GO – Atingidos por barragens lutam por revisão e regularização de indenização e reassentamento

UF: GO

Município Atingido: Minaçu (GO)

Outros Municípios: Cavalcante (GO), Colinas do Sul (GO), Minaçu (GO)

População: Agricultores familiares, Povos indígenas, Quilombolas, Trabalhadores rurais assalariados, Trabalhadores rurais sem terra

Atividades Geradoras do Conflito: Barragens e hidrelétricas

Impactos Socioambientais: Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, Falta / irregularidade na autorização ou licenciamento ambiental, Inundações e enchentes, Invasão / dano a área protegida ou unidade de conservação

Danos à Saúde: Insegurança alimentar, Piora na qualidade de vida, Violência – ameaça

Síntese

A Usina Hidrelétrica (UHE) de Cana Brava é mais uma hidrelétrica construída no Brasil por uma corporação internacional. Localizada em Goiás, próxima à confluência entre os rios Tocantins e Carmo e abaixo de outra usina, a UHE Serra da Mesa. Nesta área, que compreende os municípios de Colina do Sul, Cavalcante e Minaçu, se encontram comunidades remanescentes de quilombo Kalunga e uma Terra Indígena Avá-Canoeiro, etnia reduzida a seis pessoas por inúmeras chacinas motivadas pelo controle do território.

Além das comunidades Kalunga, mais diretamente afetadas, e os Avá-Canoeiro, 986 famílias de garimpeiros, produtores rurais e trabalhadores rurais sem terra tiveram seus locais de moradia e trabalho inundados, e grande parte ainda não recebeu qualquer tipo de compensação acordada inicialmente. Segundo informações do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), as poucas indenizações distribuídas até 2005 giravam em torno de cinco mil reais, com casos de indenizações de 500 reais e até de 39 reais, de acordo com o movimento (Ecoa, 24/05/2005).

Além disso, grande parte das famílias foi desalojada sob coação e intimidação por parte da empresa ou mesmo da polícia e de autoridades locais. Estas famílias não tiveram direito à informação e à negociação e não puderam contar com organizações populares locais fortes que pudessem representá-las no início do processo (Movimento dos Atingidos por Barragens, 2005).

A comunidade Kalunga de Limoeiro, município de Cavalcante, foi quase completamente inundada com a formação do reservatório da usina. A comunidade Rio Vermelho teve suas estradas de acesso inundadas, impossibilitando os trabalhadores de negociar sua produção e jovens e crianças de chegar à escola.

Segundo um antigo morador de Limoeiro, houve uma única reunião de negociação na comunidade, na qual estavam presentes um diretor e uma psicóloga da Companhia Energética Meridional (CEM), uma promotora de justiça do Município de Cavalcante e dois policiais militares, além de moradores (Observatório Socioambiental de Barragens/UFRJ).

O conflito entre as famílias de atingidos, organizados através do Movimento dos Atingidos por Barragens, e a empresa se acirrou quando a Tractebel-Suez – integrante do Grupo Suez, sediado na França e maior empresa privada do setor elétrico brasileiro – anunciou, em meados de maio de 2005, a captação de R$ 200 milhões de reais no mercado financeiro para pagar com “antecipação” um empréstimo tomado junto ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), em dezembro de 2000, para construir a Barragem de Cana Brava, em Goiás. Segundo a coordenação do MAB, esta ação se constituiu numa tentativa de desvincular-se dos compromissos com a população e das pressões do Banco (Repórter Brasil, 01/06/2005).

Seguem as ocupações à sede da UHE Cana Brava e à sede do Banco Interamericano para o Desenvolvimento (BID) em Brasília, assim como a luta pelos atingidos por barragens de todo o Brasil. O processo de abertura dos setores de energia latino americanos para corporações americanas e europeias, que teve início nos anos 1990, com reestruturações no setor em vários países, gerou um prejuízo incalculável para muitas famílias de trabalhadores latino americanas, já que as empresas demonstram negligenciar quase completamente os direitos das populações atingidas.

Contexto Ampliado

A barragem da Usina Hidrelétrica de Cana Brava localiza-se próxima à confluência entre o rio Tocantins e o rio Carmo  à jusante da UHE Serra da Mesa, em Goiás. A UHE Cana Brava é fruto de uma concessão dada à multinacional francesa Companhia Energética Mercosul Tractebel Energia. O empreendimento é o primeiro de grande porte realizado integralmente com capital privado, e entrou em operação em 2002.

O custo total do empreendimento foi de 426 milhões de dólares, tendo o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) como principais financiadores. No rio Tocantins estão localizadas ainda duas outras usinas hidrelétricas localizadas à jusante de Cana Brava, as UHEs Tucuruí e Lajeado.

Passados 12 anos das obras finalizadas, os habitantes dos municípios de Minaçu, Cavalcante e Colinas do Sul, que tiveram parte de sua área inundada, ainda não receberam as compensações previstas no Estudo de Impacto Ambiental(EIA), além de terem sofrido inúmeras violações de seus direitos (Movimento dos Atingidos por Barragens, 12/08/2013).

O Processo de licenciamento ambiental da UHE Cana Brava teve início junto à Fundação Estadual do Meio Ambiente de Goiás (FEMAGO), antecessora da Agência Goiana de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (SEMARH). A Licença Prévia (LP) foi emitida em 23 de outubro de 1995, com validade de 120 dias (LP nº 007/95). Porém, as exigências da LP não foram contempladas (Parecer nº. 69/201 IBAMA). Uma nova Licença Prévia foi emitida pelo órgão estadual em 02 de outubro de 1997 e contava com 27 condicionantes (Ministério do Meio Ambiente – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis/Parecer nº. 69/201). A Licença de Instalação do empreendimento foi concedida em 1998, tendo a UHE Cana Brava entrado em operação em 2002.

O EIA/Rima do empreendimento foi desenvolvido pela empresa IESA – Internacional de Engenharia S.A., a pedido de Furnas Centrais Elétricas S.A., e foi concluído em janeiro de 1989. O estudo trazia informações sobre locais alternativos para o empreendimento, no contexto de melhor aproveitamento do potencial hidráulico do rio Tocantins, informando ainda que os primeiros levantamentos técnicos datam da década de 1960.

Com o prosseguimento dos estudos, optou-se pela construção de duas barragens (AHE Cana Brava e AHE Serra da Mesa). Para o deslocamento compulsório, o EIA/Rima identificou a remoção de 109 famílias, a maior parte residindo no território de Minaçu, sendo estas fortemente ligadas à agropecuária e à extração de recursos minerais. No entanto, não consta nenhuma informação mais aprofundada a respeito do modo de vida dessas famílias. Como medida mitigadora para essa situação, o estudo indicou o remanejamento da população e a reativação da economia regional (Ministério do Meio Ambiente – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis/Parecer nº. 69/201).

Os setores econômicos afetados pelo empreendimento, de acordo com o relatório, seriam as atividades agropecuárias e a extração mineral. Sendo a agropecuária apontada como principal atividade econômica, tanto em área como em número de propriedades, concentrada na criação de gado de corte e na agricultura de subsistência. Estas atividades se caracterizam pela baixa utilização de tecnologia e pelo pouco uso de fertilizantes e agrotóxicos.

Os impactos do empreendimento na área social foram assim elencados: Deslocamento compulsório da população residente na Área Diretamente Afetada; alteração na estrutura social e econômica da população urbana; interferência na estrutura da cidade de Minaçu e Interferências sobre a infraestrutura regional (Ministério do Meio Ambiente – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis/Parecer nº. 69/201).

Como medida mitigadora em relação às perdas de áreas utilizadas para mineração, o EIA/Rima propôs um programa de incentivo à exploração mineral, buscando diminuir as perdas com esta atividade produtiva. No Programa de Controle dos Impactos Geológicos, o estudo apontava para o incentivo à exploração mineral racional no período anterior à formação do reservatório.

Quanto aos critérios de elegibilidade do atingido, a posição da empresa expressa no relatório é de que estas comunidades são constituídas por produtores rurais, trabalhadores assalariados, além de um pequeno contingente de garimpeiros que aí se estabeleceram em busca de melhores oportunidades. Para essa população, a Lei não confere obrigação de compensação pecuniária em caso de desapropriação da terra à qual se encontram vinculados: a segurança só existe para os que detêm a propriedade fundiária (Ministério do Meio Ambiente – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis/Parecer nº. 69/201).

De acordo com o Contrato Público nº 185/98, o Governo Brasileiro autorizou o grupo CEM/Tractebel a construir a barragem de Cana Brava, sendo que o grupo ficou obrigado a desapropriar áreas destinadas ao lago artificial, identificar as populações atingidas e conceder às mesmas famílias reassentamento rural coletivo (Fortes, 2010).

Cerca de 700 famílias foram identificadas para fins de reassentamento, mas apenas 44 famílias foram de fato beneficiadas; o restante forma um contingente pauperizado que foi precariamente incorporado à Cidade de Minaçu.

A breve observação sobre o texto do EIA/Rima de Cana Brava colocada anteriormente nos leva a dois pontos: o relatório que embasa a instalação do empreendimento reconhece a dimensão do prejuízo causado às populações locais. E estabelece uma série de medidas compensatórias que não foram sequer cumpridas. Esta situação mobiliza há muitos anos a luta dos atingidos organizados através do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).

De acordo com pesquisa realizada pelo Observatório Socioambiental de Barragens da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), através do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (IPPUR) e do Laboratório Estado, Trabalho, Território e Natureza (ETTERN), a construção da barragem inviabilizou a utilização do rio Tocantins e parte de seus afluentes, onde grande parte dos moradores praticava a atividade de garimpo em seu leito, e a atividade agrícola em terras próximas às suas margens. Esses atingidos pela Usina eram não-proprietários que dependiam de uma estratégia de sobrevivência que combinava essas duas atividades distintas praticadas na área de influência direta do projeto: o cultivo de subsistência em áreas de terceiros, predominantemente praticado durante o inverno, e o garimpo durante o verão. Por esse motivo, mesmo vivendo fora da área considerada de influência direta do projeto, os residentes de Vila Buriti, por exemplo, foram atingidos pela construção da UHE Cana Brava, pois perderam seus empregos e formas de sustento (Observatório Socioambiental de Barragens/UFRJ).

Algumas localidades do município de Cavalcante, como Vila Vermelha, tiveram suas estradas de acesso inundadas. Com isso, a qualidade de vida dos moradores se deteriorou, permanecendo impossibilitados de negociar a produção excedente devido à dificuldade de escoamento. A escola que existia em Vila Buriti, com mais de 70 crianças matriculadas antes da construção da barragem, foi fechada depois da conclusão da obra por falta de alunos, já que as estradas de acesso estavam inundadas. Muitos professores ficaram sem emprego e tiveram que deixar a vila. A escola mais próxima fica no centro de Minaçu; com a falta de transporte público na vila, as crianças costumam ir de bicicleta e levam aproximadamente 40 minutos até ela (Observatório Socioambiental de Barragens/UFRJ).

A localidade Limoeiro, também no Município de Cavalcante, é formada por cerca de 40 famílias remanescentes do quilombo Kalunga, e foi quase completamente inundada com a formação do reservatório.

Na região, a modalidade mais adotada de reparação às famílias foi a carta de crédito, rural ou urana, no valor de R$ 5.300,00. Segundo um antigo morador de Limoeiro, houve uma única reunião de negociação na comunidade, na qual estavam presentes um diretor e uma psicóloga da Companhia Energética Meridional (CEM), uma promotora de justiça do Município de Cavalcante e dois policiais militares, além de moradores (Observatório Socioambiental de Barragens/UFRJ).

O relato do Observatório Socioambiental de Barragens da UFRJ sobre Cana Brava aponta ainda que algumas famílias de Limoeiro optaram por imóveis urbanos. Assim, tiveram dificuldades em se adaptar ao novo modo de vida: uma vez esgotados os recursos recebidos como reparação com o aumento dos gastos, sem a terra para cultivo e com as restrições no mercado de trabalho urbano, as famílias se viram sem nenhuma fonte de renda.

Ainda de acordo com a pesquisa do Observatório, nas imediações de Limoeiro havia dois cemitérios: um para adultos, com aproximadamente 200 corpos, e um para crianças, com 32 corpos. Antes da inundação, ficou acordado entre a empresa e as famílias que os corpos seriam exumados e sepultados em outro local. No entanto, este acordo não foi cumprido e nenhum corpo foi retirado (Observatório Socioambiental de Barragens/UFRJ).

Dentre os grupos atingidos, os Avá-Canoeiro, representados por uma família com seis integrantes sobreviventes de um massacre ocorrido em 1969 que matou 150 indígenas da etnia. Durante 12 anos após a chacina, a matriarca Matcha, grávida na ocasião, fugiu para a mata com uma irmã e mais um integrante da tribo. Os três viveram em cavernas, como nômades, até aceitarem a tutela da Fundação Nacional do Índio (Funai), em 1981. A instalação da Usina Hidrelétrica Serra da Mesa lhes tirou definitivamente o território, quando as cavernas foram alagadas pela represa (Barreto, 26 de fevereiro de 2014).

Quando entrou operação a UHE Cana Brava em 2002, o Ministério Público Federal acatou denúncias de que a construção da barragem não cumpriu a legislação ao deixar na área inundada a mata original. Isso causou, entre outros problemas, o apodrecimento da água, comprometendo a reprodução da fauna aquática represada no lago artificial e a utilização do pescado como fonte de alimentos para a comunidade indígena, assim como para as demais comunidades que vivem da pesca na região do entorno da represa   (Mapa de Conflitos Ambientais envolvendo Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil).

Diante da mobilização do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) assinou um protocolo de intenções, em 15 de novembro de 2002, para a realização de uma Auditoria Social com o intuito de averiguar possíveis irregularidades no processo de indenização e remoção da população afetada. As principais reivindicações diziam respeito aos critérios de elegibilidade para reassentamento e o não cumprimento de compromissos feitos na época da construção do projeto (Ecoa, 24/05/2005).

De acordo com o Relatório de impacto socioambiental, realizado no ano 2000 por um dos financiadores do projeto, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), 258 famílias foram compulsoriamente deslocadas. Já os dados do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) contabilizam 986 famílias (Parecer nº. 69/201 IBAMA).

O conflito entre as famílias de atingidos, organizados através do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e a empresa se acirrou quando a Tractebel-Suezanunciou, em meados de maio de 2005, a captação de R$ 200 milhões de reais no mercado financeiro para pagar com antecipação um empréstimo tomado junto ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), em dezembro de 2000, para construir a Barragem de Cana Brava, em Goiás. Segundo a coordenação do MAB, esta ação se constituiu numa tentativa de desvincular-se dos compromissos com a população e das pressões do Banco (Repórter Brasil, 01/06/2005).

Neste momento, a usina estava em operação há três anos e já tinha expulsado 986 famílias, das quais cerca de 70% ainda não haviam recebido qualquer tipo de compensação acordada inicialmente. Segundo informações do MAB, as poucas indenizações distribuídas giravam em torno de cinco mil reais, mas havia casos de indenizações de 500 reais e até de 39 reais, de acordo com o movimento (Ecoa, 24/05/2005).

Em 2005, o Centro de Mídia Independente (CMI-Brasil) fez denúncias contra FURNAS e CEM/TRACTEBEL junto à Polícia Federal, Ministério Público Federal (MPF), Presidência da República, Senado Federal, Câmara dos Deputados, Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), e outros órgãos nacionais/federais. De acordo com o advogado Júlio Fortes, cerca de 150 escrituras públicas tiveram o conteúdo adulterado pela Tractebel e, por esse motivo, estava em tramitação na Delegacia de Polícia de Minaçu um inquérito policial acusando a empresa de adulteração de documento público, estelionato e formação de quadrilha. As adulterações representam uma economia de R$ 60 milhões para a empresa (Fortes, 2006).

Diante da pressão exercida pelas famílias de atingidos, organizadas através do MAB, e de diversos setores da sociedade, o BID iniciou um processo de verificação do cumprimento das diretrizes de responsabilidade social pela Tractebel. Três relatórios foram produzidos por comissões contratadas pelo BID. Estes relatórios confirmaram arbitrariedades da Tractebel, mas também da própria agência financiadora com relação aos direitos das famílias atingidas, como aprovação de plano de reassentamento substancialmente incompleto em áreas cruciais, atenção insuficiente à análise do empobrecimento e à viabilidade econômica e social pós-reassentamento de grupos vulneráveis atingidos etc (Repórter Brasil, 01/06/2005).

Ainda em 2005, uma comissão especial foi formada pelo Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH) da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR) para analisar denúncias de violação de direitos na construção e implantação de barragens. Foram constatados 16 direitos humanos violados na UHE Cana Brava, como o direito à informação e à participação, direito à liberdade de reunião, associação e expressão, direito ao trabalho e a um padrão digno de vida, direito de ir e vir, direito à moradia adequada, direito à educação, direito à plena reparação das perdas etc (MAB, 12/08/2013).

Mesmo assim, a empresa não tomou qualquer atitude no sentido de direcionar mais recursos para a compensação das vítimas da construção da barragem, a não ser a opção de deixar as terras nas quais trabalhavam e moravam. Para o MAB isto aconteceria, principalmente, por a empresa pretender construir ainda outras barragens na região, sem interesse portanto em abrir um precedente de atender aos direitos das famílias desalojadas: As empresas construtoras estão acostumadas a construir hidrelétricas e contabilizar apenas o custo para erguer o muro e instalar as turbinas. À população atingida resta a polícia para realizar os despejos. A Tractebel quer que continue assim, por isso não quer ter mais custos nos investimentos que pretende fazer no país, revelou Gilberto Cervinski, da coordenação nacional do MAB em Brasília (Ecoa, 24/05/2005).

Ele afirmou ainda que a situação em Cana Brava demonstra a falência do modelo energético brasileiro e a incapacidade do judiciário e dos órgãos públicos responsáveis pelo licenciamento em garantir os direitos mínimos do povo que está perdendo tudo por conta das barragens. O MAB há dois anos pede a intervenção do Governo Federal e do Ministério das Minas e Energia para que este exija da Tractebel a solução dos problemas em Cana Brava. Mas o governo tem feito vista-grossa, com medo de afugentar investidores (Ecoa, 24/05/2005).

Desse modo, as famílias lançaram mão da estratégia de luta mais utilizada pelos movimentos sociais para intensificar a pressão sobre as empresas: o MAB ocupou a barragem de Cana Brava no dia 22 de maio de 2005. Ainda assim, a direção da barragem permaneceu sem estabelecer um diálogo com as famílias atingidas e, ao invés disso, nodia 25 acionou a Polícia Militar que, em sua incursão no acampamento, feriu 10 pessoas e prendeu a dirigente do MAB, Cristiane Nadalete (Repórter Brasil, 01/06/2005).

Em primeiro de junho de 2005, cerca de 300 agricultores ocuparam a sede do BID em Brasília exigindo uma solução para o impasse que afetava a vida das mais de 900 famílias expropriadas pelo processo de construção da usina hidrelétrica de Cana Brava (Repórter Brasil, 2005). Mesmo após tentativa de intimidação, 150 famílias continuaram acampadas em frente ao portão da barragem.

Na pauta de reivindicações apresentada ao BID e ao escritório da Tractebel-Suez no Brasil no momento da ocupação, o MAB exigiu que os recursos da empresa fossem prioritariamente investidos na solução dos problemas socioambientais causados pela barragem.

Estudos divulgados pelo movimento alegavam que, em função da barragem, foram registrados na região focos de dengue e contaminação de mais de 1500 cabeças de gado por raiva animal. Além disso, o movimento demandava ainda o reassentamento imediato de 580 famílias, ajuda mensal no valor de R$ 300 para as 986 famílias atingidas, crédito no valor de R$ 3.000 por família para que estas pudessem investir na produção para recuperação da renda perdida, e revisão das indenizações já concedidas. Do Governo Federal, o MAB exigia suspensão da Licença de Operação da barragem, fornecimento de cestas básicas, subsídio para o preço da energia elétrica, linhas de crédito especiais aos atingidos, e recursos voltados para a reforma das habitações e construção de casas novas (Repórter Brasil, 2005).

Ainda em 2005, o Relator Nacional para os Direitos Humanos à Alimentação Adequada, Água e Terra Rural, da Plataforma DhESC Brasil, Flávio Valente, da Plataforma,visitou a região da UHE Cana Brava e, com base nas informações obtidas, afirmou: Há fortíssimos indícios de irregularidades na realização do processo de licenciamento para a construção e de identificação das famílias afetadas pela Barragem de Cana Brava.

Na ocasião, foi verificado que centenas de famílias não tiveram seu direito à reparação reconhecido porque não puderam comprovar a legalidade das ocupações produtivas que desenvolviam na região. Além disso, grande parte das famílias foi desalojada sob coação e intimidação por parte da empresa e mesmo da polícia e autoridades locais. Estas famílias não tiveram direito à informação e à negociação e não puderam contar com organizações populares locais fortes que pudessem representá-los no início do processo (Movimento dos Atingidos por Barragens, 2005).

Em 2006, um grupo de militantes do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) chegou em Minaçu., O MAB foi com o intuito de alertar novamente a população sobre as consequências da formação da barragem. De acordo com Goulart (2006), Agenor Costa e Silva, 37, coordenador do MAB em Minaçu, contou que, na ocasião das primeiras instalações da Tractebel Energia na cidade, a empresa ofereceu um churrasco de apresentação em que foram feitas promessas de que a usina traria desenvolvimento e dinheiro para todos. Inicialmente, o plano de indenização e reassentamento previsto no projeto englobaria todas as pessoas que tivessem vínculo efetivo de moradia ou natureza econômica com a terra ou com a propriedade afetada, independente da condição de proprietário ou não-proprietário. Entretanto, de acordo com o MAB, das 900 famílias que viviam na região apenas 44 foram efetivamente beneficiadas por indenizações (Goulart, 2006).

Dessa forma, entraram no processo de indenização apenas as famílias cadastradas. De acordo com o MAB, para não cadastrar as demais famílias, a Tractebel tentava enquadrá-las em critérios de inelegibilidade. E os valores indenizados não permitiam que as famílias sequer adquirissem outro imóvel ou terreno (Goulart, 2006).

Em 2007, o Ministério Público Federal moveu uma Ação Civil Pública contra as empresas do consórcio da UHE Cana Brava, solicitando a reparação da vegetação retirada do entorno do reservatório (Mapa de Conflitos Ambientais envolvendo Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil).

Em 21/05/2010, mediante decisão judicial da 3ª Vara da Justiça Federal Seção Judiciária do Estado de Goiás, no âmbito da Ação Civil Pública nº 2007.35.00.007454-0, ficou definida a transferência do licenciamento ambiental da UHE Cana Brava ao IBAMA, devendo a Agência Ambiental Goiana do Meio Ambiente AGMA remeter-lhe toda a documentação respectiva que estiver em seu poder (Ministério do Meio Ambiente – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis/Parecer nº. 69/201).

Em 17 de outubro de 2011, foi encaminhado Ofício Circular do IBAMA/GO para, além do empreendedor, ao Ministério Público Estadual em Minaçu, Núcleo Estratégico de Gestão Socioambiental do MME, Procuradoria da República em Goiás, Secretaria do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos de Goiás, Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Goiás convidando para reunião na sede do IBAMA, em Brasília, para discussão dos passivos ambientais da implantação do empreendimento (Ministério do Meio Ambiente – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis/Parecer nº. 69/201).

Em meados de outubro, as famílias se reuniram com MPF/GO, Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa e representantes da empresa para uma nova tentativa de solucionar os problemas das famílias atingidas pela UHE (Ministério do Meio Ambiente – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis/Parecer nº. 69/201).

Em março de 2012, mais uma vez foi realizada uma reunião na sede do IBAMA em Brasília, com o MAB e a Secretaria Geral da Presidência da República, para avaliar o andamento do processo iniciado no ano anterior. Em 22 de março um despacho do IBAMA solicitou a formação de uma força-tarefa com analistas do meio socioeconômico para a análise dos possíveis passivos sociais e proposição de metodologia para tratamento dos casos, segundo o órgão. Em 4 e 14 de maio de 2012, novas reuniões para discutir o mesmo tema (Ministério do Meio Ambiente – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis/Parecer nº. 69/201).

Apesar do número de reuniões, nada foi feito. Em 11 de agosto de 2013, cerca de 400 famílias atingidas por barragens ocuparam o portão de entrada da Usina Hidrelétrica de Cana Brava. Dias depois, nova reunião, com representantes do Ministério Público Federal (MPF), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), Comissão de Direitos Humanos (CDH) da Assembleia Legislativa de Goiás e da Suez Tractebel; dessa vez, para tentar chegar a um acordo em relação às reivindicações dos atingidos.

Na pauta do MAB, mais uma vez também, estava o pagamento das indenizações e reassentamentos de cerca de 500 famílias. Casos como esses são frequentes, por isso, em agosto de 2013, o MAB realizou a entrega da proposta de uma Política Nacional dos Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB) à Secretaria Geral da Presidência da República para criação de uma política pública que dê garantia, através de um marco legal, aos direitos dos atingidos (MAB, 12/08/2013).

Para a coordenadora nacional do MAB, Ivanei Dalla Costa, a UHE Cana Brava é mais um exemplo da necessidade de implementação da PNAB. A única lei que versa sobre os atingidos é de 1941 e garante indenização apenas aos atingidos com posse legal da terra. Em compensação, essa ausência de leis para os atingidos contrasta com o enorme marco regulatório do setor elétrico, afirmou (MAB, 12/08/2013).

Cronologia

23 de outubro 1995 – Licença Prévia (LP) do empreendimento é emitida.

02 de outubro de 1997 – Nova Licença Prévia emitida pelo órgão.

1998 – Licença de Instalação do empreendimento é concedida.

2002 – UHE Cana Brava entra em operação.

15 de novembro de 2002 – Diante da mobilização do Movimento dos Atingidos por Barrgens (MAB), o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) assina um protocolo de intenções para a realização de uma Auditoria Social com o intuito de averiguar possíveis irregularidades no processo de indenização e remoção da população afetada.

22 de maio de 2005 – Famílias atingidas, organizadas pelo MAB, ocupam a barragem de Cana Brava. Ainda assim a direção da barragem permanece sem estabelecer um diálogo com as famílias atingidas e, ao invés disso, no dia 25 aciona a Polícia Militar.

Maio de 2005 – Tractebel-Suez anuncia captação de R$ 200 milhões de reais no mercado financeiro para pagar com antecipação um empréstimo tomado junto ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), em dezembro de 2000, para construir a Barragem de Cana Brava em Goiás.

2005 – Comissão especial é formada pelo Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH) para analisar denúncias de violação de direitos na construção e implantação de barragens.

2005 – Centro de Mídia Independente (Cimi-Brasil) faz denúncias contra FURNAS e CEM/TRACTEBEL junto à Polícia Federal, Ministério Público Federal, Presidência da República, Senado Federal, Câmara dos Deputados, Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e outros órgãos nacionais/federais.

2006 – Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) chega em Minaçu.

2007 – Ministério Público Federal move uma Ação Civil Pública contra as empresas do consórcio da UHE Cana Brava, solicitando a reparação da vegetação retirada de onde se encontra o reservatório.

21/05/2010 – Mediante decisão judicial da 3ª Vara da Justiça Federal fica definida a transferência do licenciamento ambiental da UHE Cana Brava ao Ibama, devendo a Agência Ambiental Goiana do Meio Ambiente AGMA remeter-lhe toda a documentação respectiva que estivesse em seu poder.

17 de outubro de 2011 – Encaminhado Ofício Circular do IBAMA/GO ao empreendedor, Ministério Público Estadual em Minaçu, Núcleo Estratégico de Gestão Socioambiental do MME, Procuradoria da República em Goiás, Secretaria do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos de Goiás, e Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Goiás convidando para reunião na sede do Ibama, em Brasília, para discussão dos passivos ambientais da implantação do empreendimento.

Outubro de 2011 – Famílias se reúnem com MPF/GO, Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa e representantes da empresa para uma nova tentativa de solução dos problemas das famílias atingidas pela UHE.

Março de 2012 – Reunião na sede do IBAMA em Brasília, com MAB e Secretaria Geral da Presidência da República para avaliar o andamento do processo iniciado no ano anterior.

22 de março – Despacho do IBAMA solicita a formação de uma força-tarefa com analistas do meio socioeconômico para a análise dos possíveis passivos sociais e proposição de metodologia para tratamento dos casos, segundo o órgão.

Em 4 e 14 de maio de 2012 – Novas reuniões para discutir o mesmo tema.

Agosto de 2013: MAB entrega proposta da Política Nacional dos Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB) à Secretaria Geral da Presidência da República.

11 de agosto de 2013 – Cerca de 400 famílias atingidas por barragens ocupam o portão de entrada da Usina Hidrelétrica de Cana Brava.

Fontes

BARRETO, André. Os últimos Avá Canoeiros. 28/02/2014. Disponível em: http://goo.gl/UckuYe. Acesso em: 22 fev. 2014.

BRASIL DE FATO. Atingidos por barragens ocupam Usina Hidrelétrica de Cana Brava. 13/08/2013. Disponível em: http://goo.gl/WpyVqj. Acesso em: 23 fev. 2014.

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