RS – Ataque a laboratórios e viveiros de empresa de Celulose põe em cheque neutralidade e isenção científica dos processos de dominação territorial pelos promotores de Desertos Verdes
UF: RS
Município Atingido: Barra do Ribeiro (RS)
Outros Municípios: Barra do Ribeiro (RS)
População: Agricultores familiares
Atividades Geradoras do Conflito: Monoculturas
Impactos Socioambientais: Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território
Danos à Saúde: Insegurança alimentar, Piora na qualidade de vida
Síntese
No dia 8 de março de 2006, um ato político de integrantes da Via Campesina no Rio Grande do Sul deu visibilidade à atuação destrutiva da então Aracruz Celulose. O caso teve grande repercussão, devido à ocupação de laboratórios e viveiros de mudas da empresa.
O protesto denunciou também situação dos dos povos indígenas que tiveram suas terras ocupadas pela empresa no Estado do Espírito Santo. Em janeiro de 2006, famílias indígenas foram expulsas violentamente pela Polícia Federal, que utilizou máquinas da própria empresa para fazer o despejo.
Em carta de apoio à forma de protesto, a Marcha Mundial das Mulheres contrapôs-se publicamente às empresas responsáveis pela expansão do Deserto Verde, que além disso estariam vendendo a ilusão do progresso e de que qualquer pesquisa é favorável à humanidade. De acordo com a Marcha Mundial, tais pesquisas estariam muito longe de uma suposta isenção e neutralidade científica, uma vez prestando-se a fortalecer, no Brasil, a tirania do mercado internacional e o agronegócio de exportação, baseados no uso intensivo de recursos naturais e agrotóxicos e na super-exploração do trabalho.
Contexto Ampliado
A escolha do dia não foi acidental. Em 8 de março, dia internacional da mulher, centenas de mulheres da Via Campesina marcharam rumo à Barra do Ribeiro, no Rio Grande do Sul. A intenção era ocupar os laboratórios e viveiros da Aracruz Celulose para danificar suas instalações. Esta foi uma maneira, um ato simbólico e poítico a fim de enunciar as práticas da multinacional.
Além do Rio Grande do Sul, Espírito Santo, Minas Gerais e Bahia foram o foco das manifestações.O tom de condenação dado ás mulheres foi imediato na mídia tradicional. Em resumo diziam "que agrediram uma tão respeitável empresa que só tem trazido benefícios para o Brasil".Dom Tomás Balduíno esclarece algumas questões que dizem respeito ás versões dos fatos, entre o consenso da grande mídia e a voz das mulheres. "Durante o 5º Encontro de Fé e Política acontecido em Vitória, Espírito Santo, a 12 deste, fui procurado por lideranças guarani e tupiniquim, revoltadas contra o despejo protocolado pela Aracruz Celulose e executado, a 20 de janeiro, nas aldeias Olho d?Água e Córrego do Ouro, pela Polícia Federal, com 120 agentes, com armas, bombas, helicópteros.Feita aquela ?limpeza?, os tratores da multinacional completaram o serviço arrasando todas as casas e todas as plantações daqueles índios, os mais pobres entre os pobres"
O bispo lembrou que no trabalho da Comissão Pastoral da Terra (CPT), lavradores do Espírito Santo, Minas Gerais e Bahia, inclusive quilombolas, têm clamado em desespero quando têm que abandonar suas pequenas propriedades, pressionados pelo isolamento que passam a enfrentar, depois da empresa comprar as pequenas fazendas dos vizinhos numa imensa área: "o que antes era uma linda constelação de moradores, produzia variedade e fartura, abastecia as feiras da região, virou hoje o soturno deserto verde da monocultura do eucalipto. Grande parte desta gente está passando privações nas favelas das cidades".
De um lado, a destruição de equipamentos onde a intenção não foi acabar com vidas, mas fazer uma denúncia política, e de outro, a destruição de comunidades para acumular terras e gerar lucros.Estes são fatores que motivaram a indignação das mulheres. Além disso, pesa o financiamento público que estimula a dominação da empresa.Em 2001, com FHC, a Aracruz recebeu do BNDES 666 milhões para sua 3ª fábrica. Ora, no mesmo ano o Governo passou 600 milhões para a agricultura familiar do Brasil inteiro. Agora, em 2005, com Lula, a mesma empresa recebeu do BNDES 318 milhões de dólares para construção de uma fábrica na Bahia. E em dezembro do mesmo ano ela conseguiu a aprovação do BNDES de 297 milhões para a modernização de sua fábrica no Rio Grande do Sul.
O prazo de carência é de 21 meses e os juros de 2% ao ano. Ora, os juros cobrados pelo Governo dos agricultores familiares são de 8,75% (Cf. "O Horto Florestal e o Terrorismo", de Cristiano Kern Hickel).Foi desta forma que as mulheres tiveram o ímpeto de serem ouvidas na grande mídia, ocupando a propriedade. Entretanto, o tratamento desigual dado aos diferentes grupos em conflito pelo poder público colocou as mulheres em posição desfavorável não só na mídia, mas na forma como as ações judiciais foram conduzidas.
A contrapartida da justiça foi intensa e violenta. Os dirigentes internacionais da Via Campesina, Henry Saragih, da Indonésia, Paul Nicholson, do País Basco, e Juana Sanchez, da República Dominicana, foram solicitados a prestarem depoimentos à justiça nos respectivos países.No processo enviado à Justiça pelo Ministério Público Estadual do Rio Grande do Sul, os dirigentes da Via Campesina são acusados de destruição de propriedade privada (mudas, estufas e laboratórios), formação de bando e quadrilha, seqüestro e manutenção em cárcere privado de funcionários da Aracruz, roubo de um disco rígido da empresa contendo ?informações pertinentes à atividade industrial realizada no estabelecimento atacado? e lavagem de dinheiro (Carta Maior).A acusação de que as mulheres participaram no planejamento da ação, carece de fundamento por razões óbvias, segundo a defesa da organização.
Na ocasião, a Via Campesina divulgou a Nota de Solidariedade às Mulheres Camponesas, na qual denunciou as ações do delegado de polícia de Camaquã, Rudimar de Freitas Rosales. No dia 21 de março de 2006, o delegado e seis gentes policiais armados teriam arrombado e invadido a sede da Associação das Trabalhadoras Rurais em Passo Fundo, RS. De acordo com nota de solidariedade denunciando a ação,"Eles chegaram por volta das 14 hs, arrombaram o portão, invadiram o espaço da Associação com armas de fogo na mão e renderam sete mulheres e uma criança que ali se encontrava encurralando-as para o espaço da cozinha. Sendo questionadas de forma incisiva, as mulheres não estavam entendendo o que estava acontecendo, pois os policiais não haviam se identificado e apresentado nenhum mandado até aquele momento, somente após um tempo é que mostraram o mandado de ingresso expedido pelo juiz Dr. Sebastião Francisco da Rosa Marinho.A arbitrariedade foi tamanha que as mulheres só tiveram permissão para contatar com o advogado 1 hora e 20 minutos após a invasão.
A busca não se deteve à secretaria da associação, revirando todo espaço (cozinha, área de serviço, quartos, as sacolas das mulheres, espalhando tudo no chão.Levaram os CPUs dos computadores, CDs, disquetes, passagens urbanas e interurbanas, dinheiro, talões de cheques, todos os documentos da Associação, pastas com os projetos e prestações de contas, cadernos e anotações, símbolos da Associação e nem fizeram uma relação do que foi apropriado pela polícia.Além disso, a polícia invadiu, sem mandado judicial a sede da Associação Nacional de Mulheres Camponesas, que funciona no andar inferior da Associação estadual e tem entrada por outra rua.
Na sede nacional os policiais humilharam a funcionária e uma mulher que estava no local, arrombaram gavetas, levaram dinheiro, passagens urbanas e interurbanas, CPUs, disquetes e cd´s. E esse material foi apropriado pela polícia sem nenhuma ordem judicial….? Enquanto a imagem das mulheres na grande mídia continua dando ensejo às ações violentas do poder público, elas reafirmam que sua luta é uma questão de direitos humanos, de defesa da vida e da biodiversidade, bem como a soberania alimentar da população brasileira.
Última atualização em: 25 de janeiro de 2010
Fontes
1 -Adital – Aracruz Celulose Disponível em http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=21943
2 – Carta Maior AÇÃO NA ARACRUZ
Lideranças da Via Campesina depõem no exterior sobre ação na Aracruz Disponível em http://www.reporterbrasil.com.br/exibe.php?id=878
3 – Ecoagênciade Notícias – Estado do RS terá que parar com a propaganda apenas positiva das monoculturas de árvores
4- Marcha Mundial das Mulheres – Quando é preciso Gritar
5- MST – Mulheres da Via Campesina ocupam fazenda da Aracruz. Disponível em http://www.mst.org.br/node/691
6 – Nota de solidariedade às mulheres camponesas Disponível em http://formsus.datasus.gov.br/site/formulario.php?acao=alterar&id_unidade=303111&id_aplicacao=2214
7 – Banco temático da RBJA