Violência e criminalização marcam luta indígena Kaingang pelo seu território
UF: RS
Município Atingido: Faxinalzinho (RS)
Outros Municípios: Benjamin Constant do Sul (RS)
População: Povos indígenas
Atividades Geradoras do Conflito: Atuação de entidades governamentais, Barragens e hidrelétricas, Madeireiras, Pecuária
Impactos Socioambientais: Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, Falta / irregularidade na autorização ou licenciamento ambiental, Falta / irregularidade na demarcação de território tradicional, Falta de saneamento básico
Danos à Saúde: Acidentes, Insegurança alimentar, Piora na qualidade de vida, Violência – ameaça, Violência – assassinato, Violência – coação física, Violência – lesão corporal
Síntese
Os indígenas pertencentes à etnia Kaingang, habitantes dos municípios de Faxinalzinho e Benjamim Constant do Sul, no Rio Grande do Sul, reivindicam, há muitos anos, a demarcação da totalidade de seu território tradicional. A Terra Indígena (TI) Votouro/Kandóia teve seu Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCtid) concluído em 2007. No entanto, a assinatura da Portaria Declaratória pelo Ministério da Justiça (MJ), que valida os estudos já realizados e define a demarcação do território indígena foi adiada desde a gestão do ex-ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo (PT, 2011-2016).
Enquanto isso, muitos indígenas vivem em acampamentos feitos de lona e madeira, às margens de rodovias, sofrendo muitas vezes com as intempéries climáticas e com riscos constantes de acidentes, além de não possuírem a mínima infraestrutura. A demora na demarcação e a falta de garantias e condições aos indígenas vêm causando uma série de conflitos e mobilizações, principalmente entre os Kaingang, de um lado, e os agricultores e moradores dos municípios da região, de outro.
O “Resumo do Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação da Terra Indígena Votouro/Kandóia” indica que, se for delimitada, a TI Votouro/Kandóia terá uma superfície de 5.977 hectares, 74 quilômetros de perímetro, e incorporará uma população de cerca de 1.400 indígenas, conforme informações publicadas no Diário Oficial da União (DOU), em fevereiro de 2010. A região habitada pelos Kaingang predominantemente faz parte do bioma da Mata Atlântica, ainda que também se apresentem alguns remanescentes de Florestas com Araucárias.
A história de luta pelo território tradicional na região remete a 1918, quando o governo do Rio Grande do Sul reconheceu oficialmente a presença dos Kaingang no norte do estado. Entretanto, a Comissão de Terras de Erechim demarcou um território de cerca de 3.100 hectares quando, na verdade, de acordo com relatórios da Secretaria de Estado dos Negócios das Obras Públicas (citados no Relatório da TI Votouro/Kandóia), as terras totalizavam 31.000 hectares entre 1918 e 1919. Portanto, houve uma redução a cerca de 10% da área originalmente identificada, área essa que, hoje em reivindicação, fora ocupada pelos Kaingang até o final da década de 1940.
Segundo o relatório, o estado, ao demarcar a terra indígena, não levou em consideração áreas utilizadas para a pesca, a caça e a coleta. As áreas de floresta acessíveis aos indígenas foram sendo reduzidas paulatinamente. Dessa maneira, a atual busca dos Kaingang se dá no sentido de recuperar áreas que foram perdidas ao longo do tempo e que são necessárias para a sua subsistência e organização política, econômica e sociocultural.
Nesse sentido, atualmente, a região norte do Rio Grande do Sul, especialmente no município de Faxinalzinho, é um campo de disputas entre os indígenas Kaingang e os agricultores que ocuparam as áreas que compreendem os limites propostos para a TI Votouro/Kandóia. Os indígenas atribuem ao Poder Executivo e ao Ministério da Justiça a responsabilidade na demora da demarcação do seu território tradicional, já que a homologação da TI vem sendo adiada, provocando acirramento das tensões na região, que, atualmente, se configura como palco de violência e criminalização da luta indígena Kaingang pelo seu território.
Contexto Ampliado
Os indígenas pertencentes à etnia Kaingang, habitantes de terras localizadas no sul do país, especificamente dos municípios de Faxinalzinho e Benjamim Constant do Sul, no estado do Rio Grande do Sul, reivindicam a demarcação da totalidade de seu território tradicional. A Terra Indígena (TI) Votouro/Kandóia tem proposta de delimitação configurada desde o ano de 2007. No entanto, a assinatura da Portaria Declaratória, que valida os estudos já realizados e define a demarcação do território indígena, foi adiada desde a gestão do então ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo (PT, 2011-2016).
Enquanto isso, muitos indígenas vivem em acampamentos feitos de lona e madeira, às margens de rodovias, sofrendo com as intempéries climáticas e correndo riscos constantes de acidentes, além de não possuírem a mínima infraestrutura. A demora na demarcação e a falta de garantias e condições aos indígenas causam uma série de conflitos e mobilizações, principalmente entre os Kaingang, de um lado, e os agricultores e moradores dos municípios da região, do outro.
O Resumo do Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação da Terra Indígena Votouro/Kandóia (RCTid da TI Votouro/Kandóia), de autoria da antropóloga Juracilda Veiga, indica que, se for delimitada, a TI Votouro/Kandóia terá uma superfície de 5.977 hectares, 74 quilômetros de perímetro e incorporará uma população de cerca de 1.400 indígenas, conforme informações publicadas no Diário Oficial da União (DOU) em fevereiro de 2010. Somente a área do acampamento Kandóia, que é parte da área total a ser contemplada na TI Votouro/Kandóia, abrigava, em 2010, 43 famílias (aproximadamente 170 pessoas).
Na época do estudo, cerca de 40% da população pertencia à faixa et&nária inferior a cinco anos de idade. A área do acampamento, muito reduzida, possui apenas seis hectares e não tem sistema de saneamento, obrigando as famílias indígenas a conviverem com condições precárias de higiene.
Ainda conforme RCtid da TI Votouro/Kandóia (2010), o Grupo de Trabalho de Diagnóstico Fundiário, quando da realização do relatório, indicou a existência de 304 laudos de ocupações de não indígenas nas áreas da TI. Das ocupações que se localizam no interior da terra indígena, 161 ficavam no município de Faxinalzinho e 141 em Benjamim Constant do Sul.
Em Faxinalzinho, onde está o acampamento Kandóia, encontra-se a maior parte das ocupações sem titulação. A falta de titulação se justifica, justamente, por serem originalmente terras indígenas, as quais não podem, de acordo com a Constituição Federal de 1988 e outros dispositivos da legislação indigenista atual, serem tituladas, pois são consideradas indisponíveis e inegociáveis devido ao direito originário desses povos, pertencendo de fato à União.
O Relatório da TI Votouro/Kandóia aponta que a região considerada no estudo pertence ao bioma da Mata Atlântica. Há uma variedade de ecossistemas regionais nesse bioma, como as Florestas Ombrófilas, formação florestal fluvial tropical, caracterizada por elevadas temperaturas e altos índices de precipitação; as Florestas Deciduais, que ocorrem em grandes atitudes e se caracterizam por duas estações climáticas bem demarcadas, uma chuvosa e um período bastante seco; e os campos.
A TI Votouro/Kandóia, se localiza exatamente numa área de transição entre a Floresta Estacional Decidual, também conhecida como Floresta Tropical Caducifólia, ou seja, áreas florestais submetidas a dois períodos climáticos distintos. Porém, a maior parte das suas árvores perde todas as folhas na estação desfavorável. Isso ocorre, em razão do rigor do período de estiagem prolongada ou de baixas temperaturas, conforme dados do pesquisador Avaldo Filho para a Info Escola; e a Floresta Ombrófila Mista, tipo de floresta também chamada de Mata das Araucárias, e parte da Mata Atlântica, abrangendo principalmente os estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
Na TI também se encontram alguns remanescentes significativos de Florestas de Araucária. Porém, no geral, a exploração descontrolada de tais formações pela indústria madeireira no século XX fez com que essa formação não fosse mais predominante. Há ainda coberturas em mosaicos, onde se alternam lotes de áreas reduzidas, lavouras familiares de subsistência e áreas em pousio.
Segundo Cirne e Souza (2014), o pousio é a técnica utilizada para preservar a terra que mantém uma área sem cultivo por certo período para restabelecer os nutrientes extraídos com o plantio anterior, quando a terra “descansa” ou “repousa” do cultivo. Nas áreas próximas às calhas dos rios Passo Fundo e Erechim, a cobertura arbórea é bastante descaracterizada e substituída por pastagens, bem como por predominantes monocultivos de eucalipto.
Os Kaingang pertencem à família linguística Jê. As línguas Kaingang e Xokleng fazem parte do ramo meridional do tronco linguístico Macro-Jê. Essa sociedade indígena tem sua ocupação na região Sudeste e Sul do atual território brasileiro, com seu território compreendido entre o rio Tietê (SP) e o rio Ijuí (norte do RS). No século XIX, os domínios Kaingang se estendiam para oeste, atingindo San Pedro, na província argentina de Misiones.
O Relatório da TI Votouro/Kandóia aponta que, atualmente, a etnia ocupa cerca de 30 áreas distribuídas sobre seu antigo território, nos estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, com uma população total aproximada de 30 mil pessoas. São considerados um dos cinco maiores povos indígenas em território brasileiro, junto com os Guarani, Tikuna, Macuxi e Terena, conforme dados da Fundação Nacional de Saúde (Funasa).
Em relação à ocupação da terra, as áreas que estão em processo de demarcação são ocupadas por lavouras mecanizadas exploradas em regime coletivo pelos indígenas ou em parceria com não indígenas. Em termos de atividades produtivas, os Kaingang da TI Votouro/Kandóia se dividem basicamente na agricultura, produção e comercialização de artesanato e prestação de serviços para os agricultores não indígenas (colheita de feijão, maçã etc.) e órgãos governamentais.
Os Kaingang possuem técnicas de remanejo de campos e de capoeiras, áreas as quais, após alguns anos, se transformaram em ambientes florestais que os abastecem com fibras, caças e alimentos. O ambiente florestal, portanto, é de suma importância para a subsistência, oferecendo tanto recursos alimentícios quanto remédios naturais, como identificou o Relatório da TI Votouro/Kandóia (2010).
Todavia, o plantio direto por anos consecutivos, segundo os indígenas do acampamento Kandóia citados no Relatório, tem dificultado a recuperação florestal, como, por exemplo, por meio do plantio da soja. Por outro lado, os cultivos de subsistência indígena são historicamente realizados em encostas pelo sistema de coivara (rodízio de áreas de cultivo).
Os Kaingang mantêm uma área de lavoura coletiva de aproximadamente 40 hectares de terra. O trabalho na lavoura é familiar e os indígenas plantam grãos como a própria soja, trigo, milho e aveia para garantir o suprimento alimentar, por meio da produção de farinha para consumo próprio, ou da criação de animais. Observa-se também a produção de mel de abelha em pequenas quantidades.
Ainda conforme o Relatório, as primeiras referências da ocupação histórica dos Kaingang no território remontam ao século XVII, entre 1626 e 1630, com o estabelecimento das reduções jesuíticas, no Paraná. No Rio Grande do Sul, eles estiveram presentes nas missões jesuíticas nas Reduções de Santa Tereza (atual Passo Fundo), de São Carlos (atual Carazinho) e São Miguel, todas destruídas pelos bandeirantes na década de 1630. Após o término das missões, os colonizadores portugueses começaram a entrar no território kaingang.
Numa tentativa de controle territorial, o governo gaúcho criou, em 1846, o aldeamento Nonoai, com o intuito de reunir todos os Kaingang num só aldeamento, liberando terras para as novas levas de colonização europeia (italianos e alemães principalmente). Junto ao aldeamento, também foi criada a Companhia dos Pedestres, espécie de força policial para manter os indígenas nos limites determinados. Esse fato provocou revolta nos indígenas, que não aceitaram abandonar as aldeias onde tinham enterrado seus mortos, e que também eram seus locais de nascimento.
O acampamento Kandóia e a TI Votouro são parte de um mesmo grupo cultural. Em 1918, o governo do Rio Grande do Sul reconheceu oficialmente a presença dos Kaingang no norte do estado. Entretanto, a Comissão de Terras de Erechim demarcou um território de cerca de 3.100 hectares quando, na verdade, de acordo com relatórios da Secretaria de Estado dos Negócios das Obras Públicas (citados no Relatório da TI Votouro/Kandóia), as terras totalizavam 31.000 hectares entre 1918 e 1919.
Portanto, houve uma redução a cerca de 10% da área original, que, hoje em reivindicação, fora ocupada pelos Kaingang até o final da década de 1940. O estado, no processo de demarcação de terras indígenas, não levou em consideração áreas utilizadas para a pesca, a caça e a coleta. As áreas de floresta acessíveis aos Kaingang foram sendo reduzidas paulatinamente.
Depois da Segunda Guerra Mundial, ocorreu um ciclo de expansão econômica que fez com que as áreas de ocupação tradicional dos Kaingang fossem ainda mais invadidas, impedindo as atividades tradicionais e viabilizando apenas a prática da agricultura. Esse elemento foi responsável por desorganizar a economia e a sociedade kaingang. Segundo o Relatório da TI Votouro/Kandóia, os acampamentos hoje existentes atualizam um padrão kaingang que não comportava comunidades muito grandes, e a atual busca pelas terras tradicionais perdidas se configura, nesse aspecto, numa atualização da sua forma de organização política, apesar de estar num contexto diverso e adverso.
Durante o século XX, aumentou a pressão sobre as terras indígenas no Rio Grande do Sul. O Relatório indica que houve dois momentos de maior pressão externa sobre a TI Votouro/Kandóia: a Revolução dos Chimangos e Maragatos (1923) e a reforma agrária promovida por Leonel Brizola (PTB, 1962), momentos nos quais houve confrontos e expulsão à força dos indígenas de suas terras.
Em 1998, houve a conclusão do processo de demarcação da Terra Indígena Votouro (que é parte do conjunto territorial hoje reivindicado pelos indígenas, denominado TI Votouro/Kandóia), com referência à demarcação oficial de 1918. No entanto, a superfície total passou de 3.100 para aproximadamente 3.341 hectares. Já naquela época, os Kaingang pretendiam incluir a parcela que hoje está sendo reivindicada, mas preferiram recuar diante da possibilidade de ampliação e de reconhecimento imediato de suas terras.
A atual reivindicação demandada pelos Kaingang, segundo aponta o Relatório da TI Votouro/Kandóia (2010), não se limita à memória genérica sobre o território tradicional, e, sim, de memórias específicas sobre os antigos locais de ocupação. Trata-se, por sua vez, da combinação dessas duas ordens de concepção territorial, que, segundo o documento, de um lado une a concepção de que toda a região do Alto Uruguai é identificada como terra imemorial dos Kaingang, e, por outro, a concepção de que, sobre esse vasto território, há locais específicos de ocupação tradicional.
Nesse sentido, a então Fundação Nacional do Índio (Funai) realizou relatórios prévios nas áreas em questão em 2002. Mas os estudos sobre o território atualmente reivindicado pelos Kaingang – que deram origem ao Relatório de delimitação da TI Votouro/Kandóia – se iniciaram com a publicação da Portaria 773, de 11 de agosto de 2003.
A partir desse ano, os indígenas passaram a intensificar os protestos para pressionar a demarcação de suas terras. Em 18 de agosto, em decorrência da ausência de representantes da Funai para conversar sobre as demarcações, os indígenas Kaingang iniciaram manifestações: acamparam próximos à entrada de Faxinalzinho, bloquearam trechos da RS-135; cavaram buracos na pista e derrubaram pontilhões para impedir o tráfego na rodovia.
Proprietários e moradores dos municípios de Faxinalzinho, Benjamim Constant do Sul e Herval Grande também montaram um acampamento a 150 metros do acampamento dos indígenas, no intuito de lutarem pelo que consideravam suas “propriedades”. O prefeito de Faxinalzinho à época, Ivori Sartori (Movimento Democrático Brasileiro – MDB), decretou situação de emergência no município devido aos desentendimentos ocorridos entre a população da cidade e os Kaingang, suspendendo aulas e fechando o comércio. Em 27 de agosto de 2003, a Agência Brasil noticiou que, após um acordo com a Justiça Federal, em Passo Fundo, os indígenas liberaram a rodovia e desmontaram o acampamento.
Dentro desse panorama, a continuidade dos estudos de delimitação, entretanto, se deu apenas com a Portaria 961, publicada em 20 de julho de 2004, que constituiu o Grupo Técnico (GT) com a finalidade de realizar estudos e levantamentos necessários à identificação e delimitação da TI Votouro/Kandóia, coordenado pela antropóloga Juracilda Veiga.
Em 15 de abril de 2005, a Diretoria de Assuntos Fundiários (DAF) da Funai e a Coordenadora daquele GT promoveram uma reunião de trabalho com todos os envolvidos: os Kaingang da TI Votouro, os Kaingang do Acampamento Kandóia, as antigas lideranças Kaingang do Acampamento Kandóia, representantes das Prefeituras Municipais de Faxinalzinho e Benjamim Constant do Sul, representantes do Conselho de Missão entre Índios (Comin) e do Ministério Público Federal (MPF). Nessa reunião, os resultados do trabalho do GT foram apresentados e foram consideradas as diferentes propostas de delimitação, até se chegar à atual proposta.
Segundo a Medida Cautelar de Exibição Nº 2008.71.17.000262-0/RS (publicada em julho de 2008 no Diário Eletrônico da Justiça Federal da 4ª região), a Portaria 1.403, de 10 de novembro de 2006, constituiu novo Grupo Técnico para realização de estudos complementares da TI Votouro/Kandóia. Outras duas portarias, uma de 2007 (Portaria nº 1087, de 06/11/2007) e outra de 2008 (Portaria nº 82 de 23/01/2008), foram lançadas com a finalidade de realizar o diagnóstico fundiário da terra indígena.
A medida cautelar citada acima, de autoria da Associação de Moradores do Município de Faxinalzinho (Asmof), tratava, dentre outras questões, da solicitação à Funai para apresentar todos os documentos relativos ao processo administrativo de identificação da TI Votouro/Kandóia no prazo de 60 dias, sob pena de aplicação de multa diária de R$1.000,00 por atraso na entrega.
No entanto, ressalta-se que tal medida cautelar foi um pedido dos moradores e agricultores que ocupam as terras originalmente indígenas e que seriam incorporadas na delimitação do território dos Kaingang. Eles queriam ter acesso aos documentos que indicavam os procedimentos que estavam sendo realizados.
Em março de 2007, a Usina Hidrelétrica de Monjolinho recebeu Licença de Instalação, emitida pela Fundação Estadual de Proteção Ambiental do Rio Grande do Sul (Fepam), permitindo sua construção no rio Passo Fundo, entre os municípios de Faxinalzinho e Nonoai. A UHE Monjolinho, conforme aponta o Relatório da TI Votouro/Kandóia, tem impactos indiretos sobre as áreas reivindicadas pelos Kaingang.
A Funai, em 14 de dezembro de 2009, assinou o Termo de Compromisso nº 02/2009 com o objetivo de assegurar a implementação e execução de medidas mitigatórias e compensatórias aos impactos advindos da construção e operação da Central Hidrelétrica Alzir dos Santos Antunes (UHE Monjolinho), da empresa Monjolinho Energética S.A (Monel), conforme publicado no Diário Oficial da União em 06 de janeiro de 2010.
Após prorrogações de prazos e inclusão de novos profissionais para integrar a equipe, o Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação da TI Votouro/Kandóia foi apresentado em 2010 com todos os estudos complementares, tendo o seu resumo publicado em 24 de fevereiro de 2010, no Diário Oficial do RS.
Em 31 de agosto de 2010, por meio da Apelação Cível Nº 2008.71.17.000262-0/RS, a Associação de Moradores do Município de Faxinalzinho (Asmof) e outros solicitaram novamente que a Funai expusesse o procedimento administrativo que estava sendo elaborado para a demarcação da TI Votouro/Kandóia, já que os moradores desejavam ter acesso a esses documentos, reiterando pedido já feito anteriormente.
No dia 30 de abril de 2013, a Procuradoria da República no Estado do Rio Grande do Sul (MPF/RS) publicou a Portaria nº 4, conforme publicado no Diário do Ministério Público Federal de 21 de maio de 2013. A Portaria nº 4 teve como objeto acompanhar a prestação de contas dos recursos recebidos pelos indígenas das Terras Indígenas Votouro e Guabiroba situadas no Município de Benjamin Constant do Sul/RS, a título de compensação pela instauração e operação da UHE Monjolinho.
Esse acompanhamento se deu em função do Programa Básico Ambiental (PBA) da Monjolinho Energética S/A (Monel) Hidrelétrica, que continha propostas de implementação de ações específicas para as comunidades indígenas atingidas pela construção da barragem. A empresa firmou um termo de compromisso com a Funai de forma a assegurar a implantação e execução de medidas mitigadoras e compensatórias aos impactos às comunidades indígenas devido às suas construção e operação.
Em 2014, as tensões a respeito da demarcação da TI Votouro/Kandóia se acirraram. No dia 18 de março de 2014, conforme divulgado no blog Combate Racismo Ambiental, os indígenas Kaingang do sul do Brasil ocuparam a sede da Advocacia-Geral da União (AGU), em Brasília. Eles pediam a revogação da Portaria 303, norma que estendia as condicionantes relativas à TI Raposa Serra do Sol a todas as demais terras indígenas do país, impedindo a revisão e ampliação daquelas que não cumprissem a tese do “marco temporal”.
Em paralelo a essa ação, cerca de 300 Kaingang bloquearam a BR-285, na altura do município de Gentil, no Rio Grande do Sul, e ocuparam a regional da Funai, no município de Passo Fundo (RS). Uma das pautas desse grupo era pressionar pela assinatura da Portaria Declaratória para a TI Votouro/Kandóia.
No dia 06 de abril de 2014, o Jornal Brasil de Fato noticiou que lideranças dos Kaingang, reunidas na aldeia Kandóia, enviaram documento ao então ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo (PT), reiterando suas reivindicações. Durante essa reunião, os indígenas foram monitorados por viaturas da Polícia Federal (PF) e da Brigada Militar do Rio Grande do Sul (BM) que circundavam a aldeia. Os Kaingang aguardavam a presença do ministro, que já havia cancelado cinco reuniões com as lideranças.
No dia 28 de abril de 2014, de acordo com o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), indígenas da TI Votouro/Kandóia, juntamente com Kaingang de outras terras, passaram a bloquear rodovias vicinais de acesso à sede do município, bem como as de acesso a Chapecó (SC) e a outras rodovias estaduais e federais, com o intuito de chamar a atenção dos poderes públicos para a situação problemática e exigir a demarcação das terras. Anunciaram que, caso não fossem atendidas as reivindicações de imediato, retomariam as terras e passariam a fazer a autodemarcação.
Cabe ressaltar que o descumprimento dos acordos entre o ministro da Justiça e os indígenas acabou resultando em mais violência, tensão e insegurança entre indígenas e não indígenas da região. A violência, inclusive, foi incentivada por parlamentares, como os então deputados federais Luiz Carlos Heinze e Vilson Covatti, do Partido Progressista (PP/RS), e Alceu Moreira, do então Partido Movimento Democrático Brasileiro (PMDB/RS), que durante uma audiência pública no município de Vicente Dutra (RS) incentivaram os agricultores a expulsarem os indígenas de suas terras “da forma que fosse necessária”, incluindo o uso de armas, “se preciso fosse”.
E foi justamente nesse clima de tensão que uma tragédia aconteceu, nesse mesmo dia. Conforme relata o site do Cimi, durante o protesto dos Kaingang, que bloqueavam uma das estradas, um grupo de não indígenas tentou afastá-los à força, a fim de romperem o bloqueio e liberarem a via. Dois agricultores não indígenas que estavam num caminhão carregado de ração levaram um menino kaingang como refém. Durante a tentativa de resgatar o menino, houve uma discussão, e os dois irmãos não indígenas, Alcemar Batista de Souza e Anderson de Souza, fugiram para um milharal e acabaram sendo mortos a golpes de facões, pauladas e tiros de espingarda.
No dia 29 de abril, a Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul (Arpinsul) lançou nota pública sobre os conflitos entre agricultores e indígenas no Rio Grande do Sul, denunciando a omissão e a morosidade do poder público diante de um cenário de conflitos territoriais não solucionados. Em nota, afirmaram que a região Sul tem sido um cenário bem explicito da truculência e persistência de preconceitos e violação dos direitos territoriais indígenas e, consequentemente, da indignação e revolta dos povos que não suportam mais tanta demora na garantia dos seus direitos originários. No mesmo dia, o Cimi, o Conselho de Missão entre os Povos Indígenas (Comin) e a Frente Nacional em Defesa dos Territórios Quilombolas ançaram uma nota lamentando a morte dos irmãos Souza e solicitando medidas para resolver a questão.
No dia 30 de abril, a aproximadamente 100 km do local onde havia ocorrido tal incidente, no município de Barão de Cotegipe (RS), quatro indígenas Kaingang foram abordados de forma truculenta por oito policiais da Brigada Militar e quatro policiais do Batalhão de Operações Especiais (BOE) não identificados, segundo o Cimi. Eles foram revistados e, mesmo se identificando como moradores de outro local que não o do conflito, sofreram intimidações e ameaças.
Os policiais afirmavam que fariam justiça pelas aldeias, estradas e campos da região, e que todos os indígenas teriam tratamento semelhante ao dos agricultores não indígenas mortos em Faxinalzinho. Ainda afirmaram que duas entidades de agricultores, a Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar da Região Sul do Brasil (Fetraf) e a Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul) “não deixariam os indígenas sem punição”.
Em 1º de maio de 2014, reunidos em Ronda Alta (RS), os indígenas elencaram uma série de reivindicações, exigindo, mais uma vez, a regularização da TI Votouro/Kandóia, além de outras terras Kaingang, como a TI Passo Grande do Forquilha, Rio dos Índios, Serrinha, Nonoai, Ventarra e Nen Mag. Caciques e lideranças enviaram documento ao então ministro da Justiça José Eduardo Cardozo exigindo a demarcação do território e responsabilizando o Poder Executivo pela paralisação dos processos demarcatórios e pelas consequências disso, como os confrontos até ali ocorridos.
Eles também convocaram a Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH), a Secretaria Especial de Igualdade Racial (Seppir) e o Poder Judiciário para discutir as violações de direitos humanos nas terras indígenas e a criminalização de lideranças no Rio Grande do Sul, conforme apontou o Cimi. Nesse dia, a TV Bandeirantes exibiu uma reportagem na qual agricultores não indígenas da região portavam armas de grosso calibre sem constrangimento, como forma de resistir à demarcação das terras indígenas. O Cimi Regional Sul, em nota no dia 03 de maio de 2014, alertou para a gravidade do conflito, bem como para as práticas de incitação à violência, intimidação e criminalização do movimento indígena.
No dia 07 de maio de 2014, a Agência Brasil informou que a Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados convocou os ministros da Justiça, José Eduardo Cardozo, e da Secretaria-geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, para dar satisfações sobre o conflito em Faxinalzinho. Os autores do requerimento faziam parte da bancada ruralista da Câmara, os deputados Luiz C. Heinze (PP/RS) e Giovanni Queiroz (PDT/PA).
No dia seguinte, 08 de maio, o Movimento Gaúcho em Defesa do Meio Ambiente (Mogdema) lançou, de Porto Alegre, uma nota a respeito do conflito, cobrando do governo federal e do governo gaúcho o compromisso de estabelecer “um clima de paz e diálogo entre indígenas e agricultores, reconhecendo os direitos de cada grupo”, ou seja, apontando uma perspectiva de conciliação entre as duas partes. Nessa mesma data, o Cimi noticiou que carros da Polícia Federal, sem placas, estavam rodando nas proximidades da aldeia Kandóia há alguns dias, o que configura ilegalidade.
Em 09 de maio de 2014, o Cimi informou que sete indígenas Kaingang foram presos pela PF, vítimas de uma emboscada enquanto participavam de uma reunião promovida por representantes do governo do Rio Grande do Sul em Faxinalzinho. Eles foram acusados, sem elementos concretos, evidências ou provas, de estarem envolvidos na morte dos dois agricultores. Entre os presos, estava o cacique da aldeia Kandóia, Deoclides de Paula. Relata-se que, dois dias antes, o ministro da Justiça havia marcado uma reunião com agricultores, da qual se ausentou novamente, enviando um representante para dialogar a portas fechadas com representantes do governo de Tarso Genro e da PF.
Após a reunião fechada ocorrida no dia 09 de maio, o Secretário de Desenvolvimento Rural do RS, Elton Scapini; os assessores diretos do governador, Ricardo Zamora e Milton Viário; o coordenador regional da Funai, Roberto Perim; e o prefeito de Faxinalzinho, Selso Pelin (PPS), convenceram os Kaingang a se deslocarem para fora da aldeia. Mesmo alertados por agentes do Cimi, os indígenas foram para uma suposta reunião na sede do município de Faxinalzinho, com a esperança de obter encaminhamentos para as questões da demarcação. Lá, minutos após o início da reunião, eles foram presos abruptamente por agentes federais.
De acordo com o Cimi, dentre os sete presos, dois acabaram sendo liberados em função da absoluta falta de elementos que justificassem sua prisão temporária. Os outros cinco – o cacique Deoclides de Paula, Nelson Reco de Oliveira, Daniel Rodrigues Fortes, Celinho de Oliveira e Romildo de Paula – foram levados à noite para Porto Alegre, sendo recolhidos na carceragem da superintendência da PF. Advogados fizeram representação à Justiça Federal solicitando que eles ficassem sob custódia da Funai, o que foi aprovado pelo juiz federal Murilo Brião da Silva. A PF, no entanto, ignorou a determinação judicial e transferiu os indígenas para o presídio de Jacuí, no interior do estado, no dia 10 de maio de 2014. A Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa (Ancop) e o Comitê Popular da Copa de Porto Alegre (CPC-POA) repudiaram imediatamente a prisão dos indígenas em Faxinalzinho (RS), por meio de nota.
Em nota conjunta, divulgada em 10 de maio de 2014 e noticiada pela Agência Brasil, a Secretaria de Desenvolvimento Rural, Pesca e Cooperativismo do Rio Grande do Sul (SDR) e a chefia do Gabinete do Governador do Estado afirmaram que a ação da PF fora inadequada. Eles afirmavam que, do ponto de vista legal e policial, não havia oposição quanto ao cumprimento dos mandados; porém, diziam que isso não resolveria o problema, principalmente pela maneira como a ação se deu, ou seja, durante uma reunião que foi considerada como um momento muito importante de diálogo e construção de propostas que “pacificariam o município e garantiriam o direito das duas partes”.
Como se não bastasse o descumprimento da decisão judicial pela PF, o Cimi ainda relatou que houve tentativa de dificultar o acesso dos advogados dos Kaingang ao inquérito policial pelo delegado da PF, Mário Vieira. O delegado estava dificultando o acompanhamento dos advogados durante as investigações – como, por exemplo, durante a oitiva dos Kaingang no dia 14 de maio de 2014 -, que não foram comunicadas com antecedência. Esses fatos foram denunciados, e houve pedido de afastamento de Mário Vieira. Além disso, o delegado também se manifestou publicamente de forma parcial e contrária à ética de investigação, já que culpou os Kaingang de antemão pelos assassinatos e emitiu deboches e provocações a respeito dos indígenas.
A procuradora federal, Maria Hilda Marsiaj Pinto, emitiu um parecer, no dia 14 de maio de 2014, solicitando que o Ministério da Justiça se pronunciasse a respeito da demarcação da TI Votouro/Kandóia, dando uma resposta aos indígenas sobre a expedição ou não da portaria de demarcação, independentemente do desapossamento dos indivíduos que estavam ocupando imóveis no território em questão.
No dia 15 de maio, docentes e discentes das universidades federais do Rio Grande do Sul (UFRGS) e de Pelotas (UFPel) lançaram nota em apoio aos Kaingang, manifestando repúdio à prisão dos indígenas e reiterando a legitimidade e legalidade do processo de reivindicação pela demarcação da TI Votouro/Kandóia. Exigiram a homologação imediata dessa e de outras TIs paralisadas na Funai.
Segundo a Agência Brasil, também por meio de nota divulgada no início do mês, o Ministério da Justiça convidou e se comprometeu a receber representantes de agricultores e indígenas para a reunião de instalação de uma Mesa de Diálogo, no dia 22 de maio de 2014. O encontro teria como objetivo apresentar propostas de compensação de reassentamento e outras medidas possíveis para solucionar os conflitos fundiários relativos às terras indígenas.
Apenas no dia 20 de junho de 2014, por meio de liminar concedida pelo então ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Rogério Schietti Cruz, as cinco lideranças foram liberadas. De acordo com depoimentos dos Kaingang ao Cimi, “o racismo, que já era cotidiano na região contra os Kaingang de Kandóia, ficou escancarado”.
Exemplos foram citados, como demissões de todos os indígenas sem motivo algum; xingamentos; e ataques ao transitarem pela região de Faxinalzinho, tornando arriscado o ir e vir dos indígenas. Cleci Kaingang afirmou ao Cimi: “Os nossos alunos vão para a aula no município de Faxinalzinho. A minha sobrinha, a professora impediu de falar na língua na sala de aula. Essa minha sobrinha não quer ir mais à aula de jeito nenhum”.
Em 17 de setembro de 2014, os Kaingang da TI Kandóia publicaram uma carta ao então ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, pois se diziam “exauridos perante o descaso e a falta de resposta deste, que muitas vezes cancelou reuniões já agendadas”. Além disso, denunciaram as perseguições contra lideranças. A principal exigência da carta era a assinatura da Portaria Declaratória da TI:
“Ata de Kandóia,
Nós, da Terra Indígena Kandóia Faxinalzinho no Rio Grande do Sul viemos através deste documento dizer que nós sempre dialogamos com todas as instituições para o andamento do processo da nossa terra, mas o governo nunca decide nada, além de marcar reunião. Fomos enganados pelo Ministério da Justiça, quando não veio para o nosso estado. Nossas lideranças acabaram sendo presas, fomos humilhados pelos agentes da Polícia Federal, quando eles proibiram os indígenas Kaingang de falar nossa língua dentro na nossa aldeia. A mesa de diálogo está indo para mesa de negociação, mas direito não se negocia! Há mais de dois anos está na mesa do ministro o nosso processo só aguardando a assinatura. Queremos que se cumpra a lei brasileira e a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Não esqueçam que existe um povo com 300 pessoas, 70% de crianças, que muitos já faleceram por falta de alimento e saúde. Esperamos a vontade política e cumprimento das leis pelo ministro da Justiça, José Eduardo Cardoso, que precisa assinar a Portaria Declaratória de posse dos indígenas de Kandóia, Fazinalzinho, RS.”
Após a reeleição da então presidenta Dilma Roussef (PT) em 26 de outubro, os Kaingang e Guarani enviaram uma carta, em 31 de outubro de 2014, no final de um encontro em Passo Fundo (RS), para cobrar maior responsabilidade e celeridade nas políticas indigenistas e expor suas reivindicações, em conformidade com as normas contidas na Constituição Federal. Também repudiaram a política anti-indígena, que consideravam em curso no Brasil, paralisando os processos demarcatórios.
Destaca-se trecho da carta:
“A senhora, ao longo dos últimos quatro anos transformou a Funai num órgão desvinculado de seu governo, tratando-o como estorvo e não dando a ele a capacidade de intervenção e de ação no âmbito de suas atribuições primordiais: a demarcação das terras, sua proteção e fiscalização. Enquanto isso, senhora presidente, os povos Kaingang, Guarani e as comunidades Quilombolas continuam a viver em situação de acampados e sofrendo ameaças, atitudes de racismo e a consequente falta de atendimento básico que levam a uma situação de miserabilidade.”
Em 17 de novembro de 2014, o Cimi Regional Sul publicou denúncia de que a PF e a Brigada Militar haviam feito uma operação e ocupado a estrada em frente à comunidade Kaingang de Kandóia. Eles executaram mandados de busca e apreensão na área, relativos ao inquérito policial a respeito das mortes de dois agricultores não indígenas ocorridas no dia 28 de abril de 2014. Relembrando que, nesse dia, os agricultores haviam feito um menino kaingang refém. A forma como a PF e a Brigada Militar estruturaram a operação, o dispêndio de pessoal e o movimento de recursos suscitaram muitas indagações a respeito do tratamento condescendente dado aos não indígenas quando culpados pelo assassinato de lideranças ou por outras graves violações de direitos em TIs.
O Cimi ilustrou casos como o assassinato de Oziel Terena, em Mato Grosso do Sul; violências contra o povo Tenharim, no Amazonas; a leniência da PF que pouco se empenhou em coibir extração ilegal de diamantes na terra indígena Suruí, em Rondônia; o descaso quanto a investigar a ação violenta ocorrida na terra do Povo Munduruku, no Pará; e o caso do povo Tupinambá, quando agentes da PF torturaram cinco indígenas em 2009. Esses casos encontram-se disponíveis neste Mapa de Conflitos.
No dia 28 de janeiro de 2015, lideranças kaingang de 16 comunidades na Terra Indígena Re Kuju (Campo do Meio), no Rio Grande do Sul, se encontraram para dar continuidade ao processo de mobilização e reflexão comunitária kaingang, reafirmando princípios e valores que norteiam as bases do bem viver, presentes na sua cosmologia. Houve críticas às políticas anti-indígenas, denúncias de racismo, e da continuidade da situação precária de moradia de muitos Kaingang e Guarani, acampados no meio da estrada. Respaldado pela Constituição Federal nos artigos 231 e 232 e baseando-se também na Convenção 169 da OIT e na declaração sobre os Povos Indígenas da Organização das Nações Unidas (ONU), parte do documento elaborado pelos indígenas diz:
“Analisamos a política anti-indígena que está em curso no Brasil e avaliamos que isso repercute na paralisação dos processos demarcatórios em nossa região. Enquanto isso, nós, povo Kaingang, e o povo irmão Guarani, continuamos em situação de acampados e sofrendo ameaças, atitudes de racismo e discriminação e a consequência da falta de atendimento básico que levam à situação de miseráveis. Tal situação é agravada pela ação de deputados, prefeitos, organizações representativas de agricultores e outros políticos interesseiros que estimulam atitudes preconceituosas e incitam a violência contra os Kaingang. Denunciamos que nossas comunidades indígenas sofrem com a violência, com o preconceito, com a discriminação, com a criminalização de nossas lideranças e com a situação de miséria, tudo estimulado pelo atraso e a falta da conclusão das demarcações das terras de ocupação tradicional. Denunciamos as prisões arbitrárias e infundadas das lideranças Kaingang da TI Kandóia e as ações truculentas e violentas da Polícia Federal sobre a comunidade.”
Em 11 de novembro de 2015, a bancada ruralista instalada no Congresso Nacional constituiu a CPI da Funai e do Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra) “destinada a investigar a atuação da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) na demarcação de terras indígenas e de remanescentes de quilombos – CPI FUNAI”, conforme documento da proposta, disponível no Portal da Câmara dos Deputados.
A CPI também foi criada com o objetivo de investigar atuação de antropólogos dos dois órgãos, sobretudo quanto à utilização de critérios de demarcação de terras indígenas e de titulação de territórios remanescentes de quilombos de acordo com o Manifesto do Comitê Quilombos da Associação Brasileira de Antropologia (ABA), que também denunciou que o objetivo da Comissão era “desvalidar direitos de comunidades etnicamente diferenciadas constitucionais constituídos pela CF de 1988, criminalizando movimentos sociais e profissionais que atuam no cumprimento de sua profissão”.
A presidência da CPI foi composta pelo deputado Alceu Moreira, (MDB – RS); a vice-presidência pelos deputados Luis Carlos Heinze (Partido Progressista – RS); Luiz Henrique Mandetta (Democráticos DEM MS) e Nelson Marquezelli (Partido Trabalhista Brasileiro – PTB / BA). Os relatores foram o deputado Nilson Leitão (PSDB/MT); Valdir Colatto (MDB/SC) e Tereza Cristina (Partido Socialista Brasileiro – PSB/MS).
Pouco antes do golpe parlamentar que sofreria naquele ano, cercado pela ameaça da bancada ruralista, de janeiro até maio de 2016, o governo Dilma Rousseff buscou finalmente apoio popular e homologou quatro terras indígenas, publicou 12 portarias declaratórias e aprovou nove identificações, além de uma portaria de restrição envolvendo uma área de perambulação de povos indígenas em situação de isolamento voluntário.
Esses atos foram sobretudo frutos de muita pressão de lideranças indígenas. Ainda assim, o governo Dilma Rousseff, com Michel Temer como vice-presidente, foi o que menos havia demarcado terras indígenas até então desde a redemocratização, em 1985, conforme estudo do Instituto Socioambiental (ISA), realizado com base em dados da Funai.
Para sistematizar as denúncias contra os povos tradicionais na região Sul do país, entre os dias 28 e 31 de março de 2016, membros do “Grupo de Trabalho sobre os direitos dos Povos Indígenas e das Comunidades Quilombolas da Região Sul”, do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), estiveram em missão de investigação no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina.
De acordo com o Cimi, que atua na coordenação dos trabalhos, esse GT tem a finalidade de investigar violações de direitos de indígenas nessa região do Brasil, em função das recorrentes denúncias e situações de violência. O teor das denúncias diz respeito aos casos de racismo que se expressam na negação da identidade indígena por autoridades das diversas esferas de poder e pela sociedade local.
Estiveram presentes a Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul (Arpinsul), o Conselho Estadual de Direitos Humanos (CEDH-RS), a Associação Brasileira de Antropologia (ABA), a Defensoria Pública da União (DPU) e a Relatoria de Direitos Humanos e Povos Indígenas da Plataforma Dhesca Brasil Os representantes conversaram com membros da Polícia Federal, Funai e MPF.
A comitiva visitou as TIs Campo do Meio, Votouro/Kandóia, Rio dos Índios, Iraí e Kondá, onde ouviu lideranças, idosos, mulheres e jovens kaingang – inclusive professores e profissionais da saúde. De acordo com o missionário da Regional Sul do Cimi em Chapecó (SC), Jacson Santana: “É perceptível a nível nacional os vários locais onde o foco de conflito é grande. Por isso a importância dessa visita, para que esse diagnóstico seja feito e possamos efetivar providências diante dessas situações”.
O golpe parlamentar que derrubou o governo de Dilma Rousseff em agosto de 2016 representou um grande retrocesso nas já reprimidas políticas de demarcação de terras indígenas. O governo interino de Michel Temer, sob pressão da bancada ruralista – interessada em permitir a exploração econômica das terras tradicionais – revisou e revogou os relatórios, as portarias declaratórias e as homologações de terras indígenas publicados pelo governo anterior.
O então ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, afirmou que todas as portarias do Ministério da Justiça (MJ) seriam reanalisadas, inclusive as Portarias Declaratórias de terras indígenas, que teriam sido publicadas “no apagar das luzes” pelo governo Dilma Rousseff.
Também cabe ressaltar que os direitos constitucionais indígenas, no que diz respeito a seus territórios tradicionais, são de cunho apenas declaratório: nenhuma terra indígena é criada por decreto ou portaria. Os atos administrativos de demarcação de terras indígenas, que a Constituição Federal de 1988 determinou que estivessem sob responsabilidade do Poder Executivo, apenas reconhecem a estes povos o direito originário a seus territórios tradicionais, por meio de um processo técnico de identificação e delimitação destas áreas, que inclui longas etapas e estudos científicos.
No final do Acampamento Terra Livre (ATL), no dia 12 de maio de 2016, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) divulgou um manifesto em que declarava: “Em razão de tudo isso, os nossos povos e organizações declaram publicamente a sua determinação de jamais desistir da defesa de seus direitos constitucionalmente garantidos, manifestando ao Governo Temer que não permitiremos retrocessos de nenhum tipo. Continuaremos empenhados e mobilizados em luta pela efetivação dos nossos direitos”.
Nesse momento, existiam 12 processos de homologação e um decreto de desapropriação na mesa do presidente interino Michel Temer, sem qualquer impedimento judicial ou administrativo. Ou seja, não havia qualquer disputa ou situação específica que impedisse essas terras de serem homologadas. Do mesmo modo, seis portarias declaratórias (passo anterior à homologação) aguardavam a assinatura do ministro da Justiça Alexandre de Moraes – dentre as quais encontrava-se a TI Kandóia -, também sem qualquer impedimento judicial ou administrativo.
Abaixo, segue trecho do documento que as organizações indígenas, indigenistas e ambientalistas elaboraram para a campanha: “O governo é provisório, nosso direito é originário!”, lançada no dia 20 de maio de 2016:
“Assunto: Ministro Alexandre de Moraes, garanta os direitos constitucionais dos povos indígenas
Caro Ministro da Justiça, Alexandre de Moraes,
A imprensa tem divulgado nos últimos dias que o senhor e o presidente Michel Temer podem vir a revisar e revogar os atos administrativos relativos aos processos de demarcação de terras indígenas assinados recentemente pelo governo de Dilma Rousseff. Como o senhor deve saber, os atos administrativos de demarcação de terras indígenas apenas reconhecem a estes povos o direito originário a seus territórios tradicionais. Revisões deste tipo só podem ser realizadas diante da comprovação de algum tipo de vício insanável de legalidade. Caso contrário, são inconstitucionais. Além disso, existem hoje seis Portarias Declaratórias, sem nenhum impedimento judicial ou administrativo, que aguardam apenas a sua assinatura para que sejam publicadas. Elas são referentes às Terras Indígenas Jauary (AM), Kanela Memortumré (MA), Maró (PA), Tumbalalá (BA), Votouro/Kandóia (RS) e Wassu-Cocal (AL). Nesse sentido, além de reivindicar a não revogação dos atos administrativos recentemente assinados, solicito que assine urgentemente as Portarias Declaratórias dessas terras, o que pode assegurar às comunidades beneficiadas condições mínimas de sobrevivência e segurança, garantindo o respeito aos direitos constitucionais dos povos indígenas.
Atenciosamente, muito obrigado por seu apoio.
A causa indígena é de todos nós!”
No dia 12 de agosto de 2016, o GT sobre os direitos dos povos indígenas da região Sul do Brasil, instituído pelo CNDH, aprovou a versão final do relatório sobre as denúncias de violações de direitos nas diligências realizadas entre março e junho de 2016 e divulgou os resultados no dia 24 de agosto.
De acordo com o relatório, as TIs já regularizadas na região Sul do país, segundo dados da Funai, correspondiam a apenas 0,1% da extensão territorial dos estados de Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Na época, dos pelo menos 78,7 mil indígenas que viviam nesses três estados, pouco mais da metade – 39,4 mil – residia em terras indígenas regularizadas, segundo dados do IBGE citados no estudo.
Encontram-se no documento relatos sobre crianças da TI Kandóia que eram incentivadas, na escola, a escrever redações sobre a origem de sua aldeia e as histórias de suas famílias, mas as redações eram utilizadas – sem que crianças ou pais soubessem – em uma audiência pública na Câmera de Veadores de Vicente Dutra como “provas” de que sua terra não seria tradicional. De acordo com a Plataforma Dhesca Brasil, os processos de regularização fundiária na região encontravam-se, assim como no resto do país, estagnados: de 2003 até a data de publicação do relatório, nenhuma demarcação de terra indígena havia sido concluída no Sul do Brasil.
O documento apresentava como recomendação geral que o Estado brasileiro, representado pelo governo federal, reafirmasse seu compromisso com os procedimentos administrativos vigentes para a regularização fundiária de terras indígenas. Também dirigiram uma recomendação à CPI da Funai e do Incra para que a Secretaria de Direitos Humanos (SDH), a Funai e as Comissões de Direitos Humanos da Câmara e do Senado atuassem ativamente para “monitorar, investigar e propor medidas para coibir e punir a atuação racista e discriminatória de parlamentares contra os povos indígenas e seus direitos no âmbito da CPI”.
Sete meses após a divulgação do relatório da CNDH, e em oposição aos trabalhos elaborados para denunciar as violações aos povos originários, no dia 03 de maio de 2017, foi publicado o relatório das 3.385 páginas da CPI da Funai e Incra. Como analisou Tania Pacheco para o blog Combate Racismo Ambiental:
“Logo na parte referente aos Povos Indígenas, os senhores deputados Alceu Moreira, Luis Carlos Heinze, Mandetta, Nelson Marquezelli, Nilson Leitão, Valdir Colatto e Tereza Cristina deixam claro seu pressuposto em cada linha das ‘culpas’ imputadas: ao contrário do que diz a Constituição, não há índios no País. Então, quem diz sê-lo mente; quem os apoia é criminoso. E isso engloba não só seus parceiros, como o Cimi e o Centro de Trabalho Indigenista, como os Procuradores da República ligados à 6ª Câmara de Coordenação e Revisão, constitucionalmente incumbidos de defender indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais”.
No Rio Grande do Sul, denuncia Pacheco, “é pedido o indiciamento de oito lideranças indígenas; de uma antropóloga; de três pessoas da direção do Cimi; e de três Procuradores da República. Além disso, o termo Kandóia, seja referindo-se à etnia ou ao território indígena, está citado oito vezes no relatório e em todas as situações criminalizando ou desqualificando a luta pela terra de indígenas acampados, uma situação, como visto, comum entre indígenas do sul do país, configurando uma grave violação aos direitos humanos. No entanto, segundo interpretam os relatores, estes ‘se perderam’ em disputa por terras ou por liderança dentro das aldeias. Os relatores se baseiam em provas coletadas da narrativa dos agricultores que estariam sendo pressionados pelos indígenas ou órgãos como a Funai e Cimi. Estes órgãos, portanto: ‘fariam visitas constantes ao acampamento KANDÓIA’ e prestariam auxílio para construção de casas, de modo a consolidar a presença indígena no local, e que existiriam indícios de o Cimi ser o instigador das invasões e esbulho, contribuindo para o clima de insegurança na região”.
A criminalização da luta pela terra, tal como observado nas conclusões da CPI, geram consequências, como as analisadas por Ivan Cesar Lima para o Cimi (fev. 2018). Ele observa que os Kaingang e Guarani, especialmente aqueles que vivem às margens de rodovias, acampados em situações precárias, “vivem um cotidiano de desprezo, de preconceito, de ações fascistas e racistas que a cada dia negam o acesso dos indígenas aos seus territórios e disseminam ainda mais o preconceito à essas populações”. Com relação aos Kaingang no norte gaúcho, a judicialização das lutas desse povo têm atacado a centralidade de suas reivindicações, que é a demarcação de seus territórios.
Outra perspectiva acerca desse conflito pode ser lida na entrevista concedida pelo historiador Henrique Kujawa à IHU On-Line, para quem os conflitos envolvendo comunidades indígenas no norte do RS são “históricos e recorrentes” e envolvem tanto disputas entre indígenas e agricultores quanto rivalidades internas entre os próprios Kaingang:
“Na primeira situação o conflito tem um motivo claro e visível, que é a disputa da mesma terra por agricultores e índios. Na segunda situação os fatores são menos explícitos. Quase sempre aparecem como sendo disputas pela liderança, pelo cargo de cacique e o grupo que apoia”.
Analisa ele que temos famílias de agricultores que há séculos vivem nessas terras e, nas últimas décadas, sentem-se ameaçadas. Por outro lado, os conflitos nas TIs são entre indígenas, cada vez mais violentos e com grande número de mortes: “Os conflitos nas TIs demarcadas não é apenas por falta de terra, mas também pela apropriação desigual entre eles”, explica. Para ele, o tratamento da questão indígena no Brasil precisa responder às seguintes questões:
“a) Por que os Kaingang distribuem desigualmente suas terras?; b) Por que a necessidade de arrendamento e da prática da monocultura e da agricultura extensiva?; c) O que causa tantos conflitos que resultam na morte de seus parentes e na expulsão de tantas famílias das TIs?; e d) De que forma as políticas públicas podem contribuir para a sua organização comunitária e o seu desenvolvimento?”
Pesquisa de Clementine Marechal (2019) sobre a luta pela terra dos indígenas da TI Kandóia afirma que os testemunhos dos colonos não provêm de uma falta de informações sobre a presença indígena na região. Todos eles conhecem muito bem a história, pois seus pais e avós conviveram de fato com os Kaingang. Muitos exploraram a mão de obra indígena em suas lavouras. Porém, essa convivência histórica é silenciada e negada de forma estratégica de acordo com o medo dos colonos em perderem as terras que tomaram dos indígenas.
“Dessa maneira, durante o período dos estudos de identificação e delimitação da TI, a grande maioria dos habitantes não indígena da região de Faxinalzinho se negou a dar depoimentos, ou, caso o fizessem, ocultariam a presença indígena na região, prestando assim falsos testemunhos para os antropólogos contratados pela Funai. Tais depoimentos são respaldados pelas narrativas históricas oficiais que podemos encontrar no sítio de internet da prefeitura de Faxinalzinho. Na rubrica do ‘histórico da cidade’, a história começa em 1916 pela chegada de ‘desbravadores provindo de Nonoai’”
A continuidade do processo contra os 19 indígenas acusados de matar os agricultores em 2014 desencadeou, mais de três anos depois, em junho de 2017, pedido de habeas corpus pela assessoria do Cimi, reivindicando o direito de se dirigir ao poder judiciário expressando-se no próprio idioma, e de ter a tradução do processo penal por meio de um pedido de habeas corpus pela 8ª Turma do Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região. O habeas corpus também solicitou a presença de intérprete em todos os atos do processo, além do laudo antropológico para realizar a ponte de compreensão entre as culturas indígenas e não indígenas, e para entender a cosmovisão kaingang.
A Justiça Federal, na qual o julgamento de mérito tramitava, indeferiu a tradução e a presença de intérprete para os réus (os 19 Kaingang) e as testemunhas indígenas da defesa, alertando que analisaria individualmente a necessidade da aplicação ou não do direito. Para o juiz do caso, “os indígenas expressam-se plenamente em português, uma vez que se utilizaram do direito ao silêncio na delegacia, disseram ao oficial de justiça que tinham advogado constituído e já são integrados”.
Ele também indeferiu o laudo pericial antropológico tendo em vista que “se trata de indígenas que não são isolados, por isso desnecessário aferir o grau de discernimento dos mesmos”. A defesa dos Kaingang, composta por advogados da Assessoria Jurídica do Cimi, contrapôs os argumentos entendendo que a Constituição de 1988 não traz em si o discurso integracionista, reconhecendo a língua, cultura e organização social dos povos.
No dia 21 de março de 2019, o então presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados (CDHM/CD), Helder Salomão (PT/ES) enviou ao então presidente da Funai, general do Exército Franklimberg Ribeiro de Freitas, um ofício solicitando a adoção de medidas sobre diversos pedidos de indígenas que vivem no Sul do país. Entre eles, a homologação do território indígena Rio dos Índios, o levantamento fundiário da terra indígena Passo Grande da Forquilha, a publicação da portaria declaratória da terra indígena Kandóia, a conclusão dos laudos antropológicos e relatórios das terras indígenas Xingu (MT), habitada por 16 povos indígenas e Morro do Osso (RS), dos Kaingang.
Já as lideranças dos Kaingang do norte do Rio Grande do Sul, com apoio do Cimi – Regional Sul (Cimi Sul) e do Conselho de Missão entre os Povos Indígenas (Comin), reuniram-se na TI Kandóia entre os dias 27 e 28 de agosto de 2019 para discutir aspectos relacionados ao contexto político e jurídico referente aos povos indígenas do Brasil e planejar ações conjuntas. O encontro também foi assessorado juridicamente para estudo e debate crítico à tese do “marco temporal da ocupação territorial indígena”.
Participaram do encontro lideranças kaingang das terras indígenas de Rio dos Índios, Passo dos Índios, Sêgu, Carazinho, Passo Grande do Rio Forquilha, Campo do Meio, Votouro/Kandóia, Serrinha, Irai e Rio da Várzea. Todas essas TIs estavam com seus processos paralisados junto à Funai, ou enfrentavam processos judiciais questionando a demarcação, bem como ações de reintegração de posse.
Denunciavam em carta:
“No que tange aos questionamentos judiciais das demarcações de terra, a impressão é que existe uma gigantesca fábrica de processos visando negar os direitos constitucionais dos povos indígenas em todo o Brasil e com isso, o que é ainda mais grave, faz parecer que a Lei Maior, a Constituição Federal, é letra morta e ainda, os direitos originários, inalienáveis e imprescritíveis, nela inscritos, são desconsiderados pelo Estado e pelo sistema de justiça. Todo esse cenário, além de causar insegurança, coloca milhares de famílias indígenas no risco eminente de não ter onde viver, mesmo sendo os legítimos e primeiros ocupantes deste território”.
As lideranças manifestaram profunda indignação e revolta com o governo do então presidente da República Jair Bolsonaro (PSL, sem partido de 2019 a 2021, e PL até o fim do mandato, 31/12/2022), com os ataques direcionados aos povos indígenas; além de externalizarem preocupação com arrendamentos de terras indígenas por terceiros e as iniciativas para legalizar essa prática.
Debateram e encaminharam questões referentes às políticas públicas de acessos e permanência no ensino superior, visando a continuidade das ações afirmativas já conquistadas junto às universidades e outras instituições. Da mesma forma, as lideranças debateram e definiram estratégias referentes às demandas de atendimento à saúde pública, manifestando contrariedade a propostas de municipalização ou terceirização da Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas (Pnaspi). As preocupações das lideranças se acentuaram com os anúncios de cortes ou previsão de contingenciamento de recursos orçados pelos órgãos públicos responsáveis por tais políticas.
Em 1º de outubro de 2019, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu parcial provimento ao habeas corpus que pedia tradução do processo penal, intérprete e perícia antropológica na ação que corria na Justiça Federal de Erechim e acusava os 19 Kaingang pela morte de dois agricultores não indígenas em abril de 2014.
Por três votos a dois, os ministros decidiram assegurar a realização da perícia antropológica, após a sentença de pronúncia, para que o laudo contribuísse em eventual julgamento pelo Tribunal do Júri. Nesse quesito, acompanharam o voto do relator, ministro Rogério Schietti Cruz, a ministra Laurita Vaz e o ministro Sebastião Reis.
Já nos pedidos para intérprete e tradução do processo penal, os cinco ministros da 6ª Turma votaram contra, mesmo reconhecendo as diretrizes para a matéria oferecidas pela Resolução 287 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e pelos artigos da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Para os ministros, o conteúdo dos autos mostrava que os Kaingang eram fluentes na língua portuguesa. A Assessoria Jurídica do Cimi decidiu recorrer da decisão junto ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Conforme argumentava a defesa dos indígenas, a tradução do processo na língua kaingang, um intérprete nas oitivas e perícia antropológica, realizada por um perito nomeado pelo próprio tribunal, são direitos referendados pela Constituição Federal, pela Convenção 169 e pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) com a Resolução 287, publicada em 25 de junho de 2019:
“Estabelece procedimentos ao tratamento das pessoas indígenas acusadas, rés, condenadas ou privadas de liberdade, e dá diretrizes para assegurar os direitos dessa população no âmbito criminal do Poder Judiciário”.
O Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), o Cimi, o Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC), a Associação Juízes para Democracia (AJD) e o Instituto das Irmãs de Santa Cruz (IISC) promoveram no dia 16 de julho webinário para o lançamento on-line da cartilha em quadrinhos “Os direitos das pessoas indígenas em conflito com a lei”.
A cartilha foi ilustrada por Otto Mendes, cartunista e missionário do Cimi na região Nordeste, e tem como propósito tratar dos direitos das pessoas indígenas em situação de prisão no Brasil e como ponto de partida um olhar para a resolução 287 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
A cartilha, portanto, é um instrumento de difusão de direitos, já previstos em lei, que são específicos das pessoas indígenas quando processadas e presas pelo sistema de justiça criminal; portanto, tem como público-alvo as próprias comunidades indígenas, movimentos sociais, estudantes, atores e atrizes do sistema de justiça e todas as pessoas que tiverem interesse em acessá-la.
Em junho de 2020, no auge da pandemia de covid-19, que no Brasil vitimou mais de 700 mil pessoas, dentre elas integrantes de povos e comunidades tradicionais, ocorreu a mobilização de uma rede de solidariedade que conseguiu garantir a distribuição de alimentos e roupas de frio na TI Kandóia.
“Nós, do Cimi Sul, pela facilidade dos contatos e conhecimento das comunidades, estamos sendo demandados cotidianamente a ajudar na entrega de donativos. Não mediremos esforços na continuidade dessa tarefa”, assegurou Roberto Liebgott do Cimi.
Para o cacique Deoclides, a ajuda veio num momento difícil:
“Nesta pandemia nos ajudou em muito os alimentos, as doações e o acompanhamento que o Cimi tem feito. Nós da comunidade só temos a agradecer a estes parceiros que sempre nos ajudaram nas horas mais ruins. E quando está bom, sempre nos acompanha na aldeia”.
No dia 13 de abril de 2022, ocorreu uma audiência na Comissão de Cidadania e Direitos Humanos (CCDH) da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul (ALRS) para a entrega oficial do “Relatório do Grupo de Trabalho: Implementação de políticas públicas nas comunidades indígenas no Rio Grande do Sul, durante e após a pandemia da Covid-19”.
Frente ao desafio imposto aos povos originários durante a pandemia sanitária, o grupo de trabalho interdisciplinar foi criado pelo governo do Estado a partir da audiência pública da CCDH, na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, em 2021. Na ocasião, indígenas e indigenistas denunciaram a situação de absoluta vulnerabilidade das comunidades indígenas em todo o estado.
“O grupo, num primeiro momento, fez um levantamento extensivo de dados, tais como população, número de aldeias e suas localizações e territórios; abrangência dos atendimentos da Sessai [sic] e SUS; dados do Cadastro Único; a estatística da contaminação, mortalidade e letalidade devido a Covid-19”, relata o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Sul, que acompanhou o processo.
Os indígenas criticaram a ausência da Funai e Sesai e a representação do Governo do Estado do Rio Grande do Sul, responsável por ações complementares na política indigenista.
Atualizado em setembro de 2023.
Cronologia
Século XVII – Primeiras referências da ocupação histórica dos Kaingang no território, com o estabelecimento das reduções jesuíticas no Paraná e no Rio Grande do Sul.
1846 – Numa tentativa de controle territorial, o governo gaúcho cria o aldeamento Nonoai.
1918 – Governo do Rio Grande do Sul reconhece oficialmente a presença dos Kaingang no norte do estado.
1923 – Ocorre a Revolução dos Chimangos e Maragatos.
1962 – Ocorre a Reforma Agrária do Brizola.
1998 – Conclusão do processo de demarcação da Terra Indígena Votouro com referência à demarcação oficial de 1918.
2002 – Realização de relatórios prévios pela Fundação Nacional do Índio (Funai).
11 de agosto de 2003 – Publicação da Portaria 773, com início dos estudos de delimitação da TI Votouro/Kandóia.
18 de agosto de 2003 – Os Kaingang fazem manifestações e acampam próximos à entrada de Faxinalzinho (RS).
27 de agosto de 2003 – Indígenas liberam a rodovia e desmontam o acampamento.
20 de julho de 2004 – Publicação da Portaria 961 que constitui o Grupo Técnico (GT) com a finalidade de realizar estudos e levantamentos necessários à identificação e delimitação da TI Votouro/Kandóia.
15 de abril de 2005 – Diretoria de Assuntos Fundiários (DAF) da Funai e a coordenadora do GT, a antropóloga Juracilda Veiga, promovem reunião de trabalho com todos os envolvidos.
10 de novembro de 2006 – Portaria 1.403 constitui novo Grupo Técnico para realização de estudos complementares da TI Votouro/Kandóia.
Março de 2007 – A Usina Hidrelétrica de Monjolinho recebe Licença de Instalação, emitida pela Fundação Estadual de Proteção Ambiental do Rio Grande do Sul (Fepam).
06 de novembro de 2007 – Portaria nº 1.087 é publicada para a realização do diagnóstico fundiário da TI Votouro/Kandóia.
23 de janeiro de 2008 – Nova Portaria, de nº 82, é publicada em referência à continuidade do diagnóstico fundiário da TI Votouro/Kandóia.
Julho de 2008 – Medida Cautelar de Exibição Nº 2008.71.17.000262-0/RS solicita à Funai a apresentação de todos os documentos relativos ao processo administrativo de identificação da TI Votouro/Kandóia no prazo de 60 dias.
14 de dezembro de 2009 – Funai assina o Termo de Compromisso nº 02/2009.
24 de fevereiro de 2010 – Relatório de Identificação e Delimitação da TI Votouro/Kandóia é apresentado em 2010, com todos os seus estudos complementares, tendo o seu resumo publicado no Diário Oficial do RS.
31 de agosto de 2010 – Associação de Moradores do Município de Faxinalzinho (Asmof) e outros moradores solicitam judicialmente que a Funai exponha o procedimento administrativo da demarcação.
30 de abril de 2013 – Procuradoria da República no Estado do Rio Grande do Sul instaura a Portaria nº 4 para acompanhar a prestação de contas dos recursos recebidos pelos indígenas das Terras Indígenas Votouro e Guabiroba a título de compensação pela instauração e operação da UHE Monjolinho.
18 de março de 2014 – Indígenas Kaingang do Sul do Brasil ocupam a sede da Advocacia-Geral da União (AGU), em Brasília. Em paralelo, cerca de 300 Kaingang bloqueiam a rodovia BR-285, no Rio Grande do Sul.
06 de abril de 2014 – Lideranças dos Kaingang, reunidas na aldeia Kandóia, enviam documento ao então ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, reiterando suas reivindicações territoriais.
28 de abril de 2014 – Indígenas da TI Votouro/Kandóia, juntamente com Kaingang de outras terras indígenas, trancam rodovias vicinais de acesso à sede do município de Faxinalzinho. Dois agricultores não indígenas, Anderson de Souza e Alcemar de Souza, em conflito com os indígenas durante a manifestação, são mortos a golpes de facões, pauladas e tiros de espingarda.
29 de abril de 2014 – Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul (Arpinsul) lança nota pública sobre os conflitos entre agricultores não indígenas e indígenas no Rio Grande do Sul.
29 de abril de 2014 – O Conselho Indigenista Missionário (Cimi), o Conselho de Missão entre os Povos Indígenas (Comin) e a Frente Nacional em Defesa dos Territórios Quilombolas também lançam nota lamentando a morte dos agricultores e solicitando medidas para resolver a questão.
30 de abril de 2014 – No município de Barão de Cotegipe (RS), quatro indígenas Kaingang são abordados de forma truculenta por policiais da Brigada Militar (BM).
1º de maio de 2014 – Reunidos em Ronda Alta (RS), os indígenas elencam uma série de reivindicações e exigem a regularização da TI Votouro/Kandóia.
1º de maio de 2014 – A TV Bandeirantes exibe reportagem na qual agricultores da região portam armas de grosso calibre sem constrangimento como forma de resistir à demarcação das terras indígenas.
03 de maio de 2014 – Cimi Regional Sul, em nota, alerta para a gravidade do conflito, bem como para as práticas de incitação à violência, intimidação e criminalização do movimento indígena.
07 de maio de 2014 – Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados convoca os então ministros da Justiça, José Eduardo Cardozo, e da Secretaria- Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, para dar satisfações sobre o conflito em Faxinalzinho.
08 de maio de 2014 – O Movimento Gaúcho em Defesa do Meio Ambiente (Mogdema) lança nota a respeito do conflito.
09 de maio de 2014 – Cimi informa que sete indígenas Kaingang são presos pela Polícia Federal (PF), vítimas de uma emboscada durante reunião no município de Faxinalzinho.
10 de maio de 2014 – Polícia Federal, ignorando determinação judicial, transfere os indígenas para o presídio de Jacuí, no interior do estado.
10 de maio de 2014 – Em nota conjunta, a Secretaria de Desenvolvimento Rural, Pesca e Cooperativismo do Rio Grande do Sul (SDR) e a chefia do Gabinete do Governador do Estado afirmam que a ação da PF foi inadequada.
14 de maio de 2014 – Procuradora federal, Maria Hilda Marsiaj Pinto, emite parecer solicitando que o Ministério da Justiça se pronuncie a respeito da demarcação da TI Votouro/Kandóia.
15 de maio de 2014 – Docentes e discentes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e de Pelotas (UFPel) lançam nota em apoio aos Kaingang.
22 de maio de 2014 – Ministério da Justiça se compromete a receber representantes de agricultores e indígenas para reunião de instalação de uma Mesa de Diálogo.
20 de junho de 2014 – Por meio de liminar concedida pelo então ministro Rogério Schietti Cruz, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), as cinco lideranças são liberadas.
17 de setembro de 2014 – Kaingang da TI Kandóia publicam carta ao então ministro da Justiça José Cardoso diante do descaso e da falta de resposta dele, que muitas vezes cancelou reuniões já agendadas.
31 e outubro de 2014 – Kaingang e Guarani enviam carta após se encontrarem em Passo Fundo (RS) para cobrar maior responsabilidade e celeridade nas políticas indigenistas e expor suas reivindicações, em conformidade com as normas contidas na Constituição Federal.
17 de novembro de 2014 – Polícia Federal e a Brigada Militar fazem operação e ocupam a estrada em frente à comunidade Kaingang de Kandóia.
28 de janeiro de 2015 – Lideranças kaingang de 16 comunidades na Terra Indígena Re Kuju (Campo do Meio), no RS, se encontram para dar continuidade ao processo de mobilização e reflexão comunitária dos Kaingang, reafirmando princípios e valores que norteiam as bases do bem viver.
11 de novembro de 2015 – O Congresso Nacional constitui a CPI da Funai e do Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra) com o objetivo de investigar a atuação de antropólogos dos dois órgãos, sobretudo quanto à utilização de critérios de demarcação de terras indígenas e de terras remanescentes de quilombos.
28 e 31 de março de 2016 – Membros do “Grupo de Trabalho sobre os Direitos dos Povos Indígenas e das Comunidades Quilombolas da Região Sul”, do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), vão em missão de investigação no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina.
12 de maio de 2016 – No final do Acampamento Terra Livre (ATL), a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) divulga manifesto dentro da campanha: “O governo é provisório. Nossos direitos são originários”
12 de agosto de 2016 – O Grupo de Trabalho sobre os Direitos dos Povos Indígenas e das Comunidades Quilombolas da Região Sul, instituído pelo CNDH, aprova versão final do relatório sobre as denúncias de violações de direitos nas diligências realizadas entre março e junho de 2016
03 de maio de 2017 – Publicado o relatório das 3.385 páginas da CPI da Funai/Incra.
Junho de 2017 – Assessoria jurídica do Cimi faz pedido de habeas corpus reivindicando o direito de se dirigir ao poder judiciário expressando-se no próprio idioma e de ter a tradução do processo penal no julgamento dos acusados de assassinar dois agricultores em 2014.
21 de março de 2019 – O então presidente da CDHM, Helder Salomão (PT/ES), envia ao presidente da Funai da época, o general do Exército Franklimberg Ribeiro de Freitas, ofício solicitando adoção de medidas sobre diversos pedidos de indígenas que vivem no Sul do país.
27 e 28 de agosto de 2019 – Lideranças dos Kaingang do norte do Rio Grande do Sul, com apoio do Cimi – Regional Sul (Cimi Sul) e do Conselho de Missão entre os Povos Indígenas (Comin), reúnem-se na TI Kandóia para discutir aspectos relacionados ao contexto político e jurídico referente aos povos indígenas do Brasil e planejar ações conjuntas.
1 de outubro de 2019 – A 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) dá parcial provimento ao habeas corpus que pede tradução do processo penal, intérprete e perícia antropológica na ação que corre na Justiça Federal de Erechim e acusa 19 Kaingang pela morte de dois agricultores em abril de 2014.
16 de julho de 2020 – O Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), o Cimi, o Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC), a Associação Juízes para Democracia (AJD) e o Instituto das Irmãs de Santa Cruz (IISC) lançam a cartilha em quadrinhos intitulada “Os direitos das pessoas indígenas em conflito com a lei”.
13 de abril de 2022 – Ocorre audiência na Comissão de Cidadania e Direitos Humanos (CCDH) da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul (ALRS). De acordo com o Cimi, é realizada a entrega oficial do “Relatório do Grupo de Trabalho: Implementação de políticas públicas nas comunidades indígenas no Rio Grande do Sul, durante e após a pandemia da Covid-19”.
Fontes
ARPINSUL se manifesta diante dos conflitos entre agricultores e indígenas no RS. Conselho Indigenista Missionário, 29 de abril de 2014. Disponível em: https://bit.ly/3rtwsBH Acesso em: 20 maio 2014.
ASSOCIAÇÃO DE MORADORES DO MUNICÍPIO DE FAXINALZINHO (ASMOF). Medida cautelar de exibição Nº 2008.71.17.000262-0/RS. Diário Eletrônico da Justiça Federal da 4ª Região. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Porto Alegre, Ano III, nº 149, 08 de julho de 2008. Disponível em: https://bit.ly/48wJTSc. Acesso em: 26 set. 2023.
______. Apelação cível Nº 2008.71.17.000262-0/RS. Diário Eletrônico da Justiça Federal da 4ª Região. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Porto Alegre, Ano V, nº 197, 09 de setembro de 2010.
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Tem como vocês fazerem um resumo para mim, desse texto, por favor, tenho lição para fazer, obrigado desde já.
Lamento, Paulo Ricardo, mas essa não é a finalidade do Mapa de Conflitos.