AC – Povo indígena Apolima-Arara em luta contra a própria Funai para garantir seus direitos

UF: AC

Município Atingido: Marechal Thaumaturgo (AC)

Outros Municípios: Cruzeiro do Sul (AC), Marechal Thaumaturgo (AC)

População: Povos indígenas

Atividades Geradoras do Conflito: Madeireiras, Pecuária

Impactos Socioambientais: Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, Falta / irregularidade na demarcação de território tradicional, Invasão / dano a área protegida ou unidade de conservação

Danos à Saúde: Doenças não transmissíveis ou crônicas, Piora na qualidade de vida

Síntese

O nome Apolima-Arara tem origem na mistura étnica a que esse povo foi submetido ao longo da história. Formado por indígenas das etnias Chama, Amoaka, Santa Rosa, Arara e Jaminawa, sofreram ainda todo um processo de miscigenação. E o nome Apolima faz referência a uma localidade no Peru onde teriam morado algumas dessas pessoas, entre elas o Sr. Thaumaturgo de Azevedo, um dos mais idosos do povo e a pessoa com quem o CIMI manteve os primeiros contatos, em 1999, quando os Apolima-Arara resolveram se mostrar à sociedade não-indígena e reivindicar os seus direitos (6).

Com uma população de 135 pessoas morando nas localidades Pedreira, Assembléia e Jacamim, além de outras pessoas espalhadas pela região, esse povo luta pelo reconhecimento étnico e pela conquista de sua terra. (6)

Residem em áreas de terras pertencentes ao Exército brasileiro, à reserva extrativista e em um assentamento do INCRA. Alguns desses indígenas conquistaram lotes no assentamento Amônea e ali praticam a agricultura de subsistência. Apesar da proximidade com a cidade, mantém vivas as tradições, inclusive o artesanato.

Quando tem excedente de produção, a comercialização é feita diretamente com os consumidores em Marechal Thaumaturgo. Não há nenhum projeto implantado ou em fase de implantação junto a esse povo. Alguns moradores do assentamento conseguiram financiamento com o BASA, mas nada que possa ser considerado como um investimento direto e planejado ( 6).

Os Apolima-Arara acabam de ter sua terra demarcada, após luta contra a própria Funai, em setembro de 2009. Mas resta ocupá-la e ter condições para fazê-lo dignamente.

Contexto Ampliado

Os Apolima-Arara têm tido constantes conflitos com parceleiros do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e com a administração municipal, que não querem que a área reivindicada se torne terra indígena. Segundo dados do INCRA, o Projeto de Assentamento Amônia possui 26.000 ha, sendo que boa parte não está cumprindo a função de regularização fundiária, mas destinada ao Parque Nacional da Serra do Divisor. A outra parte, pertencente ao Exército Brasileiro, está destinada à construção de um quartel para o pelotão de fronteira. No entanto, segundo informações do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), não há nenhum pronunciamento oficial do Exército a esse respeito e nem indícios de que tal quartel venha a ser construído.

Desde 2003, a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) elaborou um relatório de identificação que comprova que a área reivindicada no rio Amônia é tradicionalmente ocupada pelo povo Apolima-Arara. Entretanto, a existência de uma uma reserva extrativista (Resex) e um assentamento com cerca de 260 famílias tornam a relação entre os indígenas e os ocupantes não-índios conflituosa.

Por conta destes conflitos, o Ministério Público Federal (MPF/AC) entrou, em novembro de 2007, com uma Ação Civil Pública (ACP) na Justiça Federal, pedindo que FUNAI e o INCRA buscassem uma solução que respeitasse os direitos originários dos indígenas e contemplassem as necessidades dos assentados. Uma decisão no ano seguinte garantiu judicialmente à etnia o direito à demarcação de suas terras, sendo a FUNAI e a União instadas pelo judiciário a cumprir esta obrigação constitucional. A Justiça Federal determinou prazo de 90 dias para o cumprimento da decisão, e também definiu que os órgãos federais responsáveis deveriam reassentar os assentados de reforma agrária e aqueles da reserva extrativista que ocupam parte da terra.

Contudo, somente em setembro de 2009, foi assinada a portaria de demarcação das terras indígenas. Nessa época, os indígenas ocuparam a sede da FUNAI durante 25 dias, em protesto contra a demora na demarcação. No entendimento do MPF, a reclamação dos indígenas era justa e a ocupação era uma das poucas maneiras que o povo tinha de exercer o seu direito coletivo de liberdade de expressão.

Com a definição da demarcação por parte da FUNAI, os indígenas voltaram à sede do MPF com ritual de agradecimento. Liderados pelo cacique Francisco Siqueira, realizaram um ritual com cantos e danças expressando sua satisfação com a solução do problema que durava cerca de 10 anos.

Entretanto, o impasse relativo ao reassentamento dos não índios permaneceu nos anos posteriores.

Em 15 de março do ano seguinte, o MPF/AC organizou uma reunião com membros da etnia, representantes das comunidades não indígenas, INCRA, FUNAI e Instituto de Terras do Acre (Iteracre) para dar continuidade às ações referentes à demarcação definitiva da Terra Indígena Apolima-Arara.

Também foram discutidas as providências tomadas pela União para proceder a desintrusão da TI. Representantes da FUNAI e do INCRA informaram a respeito da criação de um grupo de trabalho para o levantamento inicial das benfeitorias a serem indenizadas às famílias assentadas na área e que serão reassentadas. Inicialmente, a previsão do INCRA era de que o reassentamento total das famílias ocorresse até 2012. Adicionalmente, foi definida a formulação de um projeto de geração de renda a partir de produção rural sustentável, com apoio dos órgãos, tanto aos indígenas, quanto às famílias que serão reassentadas.

Em 20 de julho de 2011, o Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBIO) realizou reunião com lideranças indígenas Apolima-Arara para negociar uma saída pacífica para o problema. Segundo a proposta do Instituto, os índios compartilhariam as terras com os moradores da Reserva Extrativista do Alto Juruá. Representantes dos extrativistas e do Cimi também estiveram presentes à reunião.

Os índios se negaram a aceitar o acordo, alegando que a Justiça Federal já havia, por diversas vezes, reafirmado a legitimidade de sua reivindicação territorial. Eles acrescentaram que, na última audiência de conciliação, realizada duas semanas antes, com a presença das partes e de representantes da União, havia sido definido que, em setembro daquele ano, o ICMBIO deveria apresentar um plano de desafetação da área.

Segundo Lindomar Padilha: Apesar de decidirem em caráter irrevogável pela retirada dos não índios, os indígenas vão esperar até 2013 para a retirada total. Afirmam que não querem que os não índios saiam de qualquer forma. Vão somar forças para que todos sejam devidamente indenizados, desde que sejam ocupantes de boa fé, e pedem para que não sejam construídas as infraestruturas previstas para os não índios dentro da terra indígena. Ao contrário, esperam que a infraestrutura seja construída na área onde os não índios serão reassentados.

Outro problema que preocupa a população indígena da TI é o aumento do número de casos de hepatite B entre os Apolima-Arara. Em março de 2012, Alcilene Bezerra, da equipe do Cimi de Cruzeiro do Sul, divulgou nota em que afirmava que, na TI, haviam sido detectados 21 casos da doença, 16 deles somente na aldeia Nova Esperança. Pelo menos quatro pessoas já haviam falecido em decorrência de hepatite B em apenas três meses.

Preocupado com avanço da doença entre os Apolima-Arara, o cacique Francisco Siqueira acionou judicialmente o Pólo-base local a fim de obter determinação do juizado de Marechal Thaumaturgo para que fosse realizado o diagnóstico da comunidade. A juíza local atendeu ao pedido do cacique Siqueira e concedeu liminar para que a Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) encaminhasse os portadores da doença para tratamento em Cruzeiro do Sul.

A fim de garantir apoio às suas demandas territoriais e de saúde, os Apolima-Arara mantiveram estreita articulação com outras etnias indígenas no Acre e, em 15 de maio de 2012, membros da etnia participaram da ocupação da sede da FUNAI, em Rio Branco, para exigir que a Fundação acelerasse seus respectivos processos de demarcação de terra. Além dos Apolima-Arara, participaram da ocupação membros das etnias Huni Kui, Jaminawa, Manchineri, Nawa e Ashaninka, num total de cerca de 120 índios.

Segundo Jaime de Agostinho, os índios exigiam a saída da coordenação regional do órgão, acusada de corrupção e uso indevido do dinheiro público, melhorias nas áreas da saúde e educação, além de demarcação de 21 terras indígenas – alvos da expansão das fronteiras do agronegócio na Amazônia.

A administração local da FUNAI entrou com pedido de reintegração de posse, sendo atendida pela Justiça Federal. Uma decisão liminar determinou a desocupação do prédio até o dia 29 de maio. Segundo Lindomar Padilha, representante local do Cimi, em apoio aos seus parentes, cerca de 400 índios de diversas etnias se encaminharam para o local. Paralelamente, advogados ligados às organizações indígenas locais entraram com recurso junto à Justiça Federal para suspender os efeitos da decisão liminar.

O movimento indígena, entretanto, não conseguiu derrubar a liminar e, após audiência com a juíza Luciana Raquel Tolentino de Moura, substituta da 3º vara, decidiram desocupar pacificamente o prédio. Em contrapartida, a FUNAI se comprometeu a proteger a posse tradicional dos territórios indígenas em processo de demarcação. Também, apresentar no dia 15 de julho [de 2013] relatório sobre os processos de demarcação das terras e entregar cópias do Diário Oficial da União com o decreto de homologação das terras com processos já concluídos. Segundo os termos do acordo, a FUNAI também deveria:

a) Encaminhar à presidência da FUNAI a fim de requerer a instauração de Câmara de Conciliação a respeito da TI Nawa e o Parque Nacional da Serra do Divisor, e a TI Caeté e a Resex Cazumbá-Iracema;

b) Comunicar à CGID – DF eventuais atrasos nos processos de demarcação não concluídos para que se indique a razão da demora e sejam tomadas as devidas providências de ofício, especialmente, a cbrança de relatórios antropológicos e outros atos em atraso, até o dia 18/07/2012 e;

c) Realizar, no final do mês de julho, encontro do comitê regional e reunião ampliada com representantes de todas as terras indígenas e com os demais órgãos executores de políticas indigenistas.

Em junho de 2013, os Apolima-Arara voltaram a ocupar novamente uma área incluída dentro do perímetro da TI para pressionar o Estado a proceder a retirada dos não índios do local. Passados dois anos desde a demarcação, o Governo Federal ainda não havia apresentado um plano de desintrusão da TI. O grupo era liderado pelo cacique Chiquinho Arara.

De acordo com nota do Conselho Indigenista Missionário (Cimi): A área retomada é reconhecida pelos Apolima-Arara como aldeia Quieto, parte da terra indígena localizada no pequeno município de General Taumaturgo. Os indígenas estão acampados na escola e iniciaram a construção de moradias. Por enquanto, nenhum incidente de conflito com os ocupantes não indígenas foi registrado.

Cacique Chiquinho afirmou na ocasião que seu povo estava cansado de esperar por uma providência da União; ele próprio já havia ido duas vezes à Brasília e uma ao Rio de Janeiro, durante a Cúpula dos Povos no ano anterior, para tratar do assunto sem que isso resultasse em qualquer ação por parte das autoridades responsáveis pela continuidade do processo administrativo de demarcação.

Os índios permaneceram na área por oito dias, onde existia uma escola que servia as comunidades não índias, motivo pelo qual a ocupação se tornou um foco de tensão na região. Nesse período, as lideranças indígenas apresentaram suas reivindicações à FUNAI e conseguiram da entidade a promessa de que seu processo seria tratado como prioridade pela diretoria de Proteção Territorial e Comissão Permanente de Avaliação e Benfeitorias da Funai em Brasília.

De acordo com o relato do repórter Francisco Rocha, publicado no portal G1, a entidade também prometeu realizar naquele mês uma reunião no município de Marechal Thaumaturgo, envolvendo o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBIO), para esclarecer aos indígenas e agricultores sobre o andamento do processo de indenização.

Estamos tratando como prioridade as reivindicações dos Apolima-Arara. Eles entenderam o nosso esforço e encerraram o manifesto com a proposta de que a FUNAI já está providenciando a documentação para realizar o pagamento de indenização aos agricultores. A demora é devido às questões burocráticas, explicou Luiz da Silva Nukini, representante da Fundação Nacional do Índio no Vale do Juruá.

Seriam necessários cinco meses para que tivessem início os procedimentos indenizatórios administrativos das benfeitorias de boa fé instaladas por ocupantes não índios residentes na área. Cronologia:

2003: FUNAI identifica área no rio Amônia como território tradicional da etnia Apolima-Arara.

2006: MPF/AC move ação civil pública contra a FUNAI e a União para garantir direitos territoriais da etnia.

2008: Justiça Federal estabelece prazo de 90 dias para cumprimento de decisão liminar favorável aos Apolima-Arara.

Setembro de 2009: Governo Federal publica portaria de demarcação. Índios ocupam prédio da FUNAI para pressionar por celeridade no processo. Procuradoria apoia ocupação.

15 de março de 2010: Procuradoria da República no Acre realiza reunião para discutir plano de reassentamento de população não indígena da TI e projetos de produção sustentável de famílias indígenas e reassentadas.

20 de julho de 2011: Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBIO) realiza reunião com lideranças indígenas Apolima-Arara e propõe compartilhamento da área com moradores da RESEX do Alto Juruá.

Março de 2012: Equipe do Cimi de Cruzeiro do Sul divulga nota denunciando negligência das autoridades de saúde locais em relação ao aumento do número de casos de hepatite B entre os índios Apolima-Arara.

15 de maio de 2012: Índios de diversas etnias do Acre, entre elas os Apolima-Arara, ocupam sede da FUNAI em Rio Branco.

29 de maio de 2012: Após acordo judicial, prédio da FUNAI em Rio Branco é desocupado pelos índios.

03 de junho de 2013: Povo Apolima-Arara retoma parte de seu território tradicional.

11 de junho de 2013: Povo Apolima-Arara desocupa área após entendimentos com a FUNAI.

Novembro de 2013: FUNAI inicia processo para realizar indenização de benfeitorias de boa fé dos não índios que habitam a TI.

Última atualização em: 31 jan. 2014

Fontes

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BEZERRA, Alcilene. Casos de Hepatite B na terra Indígena Arara do Rio Amônia povo Apolima-Arara- Alto Juruá. Blog Lindomar Padilha, 12 mar. 2012. Disponível em: http://goo.gl/yUqYg. Acesso em: 15 abr. 2013.

BRASIL. Ministério Público Federal. Procuradoria da República no Acre. Reunião no MPF-Acre encaminha solução para povo Apolima-Arara. Centro de Estudos em Sustentabilidade da EAESP, 17 mar. 2010. Disponível em: http://goo.gl/bns1M. Acesso em: 15 abr. 2013.

CONSELHO INDIGENISTA MISSIONÁRIO. APOLIMA ARARA – Disponível em: http://goo.gl/1o85l. Acesso em: 04 dez. 2009.

FRANCO, Hermington. Apolima-arara fazem ritual por demarcação de terras. Agência Amazônia de Notícias, 10 set. 2009. Disponível em: http://goo.gl/38T063. Acesso em: 04 dez. 2009.

LIMA, Jairo. TI Arara do Rio Amônia: Mais um passo para a regularização fundiária. CR Juruá, 22 nov. 2013. Disponível em: http://goo.gl/XQoXy9. Acesso em: 31 jan. 2014.

LOPES, Anselmo Henrique Cordeiro. Ação Civil Pública com Pedido de Antecipação de Tutela contra a FUNAI e a União e a favor da demarcação das terras indígenas Apolima-Arara. Procuradoria da República no Acre, 14 nov. 2007. Disponível em: http://goo.gl/bejdA. Acesso em: 15 abr. 2013.

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MACHADO, Altino. MPF defende ocupação da FUNAI no Acre por índios da etnia Apolima-arara. Blog do Altino Machado. Disponível em: http://goo.gl/cDV5L. Acesso em: 04 dez. 2009.

PADILHA, Lindomar. Apolima-Arara – Luta pela garantia de seus direitos. Amazon Link. Disponível em: http://goo.gl/GTPXR. Acesso em: 04 dez. 2009.

ROCHA, Francisco. Índios suspendem manifesto em Marechal Thaumaturgo. Portal G1, 11 jun. 2013. Disponível em: http://goo.gl/30c9f7. Acesso em: 31 jan. 2014.

SANTANA, Renato. Povo Apolima-Arara retoma área de terra indígena demarcada em 2011. Conselho Indigenista Missionário, 03 jun. 2013. Disponível em: http://goo.gl/QVKwfb. Acesso em: 31 jan. 2014.

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