SP – Moradores lutam para permanecer em suas terras
UF: SP
Município Atingido: Americana (SP)
Outros Municípios: Americana (SP), Itariri (SP), Miracatu (SP)
População: Agricultores familiares, Caiçaras, Moradores do entorno de unidades de conservação
Impactos Socioambientais: Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, Invasão / dano a área protegida ou unidade de conservação
Danos à Saúde: Piora na qualidade de vida, Violência – ameaça, Violência – assassinato, Violência – coação física, Violência – lesão corporal
Síntese
A Estação Ecológica Juréia Itatins EEJI, uma Unidade de Conservação de Proteção Integral, está situada no litoral sul de São Paulo. A partir da vigência da lei conservacionista no local, em 1986, as restrições e os constrangimentos impostos aos moradores estimularam diversos conflitos decorrentes das políticas de proteção ambiental, perturbando sobremaneira suas vidas. Atualmente, os moradores vêm lutando contra a obsessão do Estado e de entidades ecologistas – guiados por uma legislação que idealiza um suposto atributo da natureza (sem a presença humana) -, julgando-se capazes de distinguir quem preserva ou não o lugar. Com isso, a intenção de mover a desapropriação dos moradores chega com força no ano de 2010.
Importante salientar que a criação da Estação Ecológica aconteceu por ocasião do término da ditadura militar; portanto, o projeto ostentava concepções militaristas e autoritárias ainda bastante arraigadas. De acordo com denúncias, a principal limitação de sua ação é ter desconsiderado uma ampla consulta pública e a importância das comunidades tradicionais na construção deste patrimônio ambiental.
Ao longo destes mais de 20 anos, os moradores vêm sofrendo todo o tipo de perseguição. Vários problemas sociais foram desencadeados, como conflitos com o Estado – caracterizados pelo abuso de poder, perda de biodiversidade, de cultura local e marginalização. Além disso, suas vidas têm sido marcadas por tentativas de desenraizamento de seu lugar de origem e, consequentemente, por situações de precarização da vida, uma vez que algumas famílias, ao serem impedidas de exercer livremente suas roças, acabam se deslocando para as periferias da cidade.
Ao serem expulsos para os centros urbanos – ou mesmo ameaçados de expulsão ? os moradores vivenciam situações inconcebíveis, que ultrapassam o limite do desrespeito, como agressões e mortes de familiares. Em carta-denúncia, foram listadas algumas delas, como, por exemplo: moradores que apanham da polícia, recebem multas e se deslocam para cidades vizinhas; jovens assassinados por envolvimento com tráfico de drogas; caso em que o rancho de agricultor foi destruído e toda sua produção de banana picada pela direção da Estação Ecológica, e outro onde um agricultor morreu enfartado ao ser entrevistado por duas pesquisadoras, que foram em sua casa o intimando a interromper suas atividades e partir.
Contexto Ampliado
A Estação Ecológica Juréia-Itatins EEJI foi criada em 20 de janeiro de 1986 pelo Decreto Estadual nº 24.646. A região dista aproximadamente 150 km da cidade de São Paulo e contém parte dos municípios de Iguape, Miracatu e Itariri.
O processo de ocupação de Juréia-Itatins é descrito em alguns estudos como o de Queiroz (1992) e Nunes (2003). Nunes enfatiza algo comum a diversas áreas verdes ou em via de se tornarem alvo de política de preservação. Na Juréia, onde se imagina um tipo de floresta isenta de intervenção humana, seus moradores fazem parte de sua preservação desde época remotas.
Nesta região, ao longo do século XVIII, houve um adensamento demográfico estimulado pela cultura de arroz, declinando na medida em que o dinamismo econômico também enfraquecia. No período de 1800 a 1921, as terras da região sofreram contínuas – ainda que dispersas – ocupações, dada a disponibilidade de terras adequadas ao cultivo ao longo da costa.
Em 1958, as concepções preservacionistas estimulam a criação da Reserva Estadual do Itatins, pelo decreto Estadual nº 31.650, mas o auge da influência do movimento ambientalista na região acontece na década de 80, com a criação da EEJI. Na época, mesclavam-se três situações que intervieram diretamente neste contexto, conforme cita Nunes: a criação da Secretaria Especial do Meio Ambiente (SEMA) e do Ministério do Interior, na década de 1970 (nesta época, começou o processo de tombamento do maciço da Juréia, em dezembro de 1977), além do avanço dos grandes empreendimentos imobiliários que assolaram a costa brasileira no rastro do Milagre Econômico brasileiro, e a ampliação do acordo nuclear Brasil-Alemanha para implantar usinas nucleares na Juréia.
Paralelo ao processo de tombamento, havia projetos de construção de um condomínio para mais de 70 mil pessoas na mesma área (Maciço da Juréia ” Rio Verde). Tratava-se de um complexo de instalações residenciais e turísticas, voltados para o aproveitamento da classe alta, de autoria das empresas Gomes de Almeida Fernandes e Companhia Grajaúna de Empreendimentos Turísticos.
A elaboração do projeto – e o retrocesso da negociação em torno deste – foi bastante paradoxal porque sua condução não foi pautada por princípios ecológicos, muito menos pelo bem-estar dos que moravam em Juréia. A equipe responsável pelo projeto -coordenada pelo arquiteto Jorge Wilheim, posteriormente Secretário do Meio Ambiente do governo Quércia (1987 a 1991) – fez um acordo para que as terras da Juréia pertencentes a Gomes de Almeida Fernandes fossem trocadas por um edifício de propriedade do governo paulista localizado no Rio de Janeiro. Além disso, cabe citar que, segundo o estudo de Nunes, nenhuma proposta de indenização foi feita aos moradores enquanto estava viva a idéia do projeto do condomínio. Também é notável que, desde a implementação da Estação Ecológica da Juréia (EEJI), não houve indenização à s famílias que compõem a Juréia (de acordo com o Diário de Iguape).
A ameaça aos moradores da Juréia permanece, apesar de a especulação imobiliária e a grilagem, por ora, recuarem, cedendo espaço à Nuclebrás para a instalação de usinas nucleares no local ” o que não se concretizou. A SEMA e a Nuclebrás passaram a intervir na região, se estruturando no local para o desenvolvimento de pesquisas científicas. Ainda que sendo instaurada a Estação Ecológica da Juréia, de âmbito federal, em 1985 – passados cinco anos sem que as desapropriações tivessem se realizado -, a NUCLEBRáS perde o direito de uso da área e a SEMA tem sua situação legal indefinida.
A criação desta Estação pela esfera estadual encontra terreno na gestão do governador Franco Montoro, que cria a Secretaria Estadual de Meio Ambiente, em 1986, e posteriormente a Estação Ecológica da Juréia. Entretanto, essa política, desde sua concepção, já vinha desrespeitando aspectos fundamentais no tocante à participação da população, especialmente nos anos seguintes, como nos já citados casos de violência, assassinatos e coações morais e físicas.
Isto porque um dos cernes deste conflito foi a clivagem que se estabeleceu entre questões fundiárias e ambientais. Os funcionários da Superintendência do Desenvolvimento do Litoral Paulista (Sudelpa) estavam trabalhando para solucionar os problemas fundiários dos posseiros e fazendo levantamentos para fins de reforma agrária. A divisão acontece ainda no governo Montoro, com a criação da Secretaria de Assuntos Fundiários e da Secretaria do Meio Ambiente. Alguns funcionários da Sudelpa, ao integrarem os quadros do setor ambiental, mudaram a conduta com os moradores, alguns inclusive passando a destratá-los, onde antes havia uma conduta, aparentemente, amistosa.
Quatro anos mais tarde, em 1990, é criada a União dos Moradores da Juréia (UMJ), entidade que lutou para criar a Lei Estadual 12406-de, em dezembro de 2006. A proposta deste decreto foi concretizar o Mosaico de Unidades de Conservação Juréia Itatins, reclassificando as comunidades do Despraiado (Iguape) e Barra do Una (Peruibe, SP) em Reservas de Desenvolvimento Sustentável (RDS). Isto foi considerado uma conquista importante para os moradores, visto que podiam exercer maior liberdade sobre a terra, como era antes de ter sido restringida com a criação da Estação Ecológica, em 1986. As comunidades que não foram agraciadas com as RDS pleitearam, e pleiteiam, sua inclusão nesse modelo demandado pelas populações.
No entanto, em junho de 2009, a Procuradoria Geral de Justiça promove uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) que torna inválida a lei que criou o Mosaico da Juréia e determina que, para a reclassificação da Estação Ecológica, haveria a necessidade de estudos prévios e a realização de um Estudo de Impacto Ambiental (EIA). Com isso, a área que antes as comunidades usufruíam, com a criação do Mosaico, torna novamente a ser Estação Ecológica, com o agravante de que seria acrescido mais 16000 ha como compensação ambiental pelos 2300 ha de RDS criadas no processo.
Com isso, argumentam os defensores da ADIN que a lei anterior (que cria o Mosaico) é inconstitucional, levando a reações imediatas. Ainda assim, tentando dar continuidade à manutenção do Mosaico, em outubro de 2009, a UMJ convenceu o Governo a iniciar outro processo de reclassificação da Juréia, que ocasionou duas audiências públicas promovidas pelo CONSEMA em Peruibe e Iguape, em 01 e 02 de fevereiro de 2010, respectivamente. Desde então, o processo foi interrompido pela Secretaria do Meio Ambiente, que não encaminhou o projeto de lei à Assembléia Legislativa. Segundo denúncias, durante as consultas públicas, houve várias manifestações e críticas ao projeto apresentado pelo Governo. A principal demanda era pela necessidade de ampliar a abrangência de outras comunidades da Juréia em RDS.
Em março de 2010, o Secretário do Meio Ambiente criou duas portarias (n°029 e n°027). A primeira, de acordo com o que diz carta emitida pela União dos Moradores da Juréia (UMJ), “define critérios para os beneficiários: a permanência das comunidades em UCs não respeitou o acúmulo de discussões de mais de 20 anos entre a academia e as representações dos moradores, principalmente a UMJ”. Ora, se as comunidades há tempos vêm tentando pela inclusão equânime dos moradores na Reserva de Desenvolvimento Sustentável, tal lei negligencia a experiência de discussões e participações – segundo a carta, promovida entre os moradores, academia, a UMJ e, inclusive, a Fundação Florestal do Estado de São Paulo (órgão vinculado à SMA) – na construção dos planos de manejo das UCs do Mosaico da Juréia.
A segunda portaria “simplifica” critérios para o licenciamento de roças para pequenos produtores. Ainda de acordo com carta-denúncia, esta lei implica na “tipificação florestal da área da propriedade e do estágio sucessionário da floresta da área a ser desmatada.
Em 26 de março, o Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente ” GAEMA impetrou uma ação civil pública de nº 441.01.2010.001767-0, na 1ª vara Judicial Civil de Peruíbe, contra a Fazenda Pública do Estado de São Paulo e o Instituto Florestal, que contraria toda a tentativa das populações da Juréia.
As circunstâncias tendem a piorar, já que, em maio de 2010, conforme a solicitação do GAEMA, foi obtida liminar que determina a Fazenda Pública a remover- dentro do prazo máximo de 120 dias – os moradores da Unidade de Conservação, além de imputar uma multa de cerca de 150 mil reais à s Secretarias da Fazenda e do Meio Ambiente pela permanência das populações tradicionais no local.
No dia 25 de maio, a UMJ realiza uma reunião conjunta com as Comissões de Meio Ambiente e de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa de São Paulo. Os manifestantes baseiam-se na Convenção 169 da OIT, no Decreto federal 6040-07, e na Declaração Universal dos Direitos Humanos e Fundamentais. O objetivo maior é denunciar e tornar públicas as consequências que a Política da Estação Ecológica estaria causando à s comunidades da Juréia. Com isso, lançam na internet, no mês de junho, um abaixo-assinado pedindo apoio à consolidação do projeto de transformação da Estação Ecológica de Juréia-Itatins em Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS), evitando o despejo dos moradores conforme solicitado pelo Ministério Público, em maio.
Enquanto o prazo para o despejo das famílias se abrevia, há que se mostrar que tal política ambiental é criminosa e tecnocrata, pois desconsidera o fato de que são as famílias integrantes as responsáveis pela preservação do local.
Ainda que a transformação de toda a Juréia em RDS não seja consensual, há que se saber como os moradores a querem, sem que sejam prejudicados como vêm sendo atualmente, tendo a “Estação Ecológica” como modelo. O local que abrange a Juréia sempre foi habitado, suas comunidades sempre foram heterogêneas e, ainda assim, conviviam de forma a adequar a reprodução do ciclo ecológico à s suas necessidades, ao contrário do que povoa o imaginário ambiental conservador e os responsáveis por tais políticas. Certamente, aqueles que são contra a RDS e as necessidades daqueles que vivem no local são motivados por concepções privativistas, fazendo com que o discurso sobre a preservação da área verde se torne um instrumento para expulsar os moradores.
Cronologia
Janeiro de 1986 – Criação da Estação Ecológica da Juréia.
1990 – Fundação da União dos moradores da Jureia.
Dezembro de 2006 – Lei Estadual 12406-de, que criou o Mosaico de Unidades de Conservação Juréia Itatins. A Lei reclassificou as comunidades do Despraiado (Iguape) e Barra do Una, (Peruibe, SP) em Reservas de Desenvolvimento Sustentável (RDS).
Novembro de 2009 – Na Assembléia Legislativa de SP é realizada discussão sobre os direitos das comunidades tradicionais moradoras em reservas florestais do Estado de São Paulo.
Março de 2010 – A União dos Moradores da Juréia encaminha representação ao Ministério Público invocando o princípio de precaução contra a ameaça da continuidade das comunidades tradicionais na região, que não permite a presença de grupos humanos na unidade.
Maio de 2010 – Representantes dos moradores da Juréia, da Secretaria Estadual do Meio Ambiente e da Defensoria Pública participaram de uma audiência conjunta das Comissões de Direitos Humanos e de Defesa do Meio Ambiente, coordenada pelo deputado petista José Cândido.
Junho de 2010 – Associações de moradores da Juréia iniciam campanha para resistir à s tentativas de expulsão das 360 famílias que habitam o interior da reserva ecológica. Um abaixo assinado pretende transformar a Estação Ecológica de Juréia-Itatins em Reservas de Desenvolvimento Sustentável (RDS).
Cronologia
Janeiro de 1986 – Criação da Estação Ecológica da Juréia.
1990 – Fundação da União dos moradores da Jureia.
Dezembro de 2006 – Lei Estadual 12406-de, que criou o Mosaico de Unidades de Conservação Juréia Itatins. A Lei reclassificou as comunidades do Despraiado (Iguape) e Barra do Una, (Peruibe, SP) em Reservas de Desenvolvimento Sustentável (RDS).
Novembro de 2009 – Na Assembléia Legislativa de SP é realizada discussão sobre os direitos das comunidades tradicionais moradoras em reservas florestais do Estado de São Paulo.
Março de 2010 – A União dos Moradores da Juréia encaminha representação ao Ministério Público invocando o princípio de precaução contra a ameaça da continuidade das comunidades tradicionais na região, que não permite a presença de grupos humanos na unidade.
Maio de 2010 – Representantes dos moradores da Juréia, da Secretaria Estadual do Meio Ambiente e da Defensoria Pública participaram de uma audiência conjunta das Comissões de Direitos Humanos e de Defesa do Meio Ambiente, coordenada pelo deputado petista José Cândido.
Junho de 2010 – Associações de moradores da Juréia iniciam campanha para resistir à s tentativas de expulsão das 360 famílias que habitam o interior da reserva ecológica. Um abaixo assinado pretende transformar a Estação Ecológica de Juréia-Itatins em Reservas de Desenvolvimento Sustentável (RDS).
Fontes
Agência Estado – Moradores fazem campanha para evitar despejo na Juréia. Disponível em: http://goo.gl/Tyn7ap
Amarnatureza. Moradores fazem campanha para evitar despejo na Juréia. Disponível em: http://goo.gl/7YQtvC
Associação dos Amigos da Juréia. Disponível em: http://goo.gl/OMzcvp
Decreto Estadual Nº 24.646, de 20 de janeiro de 1986. Diário Oficial v.96, n.014, 21/01/1986. Disponível em: http://goo.gl/olkgXb
Diretório Estadual PT de São Paulo – Moradores da Juréia reivindicam urgência contra desapropriação. Disponível em: http://goo.gl/xcdJ3s
Julio Silva. Ministério Público determina expulsão de moradores da Juréia. Disponível em: http://goo.gl/AXDOpL
Juréia. Disponível em: http://goo.gl/mlNCO9
Ministério Público determina expulsão de moradores da Juréia. Disponível em: hhttp://goo.gl/7oJTeM
Mosaico de Unidades de Conservação de Juréia-Itatins. Disponível em: http://goo.gl/ZIGjNh
NUNES, Márcia. Do passado ao futuro dos moradores tradicionais da Estação Ecológica Juréia-Itatins/SP São Paulo. Disponível em: http://goo.gl/Tkp7uM
O Estado de São Paulo. Moradores da Jureia tentam evitar despejo de famílias. Disponível em: http://goo.gl/FA9vrG
QUEIROZ, Ruben Caixeta. Atores e Reatores da Juréia: idéias e práticas do ecologismo. Dissertação (Mestrado) Departamento de Antropologia. UNICAMP, Campinas, 1992, 229p.
Alguns endereços eletrônicos relacionados às fontes estão errados
É possível que tenham sido alterados ou as informações deletadas desde que a ficha foi produzida, Geovanna. Mas iremos verificar assim que possível. Agradecemos.