AM – Sem salvaguardas territoriais, povos indígenas em Barcelos são ameaçados por projetos turísticos e pela pesca predatória da região do Baixo Rio Negro

UF: AM

Município Atingido: Santa Isabel do Rio Negro (AM)

Outros Municípios: Barcelos (AM), Santa Isabel do Rio Negro (AM)

População: Povos indígenas

Atividades Geradoras do Conflito: Atividades pesqueiras, aquicultura, carcinicultura e maricultura, Atuação de entidades governamentais, Extrativismo comercial, Indústria do turismo

Impactos Socioambientais: Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, Falta / irregularidade na demarcação de território tradicional, Pesca ou caça predatória

Danos à Saúde: Doenças transmissíveis, Piora na qualidade de vida, Violência – ameaça, Violência – lesão corporal

Síntese

Indígenas das etnias Baré, Tucano, Desana, Baniwa, Werequena, Tariana, Arapaço, Tuyuca, Piratapuia, Apurinã, Lanaua e Canamari do baixo rio Negro (municípios de Barcelos e Santa Izabel do Rio Negro) se encontram numa complexa rede de discriminação e exploração de sua mão-de-obra. Esta situação os obriga a lutar contra a exploração pelos “patrões” nos piaçabais (e a doença de Chagas que adquirem nesses locais), contra a invasão de seu território tradicional pelo turismo de selva (especialmente hotéis e empresários que promovem a pesca esportiva), contra a pesca predatória promovida pelos chamados “geleiros” e a discriminação que sofrem na periferia dos municípios. Paralelamente, lutam contra a morosidade da Fundação Nacional do Índio (Funai) em demarcar seus territórios e garantir a perenidade de seus recursos naturais.

Contexto Ampliado

Localizado no norte do Amazonas e com cerca de 120.000 km², o município de Barcelos é o maior município do Estado. Com 25.000 habitantes, possui hoje uma significativa comunidade indígena urbana, espalhada pelos bairros de Aparecida, São Sebastião, São Lázaro, São Francisco ou Sororocal, Nazaré, Mariuá e Centro. Contudo, a população indígena do baixo rio Negro também se encontra espalhada por comunidades em toda a extensão do mesmo e no município vizinho de Santa Izabel do Rio Negro.

As comunidades são unidades residenciais situadas fora das sedes municipais, a distâncias variadas, mas em geral situadas longe dos núcleos urbanos. Possuem escola, posto de saúde, capela (católica ou evangélica), centro comunitário (também chamado de sede), campo de futebol e voleibol. A maioria possui aparelhos de radiofonia, em comunicação com a central instalada pela paróquia de Barcelos por volta de 1994.

Os índios da região são membros das etnias Tucano, Desana, Baniwa, Werequena, Tariana, Arapaço, Tuyuca, Piratapuia, Apurinã, Lanaua e Canamari, atualmente articuladas em duas associações indígenas: a Associação Indígena de Barcelos (Asiba) e Associação Indígena de Floresta e Padauiri (AIFP). Essas associações mantêm relações com entidades do movimento indígena de expressão regional e nacional como a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN) e a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab).
Como diversas etnias e povos ligados a essas instituições, os índios do baixo rio Negro têm em comum uma história de lutas e conflitos com empresários e o poder público da região, além de estarem sujeitos à morosidade das instituições e da política indigenista do governo federal – especialmente em relação à questão fundiária.

Tradicionalmente, os índios desses municípios estão ligados à exploração dos piaçabais, de onde retiram seu sustento. Porém, no baixo rio Negro a extração da piaçaba só é possível em determinadas épocas do ano e em locais de difícil acesso, próximos às cabeceiras dos rios e em igarapés. Por este motivo, as famílias indígenas são geralmente obrigadas a se internarem nesses locais para um maior aproveitamento da temporada. Tal permanência exige que essas famílias adquiram todas as mercadorias de que necessitarão em estabelecimentos controlados pelo chamado “patrão”, um intermediário que, além de adquirir toda a produção (excluindo uma comissão de 20% chamada localmente de “tara”), tem exclusividade no comércio com essas famílias. Em geral, o patrão fornece todos os produtos muito acima do preço médio da região. Essa situação mantém os índios permanentemente endividados junto aos patrões, num ciclo de exploração e dívida que pode perdurar por longos anos. Tal regime de trabalho é considerado como análogo ao trabalho escravo.

A longa permanência nos piaçabais também sujeita os chamados “índios piaçabeiros” à contaminação pela doença de Chagas, pois os piaçabais do rio Negro são o principal ecossistema do Rhodnius brethesi, principal vetor do Tripanozoma Cruzi na Amazônia. Segundo inquérito sorológico realizado por pesquisadores ligados ao Instituto Oswaldo Cruz (IOC), da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), entre 1991 e 2002, a prevalência da infecção chagástica nesses locais chegava a até 5%.

Outro problema enfrentado pelos indígenas do baixo rio Negro é a concorrência desigual com os chamados barcos “geleiros”. Esses barcos são equipados com freezers e com uma tripulação de até 12 pescadores, podendo permanecer pescando por até 15 dias. Quando retornam estão carregados com até 6 toneladas de pescado, especialmente de tucunarés, tartarugas e até peixes-boi. A ação desses barcos pesqueiros tem diminuído a disponibilidade de peixes na região. O pescado se constitui como um importante elemento, isto é, a principal fonte de proteína animal da alimentação indígena, e a pesca predatória tem afetado essa dieta.

Os barcos geleiros não são os únicos a concorrerem com os índios pelos peixes da região. O tucunaré também atrai pescadores esportivos de todo o mundo para Barcelos, o que coloca o município em posição de destaque em relação ao chamado turismo de selva do Estado do Amazonas. Ciente desse fato, a prefeitura de Barcelos apresentou um projeto para a implantação de um complexo eco-turístico à Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa). O projeto, orçado em R$ 1,1 milhão, prevê a construção de um museu temático, um ancoradouro, treinamento de pessoal e organização das empresas turísticas instaladas no município. Além disso, contempla a elaboração do Plano Diretor de Turismo – para implementar ações municipais e da iniciativa privada, e infra-estrutura de apoio e recepção de turistas – e o plano de gestão do arquipélago fluvial de Mariuá.

O Estado do Amazonas mantém ainda dois programas de implantação do ecoturismo e da pesca esportiva. Um deles, o Proecotur, é financiado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BIRD), e prevê a destinação de sessenta mil dólares a serem aplicados na criação de infra-estruturas em Barcelos: um centro de atendimento ao turista, um porto fluvial e a sinalização turística da cidade. O outro programa é o convênio de cooperação técnica para organizar a pesca esportiva no município, com participação da Secretaria de Cultura, Turismo e Desporto do Estado do Amazonas, do Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam), do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e da prefeitura de Barcelos.
Apesar da importância de tais projetos, vislumbra-se a ocorrência de impactos sobre o ecossistema e as populações tradicionais da região. Os projetos”não estão sendo discutidos, em todas as suas fases de implementação, com os grupos indígenas e ribeirinhos envolvidos”.

Como salienta Sidnei Peres em recente artigo, estas populações indígenas e ribeirinhas correm o risco de serem usadas como “meros canais para captação de verbas pelas elites políticas regionais e municipais, (…) [e] para a sua perpetuação no poder em detrimento dos direitos de uso coletivo da terra de populações tradicionais amazônicas”.

Esta perspectiva pode ser ilustrada pela denúncia apresentada por Dilsa Tomas Melo, representante da Asiba, durante o I Seminário Brasileiro Contra o Racismo Ambiental, realizado em Niterói, Rio de Janeiro, em 2006. Segundo ela, a partir de 2000, tem aumentado o afluxo de turistas interessados em pesca esportiva , o que tem ocasionado episódios de violência contra os indígenas da região, por parte de empresários ligados ao ramo hoteleiro do município. Além da apreensão de equipamentos dos índios, esse segmento os expulsa de suas terras.

Em artigo apresentado durante na 2ª Reunião Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ambiente e Sociedade (Anppas), em 2004, Sidnei Peres já denunciava essa situação, afirmando que o proprietário do hotel, Rio Negro Lodge, Phillipe Marsteller, representante da empresa “Amazon Tours” no Brasil, proibia os moradores dos sítios vizinhos de caçar, ameaçando chamar a polícia e tomar as suas espingardas. Ele também teria expulsado uma família Werequena do seu sítio, além de pressionar outras famílias indígenas a abandonarem seus sítios. Já teriam ocorrido vários conflitos entre ele e os moradores da comunidade Cumaru – que é composta por índios Tucano, Desana, Baniwa e Baré.

Por último, mas não menos importante, cabe destacar o papel da Funai nessa situação.A morosidade da Fundação Nacional do Índio para concluir o processo de demarcação de terras na região estaria permitindo a permanência desse estado de coisas. Dada a indefinição da situação fundiária dos índios, existem poucas alternativas legais que os mesmos possam acionar a justiça para fazer garantir seus direitos. O processo de demarcação teve início em 2007 quando a Funai “pelas portarias nº 12, de 12 de janeiro de 2007, e nº 476, de 29 de maio de 2007 ” criou dois Grupos Técnicos de Identificação de Terras Indígenas., Com agendas e equipes diferentes, esses grupos realizaram pesquisas de campo para entender os usos e costumes tradicionais destas populações, por meio de visitas e entrevistas nas comunidades, e concluíram os estudos no início do segundo semestre de 2007.

Até o momento, as terras permanecem apenas identificadas. No dia 03 de outubro de 2008, a Associação Indígena de Floresta e Padauiri (AIFP) e a Associação Indígena de Barcelos (Asiba) realizaram assembléia para discutir esse tema. Em setembro já haviam participado de reunião com o presidente da Funai em Brasília, sem, contudo, terem conseguido sensibilizar as autoridades a encaminhar o processo com a celeridade prevista na lei.

Última atualização em: 14 de outubro de 2009

Fontes

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INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL. Comunidades indígenas do Médio Rio Negro (AM) discutem demarcação de suas terras. Disponível em: http://www.povosindigenas.org.br/noticias/nsa/nsa/detalhe?id=2763. Acesso em: 24 nov. 2008.

MELO, Dilsa Tomas. Depoimento de Dilsa Tomas Melo, liderança indígena Baré da Associação Indígena de Barcelos/AM.In: HERCULANO, Selene e PACHECO, Tania. Racismo Ambiental: I Seminário Brasileiro Contra o Recismo Ambiental. Rio de Janeiro: Projeto Brasil Sustentável e Democrático:FASE, 2006. pp. 200-203.

MENEZES, Elieyd Sousa de. Identidade Coletiva e Direitos Territoriais: Os Piaçabeiros do Rio Aracá. PROJETO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA PIBIC pela Universidade Federal do Amazonas. Alfredo Wagner Berno de Almeida (Orientador), 2009.

MENEZES, Elieyd Sousa de Carvalho, F.P. , ALMEIDA, A.W.B. . Piaçabeiros do Rio Aracá – Barcelos. Manaus: Editora da Universidade do Amazonas, 2007 (Brochura).

PERES. Sidnei. Turismo de Natureza e Povos Indígenas: uma breve etnografia dos conflitos socioambientais no Baixo Rio Negro, Amazonas. Disponível em: http://www.anppas.org.br/encontro_anual/encontro2/GT/GT15/sidnei.pdf. Acesso em: 24 nov. 2008.

_______________. Cultura, política e identidade na Amazônia: o associativismo indígena no Baixo Rio Negro. ANTHROPOLÓGICAS. Recife. ano 7, vol 14, 2003. (Antropologia indígena). ISSN 1516-7372. Disponível em: http://www.ufpe.br/revistaanthropologicas/internas/volumes-anteriores-14.php. Acesso em: 24 nov. 2008.

VIÑAS, Pedro Albajar et al. A infecção chagásica entre os índios paçabeiros da Amazônia.In: HERCULANO, Selene e PACHECO, Tania. Racismo Ambiental: I Seminário Brasileiro Contra o Recismo Ambiental. Rio de Janeiro: Projeto Brasil Sustentável e Democrático:FASE, 2006. pp. 119-125.

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