.

1951: Fogo 51 – Revolta de Barra Velha, com massacre de indígenas Pataxó pelas forças policiais e incêndios a mando de fazendeiros e madeireiros.

1967: Criação da FUNAI.

1969-1972: Funcionamento do Reformatório Agrícola Indígena Krenak.

1972: Boletim Informativo da FUNAI informa que indígenas Pataxó foram transferidos para a Fazenda Guarani, área do antigo Posto Indígena Guido Marlière, hoje Terra Indígena (TI) Krenak (homologada em 1988), onde funcionou entre 1969-1972 o Reformatório Agrícola Indígena Krenak.

1988: Promulgação da Constituição Federal do Brasil – marco legal na conquista democrática de direitos indígenas e superação do sistema de tutela.

1998: Decreto 40.168 de 17 de dezembro cria o Parque Estadual Rio Corrente em Felicina, Açucena, MG (configurado como Unidade de Conservação em 2000).

1999: Carta dos Pataxó, liderados pela aldeia Barra Velha, decidindo RETOMAR o nosso território.

2000: Congresso Nacional aprova a Lei 9.985/2000 que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC).

2002: Incêndio na Fazenda Guarani torna inevitável às famílias da aldeia Jeru-Tukumã a busca de outras terras para viver e reproduzir seus costumes.

2010: Em 13 de julho, 16 famílias da Aldeia Jeru-Tukumã, lideradas pelo Cacique Baiara, ocupam área do Parque Estadual Rio Corrente em Açucena, MG.

19 de março de 2013: 4ª reunião da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais (ALMG), com a finalidade de debater violações de direitos humanos na comunidade indígena pataxó, situada no Parque Estadual do Rio Corrente.

19 de abril de 2014: Data da nova audiência pública da Comissão de Direitos Humanos da ALMG para apurar as providências tomadas pelos órgãos públicos envolvidos no conflito a partir dos encaminhamentos da reunião anterior.

Fontes

ANJOS FILHO, Robério Nunes. A Constituição de 1988, o Ministério Público Federal e os Direitos dos Povos Indígenas no Brasil. In: Culturas Indígenas, Textos do Brasil. Coordenação de divulgação do Ministério das Relações Exteriores, 2012.

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