Povos indígenas do Vale do Javari sofrem com falta de atendimento médico e violência do garimpo e da pesca ilegal, associados ao narcotráfico

UF: AM

Município Atingido: Atalaia do Norte (AM)

Outros Municípios: Benjamin Constant (AM), Eirunepé (AM), Ipixuna (AM), Jutaí (AM), São Paulo de Olivença (AM), Tabatinga (AM)

População: Povos indígenas

Atividades Geradoras do Conflito: Atuação de entidades governamentais, Políticas públicas e legislação ambiental

Impactos Socioambientais: Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, Invasão / dano a área protegida ou unidade de conservação

Danos à Saúde: Doenças não transmissíveis ou crônicas, Doenças transmissíveis, Falta de atendimento médico

Síntese

Vivendo em terra indígena homologada de mais de 8,5 milhões de hectares, as cerca de 6.300 pessoas, segundo dados do Dsei Vale do Javari, das etnias Kanamari, Kulina, Pano, Matis, Matsés, Korubo, Tsohom Djapá e Marubo (além de diversos outros povos isolados), da TI Vale do Javari, sofrem de um problema comum: ameaças de atividades ilegais e falta de atendimento médico.

Espalhados por imensas áreas de florestas, rios e igarapés, os povos dessa região estão sujeitos não apenas às doenças tropicais, mas também às trazidas pelo contato forçado com populações não indígenas. Depois de décadas de luta pela demarcação de suas terras, esses povos agora se veem ameaçados por doenças como a hepatite A, B, C e Delta, malária, câncer de fígado, meningite, tuberculose e, desde 2020, a covid-19.

Na “Carta de Reivindicação” veiculada no dia 18 de outubro de 2005, no decorrer de uma das ocupações da sede do Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) em Atalaia do Norte, as lideranças afirmaram que os habitantes do Vale do Javari estavam “condenados pelas epidemias de hepatite (A, B, C e D)” e por outros agravos devido à “total falta de atendimento em suas aldeias”.

Apesar das recorrentes denúncias e campanhas promovidas por entidades indígenas locais, como a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e o Conselho Indígena do Vale do Javari (Civaja), e das também frequentes promessas governamentais, a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) do Ministério da Saúde (MS) ainda não havia conseguido implementar uma política de saúde indígena eficiente para o atendimento a esses povos. Enquanto isso, as mortes por doenças passíveis de prevenção se sucedem nas aldeias e as estatísticas seguem alarmantes, como a que informa que cerca de 90% da população indígena do Vale do Javari já contraiu malária.

O professor Rodrigo Oliveira B. Reis, coordenador do curso de Antropologia da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), do campus em Benjamin Constant (2013), também aponta os problemas vivenciados pelos diferentes povos que habitam a TI, tais como: altos índices de malária e hepatites, precariedade da educação escolar e conflitos decorrentes da invasão da TI por madeireiros, pescadores e caçadores.

Mortes e ameaças ocorrem por conta da violência causada pelo garimpo e pesca ilegais em associação com o narcotráfico na região. Essa situação coloca em risco a vida da população indígena, de agentes indigenistas e eventuais apoiadores da causa indígena, como os assassinatos do indigenista Maxciel Pereira dos Santos em 2019 e do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips em 2022. Esses últimos geraram grande repercussão internacional, causando revolta, desamparo e sentimento de insegurança entre os indígenas do Vale do Javari, que continuavam ameaçados pelos grupos em questão mesmo após os assassinatos.

 

Contexto Ampliado

A Terra Indígena (TI) do Vale do Javari compreende uma área homologada de 8.544.480 hectares no sudoeste do Estado do Amazonas, entre os rios Javari, Curuçá, Ituí, Itacoaí e Quixito, além dos altos cursos dos rios Jutaí e Jandiatuba. De acordo com a plataforma Povos Indígenas do Brasil, do Instituto Socioambiental (PIB/ISA) e o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), a TI está inserida no território de sete municípios (Atalaia do Norte, Benjamin Constant, Eirunepé, Ipixuna, Jutaí, Tabatinga e São Paulo de Olivença), e é considerada a segunda maior terra indígena do Brasil, depois da TI Yanomami (10.000.000 ha).

Demarcada em 2001, abriga em seu interior cerca de 6.300 pessoas, segundo dados do Dsei Vale do Javari de 2020, distribuídas por 48 aldeias das etnias Kanamari, Kulina, Pano, Matis, Matsés, Korubo, Tsohom Djapá e Marubo, além de 16 povos isolados, que correspondem a cerca de 30% dos indígenas isolados do Brasil. Entre as etnias brasileiras de contato recente com a sociedade nacional, 25% habitam a TI Vale do Javari.

A demarcação da terra indígena, porém, não pôs fim aos impactos do contato entre essas etnias e a sociedade nacional. Lideranças ligadas ao Conselho Indígena do Vale do Javari (Civaja) e à Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) denunciaram (em 2007) que a região sofria há mais de 15 anos com surtos de hepatites A, B, C e D, além de malária. Somente em 2006 foram diagnosticados cerca de 2.900 casos de malária, e 90% da população estaria contaminada.

A alta incidência da doença e o recorrente tratamento de seus sintomas com quinino têm contribuído para o desenvolvimento de casos de câncer de fígado decorrente da hepatite medicamentosa ocasionada por altas doses dessa substância. Portanto, uma das piores consequências do contato com a sociedade nacional é o alastramento de doenças infectocontagiosas.

Segundo Hilton Nascimento (2007), a região amazônica, “e o Vale do Javari em especial”, é hoje considerada uma das principais áreas endêmicas para hepatite B e D no mundo. Nascimento rastreia a origem dos surtos mais recentes de hepatite na região em uma aldeia Marubo que, a partir de 2001, registrou pelo menos um caso fatal por ano, e na qual, em 2003, pelo menos 17 pessoas da aldeia teriam sucumbido à doença.

Uma taxa de incidência extremamente alta se considerarmos que tais grupos se organizam em torno de pequenas populações espalhadas por grandes áreas. A expansão da doença entre essas comunidades tem impactos que vão além dos óbitos.

De acordo com Nascimento, a expansão da hepatite entre os Marubo – e, posteriormente, entre outras etnias da TI – reacendeu antigas rivalidades interétnicas (na qual uma visão mística em torno da doença teve papel importante, já que a enfermidade foi, em alguns casos, atribuída a encantamentos invocados por grupos rivais), provocando o abandono de diversas comunidades e a consequente migração para outros locais na bacia ou para a sede dos municípios próximos em busca de atendimento médico adequado.

Apesar das frequentes denúncias das organizações indígenas que atuam na região, como a Civaja, “inclusive, forçadas a levarem o caso às comissões de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) e da Organização das Nações Unidas (ONU)”, o Ministério da Saúde (inicialmente a partir da Fundação Nacional de Saúde – Funasa, e desde 2010 por meio da Secretaria Especial de Saúde Indígena – Sesai) continua sendo acusado de negligenciar a saúde indígena e permitir a expansão dessas doenças, que ameaçam até mesmo os povos isolados.

Em dezembro de 2006, a Funasa, em parceria com o Hospital de Medicina Tropical do Amazonas, realizou um inquérito sorológico para avaliar a extensão da epidemia, constatando que, de 309 indivíduos examinados, 56% eram portadores do vírus de hepatite B, índice muito acima dos 2% considerados aceitáveis pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

De acordo com a Agência Carta Maior, essa situação levou a Civaja a denunciar a Funasa como responsável por um genocídio e a exigir a realização de auditorias na entidade e no Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) em Atalaia do Norte. A Fundação se defendeu na época, afirmando ser vítima de má gestão de administrações anteriores e da dificuldade de manter profissionais na região, além da própria dispersão da população indígena em uma área de grande extensão. Depois de tantos anos de omissão, os indígenas do Vale do Javari exigiam respostas imediatas aos impactos da epidemia.

Em junho de 2007, a Agência Brasil noticiou que cerca de 800 pessoas da etnia Marubo teriam se recusado a participar do inquérito sorológico promovido pela Funasa, sob alegação de que a Fundação não estaria fornecendo os resultados dos exames a eles. A atitude era interpretada pelas entidades indígenas como decorrente da falta de transparência da Fundação.

A má repercussão do caso na imprensa nacional e internacional obrigou o governo federal a anunciar, em setembro de 2007, um plano nacional de promoção da saúde indígena e de atendimento de suas demandas. Chamado de Agenda Social dos Povos Indígenas (ou PAC Social dos Povos Indígenas), o plano previa investimentos de R$ 505,7 milhões até 2010. Desse total, R$ 200 milhões iriam para a Funasa e, o restante, para a Fundação Nacional do Índio (Funai) – o nome do órgão foi alterado para Fundação Nacional dos Povos Indígenas em 2023, mantendo a sigla.

Dentre as ações previstas, estavam a demarcação de 127 terras indígenas, a indenização e o reassentamento de nove mil famílias de trabalhadores rurais ocupantes de boa-fé de terras indígenas, a recuperação de dez mil hectares de áreas degradadas e a criação de territórios da cidadania, começando pelas áreas Alto Rio Negro, Vale do Javari e Raposa Serra do Sol.

Em janeiro de 2005, quatro meses depois do anúncio do PAC Social dos Povos Indígenas, jornais voltaram a informar que a precariedade do atendimento médico estaria obrigando os indígenas a procurar atendimento contra a malária do outro lado da fronteira com o Peru. Além disso, sete pessoas já teriam morrido em consequência da doença, entre elas cinco crianças. Aparentemente, nem a perspectiva de investimentos do governo federal, nem o Termo de Ajustamento de Conduta (assinado em agosto do ano anterior, por representantes da Funasa, da Funai, da prefeitura de Atalaia do Norte, do Ministério Público Federal e dos indígenas) foram suficientes para “motivar” as autoridades locais a investir na saúde indígena.

De acordo com carta divulgada em janeiro de 2008, assinada por lideranças indígenas do Vale do Javari – Clovis Rufino Reis – Coordenador do Civaja, Manoel Barbosa da Silva – Presidente da Associação de Desenvolvimento Sustentável do Aldo Rio Curuca (Asdec), Raimundo Nascimento Reis – Presidente da Associação Morubo de São Sebastião (Amas), Pedro Duarte Comapa – Presidente da Associação dos Moradores Indígenas de Atalaia do Norte (Amiatan), Aldeson da Silva Saldanha – Presidente da Associação Kanamary do Indígena do Vale do Javari (Akasava), Walciley Oliveira Duarte – Professor da Aldeia São Sebastião, André Chapiama Wadick e Baritiká Matis – coordenadores regionais do Civaja) – e intitulada “Indígenas do Vale do Javari pedem socorro”, estas seriam as ações necessárias para melhorar o atendimento médico na região e reverter a situação:

  1. “Adquirir quatro barcos ‘ambulância fluvial’ para remoção específica dos pacientes das calhas dos rios com referências hospitalares nas sedes municipais;
  2. Adquirir 50 (cinquenta) radiocomunicações para as comunidades indígenas, embarcações e ambulâncias fluviais para chamadas emergenciais;
  3. Iniciar imediatamente o tratamento dos pacientes portadores de hepatite com exames de biópsia já realizados e que até o presente momento estão sem receber tratamento. Caso não haja tratamento deles, os indígenas poderão recusar ou não aceitar mais as ações previstas por parte da Funasa – com isso, podendo prejudicar aos outros povos e, até mesmo, ações de saúde em todas as comunidades;
  4. Reativar a equipe de endemias do Dsei/Javari, dando condições estruturais e operacionais para funcionamento de fato no combate à malária na região, visto que a Fundação de Vigilância em Saúde do Estado do Amazonas não tem dado conta;
  5. Criar uma equipe específica para levantamento geral de tuberculose na terra indígena do Vale do Javari e iniciar o tratamento com urgência dos pacientes que já foram notificados para que não aconteça mais o que ocorreu com o indígena Aldinor Dionísio, que faleceu por tuberculose;
  6. Acelerar as construções dos quatro polos-base que ainda não foram iniciadas até esta data para funcionamento em breve das novas unidades de saúde no Vale do Javari, e instalações de geladeiras solares em todos os sete polos-base para acondicionamento das vacinas, para beneficiar as populações indígenas;
  7. Apoiar a perfuração dos oito poços iniciada pela Asavejava e Amas no médio rio Curuçá para abastecimento de água nas comunidades Mayuruna, Marubo e Kulina, bem como fazer outras obras de saneamento em todos os polos-base;
  8. Construção de quatro pistas de pouso nas comunidades de difícil acesso via transporte fluvial nos períodos de estiagem, principalmente nos polos-base dos médios rios da terra indígena do Vale do Javari;
  9. Nomeação imediata de um chefe da Casa de Saúde do Índio (Casai) de Atalaia do Norte, sendo o servidor do quadro da Funasa, tendo em vista que há muito tempo a referida Casai encontra-se sem chefia;
  10. Transformar o Dsei-Javari em uma unidade gestora, para agilizar ações de saúde previstas;
  11. Aquisição de transportes terrestres (carros) para suprir as necessidades da Casai e do Dsei-Javari. Atualmente, os profissionais usam motocicletas da Funasa para transportar pacientes nos locais de referência;
  12. Apoiar a realização da Assembleia Extraordinária dos Povos Indígenas do Vale do Javari, onde será apresentado o Plano de Ação Emergencial de Saúde para as Populações Indígenas do Vale do Javari, proposta das organizações indígenas aos seus parceiros, bem como outras atividades de Saúde do Dsei/Javari/Funasa”.

O mês de abril de 2008 marcou um dos primeiros vislumbres de mudanças nessa situação. Pressionada pela constante mobilização das organizações locais, a Fundação Nacional de Saúde iniciou, em articulação com a Marinha, o Exército e a Aeronáutica, a Operação Javari. De acordo com a Funasa, 60 profissionais da área de saúde percorreriam a região a bordo do Navio de Assistência Hospitalar Oswaldo Cruz, da Marinha, para realizar exames, atendimentos e imunizar a população indígena contra diversas doenças. Tal operação recebeu o apoio da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), cujo presidente, Jecinaldo Cabral, destacou que a mobilização de forças armadas na Operação Javari era um passo importante para garantir proteção e atenção à saúde indígena na região.

Em fevereiro de 2009, lideranças indígenas – membros da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) – estiveram presentes ao Fórum Social Mundial (FSM) para denunciar a continuidade da situação de precariedade da política de saúde indígena implantada na região, além da grande vulnerabilidade daquelas comunidades à epidemia de hepatite e malária. Jorge Marubo aproveitou a ocasião para denunciar internacionalmente a questão, prevendo: “Se nada for feito com urgência, nós vamos desaparecer em 20 ou 30 anos”.

De acordo com o Centro de Trabalho Indigenista (CTI), em “Informe sobre a Saúde na Terra Indígena Vale do Javari” (2010), outros membros da etnia relataram na ocasião como tal epidemia gerava sofrimento e dor entre os indígenas.

César Marubo afirmou em 2005: “Eu trabalhei dias e noites para minhas meninas viverem: chá, tabaco, reza, muito trabalho de pajé, mas elas morreram, as duas no mesmo dia, no meu colo. Fui para Cruzeiro do Sul, endoideci, queria morrer, comprava briga e só vivi porque meus amigos me arrastavam para fora do bar quando a situação engrossava demais”.

Apesar das constantes denúncias da Univaja e das diversas promessas de apoio angariadas durante o FSM, “tanto de instituições federais, quanto de atores internacionais”, a situação das populações indígenas do Vale do Javari tendia a se tornar ainda mais grave diante da falta de profissionais de saúde para atendimento da população local.

De acordo com manifesto de entidades de apoio e organizações indígenas, a reestruturação da Funai iria ser decidida por meio do decreto 7.056, assinado, em 28/12/2009, pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Segundo eles, o decreto de reestruturação, embora fosse uma reivindicação antiga dos povos indígenas, fechou administrações regionais e postos indígenas no país. Eles alegaram que o decreto foi aprovado sem participação de grupos indígenas, que não tiveram acesso ao conteúdo do texto antes de sua publicação.

Em setembro de 2010, mais de um ano após as denúncias acima relatadas, os poucos profissionais de saúde que ainda atuavam no Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) no Vale do Javari iniciaram paralisação, em consequência da falta de pagamento dos seus salários, por cinco meses. De acordo com o Cimi, com a paralisação, foram suspensos os serviços nas casas de apoio em Tabatinga e Atalaia do Norte, sendo as atividades do Dsei restritas aos atendimentos de urgência. Além disso, o atraso na disponibilização dos recursos também impedia o deslocamento de pacientes de comunidades mais distantes até o polo-base, já que não havia disponibilidade de combustível para as embarcações. Tal situação foi objeto de denúncia às autoridades de saúde pelos povos indígenas.

A transferência da responsabilidade sobre a política de saúde indígena da Funasa para a Secretaria Especial de Saúde Indígena do Ministério da Saúde (Sesai/MS), assim que criada, em 2010, não trouxe maior tranquilidade ao trabalho do Dsei do Vale do Javari. De acordo com denúncia da Univaja, veiculada pelo Núcleo de Cultura Política do Amazonas da Universidade Federal do Amazonas (NCPAM/Ufam), em novembro de 2010, a administração provisória do Dsei do Vale do Javari teria sido transferida para uma enfermeira sem que houvesse qualquer tipo de oportunidade para que os povos indígenas atendidos pelo Dsei pudessem participar do processo, motivo pelo qual a mudança não foi bem recebida entre as lideranças locais:

“No dia 18 de novembro de 2010, foi publicada uma portaria nomeando a Enfermeira Maria Verônica Vasconcelos para assumir a chefia substituta do Dsei-Javari, pegando os povos indígenas de surpresa, de uma hora para outra, com a portaria na mão querendo mandar em tudo. Tudo isto num momento dramático para as populações indígenas, com a morte de vários pacientes, sobretudo, crianças da etnia Kanamarí. A princípio, esta postura motivou as lideranças a ocupar a sede do Dsei/Vale do Javari por acharem que essas posturas irão persistir, a exemplo do que acontecia com a Funasa”.

Os povos indígenas reivindicavam:

“(…) a presença do Secretário Nacional da Sesai ou alguém que tenha autonomia legal e poderes para tomar decisões, discutir com os povos indígenas os atuais problemas e desafios da saúde em suas aldeias e sobre a decisão em não aceitar a presença da funcionária que foi nomeada para assumir a chefia do Dsei/Vale do Javari, por achar que são medidas paliativas e incoerentes com os atuais problemas que se apresentam em nossa região. Exonerar a referida servidora e manter a atual chefia, em cumprimento ao período de 180 dias, até que seja implantado e nomeado o futuro chefe para o Dsei/Vale do Javari”.

A indicação do Sr. Heródoto Jean de Sales para ocupar o cargo em caráter definitivo também foi mal recebida pelas entidades representativas da população indígena local. Segundo nota da Univaja, o histórico do senhor Sales enquanto funcionário da Funai nos cinco anos anteriores era visto pelas entidades locais como negativo, alheio aos problemas que afetavam a população indígena. Por esse motivo, sua indicação para a chefia do Dsei foi objeto de reclamações.

Outro ponto de divergência entre as comunidades indígenas locais e a Sesai foi a proposta de manutenção dos recursos destinados ao saneamento básico nas aldeias sob responsabilidade da Funasa. De acordo com nota publicada pena Univaja:

“Para nós, povos indígenas do Vale do Javari, a permanência de qualquer orçamento destinado aos povos indígenas na Funasa, mais uma vez, é um fracasso da política de atenção à saúde indígena no país, o que deveria melhorar por meio da Secretaria Especial de Saúde Indígena – Sesai, criada pelo decreto presidencial de n. 7.336 de 19 de outubro de 2010.

Pois, caso isso aconteça, não podemos acreditar na política de saúde atual, visto que orçamento garantido aos povos indígenas por meio da Sesai foi à conquista dos povos indígenas e os admiradores das questões indígenas com intuito de melhorar a saúde, e não piorar na nossa situação. (…) Nós do Vale do Javari, apesar de vivermos numa área com maior geografia de território, já há necessidade de saneamento básico nas comunidades, principalmente, naquelas comunidades situadas na faixa de fronteira, onde há cidades, pessoas estrangeiras e pelotões de fronteiras que já contaminam a água do rio Javari e seus afluentes.

A prova disso, os nossos povos já enfrent[aram] cólera, em alguma[s] comunidade[s] [onde] a água é necessária. Acreditamos que o ministro, garantindo a Sesai na implantação de saneamento básico nas comunidades, diminuirá a incidência de casos de doenças infectocontagiosas encaradas pelas populações indígenas.

Diante exposto, vimos encarecidamente, em nome dos povos indígenas do Vale do Javari, pedir a sua excelência que reveja a proposta apresentada pelos partidos políticos para repasse dos recursos do saneamento básico da Sesai para a Funasa, visto que nunca deu certo e que não vai resolver problemas dos povos indígenas. (…) Estamos vivendo à mercê da sorte. (…) Principalmente, contaminação sem controle da hepatite entre os povos indígenas do Vale do Javari, onde a Funasa nunca se preocupou com a nossa situação”.

Além dos problemas de saúde derivados de uma política que, em grande parte, não atende às necessidades das comunidades indígenas, e de estruturas administrativas locais definidas verticalmente sem um claro processo de participação popular das comunidades alvo do Dsei, os povos indígenas do Vale do Javari enfrentam conflitos decorrentes da caça e da pesca ilegais realizadas por não indígenas oriundos de diversos pontos da tríplice fronteira em terras da TI.

Segundo reportagem de Elaíze Farias, a Associação Marubo São Sebastião (Amas) teria denunciado esses problemas em carta enviada ao então presidente da Funai, Mércio Meira. Com o processo de reestruturação do órgão federal, em 2009, a administração regional de Atalaia do Norte foi extinta, o que, segundo os povos indígenas locais, teria intensificado a ação dos invasores na TI, já que diversos postos da Funai fecharam no processo. Assim, a fiscalização estaria restrita à ação de membros das organizações indígenas locais, sem infraestrutura necessária para tanto, tornando a manutenção da integridade da TI uma tarefa impraticável.

Em resposta à intensa mobilização dos povos indígenas, a Sesai/MS iniciou, em maio de 2011, uma ação de controle das hepatites no Vale do Javari. Com apoio do então Instituto de Medicina Tropical do Amazonas (atual Fundação de Medicina Tropical Doutor Heitor Vieira Dourado – FMT) e do Dsei Vale do Javari, começou uma série de exames clínicos com a população indígena local visando “identificar o estágio da doença e definir o tipo de tratamento específico para cada paciente”.

Iniciada em 1º de maio, a ação estava prevista para durar duas semanas, e contou com o encaminhamento dos portadores da doença para a Casa de Saúde Indígena (Casai) em Tabatinga, a fim de que fossem realizados exames laboratoriais e ultrassonografias no Sistema Único de Saúde (SUS). Os exames foram realizados em conjunto com o Hospital de Guarnição de Tabatinga, do Exército/Ministério da Defesa, e com o Laboratório de Fronteira de Tabatinga, da Secretaria Estadual de Saúde do Amazonas (SES-AM).

Em novembro de 2011, reportagem de Elaíze Farias trouxe dados até então inéditos a respeito da situação de saúde dos povos indígenas no Vale do Javari. As recorrentes mortes por malária, hepatite e, agora, tuberculose estariam provocando agravos psicológicos nos indígenas, interpretados na cosmologia local como doenças espirituais.

Naquele mesmo mês, os indígenas do Vale do Javari, organizados pela Civaja, ocuparam a sede da Funai em Atalaia do Norte, exigindo a criação de uma coordenação da Fundação no Vale do Javari. Na ocasião, eles exigiam a presença do então presidente da Funai, Mércio Meira, no local e o cumprimento do compromisso firmado pela direção da entidade dois anos antes.

Representantes da Civaja também criticaram a forma autoritária como, segundo eles, os representantes da Funai na região se relacionavam com os povos que deveriam atender: Eles dividem a comunidade e entram em atrito com os indígenas. Não querem diálogo. Querem mandar em tudo sem escutar o que a comunidade tem a falar. O nosso povo é que conhece a realidade da região muito mais do que eles, que chegaram aqui um dia desses, afirmou Clóvis Marubo, coordenador da Civaja.

Enquanto os indígenas do Vale do Javari pressionavam o governo federal por maior participação no processo decisório relacionado às políticas públicas federais voltadas para suas comunidades, a nível estadual, a Secretaria de Estado para os Povos Indígenas (Seind) anunciou a aprovação de um projeto apresentado ao Conselho Federal Gestor do Fundo de Defesa de Direitos Difusos (FDD) para a realização de ações de educação em saúde junto às comunidades indígenas do estado e de resgate de suas tradições culturais na área da saúde. Para o secretário da Seind, Bonifácio José, o projeto teria uma contribuição na valorização da medicina tradicional das Terras Indígenas do Vale do Javari.

Apesar da proposição de ações pontuais como essa, a situação de saúde da população indígena do Vale do Javari permanecia grave e inspirava ações mais urgentes e direcionadas para o combate a doenças na região. Por esse motivo, em fevereiro de 2012, a Civaja voltou a exigir melhorias no atendimento médico na área. Para embasar suas reivindicações, a entidade tornou público e promoveu o debate em torno de um diagnóstico completo da situação, que traz recomendações e foi validado pelos indígenas da região, realizado em conjunto com o Centro de Trabalho Indigenista (CTI). Tal documento foi entregue ao titular da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), Antônio Alves, ocasião em que novamente os indígenas exigiram maior atenção por parte do governo federal.

Segundo tal relatório, uma das principais reivindicações dos povos indígenas do Vale do Javari, em termos de organização do sistema de saúde para atendimento da população da TI, seria a criação de uma infraestrutura permanente de atendimento médico e acompanhamento da saúde da população, com a fixação dos profissionais necessários nos polos-base. O modelo de atendimento desenvolvido no Dsei-Javari estava baseado na assistência eventual, com organização de viagens das equipes para atendimento nos polos-base e seu retorno para a cidade sem imediata substituição, descontinuando a assistência.

As longas distâncias entre a cidade e os polos-base e, a partir deles, até as comunidades, tornam exíguo o tempo real dedicado ao atendimento direto à população. Em alguns períodos do ano, os polos-base ficam abandonados, deixando a população sem alternativa de atendimento à saúde. Apesar do alto custo das operações, o impacto das ações emergenciais na situação de saúde tem se mostrado, de acordo com o relatório, irrisório ou nulo.

A participação das comunidades na definição e execução das políticas de saúde também fazia parte das reivindicações indígenas para a área. Para tanto, defendeu-se a reorganização do conselho distrital do Dsei Vale do Javari com paridade entre os prestadores de serviço e os usuários (50% das vagas do conselho para cada categoria). Dentre eles, defendeu-se também a proporcionalidade da definição das vagas por etnia.

Em termos de execução do atendimento médico na região, reivindicava-se:

“(1) adequar o quadro de recursos humanos;

(2) elaborar uma nova metodologia de trabalho pela equipe técnica;

(3) adequar à logística e a infraestrutura no campo”.

Além disso, para os povos indígenas da região, a atenção integral à saúde da população envolvia mais do que apenas a medicina curativa, mas também:

“(1) incentivo à pesquisa;

(2) valorização e fortalecimento dos sistemas de medicina tradicional, de festas e rituais;

(3) criação e manutenção de bancos de dados com informações sobre a TI Vale do Javari;

(4) identificação de recursos humanos na região;

(5) fiscalização, otimização e sinergia das ações governamentais;

(6) instalação de uma base da coordenação geral de indígenas isolados e de contato recente da Funai (CGIIRC) no Alto Ituí”.

Em abril de 2012, a situação e reivindicações dos indígenas do Vale do Javari foram objeto de denúncia do Cimi junto à Organização das Nações Unidas (ONU), representada pela Subsecretária Geral para Assuntos Humanitários da ONU, Valerie Amos. Na ocasião, o Conselho entregou um relatório à entidade no qual denunciava o Estado brasileiro por omissão na violência sofrida pelos Guarani-Kaiowá de Mato Grosso do Sul, bem como os impactos da desorganização da atenção à saúde indígena sobre as comunidades da bacia do rio Javari.

No mês seguinte, o Ministério da Saúde anunciou a criação de um plano de ação para reduzir a mortalidade infantil e materna nas aldeias indígenas. De acordo com o MS, o plano pretendia ampliar as ações de saúde indígena, com foco na atenção básica. O programa seria voltado para crianças de até seis anos, bem como meninas e mulheres de 10 a 49 anos. No dia 06 de junho de 2012, o governo também coordenou a primeira ação com atendimento em áreas de difícil acesso nos Dseis Alto Rio Purus e Alto Rio Juruá, no Acre. O Dsei do Vale do Javari estava entre os 16 Dseis prioritários anunciados.

Os problemas relacionados à saúde indígena na região voltaram ao centro do debate em agosto de 2012, na sessão especial sobre Direito Humano à Saúde, realizada pelo Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), em Brasília. Na ocasião, o secretário-executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Cléber César, apontou a falta de médicos, a ausência de formação específica dos profissionais e a dificuldade de locomoção até as aldeias como principais problemas para a execução da política nacional de saúde indígena, citando o Vale do Javari como um dos casos mais emblemáticos dos problemas gerados por essa situação.

Apesar dos avanços no diagnóstico da grave situação de saúde dos povos da região, e das recorrentes promessas de melhorias no atendimento, as crianças continuaram a morrer em consequência de doenças infecciosas. Em outubro de 2012, três crianças Kanamari e uma Matsés morreram em menos de 24 horas em Atalaia do Norte, após serem acometidas de diarreia, vômito e febre.

De acordo com o Cimi, segundo autoridades locais, as crianças teriam morrido devido às péssimas condições de vida de suas famílias, que, após terem sido atraídas para a sede do município por candidatos às eleições municipais daquele ano, foram abandonadas à própria sorte: não receberam o combustível prometido pelos candidatos para que pudessem voltar para suas aldeias. Pelo menos 94 canoas ficaram encalhadas na sede de Atalaia do Norte, e cerca de 700 indígenas passaram a viver no local.

Por falta de acesso à água potável, os indígenas foram obrigados a beber água diretamente do rio – de onde também era utilizada para lavar roupa, louças e tomar banho. A situação era gravíssima e caótica, enfatizou Eduardo Meira da Silva Júnior, então presidente do Conselho Municipal de Saúde. Devido ao agravamento do quadro de saúde, os indígenas não poderiam seguir viagem até que fosse realizada uma investigação para detectar o tipo de doença que os estaria matando rapidamente.

A situação começou a mudar quando a Funai passou a fornecer o combustível necessário para o retorno dos indígenas às suas aldeias. Em 16 de outubro de 2012, 69 das 94 canoas já estavam a caminho do Vale do Javari. Contudo, as famílias das crianças acometidas pelo surto de diarreia ainda permaneciam no local.

Além de melhorias no atendimento de saúde, a partir de novembro de 2012, os povos indígenas do Vale do Javari também passaram a se mobilizar contra o que consideravam um retrocesso na política indigenista brasileira, a Portaria 303 da Advocacia Geral da União (AGU). Em 08 de novembro, indígenas das etnias Guajajara, Awá-Guajá, Ka’apor, Gavião, Krikati, Kenyiê, Krepumkatjê, Kanela, Kanamari, Marubo, Matsés e Kulina estiveram em Brasília para reivindicar dos órgãos federais providências na assistência indígena e a revogação da portaria.

A Portaria AGU/303 determina, entre outras medidas, que as terras indígenas podem ser ocupadas por unidades, postos e demais intervenções militares, malhas viárias, empreendimentos hidrelétricos e minerais de cunho estratégico, sem consulta aos povos, como destacou o Cimi. De acordo com Sônia Bone Guajajara, que na época integrava a coordenação da Articulação dos Povos indígenas do Brasil (Apib) e a Coiab, mesmo com as terras demarcadas:

“(…) ficamos sem liberdade e proteção dentro de nossas próprias terras. Imagina se essa portaria passa, como vamos ter segurança dentro de nossas terras se ela abre precedente para a revisão do limite de terras, entrada de terceiros, como exércitos, construção de grandes empreendimentos? Como vamos ter paz e segurança?”

No dia seguinte às primeiras manifestações, representantes dos povos indígenas participaram de audiência pública na Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados (CDHM/CD), na qual novamente exigiram a revogação da Portaria AGU/303.

Para os indígenas, se a portaria entrasse em vigor, iria representar o fim do direito sobre suas terras. Segundo o participante Raimundo Krenyê: “se retirarem as terras dos indígenas, é melhor matar logo e enterrar, porque, sem terra, sem peixe, sem água, o índio não consegue viver”.

O representante dos Tibira, Gardel Krepumkatejê, lamentou que a medida fosse adotada justamente quando os indígenas começavam a se reorganizar. “A gente perdeu nossa cultura, mas está começando a resgatar. Estamos lutando contra essa medida, que chamamos de porcaria”. Além da Portaria AGU/303, os manifestantes também pediram a rejeição da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215/2000, que transferiria do Executivo para o Congresso a prerrogativa de reconhecer terras de povos tradicionais. Para Padre Ton, se aprovada a PEC, esses processos iriam ficar no Congresso para sempre.

No dia 20 daquele mês, o deputado federal Padre Ton (PT-RO) entregou ao Ministro da Saúde, Antônio Padilha, documento com mais de 21 mil assinaturas coletadas em 2012 pela campanha Povos Indígenas Vale do Javari: Unidos Pela Saúde, Pela Vida. De acordo com o documento:

“Os indígenas reivindicam do Poder Público: presença de equipe multidisciplinar permanente (médicos, enfermeiros, dentistas, infectologista); construção de polos-bases e infraestrutura básica para a conservação de vacinas; realização de sorologia em todos os indígenas da terra indígena Vale do Javari; barcos equipados e rápidos para atendimento e remoção de doentes; medicamentos em quantidade suficiente para atendimento aos doentes; saneamento básico; construção de pistas de pouso e horas de voo asseguradas em orçamento; capacitação de agentes de saúde e parteiras; prevenção e controle da malária. Em médio prazo: nova estrutura para a Casa de Saúde do Índio – Casai, de Atalaia do Norte; construção de uma casa de apoio para pacientes portadores de endemias”.

Um evento similar, porém, mais abrangente, reuniu em Brasília, no mês seguinte, cerca de 70 lideranças indígenas de todo o Brasil. Batizado de “Eu apoio a causa indígena”, o movimento envolveu uma campanha que reuniu mais de 20 mil assinaturas que reivindicavam a demarcação de terras, a não aprovação da PEC 215 e o julgamento urgente de todas as ações em andamento no Supremo Tribunal Federal (STF) envolvendo os direitos dos povos indígenas. O documento final foi entregue ao STF, ao Congresso Nacional e à Presidência da República, após ato público organizado pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados.

Enquanto diversas lideranças indígenas ocupavam Brasília para tentar impedir mudanças na legislação indigenista que prejudicassem os povos indígenas brasileiros, no Vale do Javari, a legislação em vigor era novamente ignorada. A partir de 14 de dezembro de 2012, o CTI e o Cimi passaram a denunciar publicamente os possíveis impactos da prospecção de petróleo no Alto Juruá sobre os povos indígenas do Vale do Javari; principalmente, sobre o povo Marubo e diversos grupos isolados que foram vistos em igarapés próximos do limite sul da TI, porém fora de seu polígono.

Segundo nota da CTI, em 2007, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) dá início a uma série de pesquisas, contratando a aquisição de dados aerogeofísicos e geoquímicos da Bacia do Acre. A estas atividades foram dispensados licenciamentos e elas foram executadas sem quaisquer esclarecimentos sobre sua realização aos povos e comunidades que habitam a região.

“(…) Em 2009, a contratação das atividades de prospecção sísmica no alto Juruá ao longo de 12 linhas, que totalizam 1.017 km. As linhas sísmicas foram estrategicamente traçadas pela ANP a fim de distarem no mínimo 10 km de TIs e UCs, alegando assim tratar-se de uma atividade de impacto indireto às áreas protegidas e, com isso, evitar um demorado e custoso processo de licenciamento ambiental.

Com isso, a empresa contratada para o serviço, a GEORADAR, recebeu a dispensa de elaboração de EIA-RIMA e obteve, mediante a apresentação de um Plano de Controle Ambiental (PCA) – no qual justifica a inexistência de obrigatoriedade de realizar qualquer ação de comunicação junto aos povos indígenas da região -, a Licença de Operação (LO) e a Autorização para Supressão Vegetal (ASV), emitidas pelo IBAMA em fevereiro e maio deste ano, respectivamente.

 (…) Ciente [de contestações apresentadas pela FUNAI a estes estudos e ressalvas à sua realização] desde 2011 e em meio a tratativas junto ao órgão indigenista, a empresa GEORADAR realiza em meados deste ano as atividades de levantamento sísmico na linha 08 (o que envolve a movimentação de grupos de trabalhadores, a abertura de picadas e clareiras, o trânsito de helicópteros e a detonação subterrânea de explosivos) sem observar os pontos apontados pela FUNAI e sem o conhecimento e acompanhamento por parte do órgão. Ainda mais grave é o fato de os povos indígenas do Vale do Javari não terem sido informados a respeito do empreendimento previamente à realização das atividades”.

Na mesma época, o Cimi foi a público denunciar e repudiar outra trama do governo federal que afetaria especialmente grupos sem contato da TI, colocando-os entre os mais vulneráveis perante a sociedade. Pelo menos três grupos de indígenas sem contato naquela região poderiam ser afetados pelos trabalhos de prospecção sísmica para exploração de gás e petróleo.

Os grupos isolados em questão se localizam nas proximidades dos igarapés Ambures e Cravo e do Rio Batã, conforme dados da Funai. Os Marubo também estavam entre os povos afetados e se diziam amedrontados com as possíveis consequências, pois em nenhum momento foram informados sobre as atividades realizadas nas proximidades da TI.

Os representantes da Funai foram informados, depois do início dos trabalhos, de que uma das linhas de prospecção corta um varadouro localizado na cabeceira do rio Curuçá, utilizado pelos Marubo há mais de 60 anos para se deslocarem até a cidade de Cruzeiro do Sul, no Acre, onde buscam atendimento médico, comercializam seus produtos e realizam outras atividades.

Em 05 de abril de 2010, as organizações de base indígenas da região e as aldeias de cada etnia – que atuam desde a década de 1980 – fundaram a União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (UNIVAJA). Segundo definição exposta em sua página, trata-se de “uma entidade civil de direitos privados, sem fins lucrativos, partidários e religiosos, com sede e foro na cidade de Atalaia do Norte, no estado do Amazonas”. Sua finalidade é promover a articulação dos povos indígenas do Vale do Javari para a defesa de seus direitos.

Segundo informações do Cimi, em resposta às denúncias dos povos indígenas do Vale do Javari, reverberadas pelas entidades indigenistas, a Funai pediu, em janeiro de 2013, a suspensão da Licença de Operação das atividades de prospecção de petróleo e gás na área próxima à terra indígena Vale do Javari. O pedido foi enviado ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). A Funai também anunciou na ocasião que preparava uma expedição à área para monitorar as denúncias feitas pelos indígenas e apurar os impactos causados pelas atividades.

Do ponto de vista da saúde pública, a situação permanecia grave. Em fevereiro de 2013, uma criança Matis e um idoso Matsés morreram por falta de atendimento médico adequado, como divulgou o Cimi. Segundo o presidente da Organização Geral dos Matsés – OGM, Vítor Mayoruna, Sebastião estava doente há vários dias. No dia 22 de fevereiro, o técnico de enfermagem que estava na aldeia Fruta Pão teria entrado em contato por radiofonia com o Dsei, em Atalaia do Norte, e solicitado a remoção do indígena. Segundo a funcionária responsável, naquela ocasião, ele deveria permanecer em tratamento na aldeia porque os barcos estavam quebrados e não havia combustível.

O coordenador do Dsei do Vale do Javari, Heródoto Jean Sales, confirmou a informação do óbito de Sebastião Mayoruna, mas negou a existência de algum pedido de remoção, pois não haveria qualquer documento pedindo isso. Ele estava na aldeia com os filhos, doente há vários dias, diz Heródoto Jean.

Segundo ele, as remoções seriam realizadas em tempo hábil: “Quando não temos barco, emprestamos da prefeitura para remoção dos pacientes. Há poucos dias conseguimos transporte de uma aeronave militar que estava saindo de Palmeiras”, conta o coordenador do Distrito, referindo-se a Palmeiras do Javari, onde está localizado o 1º Pelotão Especial de Fronteira do Exército, do Comando de Fronteira Solimões.

Elaíze Farias, em matéria para o jornal A Crítica, publicada em março de 2013, informava que muitas lideranças indígenas do Vale do Javari também haviam denunciado a influência negativa da ação de missionários evangélicos nas aldeias da região. Segundo denunciou o coordenador regional da Funai em Atalaia do Norte, Bruno Pereira, o Vale do Javari estava sendo, naqueles anos, o novo alvo de missionários, mas a maioria das lideranças se recusava a aceitá-los.

Ele afirmou ter sido procurado pelos missionários, que ofereciam ajuda aos indígenas. Para serem aceitos, a estratégia dos missionários é oferecer serviços inexistentes nas comunidades (e que seriam obrigação do Estado brasileiro), como escolas, postos de saúde e até poços artesianos. Outra maneira de aproximação é evangelizar apenas um indígena (que, em geral, se torna pastor) de uma determinada aldeia (inclusive do Peru) e, tempos depois, promover seu retorno para que ele continue o trabalho junto aos demais.

O cacique da aldeia Lobo, Waki Mayoruna, afirmou ser contra a entrada de missionários. Em declaração ao jornal A Crítica, Waki disse que não os aceitava, pois eles provocam conflitos e divisões nas aldeias e querem proibir que os indígenas continuem praticando seus rituais e sua cultura.

Em abril de 2013, o governo federal realizou uma ação pontual de saúde no Vale do Javari e em outras regiões do estado. A partir de um convênio entre a Sesai e a Força Aérea Brasileira (FAB), 50 voluntários – entre médicos, enfermeiros e equipe de apoio – participaram de um mutirão para atender comunidades indígenas no meio da Floresta Amazônica. Um centro cirúrgico foi montado na Aldeia Santa Inês, na região do Alto Solimões (AM), para atender às comunidades.

A expectativa era fazer mais de dois mil atendimentos, como consultas com dentistas e oftalmologistas, 250 cirurgias – uma média de 40 por dia -, entre elas, de catarata, hérnia, ginecológicas e plásticas reparadoras. Na ocasião, pelo menos 60 pessoas do Vale do Javari foram identificadas como urgentes para participar da ação e encaminhadas para Tabatinga.

Entretanto, a falta de uma política de saúde permanente e eficiente continuou a fazer vítimas no Vale do Javari. Em 12 de maio de 2013, morreu mais uma criança indígena na cidade de Atalaia do Norte, vítima de pneumonia grave. Joãozinho Capistana Kulina, de aproximadamente um ano de idade, era da aldeia Campinas, localizada no médio rio Javari, conforme divulgou a revista IHU online.

Segundo Artêmio Capistrana Araújo Kulina, membro do Conselho Distrital de Saúde Indígena – Condisi, a criança estava internada no hospital de Tabatinga. Em virtude de seu estado grave, sua remoção para tratamento em Manaus teria sido solicitada no dia 7 e, por causa da demora, Joãozinho acabou por falecer na noite do dia 12 de maio.

Em 2013, de acordo com informações da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), o indigenista e então servidor da Funai, Bruno Pereira, realizou o mapeamento de um grupo de comerciantes do Vale do Javari envolvidos na retenção de cartões de indígenas beneficiados por programas assistenciais, dentre eles o Bolsa Família. Alguns dos comerciantes cobravam taxas dos indígenas, diminuindo o valor a receber e, consequentemente, o poder de compra das vítimas.

Representante da Univaja em Manaus, Yura Ní-Nawavo Marubo lembra que, na época, os comerciantes diziam que a medida era para evitar calotes. Alguns indígenas pegavam alimentos fiado e pagavam quando os benefícios eram liberados pelo governo.

O relatório continha um levantamento da rede de comerciantes, com seus respectivos estabelecimentos identificados por georreferenciamento, e foi encaminhado ao Ministério Público Federal (MPF) e à Polícia Federal (PF), resultando em uma grande operação policial e na apreensão de cartões das etnias Kulina, Marubo, Kanamari, Matis e Mayorona que foram apropriados por comerciantes, incluindo Dênis Linder Rojas de Paiva, dono da única lotérica da cidade e que, em 2020, tornou-se prefeito de Atalaia do Norte.

Ao contrário da histórica dificuldade para entrada de órgãos responsáveis na assistência à saúde indígena na região, a execução de projetos neodesenvolvimentistas para extrair as riquezas da floresta e do solo era cada vez mais estimulada pelo governo federal. Em 2012, a ANP iniciou estudos sísmicos na área da Bacia do Acre sem informar e/ou consultar os indígenas.

Apenas em junho de 2013, a Funai divulgou um ofício com cinco recomendações à agência. Uma delas destacou a presença de indígenas isolados na região dos Blocos Exploratórios da Bacia Sedimentar do Acre. A Funai então recomendou que não fosse realizada qualquer atividade de exploração de gás e petróleo na TI Vale do Javari em distância menor de 25 quilômetros.

A mobilização dos indígenas da TI Vale do Javari contra a exploração de gás e petróleo no entorno de suas terras começou no mês de agosto de 2013, quando a ANP anunciou o leilão dos nove blocos da bacia do rio Juruá. Os lotes da Bacia do Juruá abrangem territórios dos Estados do Acre e Amazonas.

Um dos problemas apresentados pela Funai e indígenas era que ali havia um varadouro (passagem pela mata) do povo Marubo , com registros de indígenas isolados. No dia 07 de agosto de 2013, a Agência Nacional de Petróleo (ANP) divulgou sua 12ª Rodada de Licitações, ofertando 240 blocos exploratórios terrestres com potencial para gás natural em sete bacias sedimentares, localizados nos estados do Amazonas, Acre, Tocantins, Alagoas, Sergipe, Piauí, Mato Grosso, Goiás, Bahia, Maranhão, Paraná e São Paulo, totalizando 168.348,42 Km2.

A divulgação do leilão causou preocupação na mídia voltada à causa indígena. Segundo Elaíze Farias, no Amazônia Real, a pressão petrolífera na Amazônia ameaçava áreas indígenas do Peru, como territórios do povo indígena Matsés e a região próxima do território dos indígenas Marubo. A realização da rodada ficou prevista para o final de novembro de 2013 e foi autorizada pela Resolução no. 6, de 23/6/2013.

A Survival Internacional, tradicionalmente voltada para a divulgação de ameaças sobre povos indígenas isolados, como na atuação com os Guajajara, por exemplo, também se manifestou a respeito. O então diretor Stephen Corry deu a seguinte declaração:

“O governo do Peru parece ter sido apanhado em um tipo de ‘febre do gás’, em que o governo parece determinado a avançar com a expansão do projeto de Camisea, apesar da oposição da ONU, e até mesmo de alguns de seus próprios ministros. Os cidadãos peruanos deveriam estar se perguntando, ‘O que é mais importante – a vida dos indígenas ou os lucros estrangeiros?’”

Como divulgado pelo Blog da Amazônia, a assessoria de imprensa da ANP não havia informado as coordenadas geográficas e georreferenciadas dos blocos da Bacia do Acre a serem leiloados, mas a equipe do blog apurou que, além de alguns estarem próximos da TI Vale do Javari, outros ficavam próximos de terras indígenas do Acre e dos municípios amazonenses de Eirunepé e Ipixuna.

No entanto, a ANP não teve consentimento da Funai para realizar estudos nas proximidades do Vale do Javari. Segundo o então coordenador da Funai em Atalaia do Norte, Bruno Pereira, os estudos sísmicos que vinham sendo realizados no final de 2012 foram suspensos após pedido do órgão indigenista. A jornalista Elaíze Farias publicou que os indígenas da TI Vale do Javari repudiaram a proposta do governo brasileiro de desenvolver atividade petrolífera na Bacia do rio Juruá, clamando às autoridades para que os ajudassem a participar de uma audiência com a presidente Dilma Rousseff.

O blog da Amazônia e o CTI reproduziram a carta dos povos do Vale do Javari, publicada em 20 de agosto de 2013, com suas principais preocupações sobre o projeto e suas consequências. Exigiram do MPF, por meio da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão (6CCR), da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e outros que intercedessem perante os governos brasileiro e peruano com a paralisação de qualquer atividade petroleira próxima à TI e, em especial, perto da área de ocupação de isolados de ambos os países. Destacaram a falta de respeito da então presidenta Dilma Roussef com a Constituição Federal e a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que prevê “Consulta Livre, Prévia e Informada”.

No dia 28 de novembro de 2013, a Petrobras arrematou em leilão o bloco AC-T-8 da Bacia do Juruá. De acordo com Elaíze Farias, a ANP deu o sinal de alerta aos povos indígenas dos Estados do Acre e do Amazonas sobre os impactos que ocorreriam em suas terras pela exploração de gás e petróleo.

Fonte: Funai

Esse temor mobilizou 200 lideranças indígenas da TI Vale do Javari, na aldeia Maronal, para uma assembleia no dia 15 de dezembro. O então presidente da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), Jader Comapa, da etnia Marubo, afirmou à Amazônia Real que a falta de transparência por parte da ANP em informar sobre o leilão deixou os indígenas muito tempo sem esclarecimentos. Segundo Comapa, somente após os indígenas iniciarem o “processo de reação” é que a ANP começou a se manifestar, especialmente na imprensa nacional, sobre o assunto:

“A gente nem sabia direito o que estava acontecendo. Nada chegava para nós. A ANP fazia tudo escondido. Quando começamos a nos informar, pedimos que o leilão fosse cancelado e não fomos atendidos. Mandamos cartas oficiais, denunciamos em Brasília, a coordenação regional da Funai denunciou. A ANP tentou falar na mídia dizendo que fomos ouvidos, mas não é verdade”.

Uma das principais lideranças indígenas daquela região, Clóvis Rufino, também da etnia Marubo, reforçou que qualquer atividade próxima da TI Vale do Javari, mesmo fora de seus limites, afetaria as populações indígenas, especialmente os grupos isolados:

“A gente não queria que o leilão acontecesse, mas aconteceu. Então, não dá para ficarmos de braços cruzados vendo mais uma tragédia acontecer. Já temos ameaças de madeireiros e seringueiros e agora isso. Se a gente não discutir agora e reagir, ninguém vai salvar nossas vidas”. 

Rufino lembrou ainda que os povos indígenas dessa TI têm uma relação de “sofrimento” com a Petrobras, desde quando a empresa iniciou atividade na área nos anos 1980 (suspensa posteriormente):

“A Petrobras causou muito impacto naquela época. Levou doença, morte, não respeitou nossos cemitérios nem os indígenas isolados. Mas agora, se não quiserem conversar, vão ter que nos enfrentar. Os indígenas avisaram que quem chegar perto, vão reagir. Vão usar arma e flechar”.

O então coordenador regional da Funai no Vale do Javari, Bruno Pereira, afirmou que os impactos da atividade de petróleo na Bacia do Juruá iriam atingir não apenas os indígenas da reserva, mas de outras terras da região também. Ele disse na época que, apesar do “recuo” da ANP após a recomendação da Funai, as ameaças continuam.

“Essa recuada não quer dizer nada. Vai acontecer um impacto social de algum modo. Mas os indígenas já estão mobilizados e a Funai está do lado deles”, disse Bruno, para quem a área da Bacia do Juruá é uma “nova fronteira de exploração do país”. A assessoria de imprensa da ANP, disse em nota, divulgada pela Amazônia Real, que, com base no parecer da Funai, procedeu ao recorte dos blocos AC-T-8, 9, 10 e 11, de acordo com o polígono fornecido pelo órgão.

Segundo a ANP, o parecer da Funai está na página da 12a Rodada de Licitações: “Desses, apenas o bloco AC-T-8 foi arrematado pela Petrobras. A ANP atendeu a todas as recomendações, relativas às áreas em oferta, encaminhadas pelos órgãos estaduais de meio ambiente; pelo grupo de trabalho (GTPEG) formado pelo MMA, Ibama e ICMBio, assim como pela Funai”.

Entre os dias 25 e 27 de agosto de 2014, em Atalaia do Norte (AM), os povos Marubo, Matis, Matsés e Kanamari e lideranças de suas organizações se reuniram para discutir a gestão territorial e ambiental da TI Vale do Javari e definir ações prioritárias. De acordo com o CTI, as discussões tiveram como base os “Levantamentos Ambientais Participativos” realizados entre 2008 e 2013 por esse órgão junto a esses povos indígenas. Durante três dias, eles discutiram questões relacionadas à sua agrobiodiversidade, os desafios para a gestão de recursos naturais e as ameaças a seus territórios. Outro ponto foi a expansão da atividade petrolífera na região, que afeta o sul da TI Vale do Javari, na divisa com o Acre e na fronteira com o Peru.

A Organização das Aldeias Marubo do Rio Ituí (Oami) apresentou as experiências de manejo de quelônios (tracajás e tartarugas) e o estudo de ecologia reprodutiva a partir do monitoramento das desovas no alto e médio Ituí, realizado em 2013 em parceria com o CTI. A Organização Geral dos Mayuruna (OGM) falou sobre a articulação com os Matsés residentes no Peru para garantir a integridade de seu território na região de fronteira, com ênfase na luta contra a exploração petrolífera.

Por sua vez, a Associação Kanamari do Vale do Javari (Akavaja) e a Associação Indígena Matis (Aima) ressaltaram a necessidade de fortalecimento cultural e das formas tradicionais de transmissão de conhecimentos diante das mudanças contemporâneas no modo de vida dos povos indígenas da TI. De modo geral, as apresentações convergiram para a definição de estratégias conjuntas para a gestão territorial frente às questões ambientais, culturais e políticas enfrentadas por esses povos atualmente.

“Os nawa – outro povo, outra gente- destroem, derrubam tudo. Não deixam a terra esfriar. Se nós ficamos fixos num lugar, sem mudar os roçados e deixar as capoeiras crescerem, a terra fica quente. Mas tem que deixar a terra esfriar, por isso nós mudamos. O futuro, como vai ficar se destruir a terra? Onde vamos ficar?”, pergunta a liderança indígena Benedito Marubo.

Entre os dias 8 e 10 de novembro de 2014, as lideranças Matsés voltaram a repudiar a atividade petroleira no seu território e no dos povos isolados que habitam a região do rio Jaquirana, na fronteira entre Brasil e Peru. A V Reunião Binacional Matsés Brasil–Peru ocorreu na aldeia peruana Santa Rosa, rio Chobayacu e, além das organizações indígenas Matsés, contou com representantes governamentais e não governamentais de ambos os países. A reunião foi organizada pela Comunidad Nativa Matsés (CNM) e pela Organização Geral Mayoruna (OGM), com apoio do CTI e da Organización Regional de los Pueblos Indígenas del Oriente (Orpio/Aidesep).

“Nós somos o povo Matsés, não estamos separados por países. Não estamos vivendo nem no Brasil nem no Peru, estamos vivendo na nossa terra”, reforça Raimundo Mëan Mayuruna, liderança da aldeia Soles e presidente da OGM. Além da TI Vale do Javari no lado brasileiro e da Comunidad Nativa Matsés no lado peruano da fronteira, o CTI relembra que é também considerada território ancestral Matsés a área protegida pela Reserva Nacional Matsés e pela porção oriental da Zona Reservada Sierra del Divisor, ambas no lado peruano.

Além da temática do petróleo, a reunião abordou questões referentes à proteção e monitoramento territorial e ao atendimento à saúde. Os Matsés pediram aos órgãos responsáveis dos dois países ações coordenadas de fiscalização do rio Jaquirana, bem como apoio no monitoramento de todo seu território. As principais propostas e demandas relacionadas a esses temas foram reunidas em um documento final dirigido às autoridades de ambos os países.

Em 05 dezembro de 2014, uma tragédia no contato interétnico acarretou na morte de dois agentes indígenas de Saúde, Ivan Matis e Dame Matis, perto da aldeia Todawak, no rio Coari, por um grupo de quatro indígenas isolados do povo Korubo usando bordunas. De acordo com carta da Aima Matis de 17 de novembro de 2015 ao Presidente da Funai, João Pedro Gonçalves da Costa; à Coordenadora da Apib, Sonia Guajajara; e ao Coordenador da Coiab, Maximiliano Menezes:

“Naquele dia todos tiveram conhecimento conforme as informações da Univaja, após do ataque aos Matis. Alguns foram até localidade dos Korubo para investigar a situação e o que havia ocorrido. No retorno foi repassado toda informação para Univaja, que se pronunciou da seguinte forma: a motivação do ataque foi devido à remoção de um subgrupo de indígenas Korubo recém contatado. Isso ocorreu quando os indígenas desse subgrupo foram levados para o período de quarentena na base de vigilância da ‘Frente [de] Proteção’. Em seguida, foram levados para sua aldeia korubo (pertencente ao grupo da korubo Maia); isso foi um problema, pois deveriam levá-los ao local onde estava o restante do seu grupo”.

De acordo com Carta Nº 11/Aima/15, a Univaja comunicou as instituições sobres os fatos. Porém, a Aima não quis se manifestar sobre o assunto por entender que era conflito interétnico; com isso, não competiria acionar as instituições, tal problema deveria ser resolvido entre as etnias na forma tradicional.

Enquanto a omissão institucional para assistência aos isolados ameaçava a todos no Vale do Javari, em 12 de junho de 2015 a ANP lançou, sem consulta prévia à Funai, um novo pré-edital de licitação para exploração e produção de petróleo e gás, com sete blocos nas proximidades de 15 terras indígenas no Amazonas.

Segundo a Amazônia Real, a Presidência da Funai informou que, sem consulta prévia, não poderia realizar estudos confirmando a localização exata das terras indígenas nem repassar informações às comunidades. Já a ANP comunicou que enviou ofício sobre o leilão à Funai, informando, em nota, que tinha conhecimento acerca da proximidade dos blocos de petróleo e gás com territórios indígenas localizados no Amazonas, mas que “não há sobreposição”. Ou seja, que os blocos não estavam “dentro” desses territórios.

Indígenas ouvidos pela Amazônia Real se mostraram surpresos com a oferta dos blocos perto de suas terras. Eles cobraram explicações e mais informações sobre a medida da ANP, e exigiram serem consultados.

estudo do CTI apontou que os sete blocos oferecidos pela ANP no Amazonas circundavam 15 Terras Indígenas. As mais afetadas, pertencentes ao povo Mura, são Trincheira, Gavião, Sissaíma, São Pedro, Miguel/Josefa e Rio Juma. O bloco de número AM-T-132, por exemplo, está a 363 metros de distância da TI Trincheira, e a apenas 72 metros da TI Miguel/Josefa. O CTI calculou em dois quilômetros a distância entre os blocos AM-T-111 e AM-T-87 e a terra indígena Sateré-Mawé.

No dia 02 de novembro de 2015, após a Conferência Regional da Funai na cidade de Atalaia do Norte (AM), de acordo com carta da Aima Matis (CARTA Nº 11/Aima/15), as lideranças dos Matis foram obrigadas a permanecer na cidade para aguardar a chegada do Sr. Carlos Lisboa Travasso, Coordenador-Geral de Indígenas e Isolados e Recém Contatados/Funai-Brasília.

De acordo com matéria de Felipe Milanez para a Carta Capital, de 11 novembro de 2015, a coordenadoria de indígenas isolados vivia uma crise interna desde que sertanistas antigos, alguns aposentados e outros em atividade, formalmente acusaram o coordenador-geral de indígenas isolados, Carlos Travassos, de cometer uma série de irregularidades e de má gestão, pedindo sua saída do cargo, em agosto de 2015.

Dois grupos de sertanistas escreveram duas cartas diferentes ao Presidente da Funai pedindo mudanças na área. Dentre eles, Sydney Possuelo e Wellington Figueiredo, que têm um longo histórico de trabalho no Vale do Javari e participaram do primeiro contato com os Matis, escreveram que “a situação atual dos povos isolados, cada dia mais acuados em suas terras e, infelizmente, desamparados”.

A outra carta tem a assinatura de oito pessoas, Altair Algayer, Elias Bigio, Fabrício Amorim, Jair Candor e Rieli Franciscato, que então trabalhavam na Funai; e Antenor Vaz, Marcelo dos Santos, José Carlos dos Reis Meirelles, já aposentados ou desligados do quadro.

Nesse documento, a Carta Capital divulga que eles questionavam três pontos. Primeiro, que demandas de uma carta de 2013 fossem “minimamente atendidas”; segundo, a falta de transparência na elaboração e execução de um projeto de cooperação da Funai com o Centro de Trabalho Indigenista (CTI), com recursos do Fundo Amazônia por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que tentaria criar um sistema de proteção “paralelo” ao contratar “assessores externos” para atuar na execução da política de proteção dos povos indígenas isolados sem supervisão direta da Funai. E, em terceiro, a “falta de diálogo e transparência com a base”.

Em 19 de novembro de 2015, Felipe Milanez divulgou na Carta Capital que a Funai é acusada de ignorar grave conflito entre duas etnias na Amazônia, ocorrido em dezembro de 2014. O conflito foi chamado por ele de “guerra tribal”, segundo o qual, após a omissão de agentes do Estado, provocou um massacre de indígenas isolados da etnia Korubo. A informação veio à tona no fim do mês de setembro de 2015 e a Funai estimava entre sete e 15 mortes.

Após os últimos óbitos, os próprios indígenas Matis conduziram um contato forçado com os Korubo, perto da aldeia Tawaya, no dia 26 de setembro. Inicialmente eram dez pessoas, e depois, em 10 de outubro, chegaram mais 11 indígenas isolados. Segundo relatos repassados por Milanez, os Matis contraíram doenças respiratórias contagiosas e, alguns, apresentaram marcas de tiros. Uma criança recém-nascida morreu na primeira quinzena de outubro. Inicialmente, os Matis haviam comunicado aos órgãos de assistência que os isolados estavam muito desnutridos.

Milanez contextualiza que os conflitos entre isolados e outros povos contatados passou a aumentar, bem como os relatos de epidemias, sobretudo malária, entre os isolados: “Ano passado [2014], um grupo de 16 Korubo fez contato com agentes da Funai. Foi constatado que haviam contraído doenças antes do contato e estavam morrendo por malária ou gripe”. Os Matis haviam avisado à Funai da presença dos isolados em roças, beira dos rios, em encontros eventuais em caçadas, e estavam preocupados sobre um possível embate.

Acrescenta Felipe Milanez que o descaso da Funai colocava em risco os funcionários da Fundação que atuavam em campo, e que no Vale do Javari se encontravam fragilizados. Um enviado para investigar o massacre chegou a ser mantido refém pelos Matis, que acusavam a Funai da falta de diálogo. Acrescenta Milanez:

“É preocupante recordar que, no contato com os Korubo, em 1996, os indígenas mataram o servidor Raimundo Batista Magalhães, conhecido como ‘Sobral’. Isso aconteceu dez meses depois das primeiras visitas dos indígenas — o que mostra que o processo de ‘contato’ é longo, e tenso durante muito tempo, e que precisa, necessariamente, ter muita atenção do Estado”.

Na opinião de Milanez, atribuir essa tragédia a um “conflito histórico” é uma forma de agentes do Estado se esquivarem de suas responsabilidades e ignorar os apelos dos Matis por diálogo, como fazia na época a Funai em Brasília. Nesses casos de “guerra em territórios tribais”, como escreveu o antropólogo Neil Whitehead, quem costuma se beneficiar é o Estado, que, escondendo sua omissão, tenta atribuir a culpa aos indígenas.

O Ministério da Saúde informou em nota (15 nov. 2015) que casos de contato com indígenas isolados são tratados como emergência sanitária, e que foi estabelecido um plano de contingência para o caso dos Korubo. Se acompanhados, as doenças respiratórias já estariam controladas:

“As equipes de saúde estabeleceram um acampamento para que o grupo permanecesse em ‘quarentena’ – procedimento de isolamento necessário para proteção e observação de possíveis sinais ou sintomas de doenças adquiridas após o contato. No entanto, com a entrada de indígenas Matis no acampamento foi necessário estender o acompanhamento pela equipe de saúde ao grupo, que permanece em ‘quarentena’.”

Antenor Vaz, que atuou como sertanista da Funai entre 1987 e 2013, esteve presente na área do conflito entre indígenas Matís e Korubo, em 2015. Ele falou, em entrevista à Amazônia Real, da necessidade de uma contextualização sobre o conflito interétnico:

“A geopolítica e a consequente dinâmica de ocupação na atual TI Vale do Javari são palcos de inúmeros conflitos históricos envolvendo indígenas e não indígenas. Para entender esse aspecto é importante ver os trabalhos já desenvolvidos pela academia, para não encontrar neste fato (conflitos históricos e tradicionais) um reducionismo que explicaria ‘tudo’ e isentaria o Estado de sua parcela de culpa.

O contexto hoje com a grande redução de inimigos comuns aos indígenas contatados ou não (madeireiros, pescadores, caçadores etc.) muda radicalmente o panorama que, associado ao aumento populacional e reordenamento territorial, faz surgir/ressurgir/potencializar conflitos internos. Os Korubo isolados, distantes da discussão política que ocorre no movimento indígena no Vale do Javari, resgatam sua memória de conflito com os Matís, e por estarem convivendo muito próximo deles, é possível associar aos Matís muitos dos fatos que ocorrem com eles e seus parentes.

É evidente que não cabe à Funai a condução dessa política interétnica, mas, se convidado, deve atender ao chamado do diálogo e fazer suas ponderações à luz da política estatal. Esse diálogo não deve seguir só a lógica política de agendas e interesses estatal. Esse seria um excelente exercício da Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho). Que, afinal, o Executivo não consegue ir adiante na sua regulamentação, quanto menos exercitar essa convenção que tem força de lei no Brasil”.

Em fevereiro de 2017 ocorreu mais uma chacina que, segundo reportagem do Amazônia Real [27 jul. 2017], poderia ter passado despercebida aos olhos das autoridades. Indígenas Kanamari denunciaram, durante encontro da etnia em junho daquele ano, um ataque aos isolados Warikama Djapar, como são chamados pelos Kanamari. O massacre teria vitimado entre nove e 18 pessoas, segundo os primeiros dados que estavam em apuração na época.

Suspeitava-se de um grande proprietário de terras da região como mandante, o “Louro” que, segundo informou a liderança Adelson Kanamari, já ameaçava as comunidades indígenas há algum tempo: “Além de invadir a TI com a propriedade, ele entra para extrair madeira, caçar e pescar. O local onde a chacina teria ocorrido fica próximo de Eirunepé (AM).” O indígena conta que foi um dos colegas do proprietário que relatou o massacre.

De acordo com o De Olho nos Ruralistas, os Kanamari fundamentaram suas denúncias no encontro ocorrido no mês de julho, bem como fizeram os Matis. As denúncias apontavam o sucateamento da Funai, que debilitava a proteção do território em questão. Na época, o órgão apresentava o menor orçamento de sua história. Com mais de 200 procedimentos demarcatórios emperrados, o órgão não dava conta de zelar dos territórios já demarcados. A Funai encaminhou o caso para a Polícia Federal. Segundo Arquimimo do Amaral Silva, então coordenador técnico local em Eirunepé:

“Este ano, até a presente data, a CTL não recebeu um centavo sequer para a manutenção e tampouco para outras ações. O município não tem juiz titular há mais de três anos, não temos representações do MPF, Polícia Federal ou mesmo Ibama. As ações têm acontecido em parceria com a Polícia Militar e, atualmente, com a mudança da gestão municipal, a Secretaria de Meio Ambiente, antes parceira nas ações, agora tem se esquivado de participar”.

Gustavo Sena, da Frente de Proteção Etnoambiental Vale do Javari também relatou ao De Olho nos Ruralistas que as ameaças dos grileiros, caçadores e mineradores provocaram o deslocamento das etnias isoladas, cada vez mais próximas das aldeias da TI.

Adelson Kanamari esteve em Brasília para denunciar o caso:

“Na minha comunidade moram cerca de 230 pessoas, 35 famílias. Vivemos da agricultura, nós Kanamari também vivemos ao redor, tem muitos parentes isolados e recentemente, com os problemas, tivemos que mudar nossas aldeias para evitar conflito e não ter problema com os parentes que estão ali no seu território”. 

Ele também descreveu um genocídio de uma etnia denominada Tyohum Djapar:

“Nossa briga maior na TI, mesmo com a falta de recurso, no sul da terra indígena, tem um povo chamado Tyohum Djapar, e os próprios Kanamari entraram em contato com eles, e eles estão vivendo na aldeia dos Kanamari, são povos diferentes, mas talvez sejam do mesmo tronco linguístico, que falam a mesma linguagem.

E esse povo, eles não têm… em Brasília agora eu fui recentemente, e falei da questão da assistência. O Estado brasileiro, a Sesai, a Funai, não têm dado assistência a esse povo. Há 15, 20, 25 anos, esse povo era em torno de 50 pessoas, hoje, tem cerca de 33 pessoas. Ano passado morreram mais três pessoas lá. A nossa briga é que dessem a assistência a esse povo de recente contato”. 

Garimpeiros também foram responsáveis pela sequência de massacres, no ano de 2017, contra indígenas denominados “Flecheiros”. O MPF repassou à agência Amazônia Real que um dos dois massacres em investigação pela Polícia Federal contra indígenas isolados na TI teria ocorrido no mês de agosto, no rio Jandiatuba, afluente do rio Solimões, no município de São Paulo de Olivença, na fronteira com Peru e Colômbia.

De acordo com reportagem de Elaíze Farias para o Amazônia Real, para não prejudicar as investigações sobre as mortes dos “flecheiros”, tanto o MPF quanto a PF não informaram à reportagem dados importantes para o entendimento do caso, tais como: quantos indígenas foram assassinados no ataque e por quais armas, além de quantos garimpeiros estavam envolvidos no crime, que pode ser tipificado como genocídio contra uma etnia indígena. Objetos das vítimas foram encontrados com garimpeiros por agentes federais. Em um áudio de celular, apreendido, a polícia encontrou relatos de garimpeiros sobre o massacre.

“Confirmamos que houve as mortes dos indígenas isolados e o MPF e a PF estão investigando”, disse comunicado da assessoria de imprensa do MPF à reportagem da Amazônia Real. Em entrevista, o procurador da República Pablo Beltrand, autor do pedido de abertura de inquérito à Polícia Federal, disse que “algumas pessoas (garimpeiros) estão sendo ouvidas e há diligências em curso. Não temos como dar detalhes sobre elas, no atual momento, para não atrapalhar a investigação”. 

A notícia dos massacres na TI Vale do Javari suscitou uma operação conjunta do MPF, do Exército e do Ibama para destruir garimpos no rio Jandiatuba, entre os dias 28 de agosto e 1º de setembro de 2017. Na operação foram destruídas dragas de garimpo ilegal de ouro, um equipamento que custa mais de R$ 1 milhão cada, o que, segundo os órgãos federais envolvidos, tipificaria envolvimento de empresários e políticos locais na atividade garimpeira.

No dia 19 de abril de 2018, a dramática situação vivida no Brasil pelos povos indígenas em isolamento voluntário recebeu especial atenção na 17ª Sessão do Fórum Permanente sobre Assuntos Indígenas das Nações Unidas, em Nova York. Durante pronunciamento, o integrante da Equipe de Apoio aos Povos Indígenas Isolados do Cimi, Guenter Francisco Loebens, ressaltou a “fragilidade dos mecanismos governamentais de proteção aos territórios (com presença de isolados) em tempos de baixa democracia”.

Ele solicitou às Nações Unidas, “que a Relatoria Especial para os Povos Indígenas possa elaborar um informe específico sobre a situação dos povos indígenas isolados que contenha recomendações para os governos dos países da região amazônica a respeito das garantias dos direitos humanos destes povos”. 

Ao governo brasileiro, o Cimi recomendou a imediata retirada de invasores e residentes não indígenas em áreas com a presença de povos em condição de livres. “Medida indispensável para a garantia da integridade física e cultural para que não estejam obrigados ao contato como medida desesperada de sobrevivência”, destaca.

No dia 05 de dezembro de 2018, o Ministério da Saúde informou que 200 médicos desistiram do Programa Mais Médicos e as vagas voltaram para o edital em seus respectivos estados. De acordo com informações do Brasil de Fato, o estado do Amazonas se encontrava em situação mais crítica, restando na época 14 municípios com 39 vagas abertas. Para atendimento e assistência na atenção básica em Territórios Indígenas (TIs) eram necessários 63 médicos. Um desses distritos se localizava na TI do Vale do Javari.

Neon Solimões Paiva Pinheiro, antropólogo no Vale do Javari, avaliou que a baixa procura para a área devia-se a um conjunto de razões como a distância geográfica de centros urbanos, o salário, a propensão da região às doenças endêmicas como malária, hepatite e tuberculose e a falta de conhecimento dos médicos brasileiros sobre a diversidade étnico-cultural dos povos indígenas. Os médicos que trabalhavam na área eram todos cubanos. Com a saída deles e com apenas uma inscrição, Pinheiro temia pela desistência da vaga do único candidato.

“Então a gente ainda corre o risco dessa pessoa chegar aqui [a gente] mostrar a realidade e ela voltar para trás, [por causa] das dificuldades do rio seco, tem vezes que a gente dorme na praia; de passar muito tempo na aldeia por não terem condições logísticas de aeronave; de embarcações não poderem chegar lá [na aldeia]. Então são vários fatores que o pessoal, quando a gente apresenta a realidade dentro da nossa missão, o povo vai voltar atrás.”

Com isso, encontra-se no território uma realidade em que a morosidade dos órgãos de proteção territorial permitia invasões de garimpeiros e pescadores ilegais dentro das TIs.

De acordo com informações de Rubens Valente para a Folha de São Paulo [ago. 2019], em dezembro de 2018 houve ataque a tiros contra uma base da Funai no Vale do Javari. Na ocasião, a Polícia Militar (PM) em Tabatinga/AM confirmou que uma guarnição policial que dava apoio à Funai em uma ação de fiscalização foi acionada para averiguar a presença de invasores na terra indígena e, quando chegou, os invasores “iniciaram um intenso tiroteio contra funcionários e guarnição da PM”.

A fala de Korá Kanamari, assessor da Akavaja, associação dos Kanamari, e então vereador em Atalaia do Norte (AM) pelo Partido dos Trabalhadores (PT), traduziu as motivações para os recorrentes ataques e omissões:

“Em toda essa região tem muito sentimento anti-indígena porque eles têm o desejo de liberar o território indígena, onde estão hoje as riquezas de peixe, de tracajás. Eles já esgotaram tudo fora da terra indígena e agora querem pegar o resto”.

Em dezembro de 2018, o juízo federal (1ª Vara Federal Cível do Amazonas ) determinou que a Funai apresentasse, no prazo de 90 dias, um cronograma a ser homologado, em concordância das partes, com efeito vinculante, construído mediante consulta aos povos de recente contato e participação da CGIIRC/Funai, para reestruturação das Frentes de Proteção Etnoambiental no Estado do Amazonas. Esse cronograma deve contemplar a reestruturação física e a contratação de pessoal no atendimento aos povos indígenas isolados e de recente contato por todas as Frentes de Proteção Etnoambiental no Estado.

A campanha anti-indígena e a chegada à presidência de Jair Bolsonaro (então no PSL) a partir de janeiro de 2019 intensificaram, nessas regiões de conflito na Amazônia, a perseguição a funcionários do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e da Funai. Tornaram-se ainda comuns ofensas públicas contra esses servidores e cenas e discursos de apoio do próprio presidente e seus partidários a madeireiros, grileiros e garimpeiros, incitando a reação contra operações de fiscalização, como analisam Cunha e Dos Santos (2022)

Em 19 de julho de 2019, indígenas do povo Tsohom Djapá, posteriormente aos Kanamari, foram ameaçados por garimpeiros que se instalaram ao longo do rio Jutaí. José Rosha, do Cimi, afirmou que as lideranças indígenas localizaram pelo menos dez dragas, embarcações projetadas para tirar areia ou lodo do fundo de cursos de água para o garimpo de ouro e para aumentar portos:

“A aldeia fica a cinco dias da sede do município de Jutaí viajando de embarcação pequena. Ali vivem 150 indígenas Kanamari e 42 do povo Tsohom Djapá, que é um povo de pouco contato com não indígenas”.

De acordo com lideranças, os garimpeiros entravam na aldeia levando bebidas alcóolicas e assediando as mulheres. Sob efeito do álcool, passavam a ameaçar os indígenas, que reagiam ao assédio feito a suas esposas e filhas. A informação foi divulgada inicialmente por Korá Kanamari.

De acordo com Rubens Valente, na Folha de São Paulo, uma base de proteção etnoambiental da Funai, que funcionava como guardiã de uma das entradas do Vale do Javari, foi atacada a tiros por caçadores clandestinos em 19 de julho de 2019, o que levou o Exército a fazer uma blitz de emergência na região.

Conforme divulgou Valente, desde 2018, era o quarto ataque do gênero na Terra Indígena Vale do Javari. Indígenas da região confirmaram à Folha de São Paulo que caçadores de animais silvestres dispararam pelo menos oito tiros, possivelmente de espingarda, contra a base localizada no rio Ituí, naquele momento ocupada por cerca de uma dúzia de servidores da Funai e indígenas de etnias diversas, como Kanamari, Marubo, Korubo e Matis.

Um grupo estimado em seis caçadores deixava a região pelo rio quando foi confrontado pela equipe da base da Funai, que acionou holofotes e sirenes. Eles queriam roubar tracajás, uma espécie de quelônio, e pirarucus; responderam a tiros e conseguiram escapar.

Afirmou à Folha de São Paulo Korá Kanamari:

“O foco deles [invasores] é acabar com a base do Ituí. Já tentaram três ou quatro vezes invadir, acabar com a base. Principalmente agora que os direitos dos povos indígenas estão sob ataque, com esse governo [do então presidente Jair Bolsonaro], que fala que vai liberar garimpo”.

Dias depois do último ataque de julho à base do Ituí, o Comando de Fronteira Solimões do 8º Batalhão de Infantaria de Selva (BIS) do Exército e uma equipe da Funai apreenderam cerca de 300 tracajás e 40 mil ovos com outras equipes de caçadores ilegais dentro da TI. Ele afirmou que uma aldeia dos indígenas Kanamari, na região conhecida como Jarinau, também foi assediada, por volta de junho, por um grupo de 20 garimpeiros bêbados que entraram sem autorização e “ficaram importunando os indígenas, molestando as mulheres, um desrespeito muito grande”.

Na noite de 07 de setembro de 2019, o indigenista Maxciel Pereira dos Santos foi assassinado por um pistoleiro, com um tiro na nuca, em Tabatinga (AM), na frente da família,. Segundo Felipe Milanez para a Carta Capital, o crime levantou suspeitas de encomenda com viés político.

Maxciel Pereira dos Santos havia trabalhado na Funai por 12 anos até os cortes orçamentários de 2017, sob a presidência interina de Michel Temer, que abalaram profundamente a estrutura do órgão. Santos passou a ser contratado, desde então, como colaborador eventual, e havia sido indicado, aguardando apenas publicação de sua nomeação, para chefiar a Frente de Proteção Etnoambiental Vale do Javari — um trabalho executado por indigenistas especializados na proteção de povos isolados.

O trabalho de Maxciel Santos era reconhecido pelas lideranças indígenas e pelo movimento indígena, que participaram do funeral.

Por essa razão, além de Santos ter sido, nos últimos anos, identificado como funcionário da Funai, ter participado das últimas ações de fiscalização como colaborador, o crime deveria ter uma investigação federal, segundo Milanez. Havia uma polêmica sobre o órgão competente para investigar o crime, se Polícia Civil do Estado do Amazonas (PCAM) ou a Polícia Federal, e entre as respectivas promotorias estadual e federal.

Ordinariamente, o homicídio é considerado pelo Código Penal um crime de competência das polícias estaduais, mas o artigo 109 da Constituição Federal prevê uma exceção: “para o caso de ser cometido contra funcionário público federal, no exercício de suas funções e também em razão delas”. De acordo com Milanez: “Se a razão do crime foi a participação de Santos na fiscalização e proteção da Terra Indígena Vale do Javari enquanto em serviço para a Funai, o crime deve ter a competência federal”.

A Indigenistas Associados (INA) e a Associação de Servidores da Funai (Ansef) manifestaram em carta pesar pelo assassinato:

“Este episódio trágico e extremo se soma a muitos outros. Nos mais diferentes contextos, da Amazônia à região Sul do país, indígenas, servidores e colaboradores atuam em condições precárias e insuficientes na proteção de Terras Indígenas. Por conta da participação em ações de combate a ilícitos nesses territórios, encontram-se cada vez mais ameaçados e vulneráveis.

Milanez apontou em suas pesquisas, como as que resultaram no livro “Memórias Sertanistas”, que:

“Funcionários da Funai possuem duas situações de maior exposição ao risco de mortes: por indígenas isolados ou então pelos inimigos dos povos indígenas, isto é, aqueles que avançam nas frentes agropecuária ou mineradora, garimpeiros, madeireiros, grileiros.

No primeiro caso, a morte pode estar relacionada com o risco inerente do trabalho com povos isolados ou recente contato, como no caso do Javari, onde já foram mortos funcionários, como o indigenista Raimundo Batista Magalhães, conhecido como ‘Sobral’, em 1996. Mas é raro e se deve à violência na região e ao fato de os indígenas terem sobrevivido a outros ataques e massacres de invasores, fazendo com que estejam em situação de guerra contra os brancos”. 

Há diversas medidas de segurança que, se tomadas, e na eventualidade de um ataque, os agentes da Funai sabem do risco de um contato malogrado com indígenas isolados. No entanto, relembra Milanez, ataques por madeireiros, invasores, garimpeiros ou narcotraficantes são ataques às instituições do Estado, sendo seu dever combater a concorrência ilícita do uso da violência.

Além desses grupos mencionados por Milanez, os missionários também cumprem com o seu papel de desmantelar as relações sociais no território indígena e promover a violência. A Univaja denunciou, em outubro de 2019, a presença de Andrew Tonkin, missionário estadunidense, nas proximidades do Igarapé Lambança, de onde pretendia chegar até aldeias de indígenas sem contato. As incursões dele no interior da terra indígena de forma irregular já haviam sido denunciadas à Funai, MPF, Polícia Federal e Exército.

“Naquele momento ele utilizava-se de um hidroavião, pilotado pelo missionário da ONG Asas do Socorro, Wilson Kannenberg, para burlar o controle de acesso da Funai na foz de alguns rios da terra indígena”, diz trecho da nota divulgada pela organização indígena.

No dia 02 de novembro de 2019, a Univaja divulgou uma nota alertando para a gravidade da situação e a ocorrência de uma “tragédia iminente”: “Desde o início deste ano [2019], nós, povos indígenas dessa região, estamos informando às autoridades competentes (Funai, MPF) sobre o aumento das invasões na Terra Indígena, bem como o nível de violência demonstrado pelos invasores, que têm se tornado, cada vez mais, ousados em intimidar tanto indígenas quanto os servidores da Funai responsáveis pela proteção da Terra Indígena”. 

A Univaja afirmou também que sua diretoria esteve em reunião com procuradores do MPF em Brasília, no dia 29 de outubro de 2019, pedindo medidas urgentes para evitar que “a situação chegue a um processo irreversível, em detrimento das populações indígenas do Vale do Javari ou a um aumento dos conflitos entre indígenas e invasores como acontecia num passado recente, situação essa que pode ser prevenida com ações concretas e eficazes nos dias de hoje”. 

No dia seguinte ao alerta enviado pela Univaja, a Base de Proteção Etnoambiental (Bape) do rio Ituí-Itacoaí da Funai foi novamente atacada a tiros por caçadores e pescadores ilegais, em 03 novembro de 2019. De acordo com reportagem de Elaíze Farias para o Amazônia Real, a liderança Manoel Chorimpa, do povo Marubo e membro da Univaja, denunciou que aquele fora o oitavo ataque em um ano ao território.

Segundo ele, a situação começou a se agravar no final de 2018, logo após a eleição do então presidente Jair Bolsonaro: “A Terra Indígena Vale do Javari está sem controle, perdendo a proteção. Os invasores não têm mais medo de serem flagrados. Eles entram porque sabem que a Funai está fragilizada neste governo, que o órgão não tem mais fiscalização, nem estrutura de proteção. Pode acontecer uma tragédia e vamos responsabilizar as autoridades por omissão”, disse Manoel Chorimpa à Amazônia Real.

Chorimpa relatou que, por volta de duas da manhã do dia 03 de novembro, os colaboradores indígenas (dos povos Marubo, Matis e Matsés) que fazem a vigilância avistaram a embarcação ilegal e acionaram a sirene de aviso. Em resposta, os invasores atiraram em direção à guarita da base. Os indígenas precisaram se refugiar para não serem atingidos pelas balas.

Em 9 de novembro de 2019, o MPF requisitou apoio da Polícia Federal (PF), do Exército Brasileiro e da Força Nacional de Segurança Pública (FNSP) para garantir a integridade física e moral dos povos indígenas do Vale do Javari e dos servidores da Funai na região, além de fiscalizar o ingresso ilegal de estrangeiros em áreas indígenas.

A medida foi autorizada por decisão da Justiça Federal que, em 07 de novembro de 2019, atendeu a pedido anterior do MPF (2018). O judiciário também determinou à União a alocação de recursos materiais e orçamentários para garantir apoio operacional às entradas em campo das equipes da Frente de Proteção Etnoambiental do Vale do Javari por, no mínimo, seis meses. A decisão judicial destacou que deveria ser mantida a continuidade da proteção e da fiscalização dos territórios indígenas na região para evitar potencial genocídio dos povos do Vale do Javari.

Em 29 de novembro de 2019, segundo o MPF, a Justiça Federal determinou a aplicação de multa diária de R$ 10 mil à União por não prestar apoio operacional, por meio das forças de segurança, para garantir a integridade física e moral dos povos indígenas isolados e de recente contato do Vale do Javari e dos servidores da Funai atuantes nas Frentes de Proteção Etnoambiental localizadas na região. Deveria ser aplicada multa diária pessoal de R$ 5 mil ao gestor caso não se procedesse com a ordem em 30 dias.

A União deveria ainda comprovar, no prazo de dez dias, ter cumprido decisão liminar proferida pela Justiça Federal, em dezembro de 2018, para reestruturação física e contratação de pessoal para as Frentes de Proteção Etnoambiental no Amazonas. Caso não apresentassem os documentos comprobatórios, seria aplicada outra pena de multa diária de R$ 10 mil.

De acordo com informações repassadas pela Funai, o Ministério da Defesa não emitiu ordem de serviço ou autorização formal para que o Exército apoiasse a ação das bases de apoio do Vale do Javari, nem a Polícia Federal ou o Ministério da Justiça mobilizaram efetivamente esforços para tanto. O MPF, porém, considerava imprescindível a atuação do Exército para dar continuidade ao monitoramento, bem como de demais órgãos da União que atuam no âmbito da segurança pública.

Embora se trate de uma área ameaçada por pesca e outras atividades ilegais, como garimpo e caça, o Ibama não tinha estrutura fixa desde 2018, quando foi encerrada a base do órgão em Tabatinga. Desde então, as operações de fiscalização passaram a ser realizadas com apoio de outras instituições, como a Polícia Federal, com delegacia no município. Segundo a reportagem apurou, a base era estratégica para a fiscalização da captura e comércio ilegal de pirarucu e outros peixes na região do alto Solimões. Um dos principais destinos da venda ilegal é a Colômbia, por meio da cidade fronteiriça de Letícia.

O diretor da Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente e do Plano Especial de Cargos do MMA e do Ibama (Ascema-Cema/Pecma), Hugo Loss, que foi chefe da Divisão Técnico-Ambiental (Ditec) do Ibama no Amazonas entre 2018 e 2019, apontou que o fechamento de unidades do órgão em qualquer local da Amazônia prejudicava a proteção ambiental porque, além de fornecerem apoio logístico às operações, elas servem como ponto de atendimento ao cidadão:

“As bases do Ibama não se resumem à fiscalização, são pontos importantes de articulação com a sociedade, de fomento, difusão e promoção das políticas ambientais da União”. Consequentemente o Amazonas passou a contar apenas com a sede do Ibama em Manaus; além da base de Tabatinga, foram desativadas a de Humaitá, no sul do estado, depois de um incêndio criminoso em 2017, e, em 2019, a de Parintins, na fronteira com o Pará.

Loss ressaltou que as bases são ainda mais importantes em áreas fronteiriças, como Tabatinga, pois exigem atuação mais intensa dos órgãos federais. Além disso, segundo ele, o fato de estar próxima à tríplice fronteira (Brasil, Colômbia e Peru) faz com que a região seja “muito mais complexa” pela presença de outras modalidades de crime, como o narcotráfico.

Segundo relatório de 2019 do Instituto Socioambiental (ISA), citado em reportagem da BBC Brasil, a Terra Indígena (TI) Vale do Javari está na área de uma das principais rotas de transporte de cocaína destinada a cidades e portos brasileiros:

“Torna-se um local geopoliticamente estratégico tanto para o crime quanto para o desenvolvimento de ações de políticas públicas do Estado”.

No município de São Paulo de Olivença, região do Vale do Javari, foram apreendidas duas toneladas de carne de pirarucu em 2019; nesse ano, foi o local onde mais se registrou multas pela pesca ilegal do peixe no Amazonas.

A Agência Pública divulgou haver R$ 226 mil em multas em Tabatinga, R$ 190 mil em Jutaí, R$ 1,4 mil em Atalaia do Norte e R$ 500 em Benjamin Constant. Considerando todas as multas envolvendo pesca ilegal de qualquer espécie, os cinco municípios juntos tinham então mais de R$ 14 milhões em multas. São Paulo de Olivença era novamente o recordista, seguido por Tabatinga e Atalaia do Norte.,

Em outubro de 2019, após liderar ação de combate ao garimpo em terras Yanomami, na qual houve apreensão de materiais e queima de dragas, o indigenista e servidor concursado Bruno Pereira foi exonerado da Coordenadoria Geral de Indígenas Isolados e de Recente Contato da Funai. Em entrevista à revista Época, publicada em dezembro, Bruno Pereira destacou a necessidade de a Funai ter porte de armas para a proteção dos indígenas:

“A Funai precisa de poder de polícia, de porte de armas para a proteção das terras de isolados, de bases em pleno funcionamento, de recursos para sobrevoo das regiões, de parcerias de operação com polícias locais, Exército e Polícia Federal”.

Também afirmou que os inquéritos deveriam ser concluídos, não bastando destruir equipamentos de madeireiros ou apreender o caminhão. Além disso, os infratores que ameaçavam indígenas isolados e servidores precisavam ser punidos:

“No regime militar, a abertura de grandes estradas e a construção de hidrelétricas… Foi tudo muito duro para os isolados. Após os avanços, agora a luz vermelha está ligada de novo. Se o desmantelamento for confirmado, depois pode ser tarde demais”.

Após sua exoneração da função de Coordenador, em 2019, Pereira pediu para ser licenciado sem vencimentos por dois anos do cargo público, como divulgou o Brasil de Fato. Em seguida, voltou para o Vale do Javari, dessa vez, prestando consultoria à Univaja.

Fonte: A Pública

Em março de 2020, José Rosha, do Cimi, noticiou que a Coordenadoria Geral de Indígenas Isolados e de Recente Contato (CGIIRC) da Funai estaria sendo usada como “ponta de lança”, numa investida “etnocida e genocida”, conforme alertavam na época lideranças dos povos indígenas do Vale do Javari. Em nota, a Univaja denunciou que:

“Alguns missionários vêm intensificando ações de cooptação de indígenas, sobretudo jovens estudantes, com o objetivo de desestabilizar as ações do Movimento Indígena, dar a largada para uma corrida pela ‘conquista de almas’ por religiosos fundamentalistas e desbloquear os entraves para a exploração comercial de nossas terras por um projeto genocida de Governo”.

O temor das lideranças indígenas do Vale do Javari se justificava, pois o risco era de que as incursões de missionários fundamentalistas fossem consolidadas com objetivo de abrir as portas da Terra Indígena (do Vale do Javari) para “ações nefastas de proselitismo religioso em todas as aldeias que ‘não foram alcançadas pela bíblia’, inclusive as dos povos isolados, dessa vez, usando-se o órgão indigenista oficial”, afirmou a Univaja. Com isto, em 23 de março de 2020, a Univaja lançou nota à imprensa sobre as investidas dos missionários e o pedido de proteção à PF, MPF e Funai:

“A nossa preocupação é que em pleno contexto de pandemia do coronavírus, além dos protocolos administrativos de prevenção divulgados pela Funai e pela Sesai, ainda há a insistência de grupos proselitistas fundamentalistas atuando com esse fim, uma atitude irresponsável e criminosa”. 

A pandemia citada referia-se à chegada do coronavírus Sars-Cov-2, causador da covid-19, no Brasil a partir de março de 2020. Segundo a Folha informativa sobre covid-19 da Organização Panamericana de Saúde da Organização Mundial da Saúde (OPAS/OMS), a covid-19 é uma doença infecciosa e tem como principais sintomas febre, cansaço e tosse seca. Outros sintomas menos comuns e que podem afetar alguns pacientes são: perda de paladar ou olfato, congestão nasal, conjuntivite, dor de garganta, dor de cabeça, dores nos músculos ou juntas, diferentes tipos de erupção cutânea, náusea ou vômito, diarreia, calafrios ou tonturas.

Nos casos mais graves, pode causar falta de ar e pneumonia, levando os pacientes à internação, uso de ventilação artificial e até ao óbito. Os primeiros casos da doença foram identificados na cidade chinesa Wuhan, província de Hubei em novembro de 2019, daí o nome da doença em inglês (coronavírus disease 2019) e a sigla pela qual ficou mundialmente conhecida.

Também no dia 23 de março de 2020, em resposta à recomendação do MPF, a Funai alterou a Portaria 419/2020 – que estabelecia medidas temporárias de prevenção à infecção e propagação da covid-19 em terras indígenas – para prever que apenas a Coordenação-Geral de Indígenas Isolados e de Recente Contato pudesse autorizar, de forma excepcional, atividades que implicassem em contato com indígenas isolados ou de recente contato. Anteriormente, a autorização havia sido delegada às Coordenações Regionais (CRs).

Segundo defendeu o MPF na recomendação, no entanto, as CRs: “não têm entre suas atribuições a competência para executar ações de contato e pós contato, nem dispõem, no seu quadro de pessoal, de servidores com capacitação específica para lidar com as especificidades das políticas voltadas aos povos isolados e de recente contato, especialmente em situação de crise epidemiológica”.

Portanto, o alerta do MPF, ao recomendar restrição na entrada de profissionais não especializados no trato com povos isolados e sua complexidade na realidade imposta por uma pandemia se justificou pelo fato de uma ação de contato por instância sem capacidade legal e técnica para tomar decisões referentes aos povos isolados “agravar a exposição à covid-19 de povos que já têm pouca ou nenhuma capacidade de resposta imunológica aos vírus [mais comuns em circulação no País]”, no entender do MPF.

Ainda assim, os invasores continuavam persistindo na entrada da TI, como mostrou, por exemplo, a matéria jornalística divulgada no dia 24 de março de 2020 pelo jornal O Globo, ao revelar as supostas intenções do missionário Andrew Tonkin de realizar expedição no território Igarapé Lambança, habitado por indígenas em situação de isolamento voluntário.

De acordo com o então coordenador da Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do MPF (6ªCCR), subprocurador-geral da República Antônio Bigonha, além de riscos à saúde, a entrada sem autorização em seu território em contexto de pandemia pode configurar crime contra a saúde pública, dentre outros ilícitos penais.

O MPF requisitou à PF no dia 25 de março a instauração de inquérito para investigar e impedir suposta expedição missionária na região. O MPF afirmava que a Constituição de 1988 estabeleceu a política de não contato com povos indígenas isolados, cabendo ao Poder Público zelar pela proteção e inviolabilidade de seus territórios. Qualquer contato com esses povos tradicionais deve partir de iniciativa própria e exclusiva deles, não sendo permitido o ingresso de missionários religiosos, madeireiros, garimpeiros e outras pessoas desautorizadas nas terras indígenas que eles habitam.

No dia 11 de abril de 2020, dez invasores foram detidos por servidores da Funai, na região do Igarapé Figueiredo, no rio Quixito. De acordo com o Cimi, havia ocorrência de indígenas em situação de isolamento voluntário. Os invasores estavam caçando na ocasião. De acordo com servidores da Funai, os invasores entraram na TI em duas embarcações, portando armas e carne de animais silvestres. Eles foram levados para a cidade de Tabatinga por agentes da Polícia Federal.

As lideranças indígenas do Vale do Javari temiam que as invasões no período de pandemia pudessem levar doenças para as aldeias, principalmente para os povos isolados ou de recente contato. O então vice-coordenador da Univaja, Lucas Marubo, afirmou ao Cimi que estavam acontecendo invasões ao sul da Terra Indígena, nas proximidades da divisa com o estado do Acre; e sudeste, a partir dos municípios de Eirunepé e Ipixuna (AM).

Segundo Marubo: “Pelos relatos dos parentes, estão vindo muitos fazendeiros e caçadores. Parece que já tem gente morando na área indígena, nós desconfiamos.”

Reportagem de Alceu Castilho e Bruno Bassi para o De Olho nos Ruralistas divulgou a decisão do juiz federal Fabiano Verli, da Vara Única de Tabatinga (AM), que impedia a entrada de missionários na TI. Essa decisão foi tomada no dia 16 de abril de 2020. Verli destacou a falta de imunidade dos povos isolados aos microrganismos que os não indígenas poderiam transmitir e refutou o argumento da liberdade religiosa:

“Doutrinação religiosa, por mais que seja subjetivamente importante para muita gente, não é, pela ideologia constitucional possível, imaginável, um serviço essencial (…). Deixando claro o agnosticismo deste Juiz, ressalto os que imagino serem bons motivos daqueles que querem espalhar a belíssima palavra de Cristo aos indígenas. (…) Mas estamos num Estado laico e temos outras prioridades. Até estados semi-teocráticos e tirânicos como a Arábia Saudita esvaziaram seus templos pela covid-19”. 

A liminar concedida por Fabiano Verli diz respeito a um procedimento cível envolvendo quatro réus: a Missão Novas Tribos do Brasil e três pessoas físicas (Tomas Andrew Tonkin, Josiah McIntyre e o pastor Wilson de Benjamin). Segundo a decisão, a parte ré estava proibida de ter contato com qualquer membro não plenamente integrado de etnia indígena sem autorização expressa da Funai. “É devido o cumprimento integral de todas as normas de aproximação de comunidades isoladas, principalmente sanitárias”, escreveu o juiz.

Ele intimou os réus a cumprir imediatamente a decisão, sob pena de multa de R$ 1 mil por dia para cada pessoa física ou jurídica:

“Seja a Funai intimada do inteiro teor desta decisão para que a faça cumprir dentro dos seus escopos e obrigações legais. Autorizo desde já o uso de força policial, inclusive militar de qualquer espécie em apoio ao cumprimento desta decisão”. 

Os primeiros casos de contaminação pelo covid-19, de acordo com relatos dos indígenas da TI repassados à Amazônia Real (jun.2020), aconteceram na aldeia São Luís. No entanto, outras comunidades da TI elaboraram suas estratégias de proteção.

Por exemplo, reportagem de Maria Fernanda Ribeiro, em De Olho no Genocídio, divulgou que a comunidade Nova Esperança estava vazia após a confirmação de quatro agentes de saúde do Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) contaminados pelo coronavírus dentro do território. Das 23 famílias da etnia Matsés (Mayoruna) que vivem no local, 20 delas foram se isolar no meio da floresta por medo de contágio.

Segundo o líder Edmilson Mayoruna, não havia remédios, testes ou profissionais de saúde disponíveis caso a pandemia se alastrasse. “Estamos muito preocupados porque não temos medicamentos e ainda não conseguimos descobrir nossos próprios remédios para salvar o nosso povo”, afirmou.

Em nota divulgada no dia 4 de junho de 2020, a Sesai informou que os profissionais que testaram positivo passaram por uma “rígida” quarentena antes de entrarem no território, além da possibilidade de eles terem sido contaminados após um pescador com sintomas ter acessado a região e por ter havido permuta entre indígenas e não indígenas brasileiros e peruanos no perímetro do Polo Base, na região do Médio Javari.

Em documento enviado ao MPF no dia 05 de junho de 2020, as associações Kanamari Vale do Javari (Akajava) e Matsés do Alto Jaquirana (Amaja) comunicaram que a informação divulgada pela Sesai era inverídica. De acordo com os relatos, o único contato com não indígenas se deu no porto da aldeia quando o enfermeiro recebeu (sem a presença de indígenas) um cacho de bananas.

“Estão inventando essa história do Peru”, afirma o líder Matsés. “Quem trouxe a doença foi a equipe de saúde. A gente já tinha pedido que não trocasse a equipe de profissionais no meio da pandemia porque é muito arriscado, mas ninguém nos ouviu”.

De acordo com a Sesai, um enfermeiro e dois técnicos de enfermagem, que atuavam no Polo Base Médio Javari, acessaram a área indígena no dia 29 de abril de 2020, e, o agente de combate a endemias, em 22 de maio. Eles foram removidos após a testagem e os indígenas proibiram a entrada de uma nova equipe.

No documento enviado ao MPF as associações demandam esclarecimento por parte dos órgãos públicos, Funai e Sesai, sobre como se deu a entrada de agentes de saúde possivelmente contaminados no território indígena. Também exigiam um atendimento de saúde diferenciado aos povos indígenas, bem como:

“transparência da Sesai no compartilhamento das informações e ações sobre a situação da pandemia na TI; que a quarentena dos profissionais de saúde fosse feita dentro da TI, porém distante das aldeias (barreiras sanitárias); envio de Equipamento de Proteção Individual – EPI e itens de higienização (sabão e álcool gel, água sanitária entre outros); que as aldeias fossem informadas sobre os cuidados de prevenção, instruções e protocolos de como tentar cuidar de quem está com sintomas; que Sesai e Funai informassem via escrita as ações realizadas para prevenir a contaminação na aldeia Jarinal do povo Tüküna [autodenominação dos Kanamari] e Tsohom Djapá de recente contato”.

No dia 5 de junho de 2020, uma investigação da Secretaria de Perícia, Pesquisa e Análise da Procuradoria Geral da República (SPPEA/PRG), em um documento assinado pelo antropólogo Walter Coutinho, alertou para a hipótese de as equipes de saúde do Dsei Vale do Javari terem sido uma fonte grave de disseminação da doença entre os indígenas em várias calhas do território, inclusive entre os grupos de recente contato.

O documento afirma que “os sete primeiros casos de contaminação admitidos pelo Dsei Vale do Javari ocorreram fora dos limites da TI Vale do Javari, processando-se em indígenas que se encontravam referenciados, sob a responsabilidade dos serviços de saúde da própria Sesai, em funcionários do próprio Distrito Sanitário ou em indígenas em trânsito”. Entre os casos notificados, segundo o autor, “destaca-se aquele ocorrido com uma criança korubo, integrante de um povo indígena de recente contato”.

No dia 07 de junho de 2020, o MPF enviou para a Sesai uma recomendação afirmando que a quarentena dos profissionais de saúde fosse realizada já em área apropriada dentro do território indígena para evitar a circulação pela cidade, apontada pelos indígenas como um dos principais problemas:

Nós questionamos se a quarentena na cidade seja efetiva porque nenhum motorista cumpre. Durante o período de isolamento ficam transitando pelas cidades de Atalaia do Norte e também pelos municípios próximos, onde o fluxo de contágio da pandemia já se tornou comunitário e muitos deles acabam descumprindo os protocolos estabelecidos.”

Também em 07 de junho de 2020, Elaíze Farias, do Amazônia Real, divulgou que, um dia após a retirada de profissionais de saúde contaminados da aldeia São Luís, três indígenas Kanamari testaram positivo para a covid-19.

Segundo a liderança Korá Kanamari: “Veio uma equipe do Dsei Vale do Javari aqui para fazer o teste. Fizeram em 10 pessoas e, em três, deu positivo: no cacique Mauro, na esposa e na filha dele. Outras cinco famílias são casos suspeitos de estarem com a doença”. Todos apresentaram sintomas como febre, dor de cabeça, dor no peito e no corpo, dificuldade de respiração, tosse seca e perda de paladar.

Embora a pandemia fosse a principal preocupação dos povos indígenas na época, a violência contra eles não deu trégua. Conforme denunciava o Cimi em 14 de julho de 2020, um indígena do povo Kokama, morador da aldeia São Pedro, na bacia do rio Javari, foi ameaçado de morte por um posseiro conhecido como “Miguelzinho”. De acordo com Boletim de Ocorrência registrado em 5 de junho na Delegacia de Atalaia do Norte (AM), o posseiro teria feito o disparo contra o indígena, que estava acompanhado pelo filho de quatro anos de idade e um sobrinho de 13. O tiro teria sido disparado a cerca de um metro e meio de distância.

Conforme relato feito pela Organização Indígena do Povo Kokama do Vale do Javari (Orinpokovaja), o fato aconteceu no dia 28 de maio de 2020. Por volta das nove horas da manhã, Daniel Tello Murajari, Kokama, de 25 anos de idade, da aldeia São Pedro do Norte, estava a caminho da sua roça, acompanhado do seu filho e de seu sobrinho. A certa altura, foram abordados por um morador não indígena conhecido pelo apelido de “Miguelzinho”. Na ocasião, o posseiro portava uma espingarda.

Conforme relatou Daniel, o posseiro o proibiu de seguir para a roça alegando que o roçado lhe pertencia. Daniel tentou argumentar dizendo que seu pai trabalha há mais de 20 anos naquele local. Nesse momento, o posseiro teria efetuado um disparo entre a criança e Daniel. Após o disparo, o posseiro advertiu a Daniel que, se voltasse para a roça, seria morto. O caso foi comunicado às lideranças da aldeia, à Delegacia de Polícia em Atalaia do Norte e à Coordenação Técnica Local (CTL) da Funai.

No dia 6 de julho de 2020, Neuraci Ramos de Oliveira de 44 anos, do povo Tikuna, diagnosticada com covid-19, foi embarcada em um avião da empresa Manaus Aerotaxi para ser transferida de Tabatinga, no Alto Solimões, para a capital. No Amazonas, só em Manaus há Unidades de Tratamento Intensivo (UTIs) e estrutura para tratar pacientes graves de covid-19.

Neuraci era uma delas, mas nunca chegou a viajar. Já com o motor ligado da aeronave, foi detectada uma pane na turbina e a indígena teve de retornar ao Hospital da Guarnição de Tabatinga. Dois dias depois, ela morreu. Neuraci era mãe de oito filhos, casada com Higson Dias Kanamari, presidente da Associação Kanamari do Vale do Javari (Akavaja).

“Embarcaram ela e ligaram todos os aparelhos. Na hora da decolagem, deu problema no avião, disseram que era pane na turbina. Ela retornou ao hospital e o estado dela se agravou da noite para o dia. No dia 08, veio a óbito. Se ela tivesse viajado dois antes, acho que conseguiriam trazer a vida da minha esposa de volta”, diz Higson Dias Kanamari, presidente da Associação  Kanamari  do Vale do Javari (Akavaja).

Segundo o atestado de óbito, a morte dela foi causada por covid-19, pancreatite aguda e calculose de via biliar. Higson Dias Kanamari, que acompanhou os obstáculos para sua internação declarou: “Os médicos diziam que ela seria removida para Manaus. Isso nos dava esperança. Até que ela piorou bastante e ficou bastante debilitada. Teve parada cardíaca e precisamos que o Hospital da Guarnição arrumasse respirador para ela receber transferência para lá. Na UPA [Unidade de Pronto Atendimento] não tinha nem remédio para anemia. Nós que compramos os medicamentos”.

O portal Amazônia Real apurou junto à Secretaria de Saúde do estado do Amazonas (SES-AM) que o então governador Wilson Lima, do Partido Social Cristão (PSC), disponibilizou apenas três aeronaves para atender a pacientes infectados pelo novo coronavírus durante a pandemia, em um estado com a dimensão de 1.571.000 km² e a estratégia de centralizar o tratamento de casos graves na capital do Amazonas.

O governo do Amazonas firmou contrato com a Manaus Aerotaxi, com dispensa de licitação, para o período de 29 de abril a 25 de outubro. Outras três aeronaves disponibilizadas pelo estado eram usadas para a remoção de pacientes com outras enfermidades.

Em 25 de maio de 2020, o MPF instaurou inquérito para “apurar a regularidade do Contrato de Prestação de Serviços n° 31/2020, firmado pela SES-AM com a Manaus Táxi Aéreo LTDA para remoção de três pacientes com covid-19”. O procedimento foi provocado por casos do município de Boa Vista do Ramos, no baixo Amazonas (a 271 quilômetros de Manaus), que precisaram de ação judicial da Defensoria Pública do estado do Amazonas (DPE/AM) para serem transferidos para a capital.

À Amazônia Real, a SES-AM informou que havia pacientes em estados clínicos mais graves do que Neuraci (Tikuna diagnosticada com covid-19 que faleceu), e com prioridade na transferência. Ainda, no mesmo dia da falha técnica no avião que faria a remoção dela [em 6 de julho], a empresa teria enviado uma segunda aeronave, informação negada por Higson. Segundo ele, isso teria acontecido somente no dia seguinte.

Um ano e meio após o anúncio da pandemia, e com a continuidade de contaminações e mortes no Vale do Javari, servidores da Funai denunciaram, por meio da Agência Pública, o estado de abandono no território, especialmente por parte da alta administração do órgão, expondo os habitantes a constantes ataques e violações de direitos. Desde o dia 27 de maio de 2021 havia um cargo vago em Atalaia do Norte.

Conforme o regimento interno do órgão, o titular chefe do Serviço de Gestão Ambiental e Territorial (Segat) da CR da Funai tem por atribuição acompanhar as ações de proteção territorial e ambiental de terras indígenas e dos povos em isolamento e de recente contato. O chefe do Segat “poderia exercer o papel de articulação com Ibama e Polícia Federal”, segundo os servidores, para fazer frente “à situação gritante de invasão” da terra indígena.

Contudo, a CR indicou um servidor de carreira para ocupar a chefia do Segat, mas o comando do órgão rejeitou o nome por “oportunidade e conveniência”. Nenhum servidor foi colocado no lugar, fato agravado pela denúncia de que os servidores não estavam recebendo apoio quando ameaçados de morte.

No início de junho de 2021, todos os 247 indígenas Kanamari da aldeia São Luís tiveram sintomas de covid-19, logo após profissionais de saúde do Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) confirmarem a infecção e serem retirados às pressas do local. Luzia Kanamari, que trabalha no Dsei Vale do Javari, disse à Amazônia Real que pelo menos 61 Kanamari de São Luís testaram positivo para o coronavírus.

Diante de todas as consequências da ausência de uma política de saúde indígena capaz de evitar a propagação do coronavírus nas aldeias do Vale do Javari, as mulheres Kanamari protestaram contra o então chefe da Sesai, o coronel da reserva do exército Robson Santos da Silva, como publicou o Amazônia Real.

No dia 20 de junho de 2021, os profissionais de saúde chegaram à aldeia São Luís. As mulheres Kanamari se dirigiram especialmente ao coronel Robson falando na língua Kanamari. Hilda e Noemia reclamaram da demora e culparam os profissionais de saúde pelo contágio. “Vocês brancos não prestam, vocês são doentes. Teus parentes trouxeram a doença para nos contaminar”, disseram as duas indígenas.

A fala de Hilda e Noemia traduz expressamente a maioria das análises sobre a problemática do contato com povos isolados ou de recente contato, como a de Carolina Santana (2021): “Não é de hoje que nossa existência é uma ameaça virulenta à vida dos indígenas. Os anciãos de todos os povos, mesmo daqueles que já possuem histórias de contato com a nossa sociedade, narram episódios a respeito das inúmeras doenças letais levadas pelos colonizadores ao seio de seu convívio”.

Todas as consequências que as sociedades não indígenas passaram no período da pandemia, como “medo, ansiedade, pessoas doentes, isolamento, mortes, atividades produtivas abaladas, famílias separadas etc.”, exemplifica Santana, são realidades antigas dos povos indígenas.

A viagem do titular da Sesai fez parte de ações do governo no combate à covid-19 nas terras indígenas, mas foi uma estratégia questionada pelas lideranças das etnias. A intenção do coronel Robson, segundo ele próprio, era apenas deixar os equipamentos e insumos em São Luís e retornar para o helicóptero. Ele foi até a aldeia em aeronave da Força Aérea Brasileira (FAB).

Korá Kanamari  afirmou que parte dos insumos que chegaram na aldeia São Luís  estava sem uso: “O apoio chegou atrasado. Tem muito material parado lá. Deveriam ter pensado antes, poderiam ter tomado medidas conversando com os indígenas. Não decidir de cima para baixo”.

A fala de Korá Kanamari é uma evidência da desarticulação entre as equipes de saúde indígena formadas para atuar na TI Vale do Javari e nas demais Tis, e as organizações indígenas durante a pandemia. Em 29 de junho de 2021, a Apib e seis partidos políticos (PCdoB, PDT, PSB, PSOL, PT e Rede) ajuizaram uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) denunciando a “irresponsabilidade sanitária” do governo federal na gestão de Jair Bolsonaro e a “possibilidade real de extermínio de etnias inteiras”. Entre os órgãos estatais acusados de omissão e falha na condução de políticas públicas específicas de enfrentamento à covid-19 estava a Sesai.

De acordo com o advogado indígena Luiz Henrique Eloy Amado para o Midia Ninja, tratava-se da ação Arguição por Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 709, uma invocação das organizações indígenas pelo direito constitucional à saúde que buscava medidas para evitar o genocídio e etnocídio dos povos indígenas do Brasil. A ação foi entregue ao ministro Luís Roberto Barroso.

Na petição inicial, a Apib e os partidos pediram a instalação de barreiras sanitárias em 31 terras indígenas com indígenas isolados e de recente contato; a desintrusão dos invasores nas TIs Karipuna, Kayapó, Munduruku, Trincheira Bacajá, Yanomami e Uru-Eu-Wau-Wau; a determinação de que os serviços do Subsistema de Saúde Indígena do Sistema Único de Saúde (Sasi/SUS) devem ser prestados a todos os indígenas no Brasil, inclusive os não aldeados (urbanos) ou que habitem áreas não definitivamente demarcadas.

De acordo com Luiz Henrique Eloy Amado:

“A presença da Apib como autora da ação é um ponto fundamental. Durante muito tempo os povos indígenas foram colocados numa posição de subalternidade legal. Ainda no início da colonização questionou-se até se os ‘indígenas eram detentores de almas’. Foi preciso um documento do Papa reconhecendo que os mesmos possuíam alma e, portanto, eram passíveis de catequização. Superada esta visão, os povos indígenas foram subjugados a tutela jurídica, considerados como incapazes para a prática dos atos da vida civil, estes não podiam se fazer representar, necessitando sempre do aval do Serviço de Proteção ao Índio (SPI) e depois da Fundação Nacional do Índio (Funai)”.

No dia 2 de julho de 2021, o relator Ministro Roberto Barroso proferiu despacho determinando a “intimação do Exmo. Sr. Presidente da República, do Exmo. Procurador-Geral da República e do Exmo. Advogado Geral da União, para manifestação no prazo comum e impostergável de 48 horas.”

Independentemente do recesso sobre o pedido de cautelar, após o transcurso do prazo, com ou sem manifestação, os autos deveriam retornar à conclusão para decisão. Após as respostas apresentadas pelo então presidente Jair Bolsonaro por meio da Advocacia Geral da União (AGU), o ministro apreciou a petição e os argumentos apresentados pela Apib.

No dia 8 de julho, foi proferida decisão deferindo parcialmente a liminar pleiteada, determinando ao governo federal a adoção das seguintes medidas:

  • “Determinação de criação de barreiras sanitárias, conforme plano a ser apresentado pela União, ouvidos os membros da Sala de Situação, no prazo de 10 dias, contados da ciência desta decisão.
  • Determinação de instalação da Sala de Situação, como previsto em norma vigente, para gestão de ações de combate à pandemia quanto aos povos indígenas em isolamento e de contato recente, com participação de representantes das comunidades indígenas, da Procuradoria Geral da República e da Defensoria Pública da União, observados os prazos e especificações detalhados na decisão. Quanto aos povos indígenas em geral.
  • Determinação de que os serviços do Subsistema Indígena de Saúde sejam acessíveis a todos os indígenas aldeados, independentemente de suas reservas estarem ou não homologadas. Quanto aos não aldeados, por ora, a utilização do Subsistema de Saúde Indígena se dará somente na falta de disponibilidade do SUS geral.
  • Determinação de elaboração e monitoramento de um Plano de Enfrentamento da COVID-19 para os Povos Indígenas Brasileiros, de comum acordo, pela União e pelo Conselho Nacional de Direitos Humanos, com a participação das comunidades indígenas, observados os prazos e condições especificados na decisão”.

De acordo com Miguel Godoy, Carolina Santana e Lucas de Oliveira (2021), a estratégia da Apib em acionar o Poder Judiciário levou a desdobramentos de alta complexidade, de modo a proteger os povos indígenas de diversas vulnerabilidades, como a imunológica, que decorre da carência de defesas em seus organismos para combater doenças externas corriqueiras e a sociocultural, que decorre da morte dos mais frágeis às epidemias, como crianças e anciãos.

“Com a morte destes o grupo perde líderes políticos, conselheiros, guias espirituais e com a morte daquelas compromete-se, a médio prazo, a capacidade da renovação da sociedade, podendo, inclusive, vir a alterar os padrões culturais para a formação de casais”. Além disso, há vulnerabilidade territorial, que ocorre pela contínua pressão da sociedade sobre seus territórios.

Esse último processo de vulnerabilização, agravado por uma política anti-indígena também foi discutido pelo portal De Olho nos Ruralistas, na série de reportagens denominada “Esplanada da Morte”, no dia 13 de agosto de 2021: “[Um] [m]ilitar comanda [a] secretaria que assiste a massacre de indígenas por covid-19”.

O coronel da reserva Robson Santos da Silva, considerado sem experiência na área da saúde indígena, era classificado como “autoritário” pela reportagem. Formado em Pedagogia pela Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), com mestrado em Educação pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e cinco especializações nas áreas de educação à distância e administração escolar, nenhuma delas é relacionada ao campo da saúde pública.

A matéria também trazia uma fala de Ana Lúcia Pontes, pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (ENSP/Fiocruz) e então coordenadora do Grupo de Trabalho de Saúde Indígena da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (GTSI/Abrasco), na qual ela afirmava que “o enfraquecimento da política de saúde indígena foi intensificado quando Jair Bolsonaro assumiu, em janeiro de 2019”. Segundo ela, “na virada do ano, não tínhamos certeza nem do próprio futuro da Sesai”.

A Apib avaliou que a Sesai adotou um entendimento “absolutamente discriminatório e inconstitucional” ao apenas prestar atendimento aos indígenas aldeados e que viviam em TIs homologadas, conforme trecho de ação protocolada pela associação no STF.

“Isso exclui tanto os indígenas que habitam terras em processo de demarcação, como também os que vivem em contexto urbano, mas que não se despem da sua identidade étnica por conta disso”. 

Um estudo coordenado pelo Centro de Pesquisas Epidemiológicas da Universidade Federal de Pelotas (CPE/Ufpel) mostrou que a prevalência do novo coronavírus entre a população indígena urbana é de 5,4%, contra 1,1% encontrada na população não indígena. O estudo nacional foi feito com 89.397 pessoas em 133 municípios.

Em 23 de julho de 2021, o MPF lançou nota pública pela Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais (6ªCCR) repudiando a violenta ameaça aos povos indígenas em situação de isolamento que viviam na TI Vale do Javari, no Amazonas. Baseando-se em documentos enviados à Câmara e notícias veiculadas pela imprensa, o coordenador Regional da Funai no Vale do Javari, o tenente da reserva do Exército Henry Charlles Lima da Silva, sugeriu e encorajou a violência contra esses povos, afirmando que iria “meter tiro nos [indígenas] isolados”.

“A fala do Coordenador Regional da Funai revela o seu desconhecimento sobre as atribuições e competências do órgão em que trabalha, inclusive da Frente de Proteção Etnoambiental Vale do Javari; difunde falsas informações acerca dos povos indígenas isolados: ‘Eles já entendem. Já pedem cesta básica, já falam português, já têm contato direto com a frente, não se justificam certas atitudes deles’; por fim, aponta para uma incompreensão da territorialidade dos povos indígenas que vivem na região, muitas vezes ocupando territórios sobrepostos ou compartilhados: ‘Se vierem na terra de vocês, vocês têm todo o direito de se defender’, indo de encontro ao art. 231 da Constituição da República”.

Perante a gravidade da fala e as nefastas consequências da atitude do Coordenador Regional da Funai no Vale do Javari, o MPF ressaltou que todas as medidas cabíveis estavam sendo adotadas pela unidade do MPF em Tabatinga/AM, que também atuava no acompanhamento do possível conflito entre indígenas isolados e aldeados da etnia Marubo, por meio de procedimento próprio. Exigiu da Funai providências imediatas para a proteção de todos os povos da TI Vale do Javari e o pronto retorno a sua missão legal de proteção e promoção dos direitos dos povos indígenas, inclusive de sua segurança física.

Em 28 de julho de 2021, o Cimi – por meio de sua Equipe de Apoio aos Povos Indígenas Livres (Eapil) – também se manifestou contra as declarações criminosas do tenente Henry da Silva, classificando-as como particularmente graves por encorajar que os indígenas do Vale do Javari usem armas uns contra os outros para resolver os conflitos. O Cimi alinhou-se ao entendimento do MPF afirmando que o servidor revelou total desconhecimento e despreparo para lidar com as formas de ocupação territorial dos povos do Vale do Javari, exigindo sua demissão. Além disso, o Cimi e a Eapil reforçaram o pedido da Coiab feito à 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal (6ªCCR/MPF) para a instalação de inquérito para apurar crime de genocídio contra povos indígenas isolados e determinar o afastamento imediato do Coordenador Regional da Funai no Vale do Javari.

Em agosto de 2021 a Univaja formou, por iniciativa de Bruno Pereira, a Equipe de Vigilância da Univaja (EVU), que fez a primeira viagem de trabalho, com duração de cerca de um mês, como relatam Beto Marubo à Agência Brasil (fev/2023) e Manuela Cunha e Juliana dos Santos (2022). A jornada gerou o relatório “Expedição de Monitoramento e Vigilância da EVU na Terra Indígena (TI) Vale do Javari: Rios Itaquaí, Ituí e Quixito”, de 56 páginas, que mapeou 67 pontos, com coordenadas de sistema de posicionamento global (GPS), que indicavam a latitude e a longitude de pontos de invasão na TI, incluindo locais com vestígios da presença dos invasores.

Manuela Cunha e Juliana dos Santos (2022) relembram que, em sua primeira missão, entre agosto e setembro de 2021, a EVU enfrentou resistência da Funai, o que contribuiu para que o cronograma de fiscalização não pudesse ser cumprido em sua totalidade, contrariando acordos estipulados, “inclusive sobre os protocolos sanitários, em reunião realizada em 22/07/2021 entre Sesai, Funai, MPF e Univaja acerca do ingresso da EVU na TI Vale do Javari. A EVU foi comunicada que precisaria de ordem direta da Coordenadora da Frente de Proteção Etnoambiental Vale do Javari para prosseguir.”

Após sete dias do início da operação, sem qualquer resposta da FUNAI, os indígenas da EVU decidiram ingressar na TI para fazer esse monitoramento. De acordo com as falas de Beto Marubo (2023), que acompanhou de perto a missão e atuação dos envolvidos, o trabalho de monitoramento enfrentou não somente o descaso da Funai como também de interessados no desmonte das políticas indígenas:

“Quem estava no comando dessa equipe indígena era o Bruno. Eles sabiam disso. Os indígenas começaram a se empoderar. A gente tinha a imprensa, tinha como divulgar isso na imprensa. Nós tínhamos como pressionar as instituições, Polícia Federal, MPF [Ministério Público Federal]. Tinha como apresentar essas informações a eles, e isso incomodava muito o pessoal, no contexto de Bolsonaro. Foi criado, ele mesmo [Bruno] denominou isso de Equipe de Vigilância da Univaja. Foi o próprio Bruno que escolheu esse nome. No início, eram 20 parentes que ele treinou. Esses parentes replicavam para mais 20 e, aí, virou um momento cíclico. Hoje [fev. 2023], temos 20 parentes no mato, fazendo o trabalho para o qual foram treinados.”

Em 15 de novembro de 2021 foi publicada uma ferramenta para avaliar o grau de risco dos povos isolados. O Alerta Povos Indígenas Isolados – covid-19, do Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (Opi), tem como objetivo medir o grau das ameaças – agravadas com a pandemia – contra tais povos. A presença de balsas de garimpo na região do rio Curuena, na TI Vale do Javari, foi um dos motivos que fez o território figurar no quinto lugar no ranking.

Segundo Fabrício Amorim, membro do observatório, além de monitorar o avanço do coronavírus nas terras indígenas com isolados, a ideia da ferramenta era subsidiar estratégias para a proteção desses povos, principalmente com as decisões tomadas pelo STF no âmbito da ADPF 709.

Reiteradamente constatou-se o que os povos da TI já alertavam: o desmatamento e o garimpo destruíam os territórios dos povos originários e eram vetores da covid-19. Ambas as atividades foram responsáveis por abrir caminho para que o vírus contaminasse ao menos 22% dos indígenas expostos, segundo pesquisa com dados até agosto de 2020, do economista e especialista em políticas públicas Humberto Laudares.

Para Angela Kaxuyana, liderança indígena integrante da Coiab:

“Sempre existiram ataques, invasões e tentativas de desaparecer com os povos isolados. Mas antes desse governo muito declarado contra os indígenas, as pessoas agiam de uma forma mais tímida, mais camuflada. Só que hoje o que intensifica essa ameaça é que você tem o presidente declarando que tem como agenda oficial esse desmonte [de políticas pró-indígenas], além da pandemia, claro.”

Entre 18 e 22 de novembro de 2021, as procuradoras da República Aline Morais Martinez dos Santos e Nathalia Geraldo Di Santo representaram o MPF em missão na TI Vale do Javari para acompanhar e verificar questões relacionadas à pandemia de covid-19, exigindo uma série de adequações e restrições de acesso ao território, com o acompanhamento da Univaja.

A agenda de atividades resultou na instrução e no desenrolar de vários procedimentos em andamento no MPF em Tabatinga, como os relacionados às questões indígenas, de território e de saúde. O MPF realizou reunião na sede da Univaja com lideranças indígenas de várias etnias. Entre as principais reivindicações, falou-se sobre ações ligadas à defesa do território, em que os indígenas exigiram participar, reforçando as bases, denunciando e acompanhando a efetivação dessas denúncias.

Já na sede do Dsei Javari, a equipe do distrito sanitário apresentou panorama da atuação na região e esclareceu dúvidas sobre estrutura, vacinação, enfrentamento da covid-19, remoção de indígenas e reforma da Casai, entre outros.

“Ouvir os anseios do movimento indígena e os órgãos indigenistas é indispensável para que o Ministério Público conheça a realidade do Vale do Javari e possa atuar de maneira ainda mais efetiva na defesa dos direitos indígenas”, destacou a procuradora da República Nathalia Di Santo.

Em janeiro de 2022, a Coiab emitiu nota de alerta sobre um surto gripal e casos de covid-19 nos territórios indígenas da Amazônia brasileira, denunciando falta de assistência técnica, medicamentos e Equipamentos de Proteção Individual (EPIs). Em Roraima, o aumento de casos de gripe levou o Conselho Indígena de Roraima (CIR) a suspender suas atividades presenciais durante 15 dias em janeiro. O levantamento da Coiab registrou 44.743 casos de covid-19 em 158 povos indígenas da região. Até aquela data haviam sido registrados 1.590 óbitos de 121 povos indígenas.

No dia 11 de fevereiro, a Associação de Desenvolvimento Sustentável do Aldo Rio Curuca (Asdec) divulgou nota relatando preocupação com o avanço de casos suspeitos de covid no Vale do Javari, com a morte de uma jovem no começo do mês em hospital de Manaus. No caso dos Marubo, o contágio entre os mais velhos era a principal preocupação, por serem mais vulneráveis a desenvolver quadros graves da doença.

Como afirmou trecho da nota: “Desde início de julho de 2021, encaminhamos ao Dsei, o programa local de atendimento aos idosos, justamente com as preocupações que hoje estamos vivendo com as sequências de óbitos”.

Apesar dessas e outras perdas, em 24 de fevereiro de 2022, a Asdec voltou a denunciar a inação do governo federal devido ao atraso na distribuição da terceira dose da vacina contra a covid-19, além da vacinação das crianças com menos de 12 anos não ter sido iniciada, embora àquela altura já houvesse imunizante disponível para a faixa etária.

De acordo com o portal Amazônia Real, com relatos do presidente da Asdec, Manoel Chorimpa, quatro anciãos do povo Marubo morreram entre novembro de 2021 e fevereiro de 2022 com suspeita de covid-19. Luzia Marubo, de 99 anos, considerada a Marubo mais velha de Maronal, morreu em 19 de janeiro. Dias antes, ela apresentara sintomas de gripe, agravado pelo fato de não haver testes nas aldeias, impossibilitando saber se ela contraiu covid-19.

Afirmou Manoel Chorimpa:

“A covid se alastrou para toda a região do Vale do Javari. Hoje a gente sofre com as consequências da covid, principalmente com as sequelas para os mais idosos. A nossa aldeia está em momento de comoção. É uma morte atrás da outra. Para nós é uma situação bastante fora do normal. Por ser uma comunidade pequena, onde todo mundo se conhece, essas mortes abalam muito”.

De acordo com informações da Amazônia Real (fev. 2022) com dados do boletim epidemiológico da Sesai, o Dsei Vale do Javari registrava 998 casos confirmados de covid-19 e apenas três óbitos pela doença. Esses números, segundo as lideranças indígenas, estavam subnotificados, pois os que se deslocavam frequentemente até a cidade, mesmo morando nas aldeias, não eram contabilizados pelo órgão federal de saúde indígena, sem falar na falta de testes suficientes.

Para as lideranças do povo Marubo, o mais grave era a ausência de meios de transporte que pudessem fazer a retirada rápida de pessoas em estado de saúde grave. Por avião, a distância é reduzida para uma hora. A aldeia Maronal conta com pista de pouso, mas assim como todos os municípios do interior amazonense, o hospital de Atalaia do Norte não conta com leitos de UTI, segundo a Amazônia Real.

Quanto à demanda apresentada pelos Marubo sobre a falta de médicos, a Sesai enviou comunicado à equipe da reportagem afirmando que o Dsei Vale do Javari contava com seis profissionais do programa Mais Médicos para atender aos sete polos-bases.

“O Distrito informa, ainda, que possui uma frota de sete ambulanchas para atender o território indígena nas situações emergenciais e conta com apoio de outras instituições parceiras para realizar as remoções mais delicadas”.

Em 20 de abril de 2022, lideranças da TI participantes da Univaja, como informam reportagens do Globo, Amazônia Real e Climatempo, denunciaram a invasão do garimpo no território. A Univaja e o CTI informaram que os criminosos realizaram inclusive uma festa na comunidade do Jarinal na qual forçaram indígenas a beber gasolina com água e álcool etílico com suco. Além disso, os garimpeiros teriam estuprado mulheres indígenas.

Como afirmou Kadhyi Kanamari, chefe do Conselho Indígena dos Kanamari do Juruá e Jutaí (Cikaju): “Os garimpeiros foram até a boca do igarapé, que fica bem perto da aldeia, e depois foram de canoa até a aldeia fazer a festa. O que eles fazem é temperar gasolina com água e ficam dando para os parentes beber”.

O Brasil de Fato divulgou a situação da comunidade Jarinal, cuja invasão poderia ter sido evitada se uma base de proteção prevista pela Funai tivesse entrado em operação, como avaliou o vice coordenador da Univaja: “Nossas jovens e mulheres indígenas estão correndo o risco o tempo todo de abuso sexual”.

Ele também narrou uma carta da Associação Kanamari do Vale do Javari (Akavaja):

“Estamos à mercê de doenças por causa da água contaminada, estamos à mercê de alcoolismo e drogas dentro da aldeia, do desmatamento de nossas árvores, de nossas florestas, nossos líderes indígenas estão correndo risco de manipulação política por parte dos garimpeiros.”

A ausência da Funai nas aldeias provocou a culminância de uma tragédia, apesar de ter sido constantemente anunciada ao logo dos anos devido às recorrentes ameaças aos servidores e colaboradores da Funai. Em 5 de junho de 2022 foi comunicado o desaparecimento do indigenista Bruno da Cunha Araújo Pereira e do jornalista inglês Dominic (Dom) Mark Phillips, que estava escrevendo um livro – “Como salvar a Amazônia” – sobre o que devia ser feito para proteger a região.

A reportagem do Fantástico, da TV Globo, divulgou vídeo que mostrava o apelo de Pereira às autoridades federais por mais proteção à TI: “O primeiro passo é conseguir dar proteção do território. É conseguir que se retire desse território qualquer tipo de invasor e pessoas não autorizadas a ingressarem nessa região”.

Como já foi dito,Bruno Pereira atuava junto à Univaja desde sua exoneração da coordenação de Povos Indígenas Isolados e seu pedido de licença da Funai, em 2019. O MPF, no Amazonas, a Polícia Federal, a Força Nacional de Segurança Pública (FNSP) e a própria Funai receberam diversos relatórios da Univaja documentando ameaças e agressões de criminosos contra comunidades indígenas no Vale do Javari.

Suspeitava-se que o desaparecimento tinha relação com a “máfia dos peixes”, em que criminosos, em conexão com quadrilhas do tráfico de drogas, realizam pesca predatória sem autorização dentro da TI. O primeiro suspeito preso pela Polícia Civil do Amazonas até então foi o pescador Amarildo da Costa de Oliveira, o “Pelado”.

O G1 destacou a atuação de “Pelado” como líder desses pescadores no Vale do Javari, com acusações de ataque com arma de fogo contra a base da Funai na Terra Indígena em 2018 e 2019. Ele também teria feito ameaças contra Pereira semanas antes de seu desaparecimento. Testemunhas ouvidas pelas autoridades policiais disseram que, além de terem visto a ameaça que Pelado fez contra Bruno, também o viram em uma lancha, navegando logo atrás da embarcação de Bruno e Dom.

De acordo com reportagem de Daniel Camargos para o Repórter Brasil (ago. 2022), no dia do seu desaparecimento, Bruno Pereira tinha encontro marcado com alguns pescadores, com quem discutia um plano de manejo dos peixes da região como alternativa à pesca ilegal na Terra Indígena. Em seguida, ele e Dom seguiriam para Atalaia do Norte (AM), onde Bruno apresentaria ao MPF e à Prefeitura local fotos comprovando a invasão de rios e terras da TI para a realização da atividade predatória.

Em 10 de junho de 2022, as investigações em torno do desaparecimento de Bruno Pereira e Dom Phillips apontaram que, quase imediatamente após a detenção de Amarildo Oliveira, o Pelado, pela Polícia Militar do Amazonas (PMAM), dois advogados se apresentaram como seus defensores: Ronaldo Caldas da Silva Maricaua e Davi Barbosa de Oliveira, ambos procuradores municipais em Atalaia do Norte e Benjamin Constant. Questionadas pelo jornal O Globo, as prefeituras dos dois municípios negaram envolvimento com Amarildo e disseram que os advogados estavam exercendo a defesa do suspeito de forma independente.

Além do envolvimento de advogados com cargo público, viralizou nas redes sociais uma imagem do prefeito de Atalaia do Norte, Denis Paiva, na casa do suspeito antes de sua detenção pela Polícia Militar. A prefeitura esclareceu que a visita seria para “levar ajuda da Defesa Civil” e que não teria nenhuma relação com o desaparecimento de Pereira e Phillips.

Quando houve a confirmação do assassinato de Bruno Pereira, ele tinha um encontro marcado. Viajaria até a Terra Indígena Araribóia, no Maranhão- link do Mapa de Conflitos- para promover um intercâmbio entre os defensores dos dois territórios. A ideia era que os experientes Guardiões da Floresta Guajajara treinassem os parentes amazonenses do Javari – que, além de também serem ameaçados pela invasão do território, ainda enfrentam a pesca ilegal e o narcotráfico na tríplice fronteira com Peru e Colômbia.

O Globo também destacou o relato de uma das testemunhas ouvidas pelos policiais em Atalaia do Norte, cujo nome não foi identificado por questão de segurança. De acordo com ela, “Pelado” pegara uma espingarda e um cinto de munições e cartuchos pouco depois de Pereira e Phillips deixarem a comunidade São Rafael. Em seguida, o suspeito teria entrado em um barco mantido em ponto morto por um colega.

A testemunha também afirmou ter visto “Pelado” na mesma embarcação com outras quatro pessoas cerca de uma hora depois, passando em alta velocidade. Para a testemunha, “Pelado” era um “homem muito perigoso”, e que já tinha prometido “acertar as contas” com Pereira.

Ainda de acordo com a testemunha, no dia do desaparecimento, Pereira e Philipps dormiram na base de vigilância indígena Canoão, perto do lago Jaburu, onde o cotidiano era de tensão. “Sempre fazemos plantão de dois em dois homens, enquanto o resto vai descansando”, relatou o indígena, membro da equipe de monitoramento.

Eles estavam obtendo sucesso em intimidar os invasores, a custo, porém, de uma crescente sensação de insegurança. “Bruno disse que ia buscar mais recursos para que pudesse aumentar a equipe de 13 para 20 ou mais homens. Só assim nós poderíamos estar mais seguros. Um protege o outro”, contou.

Na base de vigilância, o jornalista Dom Phillips entrevistou para seu livro os protetores do território. “Falamos do que a gente esperava do Estado e como nós estávamos reagindo contra o Estado, contra essa devastação. E como nós estávamos resistindo à invasão de pescadores e caçadores na nossa região”, descreveu.

“A Funai, para não se comprometer, principalmente com os indígenas que estavam a serviço dessa vigilância – pois eles têm um contrato temporário para cuidar daquela base –, resolveu retirar [as armas de fogo]”. Relembrando que foi na coordenação do tenente Henry Charles da Silva, “e ele tomou essa decisão de retirar”, afirmou Manoel Churimpa ao portal Metrópoles. Também relembrando que foi o mesmo coordenador que incentivou os Marubo a atirarem contra um povo isolado, caso fosse “importunado por eles”, em 2019.

Entre os dias 5, quando desapareceram, e 16 de junho, indígenas de diferentes etnias ligados à Unijava guiaram as forças policiais ao longo do rio Itaquaí, explorando os igarapés da região de São Rafael, onde eles haviam sido vistos pela última vez passando de barco. Ao longo dos 11 dias, foram sendo encontradas pistas ligadas a Dom e Bruno nas margens de um igarapé da região. No dia 16, “Pelado” foi levado à área e indicou o local onde eles haviam sido mortos, esquartejados, queimados e, em seguida, enterrados, a 3 km da margem do rio Itaquaí, de acordo com O Globo e outros.

Já no dia seguinte, 17 de junho, a Polícia Federal informou que as investigações sobre a morte de Bruno e Dom Phillips apontavam que não houve mandante ou organização criminosa envolvida no crime. A nota divulgada pelo comitê de crise, coordenado pela PF, dizia que a apuração continuaria e “novas prisões podem ocorrer, mas as investigações apontam que os executores agiram sozinhos”.

A nota gerou revolta entre os servidores da Funai. Em 18 de junho de 2022, matéria de Rubens Valente, Ciro Barros, José Medeiros e Avener Prado, da Agência Pública, divulgou declarações de funcionários da Funai na região de Atalaia do Norte que expressavam sentimentos compartilhados de “raiva, frustração e impotência” com o declínio no quadro de servidores na região e a precariedade dos recursos que possibilitariam uma maior proteção ao território e evitariam assassinatos como de Bruno Pereira e Dom Philips.

Os servidores diziam que o então presidente do órgão, o delegado da Polícia Federal Marcelo Xavier, desde que tomou posse no cargo, em 2018, nunca apareceu na região. A degradação dos cargos pode ser verificada a partir de uma comparação histórica. Em 2010, quando a Funai realizou um concurso público, 25 auxiliares de indigenismo foram enviados para a FPE do Vale do Javari. Na época, havia apenas duas bases em funcionamento. Daqueles 25 novos servidores, restavam na região apenas dois, agora dedicados a cinco bases.

Afirmou um dos entrevistados:

“Esse declínio de servidores é inclusive anterior ao governo Bolsonaro, mas agora se aprofundou. Ele está sobretudo relacionado às precárias condições de trabalho dos servidores no Vale do Javari. Não temos plano de carreira, adicional de fronteira, de periculosidade, nada. Isso faz com que servidores cheguem aqui e na primeira oportunidade vão fazer outra coisa da vida. Não querem ficar aqui porque o Estado brasileiro não forneceu as mínimas condições de trabalho”.

A lancha em que viajavam o indigenista Bruno Pereira e o jornalista Dom Philips foi localizada no dia 19 de junho de 2021 pela Polícia Civil do Amazonas (PCAM) a 20 metros de profundidade. O local foi indicado por Jeferson da Silva Lima, o “Pelado da Dinha”, preso no dia anterior, como divulgado por ClimaInfo. A Polícia Civil em Atalaia do Norte seguia investigando a hipótese de haver um mandante para o crime, como informaram Rubens Valente e José Medeiros na Agência Pública.

Embora o comunicado oficial tivesse descartado essa hipótese, fontes da PF procuradas pela jornalista Andreia Sadi admitiram, nos bastidores, a possibilidade de um mandante. Entre as linhas investigadas estaria a de um traficante conhecido como Colômbia, que comprava pescado ilegal de pescadores da região, e para quem “Pelado” – o primeiro suspeito preso e o único que confessou envolvimento no crime – devia dinheiro. Ele teria se vingado assassinando o indigenista, que combatia a pesca ilegal na região.

A jornalista teve acesso a um áudio de Bruno Pereira de maio de 2021, no qual ele relatava também a presença de garimpeiros ilegais dentro da Terra Indígena Vale do Javari.

“Tive a informação da Funai que o garimpo tá no lado do Jarinau, da aldeia antiga. Da aldeia antiga dá pra escutar as dragas. A aldeia antiga fica duas voltas abaixo da aldeia nova, onde eles estão, onde os tais garimpeiros tinham ido lá, né. Então, é pressão. Ou seja, os garimpeiros estão lá e a informação que a gente tem de outros [indígenas] kanamari é que o Rio Curuena tá empestado de balsa de garimpo”.

Em 23 de junho de 2022, Rubens Valente e José Medeiros, da Agência Pública, relataram o protesto de cerca de 200 indígenas do Vale do Javari na frente da coordenação regional da Funai de Atalaia do Norte (AM), com faixas e cartazes, para pedir proteção à região e Justiça para os assassinatos de Bruno Pereira, Dom Phillips e Maxciel Pereira, além de críticas ao governo federal e ao então presidente do órgão, o delegado da PF Marcelo Xavier.

O cacique kanamari Eduardo Dyanim falou ao microfone:

“Aqui na região do Itaquaí, no [rio] Curuçá, queremos a presença do Estado, da Polícia Federal, do Exército, do Ibama para fazer a proteção do nosso território. Porque se nós, um indígena morrer, a gente vai reagir também. Isso tem que deixar bem claro para os invasores não indígenas também. Eu vou só esperar. Se morrer um indígena no Vale do Javari, a gente vai reagir também”.

A cacica Sandra Matsés, da Aldeia Nova Esperança, no rio Curuçá, disse que “Bruno lutou por nós, e nós do Vale do Javari vamos lutar por ele também”, segundo o intérprete.

“Nós não vamos nos calar, vamos continuar a lutar pelos nossos direitos. Nossa resistência dos povos indígenas. Eu chorei porque fiquei muito triste porque Bruno lutou, mas iria acontecer assim mesmo, eu sabia que ia acontecer, porque defensores da Funai nos avisaram que ia acontecer. Então aconteceu.”

Em 27 de junho de 2022, o Ministério Público Federal recomendou à União e à Funai a adoção de medidas para estruturação e modernização das Bases de Proteção Etnoambiental (Bapes) localizadas no Vale do Javari.  O MPF constatou precariedades na estrutura disponibilizada aos agentes da Força Nacional de Segurança Pública (FNSP) atuantes na região, além do déficit de pessoal da própria equipe. O prazo para manifestação sobre o acatamento da recomendação era de 10 dias.

À Funai, o MPF recomendou a instalação de iluminação adequada à vigilância das bases e a garantia de proteção mínima aos servidores públicos; fornecimento e manutenção de espaços adequados e seguros aos próprios servidores e aos servidores da FNSP; aquisição de equipamentos destinados à conservação de alimentos e consumo de água potável; dentre outras recomendações que garantiam minimamente a segurança e a integridade dos funcionários nas Bapes do Vale do Javari, especialmente na Bape do rio Ituí-Itaquaí.

Em 29 de junho de 2022, o então procurador-geral da República, Augusto Aras, defendeu a adoção de medidas emergenciais para aumentar a segurança dos servidores e colaboradores da Funai na região do Vale do Javari, tratando a questão com o presidente Marcelo Xavier, integrantes da diretoria da Funai, e representantes de órgãos superiores do MPF, com a participação da procuradora da República Nathalia Di Santo.

Aras fez breve relato de visita à TI, nos dias 19 e 20 de junho, explicando que o MPF reconhecia a complexidade da situação, a diversidade de frentes criminosas registradas na região e a impossibilidade de soluções definitivas.

Em 4 de julho de 2022, o MPF e a Defensoria Pública da União (DPU) pediram à Justiça Federal a condenação da União em virtude da desestruturação da Funai e da falta de proteção aos povos indígenas na região do Vale do Javari. As instituições pediram que a União fosse condenada a pagar uma indenização por danos morais coletivos no valor de R$ 50 milhões.

Em caso de condenação, MPF e DPU requisitaram que o montante fosse revertido em proveito dos povos indígenas isolados e de recente contato, por meio de repasse à Funai, com apresentação de projeto e cronograma feito pelo órgão indigenista para sua execução. O pedido foi  acrescido a uma ação movida pelo MPF e pela DPU, que tramitava na Justiça Federal desde outubro de 2018, bem antes dos assassinatos de Bruno Pereira e de Dom Philips, observa o MPF. Na ação, as instituições pediram a regularização dos serviços em favor dos indígenas com objetivo de evitar mortes e a exploração indevida na região, e destacaram a desestruturação da Funai.

De acordo com os órgãos, essa desestruturação refletiu diretamente na falta de execução de políticas públicas e na garantia de direitos fundamentais aos indígenas isolados e de recente contato. As instituições destacam: “Todos os problemas estavam narrados e documentados na inicial e nos elementos que a acompanhavam. Todos os riscos oriundos do enfraquecimento das bases já eram de conhecimento da União e da Funai. Infelizmente, nada foi feito”.

Antenor Vaz, indigenista e consultor para povos isolados na América do Sul, tem mais de 35 anos de experiência. Conhecedor do Vale do Javari, explica que existem forças criminosas mais atuantes no território recentemente: tráfico de drogas, pesca ilegal e roubo de madeira. Em entrevista para o G1, afirma:

“A maioria das drogas sai do Peru, mas aí elas vão pra Colômbia e para o Acre e para aquela região. Para sair, elas têm que cruzar a terra indígena, que é supostamente a área mais segura para os traficantes”.

Fonte: Cris Vector, ClimaInfo

Segundo o jornal O Globo, Bruno Pereira vinha sofrendo tentativas de intimidação por pescadores ilegais de pirarucu e tracajás (espécie de cágado) da região. Um bilhete foi enviado à União das Organizações Indígenas do Vale do Javari (Univaja), para a qual o indigenista trabalhava, com ameaças a ele e Beto Marubo, então coordenador da entidade. Ainda de acordo com a apuração, Pereira havia participado, antes do desaparecimento e junto a uma equipe de vigilância indígena da Univaja, de uma incursão no Vale do Javari que apreendeu materiais de pesca e peixes.

Dados do Ibama levantados pela Pública mostram que a captura e o comércio ilegal do peixe são recorrentes na área: a reportagem encontrou 47 autuações por pesca, transporte ou venda de pirarucu em cinco municípios da região do Vale do Javari desde 1998, a maioria delas em Tabatinga. Durante o governo de Jair Bolsonaro, houve apenas quatro autos de infração envolvendo a pesca de pirarucu, dois em 2019 e dois em 2022.

Além disso, em todo o período, houve 230 infrações relacionadas à pesca ilegal de outras espécies, como o surubim e piracatinga — cujo período de defeso ocorre em julho, de acordo com a portaria SAP/Mapa Nº 271, de 1º de julho de 2021. Dentre elas, está a apreensão de uma tonelada de pescado sem comprovante de origem em Tabatinga em 2019.

Segundo O Globo, Bruno Pereira teria denunciado ao MPF e à PF uma organização criminosa ligada à pesca ilegal na área do Javari que estaria envolvida no assassinato do colaborador da Funai, Maxciel Pereira dos Santos, em 2019.

Mapa indica onde Bruno e Dom desapareceram. Reprodução Internet

No dia 15 de julho de 2022, de acordo com a Univaja, servidores da Bape da Funai no rio Jandiatuba foram ameaçados por homens armados. “Os homens armados perguntaram quantos funcionários (dentre eles, indígenas do Povo Matis) estavam trabalhando naquela base, com clara intenção de assediar os servidores”, disse a Univaja em nota.

Suspeita-se que a ameaça esteja relacionada com uma ação de fiscalização do garimpo feita na região em fevereiro e março de 2022. A ação, que contou com a participação de Bruno Pereira, mapeou os principais pontos de presença do garimpo, bem como o fluxo da atividade garimpeira no rio Jandiatuba. De acordo com a Univaja, essas informações foram repassadas à Funai e à Polícia Federal, mas não houve ação subsequente do poder público para coibir o garimpo ilegal no Vale do Javari.

“Nesse contexto de insegurança, após mais de um mês dos assassinatos de Bruno e Dom, a Univaja vem alertar que nenhuma providência concreta foi tomada para atuação ativa e preventiva do Estado brasileiro por meio de suas instituições competentes em relação à segurança das pessoas (indígenas e não indígenas) do Vale do Javari”.

Líder indígena Dário Kopenawa e a ambientalista Ângela Mendes, filha de Chico,  com uma bandeira com a foto de Bruno e Dom. Foto: Michael Dantas /SEC

O Globo noticiou, no dia 28 de julho de 2022, a abertura do Festival de Parintins, em que Bruno e Dom foram homenageados. Os bois Caprichoso e Garantido lembraram a luta deles em defesa da Amazônia e dos povos indígenas que nela vivem, além de outros ativistas e defensores da floresta que foram assassinados, como Chico Mendes e Dorothy Stang.

Para os indígenas do Vale do Javari, não houve melhora na situação de insegurança, especialmente com o aparecimento de um grupo isolado nas proximidades de aldeias da TI. Na semana de 04 de agosto de 2022, de acordo com o Amazônia Real, ocorreram os primeiros avistamentos, na margem do médio rio Ituí, em frente à aldeia São Joaquim, do povo Marubo.

De acordo com pessoas da aldeia, os indígenas isolados estavam agitados e gritando. “Se eles atravessarem do lado da comunidade, o caso é muito preocupante, é gravíssimo. Pode ocorrer conflito”, disse Clóvis Marubo. De acordo com um indigenista da Funai não identificado na matéria: “Eles só aparecem assim em busca de algum apoio com saúde ou alguma catástrofe que possa ter atingido o grupo”. Por conta disso, membros da Frente de Proteção Etnoambiental do Vale do Javari e agentes da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) prepararam uma missão para atender eventuais necessidades e evitar possíveis conflitos.

No dia 06 de agosto de 2022, a Polícia Federal realizou uma série de detenções na região do Vale do Javari, todas em conexão com os assassinatos de Bruno Pereira e Dom Phillips. Entre os detidos estavam três pessoas que teriam participado da ocultação dos corpos – todos parentes de Amarildo Oliveira (“Pelado”), assassino confesso de Bruno e Dom. Além das prisões, a PF também confirmou a identidade do suspeito conhecido como “Colômbia”.

O indivíduo seria Ruben Dario da Silva Villar, cidadão colombiano que utilizava documentos falsos no Brasil e no Peru; ele seria “o líder e o financiador de uma associação criminosa armada dedicada à prática de pesca ilegal na região do Vale do Javari”, segundo a PF, com envolvimento no comércio dos pescados do outro lado da fronteira. Além de encomendar a morte de Bruno Pereira, segundo as investigações, “Colômbia” teria ordenado o assassinato de Maxciel Pereira dos Santos.

Em agosto de 2022, o portal Amazônia Real divulgou que os indígenas que apoiaram as investigações da Polícia Federal e da Polícia Civil do Amazonas sobre as mortes de Bruno Pereira e Dom Phillips pediram ajuda ao Programa de Defensores dos Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas (PPDDH), um serviço do então Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos (MMFDH) para ajudar indivíduos ou grupos em situação de vulnerabilidade relacionada à perseguição por seu trabalho nesse tema.

Por não saberem quem mais estava envolvido no assassinato do Bruno e do Dom, havia a possibilidade de novos assassinatos, como analisou uma testemunha que acompanhou a dupla até a partida deles da comunidade São Rafael na manhã de 5 de junho. Consequentemente, os membros da Comissão Temporária do Senado sobre a Criminalidade na Região Norte aprovaram, no dia 16 de agosto, relatório que pedia a ação das Forças Armadas no Vale do Javari.

O texto sugeria ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que atuasse junto ao ministério da defesa e ao Comando Militar da Amazônia (CMA) para viabilizar uma missão de Garantia da Lei e da Ordem (GLO). Outra sugestão era a reabertura da base do Ibama em Atalaia do Norte, fechada na gestão de Jair Bolsonaro, como informou a Amazônia Real.

No dia 25 de outubro de 2022, a Univaja retomou os trabalhos da Equipe de Vigilância da organização (EVU). O novo coordenador da EVU passou a ser o geógrafo e indigenista Carlos Travassos, que atuava desde 2007 com povos isolados e de recente contato. De acordo com o Brasil de Fato, Travassos era amigo de Bruno Pereira e a retomada dos trabalhos da EVU foi anunciada em entrevista coletiva do procurador jurídico da Univaja, Eliésio Marubo.

Ele afirmou que a Funai tentou impedir a entrada das equipes de monitoramento da Univaja no território indígena. “Identificamos três quadrilhas atuando nas proximidades de onde Bruno foi assassinado. Alguns deles são familiares dos algozes de Bruno e Dom. É exatamente esse tipo de delito que a Funai não quer que seja apresentado à sociedade”.

Fonte: Bruno Jorge / Funai

A presença das forças de proteção da Univaja, apesar da resistência da Funai, era imperiosa naquele contexto, pois, em 18 de novembro de 2022, lideranças indígenas da Associação Kanamari do Vale do Javari publicaram carta aberta após um grupo de 30 indígenas da etnia ter sido atacado. Conforme o documento, os pescadores chegaram a apontar uma arma para o peito de uma das lideranças kanamari, e disseram: “as mortes no Vale do Javari não vão acabar até que as principais lideranças do local sejam assassinadas”.

Um dos pescadores afirmou à mulher ameaçada: “Vou tirar a máscara para você ver meu rosto e te avisar que por conta de atitudes assim que Bruno e Dom foram mortos pela nossa equipe e você será a próxima. Só não te matarei agora porque estamos na presença de muitas crianças”.

Após ameaçar a liderança, os pescadores teriam cortado a fiação de uma das canoas dos indígenas. Os pescadores, então, saíram pelo rio empunhando armas e atirando em direção às embarcações. De acordo com a Associação, os tiros perfuraram tambores de gasolina em uma das embarcações.

Segundo a Associação, o caso aconteceu após atividade de preparação para o Encontro de Lideranças da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) na comunidade Massapê. Na carta, os indígenas afirmam:

“A vida nunca mais foi a mesma. Não há segurança alguma para viver dentro do nosso território, temos medo por nós e pelos nossos parentes isolados. Essa situação foi mais uma que aconteceu aqui, mesmo após os terríveis assassinatos de nossos irmãos e parceiros, Bruno e Dom, nada mudou e nos perguntamos: ‘Quantos dos nossos iremos perder nesta guerra?’ (…) Queremos ajuda, pois queremos viver. Toda a vida que habita a floresta é importante e defenderemos nossos irmãos e irmãs sempre. Seguiremos fortes até o fim”.

Em 30 de novembro de 2022, a comissão especial da Câmara dos Deputados que acompanhou as investigações sobre os assassinatos de Bruno Pereira e Dom Phillips aprovou seu parecer. O documento destaca a “omissão planejada do governo [federal] em favor do crime organizado” na região e pediu a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para aprofundar a análise sobre os crimes e a situação dos povos indígenas.

De acordo com a deputada Vivi Reis (PSOL-PA), relatora da comissão, as investigações da Polícia Federal e da Polícia Civil do Amazonas ainda não esclareceram o que motivou o crime e quem são seus mandantes. “Até o momento, não foi dada uma resposta adequada e não vamos deixar que um tão repugnante crime caia no esquecimento. É preciso fazer justiça e honrar a memória de Bruno e Dom”.

Beatriz Matos, mulher de Bruno. Foto: Eduardo Anizelli / Folhapress

Reportagem e entrevista de Eliane Brum à antropóloga Beatriz Matos, mulher de Bruno Pereira e que com ele atuava na Amazônia, noticia que a Univaja integrou uma comitiva do governo federal, composta por ministros e outras autoridades, para ocupação da região, a partir de 25 de fevereiro de 2023. Matos é uma antropóloga com 20 anos de experiência com os indígenas, professora da Universidade Federal do Pará, e integrou a comitiva após ter sido nomeada diretora do Departamento de Proteção Territorial e de Povos Isolados e de Recente Contato, no Ministério dos Povos Indígenas (MIP), criado durante a reforma ministerial realizada pelo terceiro mandato presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Segundo a antropóloga, “É mais uma concretização de um trabalho que é do Bruno e também de outras pessoas. Vai ser um momento bem bonito. Mas é isso: uma ação para dizer que o Estado agora está presente. Nós precisamos enfrentar essa situação do crime organizado que está tomando conta das terras indígenas não só no Vale do Javari, mas em todo o país. É preciso que seja uma ação interministerial, porque estamos combatendo o tráfico internacional”.

Na ocasião, a Univaja entregou um barco para a Sesai para ser a unidade de saúde móvel do povo Korubo. O projeto do barco foi feito por Bruno Pereira e Lucas Albertoni (médico especialista em saúde indígena).

Crimes contra indígenas e profissionais atuantes na TI não retroagiram com a entrada do novo governo. Pelo contrário, com a entrada de Luiz Inácio Lula da Silva, na expectativa de confrontar a extrema direita vigente, emergiram mais denúncias. Em 23 de fevereiro de 2023, um funcionário do Dsei do Vale do Javari e um auxiliar foram amarrados e assaltados por piratas perto da sede do município de Atalaia do Norte. Os criminosos levaram uma embarcação, dois motores e mais de 3 mil litros de combustível, segundo informou o G1.

Em depoimento à Polícia Civil, as duas vítimas informaram que foram abordadas pelos criminosos na região conhecida como Lago Sacambu. A gasolina estava sendo transportada de Tabatinga para ser utilizada em ações da Dsei na Base Ituí, na terra indígena, onde um grupo de indígenas de recente contato recebia assistência médica.

Em 27 de fevereiro de 2023, o governo federal anunciou novas medidas para garantir a proteção de comunidades indígenas e defensores dos Direitos Humanos e do meio ambiente na região. Uma comitiva de representantes do governo, incluindo as viúvas de Bruno e Dom, Beatriz Matos e Alessandra Sampaio, se dirigiu ao Vale do Javari para anunciar alguns critérios para proteção de pessoas ameaçadas. Uma das medidas anunciadas foi a inclusão dos defensores de direitos da região no Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas (PPDDH), promovido pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC).

O tempo de urgência dos indígenas expostos à violência exigia mais celeridade de ação do governo. Em 14 de março de 2023, em função da demora em nomear os novos coordenadores regionais da Funai e no Dsei, os povos Matís, Kanamari, Mayoruna, Kulina e Marubo protestaram nas ruas de Atalaia do Norte exigindo atendimento dos nomes indicados no encontro de lideranças ocorrido em novembro de 2022, na aldeia Massapê, no rio Itacoaí.

“Desde que o Lula assumiu ainda não tivemos respostas. Sem as nomeações, a gente fica sem coordenador. Com quem a gente vai dialogar e conversar para pelo menos minimizar a invasão no Vale do Javari? O problema aqui não acabou, só aumenta. Sem coordenador, as coisas ficam perdidas, os profissionais estão (sem) rumo. A nossa terra é imensa, vulnerável, exige logística grande. Precisamos que os nomes saiam o mais rápido possível”, disse Thoda.

De acordo com Elaíze Farias para a Amazônia Real, eles se concentraram na sede da Univaja e protestaram nas ruas de Atalaia do Norte até a sede do Dsei Vale do Javari, onde lideranças e caciques expuseram sua preocupação. Uma hora depois, foram até a sede da CR Vale do Javari, da Funai, cuja fachada exibe um painel em homenagem a Bruno Pereira e Dom Phillips.

No Encontro dos Caciques, em novembro, os nomes indicados pelas lideranças foram de Bushe Matís e de Jader Marubo, para a CR Funai, e de Kora Kanamari, para o Dsei. Indígenas ouvidos pela reportagem afirmaram que esperam que o governo Lula atenda às indicações. Eles também exigem que os novos chefes dos dois órgãos sejam indígenas. Outro grupo sinalizava outra candidatura, Panã Marubo, para a chefia da Coordenação Regional da Funai. Independentemente da nomeação, no entanto, sinalizaram que deveria ser indígena.

No dia 16 de abril de 2023, quatro homens encapuzados e armados com fuzis ameaçaram uma comunidade do povo Kanamari, na aldeia Iraí 2, devido a uma operação recente da Polícia Federal que apreendeu madeira extraída ilegalmente da região. De acordo com informações do Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (OPI) ao ClimaInfo, os criminosos, que falavam espanhol, chegaram de barco e procuraram o cacique da aldeia, não encontrado.

“A retirada de madeira e a pesca ilegal feita por criminosos dentro de nossas aldeias têm nos tornado reféns do medo”, diz a carta, divulgada pelo OPI e citada pela Folha. “A morosidade do Estado brasileiro tem nos causado grandes perdas e não estamos dispostos a perder mais nenhum dos nossos.” O Estadão também abordou essa notícia.

Desde fevereiro de 2023, Beatriz Matos é diretora de proteção territorial e de povos indígenas isolados e de recente contato no Ministério dos Povos Indígenas – função similar à desempenhada por Bruno na Funai antes de seu afastamento, em 2019. Uma de suas prioridades é a desintrusão de Terras Indígenas, com a retirada de invasores não indígenas de territórios como o dos Yanomami, que na época sofria grave crise humanitária.

“A sensação que dá é como se estivéssemos juntando os cacos, vendo as ruínas, o que sobrou e o que vai ter que ser reconstruído. É fundamental agora, para a gente, garantir a segurança nas terras indígenas, porque elas estão bastante deflagradas. A negligência do governo passado permitiu que ficassem invadidas, que certas regiões fossem tomadas por pessoas que não são dos territórios”, afirmou Beatriz ao site Mongabay.

Em maio de 2023, os acusados pela morte de Bruno Pereira e Dom Phillips prestaram depoimento à Justiça Federal. De acordo com informações do jornal O Globo, Amarildo da Costa de Oliveira (Pelado), Oseney da Costa de Oliveira (Dos Santos) e Jefferson da Silva Lima, detidos em presídios federais no Paraná e Mato Grosso, participaram virtualmente da audiência de instrução, fase em que o juiz decide se o julgamento seria feito pelo tribunal do júri popular.

Amarildo Oliveira admitiu mais uma vez sua participação no duplo homicídio, mas alegou que se tratava de “legítima defesa”. Segundo o réu, Bruno teria feito o primeiro disparo contra os pescadores, que revidaram. Oseney, por sua vez, argumentou que não participou do crime. No entanto, é apontado por testemunhas e autoridades policiais como cúmplice na ocultação dos cadáveres. Por fim, Jefferson se alinhou ao argumento da “legitima defesa” levantado por Amarildo para o crime.

Quando as buscas ainda continuavam e o assassinato de Bruno e Dom era apenas um temor, Enock Taurepang, atual vice-coordenador do Conselho Indígena de Roraima (CIR), divulgou um vídeo de Bruno Pereira em meio à selva do Vale do Javari. Nele, sentado no chão em meio aos indígenas (dos quais ouvimos apenas vozes acompanhando em alguns momentos), Bruno canta uma música dos Kanamari que fala de como a arara alimenta seus filhotes. A gravação foi postada pelo Poder 360 no YouTube. Sua data exata é desconhecida.

 

Atualizado em junho de 2023

 

Cronologia

2001- TI Vale do Javari é demarcada pela União.

2003 – Dezessete pessoas morrem de hepatite em aldeia do povo Marubo.

Dezembro de 2006 – Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e Hospital de Medicina Tropical do Amazonas realizam inquérito sorológico para rastrear prevalência de vírus da hepatite B entre indígenas da TI Vale do Javari. A taxa de prevalência encontrada é 28 vezes acima da recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

Junho de 2007 – Povo Marubo se recusa a participar de estudo da Funasa, alegando que a Fundação não estaria fornecendo as informações adequadas.

Setembro de 2007 — União anuncia Plano Nacional de Promoção da Saúde Indígena.

Janeiro de 2008 – Imprensa nacional denuncia que precariedade do atendimento em saúde fornecido a indígenas da TI estaria forçando-os a buscar atendimento no Peru. Lideranças indígenas locais divulgam carta em que reivindicam mudanças na estrutura de atendimento.

Abril de 2008 – Funasa e Forças Armadas realizam a Operação Javari. Profissionais de saúde percorrem a região a bordo do Navio de Assistência Hospitalar Oswaldo Cruz. Objetivo da missão: realizar exames, atendimentos e imunizar a população indígena contra diversas doenças.

Fevereiro de 2009 – Representantes da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) denunciam situação dos povos do Vale do Javari no Fórum Social Mundial (FSM).

Setembro de 2010 – Profissionais de saúde do Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) do Vale do Javari entram em greve devido ao não pagamento dos salários por cinco meses.

Novembro de 2010 – Direção do Dsei é alterada. Em resposta ao modo como o governo federal conduziu o processo, organizações indígenas ocupam novamente o Dsei para forçar uma abertura de diálogo com o Estado brasileiro.

Maio de 2011 – Ministério da Saúde (MS) inicia ações de combate às hepatites virais no Vale do Javari.

Abril de 2012 – Conselho Indigenista Missionário (Cimi) denuncia violações dos direitos humanos de comunidades indígenas localizadas no Vale do Javari e no Mato Grosso do Sul.

Maio de 2012 – Dsei do Vale do Javari é anunciado como distrito prioritário para plano de redução da mortalidade materno-infantil do MS.

Agosto de 2012 – Saúde dos povos do Vale do Javari é discutida em sessão especial na Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados (CDHM/CD).

Outubro de 2012 – Famílias indígenas são abandonadas em Atalaia do Norte após terem sido atraídas para a sede do município por candidatos às eleições municipais. Surto de diarreia no local leva quatro crianças a óbito e várias outras são internadas.

08 de novembro de 2012 – Indígenas de diversas etnias vão à Brasília protestar por melhorias na saúde e contra a portaria 303 da Advocacia Geral da União (AGU).

09 de novembro de 2012 – Representantes dos povos indígenas falam na CDHM/CD.

20 de novembro de 2012 – Documento da campanha “Povos Indígenas Vale do Javari: Unidos Pela Saúde, Pela Vida” é entregue ao então ministro da Saúde, Antônio Padilha.

04 de dezembro de 2012 – Lideranças indígenas brasileiras vão a Brasília entregar documento apresentando seu repúdio a projetos que violam ou inviabilizam o exercício dos direitos dos povos indígenas.

14 de dezembro de 2012 – Cimi e Centro de Trabalho Indigenista (CTI) denunciam irregularidades na atividade de prospecção de petróleo no Alto Juruá, realizada pela empresa Georadar.

2012 – Agência Nacional do Petróleo (ANP) inicia estudos sísmicos de exploração de gás e petróleo na área da Bacia do Acre sem informar e/ou consultar os indígenas.

08 de janeiro de 2013 – Fundação Nacional do Índio (Funai) pede suspensão da Licença de Operação (LO) das atividades de prospecção de petróleo e gás na área próxima à terra indígena Vale do Javari.

Março de 2013 – Lideranças indígenas do Vale do Javari denunciam ações de missionários evangélicos em suas terras e os efeitos negativos para suas comunidades.

Abril de 2013 – MS realiza mutirão para atendimento de povos indígenas do Amazonas.

Maio de 2013 – Morre mais uma criança no Vale do Javari.

Junho de 2013 – Funai divulga ofício com cinco recomendações à ANP. Uma delas destaca a presença de indígenas isolados na região dos blocos exploratórios da Bacia Sedimentar do Acre.

Agosto de 2013 – ANP anuncia leilão dos nove blocos da bacia do rio Juruá.

07 de agosto de 2013 – ANP divulga 12ª. Rodada de Licitações ofertando 240 blocos exploratórios terrestres com potencial para gás natural em sete bacias sedimentares, localizados nos estados do Acre, Alagoas, Amazonas, Bahia, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Paraná, Piauí, Sergipe, São Paulo e Tocantins.

28 de novembro de 2013 – Petrobras arremata em leilão o bloco AC-T-8 da bacia do Juruá.

15 de dezembro de 2013 – Assembleia reúne 200 lideranças indígenas do Vale do Javari na aldeia Maronal.

25 e 27 de agosto de 2014 – Os povos Marubo, Matis, Matsés e Kanamari e lideranças de suas organizações se reúnem em Atalaia do Norte para discutir a gestão territorial e ambiental da TI Vale do Javari e definir ações prioritárias.

8 e 10 de novembro de 2014 – Lideranças Matsés voltam a repudiar a atividade petroleira no território Mayoruna e de povos isolados que habitam a região do rio Jaquirana, na fronteira entre Brasil – Peru na V Reunião Binacional Matsés Brasil – Peru.

05 dezembro de 2014 – Um grupo de seis Korubo ataca os Matis perto da aldeia Todawak, no rio Coari, matando os indígenas Ivan Matis e Dame Matis.

12 de junho de 2015 – ANP lança, sem consulta prévia à Funai, novo pré-edital de licitação para exploração e produção de petróleo e gás com sete blocos nas proximidades de 15 terras indígenas no Estado do Amazonas.

Agosto de 2015 – Sertanistas antigos, alguns aposentados e outros em atividade, formalmente acusam o coordenador-geral de indígenas isolados, Carlos Travassos, de má gestão e de cometer uma série de irregularidades, pedindo sua saída do cargo.

Junho de 2017 – Indígenas Kanamari denunciam, durante encontro da etnia, ataque de garimpeiros aos isolados Warikama Djapar, como são chamados pelos Kanamari.

Agosto de 2017 – Garimpeiros atacam indígenas denominados “Flecheiros”, no rio Jandiatuba.

28 de agosto de 2017 – Operação conjunta do Ministério Público Federal (MPF), do Exército e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para destruir garimpos no rio Jandiatuba.

19 de abril de 2018 – Dramática situação vivida no Brasil pelos povos indígenas em isolamento voluntário recebe especial atenção na 17ª Sessão do Fórum Permanente sobre Assuntos Indígenas das Nações Unidas, em Nova York.

05 de dezembro de 2018 – MS informa que 200 médicos desistiram do Programa Mais Médicos;  vagas voltam para o edital de seus respectivos estados.

Dezembro de 2018 – Juiz federal da 1ª Vara Federal Cível do Amazonas determina que a Funai apresente, no prazo de 90 dias, cronograma para reestruturação das Frentes de Proteção Etnoambiental no Estado do Amazonas.

19 de julho de 2019 – Indígenas do povo Tsohom Djapa, da aldeia Jarinal, denunciam ameaças por garimpeiros que se instalaram ao longo do rio Jutaí.

19 de julho de 2019 – Base da Funai que funciona como guardiã de uma das entradas do Vale do Javari é atacada a tiros por caçadores clandestinos, levando o Exército a fazer uma blitz de emergência na região.

07 de setembro de 2019 – Indigenista Maxciel Pereira dos Santos é morto nas ruas de Tabatinga (AM), na frente da família, por um pistoleiro, com tiro na nuca.

Outubro de 2019 – Univaja denuncia a presença de Andrew Tonkin, missionário estadunidense, nas proximidades do Igarapé Lambança, de onde pretendia chegar até aldeias de indígenas isolados.

29 de outubro de 2019 – Diretoria da Univaja participa de reunião com procuradores do MPF em Brasília pedindo medidas urgentes para evitar que “a situação chegue a um processo irreversível, em detrimento das populações indígenas do Vale do Javari .”

02 de novembro de 2019 – Univaja divulga nota alertando para a gravidade da invasão missionária e a ocorrência de uma “tragédia iminente”.

03 novembro de 2019 – A Base de Proteção Etnoambiental (Bape) do rio Ituí-Itacoaí da Funai é novamente atacada a tiros por caçadores e pescadores ilegais.

9 de novembro de 2019 – MPF requisita apoio da Polícia Federal (PF), do Exército Brasileiro (EB) e da Força Nacional de Segurança Pública (FNSP) para garantir a integridade física e moral dos povos indígenas do Vale do Javari e dos servidores da Funai na região, além de fiscalizar o ingresso ilegal de estrangeiros em áreas indígenas.

29 de novembro de 2019 – Justiça Federal determina aplicação de multa diária de R$ 10 mil à União por não prestar apoio operacional, por meio das forças de segurança, para garantir a integridade física e moral dos povos indígenas isolados e de recente contato do Vale do Javari e dos servidores da Funai.

23 de março de 2020 – Univaja lança nota à imprensa sobre investidas dos missionários e o pedido de proteção à PF, ao MPF e à Funai.

23 de março de 2020 – Em resposta à recomendação do MPF, a Funai altera a Portaria 419/2020 – que estabelece medidas temporárias de prevenção à infecção e propagação da covid-19 em terras indígenas.

25 de março de 2020 – MPF requisita à PF a instauração de inquérito para investigar e impedir suposta expedição missionária com o objetivo de realizar contato com indígenas isolados da TI Vale do Javari.

11 de abril de 2020 – Dez invasores são detidos por servidores da Funai na região do Igarapé Figueiredo, no rio Quixito.

29 de abril a 25 de outubro de 2020 – O governo do estado do Amazonas firma contrato com a Manaus Aerotáxi, com dispensa de licitação, num total de R$ 4.151.079.

25 de maio de 2020 – MPF instaura inquérito para “apurar a regularidade do Contrato de Prestação de Serviços n° 31/2020, firmado pela Secretaria de Saúde do Estado do Amazonas (SES-AM) com Manaus Táxi Aéreo LTDA para remoção de três pacientes com covid-19”.

4 de junho de 2020 – Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) informa que os profissionais que testaram positivo para covid-19 passaram por uma “rígida” quarentena antes de entrarem no território e informa sobre a possibilidade de eles terem sido contaminados após um pescador com sintomas ter acessado a região.

05 de junho de 2020 – Em documento enviado ao MPF, as associações Kanamari do Vale do Javari (Akajava) e Matsés do Alto Jaquirana (Amaja) afirmam que a informação divulgada pela Sesai é inverídica.

5 de junho de 2020 – Investigação da Secretaria de Perícia, Pesquisa e Análise da Procuradoria Geral da República (SPPEA/PGR) alerta para o risco das equipes de saúde do Dsei Vale do Javari ter sido fonte grave de disseminação da doença entre indígenas em várias calhas do território, inclusive entre grupos de recente contato.

07 de junho de 2020 – MPF envia à Sesai  recomendação afirmando que a quarentena dos profissionais de saúde seja realizada em área apropriada dentro do território indígena para evitar a circulação pela cidade.

14 de julho de 2020 – Cimi denuncia que um indígena do povo  Kokama, morador da aldeia São Pedro, na bacia do rio Javari, foi ameaçado de morte por um posseiro conhecido como “Miguelzinho”.

8 de julho de 2020 – Morre Neuraci Ramos de Oliveira, do povo Tikuna, diagnosticada com covid-19.

Junho de 2021 – Total de 247 indígenas Kanamari da aldeia São Luís apresentam sintomas de covid-19; logo após profissionais de saúde do Dsei confirmarem a infecção, são retirados às pressas do local.

20 de junho de 2021 – Hilda e Noemia, mulheres Kanamari,  reclamam da demora no socorro de atendimento médico e culpam os profissionais de saúde pelo contágio.

29 de junho de 2021 – Apib e seis partidos políticos (PCdoB, PDT, PSB, PSOL, PT e Rede) ajuizam Arguição por Descumprimento de Preceito Fundamental no STF denunciando a “irresponsabilidade sanitária” do governo federal e a “possibilidade real de extermínio de etnias inteiras”.

2 de julho de 2021 – Relator ministro Roberto Barroso profere despacho determinando “intimação do Exmo. Sr. Presidente da República, do Exmo. Procurador-Geral da República e do Exmo. Advogado Geral da União, para manifestação da ADPF 709 no prazo de 48 horas”.

8 de julho de 2021 – Após as respostas apresentadas pelo presidente Jair Bolsonaro e pela AGU, o ministro aprecia petição e argumentos apresentados pela Apib, deferindo parcialmente a liminar pleiteada, determinando ao governo federal a adoção de medidas baseadas na ADPF.

23 de julho de 2021 – MPF lança nota pública pela Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais (6ªCCR) repudiando a violenta ameaça aos povos indígenas em situação de isolamento que vivem na TI Vale do Javari.

28 de julho de 2021 – Cimi, por meio de sua Equipe de Apoio aos Povos Indígenas Livres (Eapil), se manifesta contra declarações criminosas do tenente Henry Charlles Lima da Silva, então coordenador regional do Vale do Javari, classificando suas declarações como particularmente abomináveis por encorajar que os indígenas do Vale do Javari usem armas uns contra os outros para resolver conflitos interétnicos.

15 de novembro de 2021 – Publicada a ferramenta que avalia o grau de risco de adoecimento pela covid-19 dos povos isolados, “Alerta Povos Indígenas Isolados covid-19”, do Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (Opi).

18 e 22 de novembro de 2021 – As procuradoras da República Aline Morais Martinez dos Santos e Nathalia Geraldo Di Santo representam o MPF em missão na TI Vale do Javari para acompanhar e verificar questões relacionadas à pandemia de covid-19, exigindo uma série de adequações e restrições de acesso ao território, com o acompanhamento da Univaja.

Janeiro de 2022 – Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) emite nota de alerta sobre surto gripal e casos de covid-19 nos territórios indígenas da Amazônia brasileira, denunciando falta de assistência técnica, medicamentos e equipamento de proteção individual (EPIs).

11 de fevereiro de 2022 – Associação de Desenvolvimento Sustentável do Aldo Rio Curuca (Asdec) divulga nota relatando preocupação com o avanço de casos suspeitos de covid-19 no Vale do Javari, devido à morte de uma jovem em hospital da capital Manaus.

20 de abril de 2022 – Lideranças da TI, como a Univaja, denunciam invasão do garimpo no território.

5 de junho de 2022 – Comunicados os desaparecimentos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips.

17 de junho de 2022 – PF informa que as investigações sobre a morte de Bruno e Dom Phillips apontam que não houve mandante ou organização criminosa envolvida.

19 de junho de 2021 – Localizada lancha em que viajavam o indigenista Bruno Pereira e o jornalista Dom Philips pela Polícia Civil do estado do Amazonas (PCAM).

23 de junho de 2022 – Protesto de cerca de 200 indígenas do Vale do Javari na frente da coordenação regional da Funai de Atalaia do Norte (AM), com faixas e cartazes, exige proteção à região e justiça para os assassinatos de Bruno Pereira, Dom Phillips e Maxciel Pereira.

27 de junho de 2022 – MPF recomenda à União e à Funai a adoção de medidas para estruturação e modernização das Bases de Proteção Etnoambiental (Bape) localizadas no Vale do Javari.

29 de junho de 2022 – O então procurador-geral da República, Augusto Aras, defende a adoção de medidas emergenciais para aumentar a segurança dos servidores e colaboradores da Funai

03 de julho de 2022 – Defensoria Pública da União (DPU) e MPF protocolam pedido de indenização por danos morais coletivos contra o governo federal no valor de R$ 50 milhões, a ser direcionada para a proteção dos povos indígenas isolados e de contato recente,

4 de julho de 2022 – MPF e DPU pedem à Justiça Federal a condenação da União em virtude da desestruturação da Funai e da falta de proteção aos povos indígenas na região do Vale do Javari.

15 de julho de 2022- Servidores da Bape da Funai no rio Jandiatuba são ameaçados por homens armados.

28 de julho – Bruno e Dom são homenageados na abertura do Festival de Parintins.

Julho de 2021 – Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (OPI) confirma retirada das armas de fogo institucionais na Bape no rio Curuçá pelo tenente Henry Charles da Silva, então coordenador-regional do Vale do Javari, deixando a equipe vulnerável.

04 de agosto de 2022 – Primeiros avistamentos de isolados na margem do médio rio Ituí, em frente à aldeia São Joaquim, do povo Marubo.

06 de agosto de 2022 – PF realiza série de detenções na região do Vale do Javari, todas em conexão com os assassinatos de Bruno Pereira e Dom Phillips. Entre os detidos estavam três pessoas que teriam participado da ocultação dos corpos.

Agosto de 2022 – Indígenas que apoiaram as investigações da PF e da PCAM sobre as mortes de Bruno Pereira e Dom Phillips pedem ajuda ao Programa de Defensores dos Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas (PPDDH).

16 de agosto de 2022-  Membros da Comissão Temporária do Senado sobre a Criminalidade na Região Norte aprovam relatório que pede ação das Forças Armadas no Vale do Javari.

25 de outubro de 2022 – A Univaja retoma trabalhos da Equipe de Vigilância da organização (EVU). O novo coordenador da EVU passa a ser o geógrafo e indigenista Carlos Travassos, que atua desde 2007 com povos isolados e de recente contato.

18 de novembro de 2022 – Lideranças indígenas da Associação Kanamari publicam carta aberta da Associação após grupo de 30 indígenas da etnia ser atacado por pescadores.

30 de novembro de 2022 – A comissão especial da Câmara dos Deputados que acompanha as investigações sobre os assassinatos de Bruno Pereira e Dom Phillips aprova documento destacando “omissão planejada do governo [federal] em favor do crime organizado” na região.

25 de fevereiro de 2023 – Univaja integra comitiva do governo federal, composta por ministros e outras autoridades, para ocupação da região, com Beatriz Matos, nomeada diretora do Departamento de Proteção Territorial e de Povos Isolados e de Recente Contato, no recém-criado Ministério dos Povos Indígenas (MIP).

25 de fevereiro de 2023 – Univaja entrega barco para a Sesai para ser unidade de saúde móvel do povo Korubo, projeto de Bruno Pereira e de Lucas Albertoni, médico especialista em saúde indígena.

23 de fevereiro de 2023 – Funcionário do Dsei do Vale do Javari e um auxiliar são amarrados e assaltados por piratas, perto da sede do município de Atalaia do Norte. Os criminosos levam uma embarcação, dois motores e mais de 3 mil litros de combustível.

27 de fevereiro de 2023 – Governo federal, por meio de comitiva ao Vale do Javari, anuncia novas medidas para garantir a proteção de comunidades indígenas e de defensores dos Direitos Humanos e do meio ambiente na região.

14 de março de 2023 – Em função da demora em nomear os novos coordenadores regionais da Funai e no Dsei, os povos Matís, Kanamari, Mayoruna, Kulina e Marubo protestam nas ruas de Atalaia do Norte.

16 de abril de 2023 – Quatro homens encapuzados e armados com fuzis ameaçam comunidade do povo Kanamari, na aldeia Iraí 2, devido à operação recente da Polícia Federal que apreendeu madeira extraída ilegalmente da região.

Maio de 2023- Acusados pela morte de Bruno e Dom prestam depoimento à Justiça Federal.

 

Fontes

ALMEIDA, Roberto. Funai acha garimpeiros em reserva da Amazônia. O Estado de São Paulo, 26 dez. 2010. Disponível em: http://goo.gl/SaUyl. Acesso em: 21 nov. 2008.

AMORIM, Fabrício. Nos tapiris Korubo: uma perspectiva indigenista das tensões e distensões Korubo (e Matis). In. Povos Indígenas Isolados no Brasil. Disponível em: https://bit.ly/3GN6hYn. Acesso em: 25 jan. 2021.

ANJOS, Anna Beatriz; FONSECA Bruno. Vale do Javari teve multa recorde por pesca ilegal de pirarucu no Amazonas. Agência Pública, 09 jun. 2022. Disponível em: https://bit.ly/3Y1r6YG. Acesso em: 27 fev. 2023.

ARISI, Barbara. Indígenas do Vale do Javari pedem socorro contra a hepatite. Amai-vos, 11 fev. 2009. Disponível em: http://goo.gl/Gb0Ie. Acesso em: 04 nov. 2011.

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BACHTOLD, Felipe. Um índio morre a cada 12 dias em reserva no AM. Folha de São Paulo, 16 jan. 2011. Disponível em: http://goo.gl/2AP6A. Acesso em: 04 nov. 2011.

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