Povo indígena Xipaya luta pela sobrevivência de seu modo de vida contra as gigantes Belo Monte e Belo Sun

UF: PA

Município Atingido: Altamira (PA)

População: Povos indígenas, Ribeirinhos

Atividades Geradoras do Conflito: Atuação de entidades governamentais, Barragens e hidrelétricas, Mineração, garimpo e siderurgia

Impactos Socioambientais: Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, Invasão / dano a área protegida ou unidade de conservação

Danos à Saúde: Piora na qualidade de vida, Violência – ameaça, Violência – coação física

Síntese

Em 2014, segundo dados da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) do Ministério da Saúde (MS), havia um total de 174 indivíduos na Terra Indígena Xipaya, enquanto o número informado pela Fundação Nacional do Índio (Funai) para outubro de 2014 foi de 77. Segundo interpretou Schröder (2015), a Funai não incluiu em sua contagem os indígenas que moravam no meio urbano.

A maioria da população Xipaya continua a morar em diversos bairros de Altamira/PA, dos quais uma parte está ameaçada de ser inundada por causa da construção da usina hidrelétrica (UHE) de Belo Monte. Como se não bastasse o grande desafio enfrentado na luta contra os retrocessos ocasionados pela construção da hidrelétrica, o empreendimento da mineradora canadense Belo Sun visa a extração de ouro na Volta Grande do Xingu, cuja exploração se estende para a região onde estão localizados os Xipaya. Por esse motivo, eles têm se mobilizando junto com diversas entidades e movimentos sociais.

Contexto Ampliado

De acordo com Peter Schröder, no livro “Os índios Xipaya: cultura e língua. textos de Curt Nimuendajú (2015)”, os Xipaya foram mencionados em diversos relatos de missionários, viajantes e cientistas desde o século XVII.

A integração dos Xipaya no sistema colonial ganhou mais intensidade a partir de meados do século XVIII, com a fundação da missão Tauaquara pelo padre Roque Hundert nas margens do Xingu, perto da atual cidade de Altamira.

Durante o século XIX, os Xipaya encontravam-se no meio de uma área de compressão étnica, caracterizada por diversos conflitos com os Munduruku, Kayapó e Karajá, os quais estavam expandindo e/ou deslocando seus territórios em decorrência das frentes de colonização brasileiras. Neste cenário entrou a frente seringalista, em torno de 1880.

A Funai confirma estas nuances do histórico das transformações do município de Altamira sobre os Xipaya e seus vizinhos. De acordo com relatório elaborado pela Fundação, os Xipaya foram mencionados pela primeira vez em 1750, quando o padre Roque Hunderfund realizou o “Tour de Pregação aos Kuruaya e Xipaya”, nos rios Xingu e Iriri.

Desde os primeiros contatos com segmentos da sociedade não-indígena, eles foram persuadidos, por vezes pela força, a extrair e comercializar produtos da floresta (borracha, castanha do Pará, peles etc), e, principalmente, a trabalhar como mão de obra a serviço dos patrões seringalistas.

É por isso que, atualmente as atividades do grupo baseiam-se no extrativismo da castanha-do-Pará e na agricultura. Eles praticam, também, as atividades de coleta e extração vegetal, basicamente para o atendimento das necessidades de alimentação, construção de casas, confecção de artigos da cultura material e medicamentos.

Peter Schröder (2015) complementa que, entre 1916 e 1919, o primeiro ciclo da borracha já havia entrado em declínio em quase todas as partes da Amazônia brasileira. Mesmo assim, foram necessários quase 80 anos para que o território Xipaya fosse reconhecido pelo Estado. Foi somente em 1999 que se iniciou o processo administrativo de identificação e demarcação da TI Xipaya.

Neste mesmo ano, de acordo com publicação do Cimi de 2006 “A grilagem de terras públicas na Amazônia brasileira”, do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), a Assembleia Legislativa do Estado do Pará (Alepa) instalou a Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI da Grilagem de Terra. O objetivo dessa CPI era “apurar denúncias de irregularidades na área de terra adquirida pelo grupo C. R. Almeida no município de Altamira, no Estado do Pará”.

Trata-se da empresa Indústria, Comércio, Exportação e Navegação do Xingu Ltda (Incenxil), que se dizia proprietária de um latifúndio na região do rio Iriri, afluente da margem esquerda do Xingu, conhecido como Fazenda Rio Curuá. Esta sobrepõe-se à Resex Riozinho do Anfrísio, a toda extensão da Floresta Nacional de Altamira, a dois assentamentos do Incra e às TIs Xypaia, Curuaya e Baú, além de incidir também sobre toda a área prevista para a criação do Parque Estadual do Iriri.

De acordo com o Instituto Socioambiental, a Resex Riozinho do Anfrísio está localizada na porção norte da bacia hidrográfica do rio Xingu, no município de Altamira, e integra o Mosaico da Terra do Meio. Esta região concentra cerca de 30 áreas protegidas, entre Terras Indígenas, Unidades de Conservação Federais e Unidades de Conservação Estaduais, representando um dos maiores blocos de conservação do Brasil, o corredor de biodiversidade do Xingu.

Limita-se com o município de Rurópolis, com a Terra Indígena Cachoeira Seca do Iriri, com a Floresta Nacional do Trairão e o Parque Nacional do Jamanxim, com o Rio Iriri e a Resex do Rio Iriri, a Terra Indígena Xipaya, e com a Floresta Nacional de Altamira.

A Resex do Rio Iriri foi criada pelo Decreto Federal de 5 de junho de 2006, com uma área de aproximadamente 398.938 hectares. De acordo com o ISA, está localizada no município de Altamira, na região conhecida como Terra do Meio. A reserva faz divisa com a Resex Riozinho do Anfrísio e a Terra Indígena Xipaya, a oeste, com a Terra Indígena Cachoeira Seca do Rio Iriri, ao norte, e com a Estação Ecológica Terra do Meio, a leste e ao sul.

Em 1999, a CPI concluiu que era ilegítima a pretensão de posse e propriedade da área da Fazenda Rio Curuá pela empresa Incenxil, com área de 5.694.964 hectares, segundo dados do Instituto de Terras do Estado do Pará – Iterpa, mas poucas iniciativas foram realizadas pelo Poder Legislativo com o intuito de modificar a situação fundiária existente no estado, aponta o Ipam.

Os anos posteriores sinalizaram outras formas de invasão, desmatamento e violência advindas a partir de projetos neodesenvolvimentistas do Governo Federal. De acordo com o que relatamos em ficha específica sobre o caso da UHE Belo Monte, a partir de 2001, o Ministério Público Federal (MPF) ajuizou diversas ações civis públicas (ACPs) questionando a falta de consulta pelo Congresso Nacional aos povos indígenas sobre o projeto hidrelétrico Belo Monte, bem como a ausência de adequados estudos de impacto ambiental.

Entre os principais impactos socioambientais do projeto, Oswaldo Sevá Filho, professor da Universidade de Campinas (Unicamp) falecido em 2015, apontou a perda do “trecho monumental do Xingu [100 km], com seis cachoeiras, arquipélagos, grandes lajes de pedra, ilhas florestadas, corredeiras, sítios arqueológicos” e, por consequência disso, o imediato prejuízo das terras indígenas já homologadas – como Paquissamba, dos Juruna, que “ficaria desgraçada no trecho do rio que se tornaria um pedral, quase seco”, e Trincheira-Bacajá, dos Kayapo-Xikrin, que “teria o seu rio Bacajá bastante afetado pelo mesmo trecho seco do Xingu”.

Em 27 de março de 2005, o então presidente da Funai, Mércio Pereira Gomes, aprovou as conclusões do Grupo de Trabalho que identificou a Terra Indígena Xipaya. De acordo com a Funai, a identificação reconheceu como de ocupação tradicional do grupo Xipaya cerca de 178.624 hectares, às margens do Rio Iriri e seus afluentes, como os igarapés Jaboti e São Miguel, sendo o passo seguinte do processo a publicação da portaria declaratória pelo então ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos.

A mobilização Abril Indígena, ocorrida em abril de 2005, solicitou às autoridades do Governo Federal, em especial ao então ministro Márcio Thomaz Bastos, providências para a conclusão dos processos administrativos na demarcação de 14 terras indígenas que se encontravam em análise no referido ministério, aguardando terem seus limites declarados para efeito de sua demarcação administrativa.

De acordo com o Fórum de Defesa dos Direitos Indígenas (FDDI), o Ministério da Justiça, por interesses políticos, retardou as providências necessárias, tornando prática comum a devolução dos procedimentos à Funai, como nos casos das terras indígenas da região do rio Iriri. A Funai na época também reduziu o número de Grupos Técnicos (GT) destinados à identificação e delimitação das TIs, bem como a publicação de resumos de relatórios de identificação.

Segundo o FDDI, cerca de 240 Terras Indígenas eram reivindicadas pelos povos indígenas junto à Funai e aguardavam para serem demarcadas. Dessas, apenas 64 tiveram seus processos administrativos para demarcação iniciados pela Fundação. “As condutas do Ministro da Justiça e do Presidente da Funai adequam-se, assim, às preocupações do Palácio do Planalto no sentido de não contrariar interesses regionais”, dizia o documento.

A TI Xipaya estava incluída no rol das 29 TIs que na época estavam com os respectivos procedimentos administrativos paralisados num “verdadeiro limbo administrativo”, entre o Ministério da Justiça e a Funai, segundo denúncia do FDDI. Em todos os casos, o prazo fixado pelo Decreto nº 1.775/96 para o Ministro da Justiça decidir sobre a demarcação não foi cumprido, assim como não tinham sido cumpridos todos os prazos fixados pelo 1775 para os procedimentos anteriores, a cargo da própria Funai.

Em 18 de abril de 2005, o Ministério Público Federal no Pará (MPF/PA) entrou com uma Ação Civil Pública (ACP) para impedir que a criação da Reserva Extrativista Riozinho do Anfrísio, localizada na região da Terra do Meio, resultasse no pagamento pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis-Ibama de indenização – a título de desapropriação – à empresa Indústria, Comércio, Exportação e Navegação do Xingu Ltda (Incenxil), que alegava ser dona de metade da área incluída na reserva.

No dia 12 de agosto de 2005, a Justiça Federal em Santarém respondeu de forma positiva ao pedido dos procuradores da República Felício Pontes e Ubiratan Cazetta. De acordo com o ISA, em decisão liminar o juiz federal substituto Fabiano Verli ordenou que a empresa Incenxil, do grupo CR Almeida (pertencente ao empreiteiro paranaense Cecílio Rego de Almeida), interrompesse qualquer atividade ou ocupação na suposta propriedade, chamada por eles de Fazenda Curuá, que o imóvel permanecesse indisponível para venda ou troca e que qualquer pagamento por indenização pelo Ibama fosse suspenso até julgamento do mérito da ação.

A liminar ainda determinou o fim da utilização de forças policiais por parte da empresa, conforme denúncias feitas por comunidades ribeirinhas e movimentos sociais da região em janeiro de 2005, também divulgadas pelo ISA. Na Ação Civil Pública que deu origem à liminar, os procuradores afirmaram que “esse imóvel é reconhecido como a maior área grilada do Brasil”.

O juiz federal Fabiano Verli escreveu que “pairam fortíssimas suspeitas de que ela (Incenxil) tenha indevidamente se considerado dona de uma enorme gleba de terras no Pará”. O juiz também remete a suspeita à origem do caso, quando coloca que “uma área que era pequena e do Estado do Pará, arrendada para extrativismo, depois se transformou num colosso de terras.”

De acordo com o ISA, Verli acolheu depoimentos de pessoas diretamente envolvidas no caso, além do representante do Ibama na região e advogados da empresa, justificando a demora no processo.

“Ainda que demorada, a decisão judicial satisfez plenamente o Ministério Público Federal, pois demonstra que a Justiça Federal está sensível à questão da grilagem de terras”, avaliou Felício Pontes.

Em 05 de outubro de 2005, o líder indígena Luiz Xipaya, da comunidade Xipaia-curuaia, foi baleado com quatro tiros por dois pistoleiros e operado num hospital do município de Altamira. De acordo com reportagem do Correio Brasiliense, a polícia abriu inquérito para apurar o caso. O Cimi, no relatório de “Violência contra os Povos Indígenas no Brasil (2006)”, relatou pelo menos três tipos de violência contra os Xipaya entre os anos de 2003 e 2005.

Casos, por exemplo, em que a fome e a falta de assistência à saúde indígena motivaram a expulsão de seu território para bairros de Altamira. Sobre o atentado contra Luiz Xipaya, o Cimi, por meio de fonte do Jornal O Liberal, afirmou que o indígena, há algum tempo, denunciava a invasão da TI, inserida na região conhecida como Terra do Meio, por grileiros, fazendeiros e madeireiros.

Em 19 de setembro de 2006, o juiz Fabiano Verli tomou outra decisão, dessa vez, contrariando pedido do MPF para retirar os funcionários e as instalações da empresa Incenxil da área então conhecida como Fazenda Curuá  e para proibir o exercício de qualquer poder de polícia dos empregados na vigilância da área. A decisão de Verli manteve-os na área.

No entanto, no dia 20 de março de 2007, a Justiça Federal no Pará (TRF1) determinou a retirada imediata da empresa Incenxil da Fazenda Curuá. De acordo com o juiz Herculano Martins Nacif, todos os funcionários, sócios, prepostos e policiais militares que protegiam a fazenda deveriam deixar imediatamente o imóvel. A multa por descumprimento à determinação era de R$ 100 mil por dia, cabendo à Polícia Federal (PF) garantir o cumprimento da sentença, como informaram os jornais O Globo e a Folha de São Paulo na época.

Além disso, o juiz proibiu o Ibama de pagar qualquer tipo de indenização por desapropriação de frações da fazenda já que, segundo o judiciário, a União e o Estado do Pará eram os verdadeiros proprietários do imóvel.

No entanto, de acordo com a Folha de São Paulo, em 26 de outubro de 2008, a Polícia Federal ainda não havia cumprido o mandado referente à Fazenda Curuá. A demora na execução foi justificada pela Polícia Federal em Altamira por, segundo ela, depender de reforço logístico para chegar à região e expulsar eventuais ocupantes ilegais das terras.

Francineide Amaral, advogada do grupo C. R. Almeida, afirmou que a Fazenda Curuá foi desocupada voluntariamente pela empresa Incenxil em setembro de 2005, depois de uma decisão liminar em outro processo, conduzido pela Justiça Federal em Santarém.

Segundo o delegado da Polícia Federal Alecsander Frederich, o discurso da empresa contrariava a prática. “Eles argumentam sempre isso, que a desocupação foi voluntária, que não tem necessidade de a polícia ir até lá, quando, na verdade, a desocupação nunca aconteceu”, afirmou Frederich.

No dia 27 de outubro de 2011, a Justiça Federal determinou o cancelamento da matrícula do imóvel Fazenda Rio Curuá. De acordo com o ISA, a sentença também entendeu como procedente o pedido da Funai para que algumas áreas da fazenda grilada fossem devolvidas aos indígenas ocupantes das reservas Baú, Xipaya e Kuruaya, sobrepostas ao imóvel.

“Em razão da regularidade constatada das terras indígenas é que o pleito da Funai deve ser deferido. Isto porque as terras indígenas destinam-se à posse permanente e ao usufruto exclusivo pela comunidade indígena”, fundamentou o juiz da 9ª Vara Seção Judiciária do Pará, Hugo Sinvaldo Silva da Gama Filho.

A Agência Brasil publicou, em novembro de 2011, o entendimento do então presidente do Iterpa, Carlos Alberto Lamarão Corrêa, segundo o qual o conhecimento prévio da ilegalidade das terras, a ampliação da área (em mais de mil vezes) e a manifestação dos advogados evidenciou que não houve boa-fé, conforme alegou a defesa.

Ele também salientou que os esquemas de grilagens de terras no estado “se [agravaram] com o Decreto-Lei 1.1164/1971 que retirou 70% do controle das terras do Pará. Essa balbúrdia facilitou a grilagem, mas não justifica”, assinala.

O decreto lei 1.1164/1971 citado por Carlos Lamarão “declara indispensável à segurança e ao desenvolvimento nacionais terras devolutas situadas na faixa de cem quilômetros de largura em cada lado do eixo de rodovias na Amazônia Legal, e dá outras providências”.

Em 24 de novembro de 1987, o decreto-lei Nº 2.375 revogou o anterior, mas os efeitos deste puderam ser sentidos ao longo das décadas posteriores para as populações tradicionais. Entrevistado pela Agência Brasil, o presidente do Iterpa não sabia quanto da área grilada pertencia ao Pará e prometeu inventariar o território para estabelecer uma política fundiária condizente com a legislação atual.

Além do mais, de acordo com as análises do Ipam sobre o efeito da grilagem de terras no Pará (2006), em alguns casos, mesmo quando existem ações de nulidade e cancelamento de matrículas, transcrições e averbações do cartório de registro de imóveis são efetuadas em várias comarcas no interior do estado.

“O Pará não dá condições para que seus procuradores acompanhem de perto essas ações, favorecendo indiretamente as manobras de advogados bem pagos junto aos juízes das comarcas do interior. Vide caso do processo 8000683/1999 do Iterpa contra Indústria, Comércio, Exportação e Navegação Ltda (Incenxil) da Gleba Curuá, com 5.694.964 hectares, que desapareceu durante quase um ano da Comarca de Altamira e retornou acompanhado da decisão do Juiz em favor do grileiro. Em muitos outros processos, a Justiça do Estado do Pará revela-se curiosamente incapaz de intimar um indivíduo, apesar de ele ser o morador vizinho do prédio da Comarca.”

Em 05 de junho de 2012, a então presidenta Dilma Rousseff assinou o Decreto que institui a “Política Nacional de Gestão Ambiental e Territorial de Terras Indígenas (PNGATI)” e homologou sete terras indígenas. De acordo com reportagem do El País, as terras indígenas homologadas localizadas no Amazonas foram: Santa Cruz da Nova Aliança, do povo Kokama; Matintin, do povo Tikuna; Tenharim Marmelos Gleba B, do povo Tenharim; Lago do Marinheiro, do povo Mura; e Porto Limoeiro, do povo Tikuna. No Acre, foram homologadas as terras indígenas Riozinho de Alto Envira, do povo Ashaninka e isolados, e Xipaya.

Foi criado, ainda, durante o evento, o Comitê de Gestão Integrada das Ações de Atenção à Saúde e de Segurança Alimentar para a População Indígena. Então coordenado pela Casa Civil, o Comitê tinha a participação da Defesa Nacional; Fundação Nacional do Índio (Funai), Secretaria Especial de Saúde Indígena do Ministério da Saúde (Sesai/MS) e Ministério do Desenvolvimento Social (MDS).

Importa relacionar os contextos de implementação de programas de proteção às TIs, em um cenário de profundas alterações e impactos nos territórios alvos de proliferação de obras de infraestrutura, no então quadro de políticas desenvolvimentistas criado pelo Governo Federal e o setor privado.

De acordo com Fabiana Garcia (2014), um dos maiores desafios para os povos indígenas e a manutenção das terras indígenas na época era a implantação do Programa de Aceleração do Crescimento do Governo Federal (PAC).

“Esse projeto traz em seu bojo a criação de novas estradas, portos, hidrelétricas, entre outros empreendimentos que trarão novos impactos sobre os povos indígenas e as áreas protegidas”.

Conforme descrito em seu 1º Balanço, referente ao ano de 2007, o PAC era um programa de desenvolvimento que ingressou na agenda política nacional, fazendo parte da ordem do dia da sociedade brasileira.

De acordo com a Advocacia Geral da União (AGU), o PAC tinha diversas obras paralisadas em razão de decisões judiciais, fossem liminares ou definitivas. A UHE Belo Monte foi um dos principais investimentos do PAC a sofrer o escrutínio do Ministério Público Federal e do judiciário.

É nesse contexto que outros setores do Estado começaram a formular políticas públicas que contrabalançassem os efeitos negativos das políticas econômicas. No território do Xipaya, a mais importante foi a Política Nacional de Gestão Ambiental e Territorial em Terras Indígenas (PNGATI), que começou a ser construída em 2008 com a criação de um Grupo de Trabalho Interinstitucional (GTI), por meio da portaria no. 276/2008, assinada pelos ministros da Justiça e do Meio Ambiente.

O GTI construiu a proposta da PNGATI, tendo como diretrizes nesse processo a participação indígena e o respeito aos povos indígenas.

Os Xipaya se encontravam em um contexto paradoxal no qual de um lado certos setores do Estado patrocinavam políticas de proteção aos seus territórios, enquanto outros setores colaboravam com o avanço das frentes de expansão do capital na região, tendo as empresas de energia e construtoras ligadas à implementação de infraestrutura como carros-chefes desses investimentos.

Essas contradições não passaram despercebidas às lideranças indígenas da região. É por isso que Juma Xipaya, ao ser entrevistada pelo portal Mongabay em 2012, denunciou que a Norte Energia ofereceu aos povos indígenas um plano de emergência que, na verdade, era apenas uma lista de mercadorias para as pessoas preencherem.

“Elas receberam fogões, geladeiras, tevês e toneladas de itens alimentares. Atualmente, a maioria de nossas casas é feita de tijolo e cimento. A maioria das pessoas come alimentos industriais, como macarrão instantâneo, e bebe refrigerantes. Como resultado, agora temos tudo o que não tínhamos há dez anos: diabetes, colesterol alto, câncer, obesidade.”

Em 2014, os passos iniciais para a extração de ouro pela mineradora canadense Belo Sun começaram com a emissão da Licença Prévia (LP) pela Secretaria do Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará (Semas), após a aprovação do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) pelo Conselho Estadual de Meio Ambiente do Pará (Coema).

De acordo com nota da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional-Fase, o projeto de mineração Belo Sun, bem como Belo Monte, “caminha em direção contrária à preservação da vida, rumo a um modelo de desenvolvimento pautado na destruição da diversidade social e ambiental da Amazônia”.

Atingia diretamente as aldeias Tukamã, Tukaya e Kujubim, todas pertencentes à etnia Xipaya; e Curuatxe, pertencente à etnia Kuruaya. Para a extração do minério, seria necessário deslocar as aldeias para outro local, o que certamente provocaria novos choques culturais, sociais e ambientais. A Fase ressaltava que na época tudo isso já vinha ocorrendo sem consulta prévia aos povos da região, conforme previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT.

Em 2015, os moradores da aldeia Tukamã nomearam Juma cacica da aldeia, aos 24 anos, tornando-se a primeira mulher a liderar uma comunidade Xipaya. De acordo com o portal Mongabay (2020), o cargo lhe deu ainda mais força para esquadrinhar os diversos planos apresentados pela Norte Energia para a construção de Belo Monte. Afirmava o portal na ocasião:

“Certa de que muitos dos direitos indígenas estavam sendo violados e vendo muitas demandas sendo ignoradas, Juma procurou se reunir com outras lideranças na busca de uma solução comum.”

Afirmando nunca ter havido movimento indígena unido contra a hidrelétrica nas proximidades da sua aldeia, Juma Xipaya disse:

“Desde o início, a Norte Energia focou na divisão, ao cooptar lideranças com entrega de carros, por exemplo; com os carros, eles podiam ir à cidade [de Altamira] para beber e festejar. Acredito que este foi o primeiro passo em um processo deliberado de destruição de nossa cultura.”

De acordo com o G1, nos dias 27 a 30 de novembro de 2017, lideranças indígenas de nove etnias se reuniram em Altamira com autoridades e representantes da Norte Energia. Eles discutiram ações de melhorias nas aldeias impactadas pela implantação da usina de Belo Monte.

Para conseguir a licença de instalação da usina, a Norte Energia teve que apresentar um Projeto Básico Ambiental (PBA) para amenizar os impactos causados pelo empreendimento às comunidades indígenas. De acordo com a Amazônia Real, o PBA previa ações obrigatórias para um período de 30 anos, prazo de operação da usina.

Entretanto, as lideranças alegavam que algumas ações que já deveriam ter sido executadas não saíram do papel, estando na ocasião atrasadas há pelo menos seis anos, ou seja, desde 2011, quando começaram as obras do empreendimento.

No documento da sentença proferida pelo juiz Arthur Pinheiro Chaves (2017), em decorrência da Ação Civil Pública nº 65578.2013.04.01.3903 movida pelo MPF, o Plano Emergencial de Proteção às Terras Indígenas do Médio Xingu (PEPT) deveria ser implementado por meio da construção de 21 Unidades de Proteção Territorial (UPT), na forma de Bases Operacionais (BO) e Postos de Vigilância (PV), localizados em pontos estratégicos na proximidade de cada comunidade indígena, geridas por servidores capacitados (1 a 12 agentes), além da reforma dos marcos dos limites das 11 terras indígenas e instalação de placas a cada três quilômetros dentro deste perímetro.

Todavia, por meio da Informação Técnica nº. CGMn OPT/FUNAI, a autarquia noticiou que não houve a execução do plano, e que a Norte Energia havia modificado unilateralmente o projeto inicial e vinha adotando ações de forma irregular e com padrão inferior ao exigido no PEPT.

De acordo com Jandatari Xipaya, liderança da aldeia Tukumã:

“Na hora da ação eles contratam empresas, que dizem que ficam amolando o serviço, diz que o contrato não cabe fazer certas coisas. Aí a gente cobra da Norte Energia, que diz que a culpa é da empresa. E aí fica jogando um pro outro. Isso só prejudica as nossas comunidades. Além da gente perder tempo, perde recurso, porque eles assinam como se tivesse sido executado e fica por isso mesmo.”

Em 2017, de acordo com a Mongabay, o marido de Juma tornou-se coordenador do Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) em Altamira, enquanto ela passou a chefiar o departamento de saúde indígena do município. Juntos, visitaram todas as aldeias do Médio Xingu para avaliar o estado da saúde dos moradores.

O que encontraram foi, por um lado, dezenas de queixas de novos males, trazidos pela mudança nos costumes; e, por outro, falta de atendimento básico. Todas as comunidades dependiam da Casa Saúde Indígena (Casai), uma única unidade médica situada em Altamira, na época com capacidade para 250 leitos, mas atendendo a mais de 600 pacientes.

É importante ressaltar que, dentro da estrutura do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (Sasi), as Casais foram concebidas como espaço de transição entre os atendimentos da atenção básica que deveria ocorrer em polos-base próximos das aldeias e os atendimentos de média e alta complexidade, a ocorrer nas unidades de saúde do SUS.

Ou seja, foram concebidas apenas como espaço transitório de cuidado enquanto os pacientes indígenas aguardassem transferências para unidades de saúde mais estruturadas, como as policlínicas (atendimento especializado), laboratórios (exames) e os hospitais (exames, cirurgias, atendimentos de urgência e emergência etc.).

Portanto, elas não deveriam funcionar como substitutas aos atendimentos a serem realizados pelas equipes multidisciplinares e o atendimento matricial previsto para ocorrer nos polos-base; entretanto, a crônica falta de médicos/as, enfermeiro/as e outros/as profissionais de saúde acaba impedindo que as ações preventivas ou os cuidados de baixa complexidade ocorram nas aldeias, agravando o quadro de saúde dos/as usuários/as do Sasi e resultando na transferência para os centros urbanos próximos, onde há hospitais qualificados para os atendimentos mais graves, que muitas vezes poderiam ter sido evitados se a atenção primária funcionasse adequadamente. Portanto, denúncias como as de Juma e seu marido não são incomuns no Sasi.

Segundo Juma, em 2017 a Norte Energia terceirizou a maioria dos serviços e equipamentos indígenas para outras empresas. Isso incluía as iniciativas de segurança alimentar e assistência médica previstas no PEPT. No entanto, segundo ela, nem mesmo o mínimo que a Norte Energia havia prometido estava sendo fornecido.

Mais tarde, Juma e seu marido descobriram que as empresas terceirizadas que haviam obtido os contratos tinham sido aquelas com o preço mais alto, e não o mais baixo, como é de praxe nos processos de licitação.

À Mongabay, a Norte Energia negou veementemente qualquer irregularidade, enfatizando que “os fornecedores são contratados conforme critérios de capacidade técnica, qualidade e preços – como determina a governança da empresa e como é de conhecimento das lideranças indígenas que acompanham o processo.”

Cerca de um ano depois de ingressar no DSEI de Altamira, o marido de Juma Xipaya perdeu o emprego. “Cerca de 150 indígenas ocuparam o DSEI para pedir sua remoção”, lembra Juma. “Eles foram pagos para isso, tenho certeza.”

A fala da liderança Xipaya demonstra como processos como esses não são apenas uma questão dicotômica entre agentes indígenas e não indígenas; com frequência produzem tensionamentos tanto interétnicos (em relação a outras etnias indígenas e aos não-indígenas), quanto intraétnicos (em relação aos diversos grupos de uma mesma etnia).

O MPF ajuizou oito ações na última semana de novembro de 2018, com pedidos urgentes para que a Justiça Federal cancelasse processos minerários incidentes em 48 terras indígenas no Pará. Também foi pedido que a Agência Nacional de Mineração (ANM) indeferisse todos os processos atuais nessas áreas e os que surgirem antes do cumprimento das exigências legais para a autorização da atividade, que incluíam a necessidade de consentimento das comunidades.

De acordo com manifestação da ANM ao MPF, a agência considerou que a falta de lei regulamentadora não impedia que os processos minerários fossem sobrestados, ou seja, abertos e colocados em espera.

Para os procuradores da República que assinavam as ações, no entanto, o simples registro, cadastramento e sobrestamento desses processos – ainda que não deferidos ou mesmo apreciados – contrariava a Constituição Federal e a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que foi incorporada à legislação brasileira e garante o direito à consulta prévia, livre e informada das comunidades indígenas a todos os projetos que afetem direta ou indiretamente seus territórios tradicionais.

Por isso, para o MPF, o ato administrativo de sobrestamento dos processos minerários em terras indígenas, ao gerar direito de preferência, afeta diretamente os povos indígenas que nelas habitam e, portanto, não poderiam ser editados sem atender ao que está previsto na referida convenção.

Segundo levantamento feito pelo Instituto Socioambiental (ISA) por solicitação do MPF, até novembro de 2019, o Pará tinha um total de 2.266 processos minerários incidentes em terras indígenas; números maiores do que, pelo menos, outros seis dos nove estados da Amazônia Legal (o levantamento não incluiu Amazonas e Amapá, ficando restrito aos dados do Acre, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins).

De 17 a 19 de novembro de 2018, como relembra Eliane Brum, os movimentos sociais da região do Médio Xingu organizaram em Altamira um encontro chamado Amazônia Centro do Mundo.

O evento, contudo, foi invadido por fazendeiros e grileiros da região, que foram enfrentados por Juma Xipaya. Após a fala da liderança Xipaya, eles se retiraram, considerados pelos presentes como vencidos em sua tentativa de criar tumulto e silenciar as vozes dos movimentos sociais. De acordo com Brum, Juma Xipaya fez um discurso contundente contra os que tentavam impedir a realização do evento.

Um dos notórios grileiros presentes se descontrolou e apontou o dedo para o peito de Juma, num gesto de ameaça. Perto dele, duas missionárias que foram companheiras de Dorothy Stang, assassinada em 2005 por um grupo que ficou conhecido como “Consórcio da Morte”, rezavam. De acordo com o relato de Brum, mesmo pressionada, a jovem indígena não se intimidou. Por isso, reproduzimos sua fala aqui, tal como registrada no artigo de Brum:

“Meu nome é Juma Xipaya. Eu fico pensando o que vocês pensam quando muitas vezes se contrapõem aos nossos discursos, às nossas lutas. Parece que somos inimigos de vocês. Só quero lembrar vocês que, em momento algum, nós falamos que vocês são nossos inimigos ou que nós somos inimigos de vocês. Nós defendemos a vida, nós defendemos a floresta. E se vocês dizem que a Amazônia é do Brasil, por que vocês não estão lutando para defender a Amazônia?

Toda essa produção e esse desenvolvimento que vocês pensam são para os brasileiros ou é para o estrangeiro? Então que discurso é este que vocês pregam que a Amazônia é do Brasil, sendo que vocês não sabem a importância do que a Amazônia significa para nós, vocês não sabem o valor da Amazônia? Vocês não são dignos para dizer isso. Sabem por quê? Vocês não sabem o que é perder um filho, vocês não sabem o que é ter as casas invadidas, vocês não sabem o que é ser expulso de terras. Respeite, respeite, respeite. Respeite a minha fala.

Vocês devem nos ouvir. Vocês invadem as nossas terras, vocês entregam o nosso minério, vocês acabam com a nossa vida, e não querem ouvir a nossa voz. Respeitem. Respeitem a Amazônia, respeitem os nossos povos que morrem todos os dias, que têm mulheres todos os dias violentadas, que têm indígenas com mãos decepadas por defenderem as suas terras. Nós defendemos o Brasil. Nós defendemos a Amazônia com nossa própria vida há séculos!

O dever de defender a Amazônia não é só porque nós, indígenas, moramos nas nossas terras. O mundo tem o dever, tem a obrigação de defender a Amazônia, porque é daqui que tiram todas as nossas riquezas e deixam somente as mazelas, as doenças, as tristezas, os conflitos. Qual é o filho que luta para desmatar e para matar a sua mãe?

Desrespeito é vocês virem aqui gritar, interromper a nossa fala. Se estão aqui para dialogar, então respeitem cada um. Não agridam, não cometam violência, porque eu não estou aqui agredindo vocês. Eu estou defendendo nossos direitos, o direito de existência, o direito de indígenas. Nós também somos donos, até muito mais do que vocês. O Xingu, a Amazônia, todos os seres que vocês não conseguem ver nem respeitar, sabem por quê? Porque vocês não são ligados à terra, vocês não sabem como é a conexão com a mãe natureza. Por que, qual é o filho que luta para desmatar e para matar a sua mãe?

Que filhos são vocês? Que brasileiros são vocês? Eu tenho dó. Não de vocês. Eu tenho dó das futuras gerações. Dos filhos e netos de vocês. Vocês não têm o direito de acabar com a nossa futura geração. A Amazônia e o Brasil não são só de vocês. São também nossos. No mínimo, vocês têm que ter respeito e aprender a conviver.”

Como a maioria das mulheres em posição de liderança, Juma Xipaya teve que encarar um difícil dilema com a maternidade. Embora ainda jovem, depois que seu filho nasceu, em junho de 2018, ela decidiu abandonar sua posição como cacica e voltar à universidade, procurando outras formas de lutar por seu povo que não colocassem em risco seu filho recém-nascido.

O que não significou o fim das ameaças, pois, conforme denúncia veiculada na imprensa, uma semana após o início das aulas, uma picape branca que havia sido utilizada em ameaças contra sua vida voltou a aparecer, dessa vez em frente à universidade.

“Naquele dia, eu estava no laboratório do outro lado do prédio”, ela lembra. “Alguns estudantes me avisaram e eu saí pela porta dos fundos. Na segunda semana, meu filho ficou doente e eu o levei a um médico. No meio do caminho, a caminhonete apareceu e me seguiu por todo o caminho. Mais uma vez, fui à polícia, mas novamente eles disseram que não podiam fazer nada.”

Dessa forma, a atuação política de Juma Xipaya a colocou diante de uma constante nos conflitos ambientais brasileiros: as ameaças à vida das lideranças e de suas famílias.

Em 2019, o MPF promoveu vários eventos para tratar do hidrograma da Volta Grande do Xingu. De acordo com a Amazônia Real, foi realizada uma vistoria em fevereiro que resultou no “Relatório de Vistoria Interinstitucional: garantia da vida e proteção do patrimônio natural e socioambiental da Volta Grande do rio Xingu”. O documento revelava o abandono de comunidades que sofrem os danos mais graves da barragem de Belo Monte.

De acordo com a Rede Xingu Vivo Para Sempre, com a finalização da instalação das turbinas da usina, em 2019, deveria começar a implementação do “Hidrograma de Consenso”, esquema hidrológico que consiste nos valores mínimos de quantidade de água que a empresa concessionária está obrigada a deixar passar para a região da Volta Grande do Xingu (a outra parte de água seria desviada pelo canal de derivação e faria as turbinas rodarem na casa de força principal).

Portanto, no relatório de 2019, o MPF afirma que o ponto de partida da vistoria foi a compreensão de que a Volta Grande do Xingu concentra espaço biótico e cultural único, com características naturais e socioambientais, materiais e imateriais, merecedoras da mais alta proteção, sendo que a instalação da UHE Belo Monte, mediante desvio do curso do rio Xingu, foi autorizada sob a condição de que seriam adotadas as medidas necessárias para a manutenção das condições de vida na região; em especial, a garantia de um fluxo de água mínimo necessário à reprodução das condições ecológicas e à manutenção dos recursos naturais indispensáveis à reprodução física e cultural das comunidades residentes, indígenas e não indígenas.

Com a construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, em 2015, a quantidade, a velocidade e o nível da água na região não derivam mais do fluxo natural do rio, mas estão sob gestão da concessionária Norte Energia. A empresa controla o volume de água que passa pelas comportas da usina, descendo pela Volta Grande do Xingu, mas, de acordo com o relatório do MPF, nunca escutou as demandas dos povos indígenas e populações tradicionais que vivem ali e são diretamente impactados pelo barramento do rio e pela redução no fluxo de água que outrora garantia seu modo de vida.

De acordo com o relatório do MPF (2019), outro grupo Xipaya ignorado pela Norte Energia SA (Nesa) são os Xipaya do Jericoá, em Altamira, com 13 famílias de indígenas não aldeadas. Eles estão na localidade desde a década de 1970 e pleiteiam a demarcação da Terra Indígena para “ter acesso às políticas mitigatórias da empresa”, para “evitar invasões e a extração de madeira sem o consentimento da comunidade”. Isto, no entanto, já ocorria, pois o MPF recebeu relatos de invasão de fazendeiros e madeireiros na região.

Em 31 de dezembro de 2019, a Organização Mundial da Saúde (OMS) foi alertada sobre vários casos de um tipo pneumonia ainda não registrado na literatura médica, que tinha seu epicentro, até aquele momento, na cidade de Wuhan, província de Hubei, na República Popular da China.

Tratava-se de uma nova cepa (tipo) de coronavírus que não havia sido identificada antes em seres humanos, embora estudos posteriores apontassem que o vírus já poderia estar circulando pela população antes que os primeiros estudos e registros oficiais fossem registrados na China.

De acordo com levantamento realizado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), a Covid-19, após avançar com relativamente pouco controle sanitário pelas principais regiões metropolitanas do País e pelos centros urbanos regionais, chegou aos territórios indígenas de forma avassaladora em 2020, com vidas indígenas sendo perdidas em um ritmo crescente.

Os pesquisadores Rosa Acevedo, Eriki Aleixo e Alfredo Wagner publicaram em “Pandemia e Território (2020)” textos que analisam como as doenças infectocontagiosas não são ameaças novas aos povos indígenas no Brasil: “Já é por demais sabido que várias foram as doenças que chegaram ao território hoje brasileiro a partir do final do século XV, junto com a expansão colonial dos povos europeus na América”.

Os pesquisadores (2020) acrescentam que as desigualdades e perversidades de diferentes ordens (socioculturais, econômicas, políticas etc.) existentes no Brasil resultariam numa distribuição desigual na transmissão dos vírus e nas possibilidades de enfrentamento de seus efeitos. O processo de transmissão seria exponencial, todavia desigual, e isso tem relação com as desigualdades socioespaciais e econômico-políticas da sociedade brasileira – históricas, dinâmicas e socialmente constituídas.

“O vírus, que chegou no país principalmente pelas pessoas que vivem nos espaços luminosos, ou têm condições de desfrutar dos recursos aí disponíveis, ao transmigrar aos espaços opacos encontra um meio muito mais propício para a sua expansão. Nos espaços de escassez de equipamentos e serviços de interesse coletivo, como os de atenção à saúde, e dada a solidariedade orgânica entre as pessoas que aí vivem, e a natureza cotidiana de permanência nestes espaços em decorrência da ausência de emprego (não tendo emprego, as pessoas ficam mais com a família e usando este seu território), a compreensão geográfica, previu Adélia, não deixam dúvida de que quando o vírus alcançar estes territórios seus efeitos serão avassaladores.”

De acordo com o ISA, em setembro de 2020 a infecção já alcançava 2.707 casos e 34 mortes em TIs e Unidades de Conservação na bacia do Xingu, número que subia para 54.986 casos e 1.012 óbitos nos municípios do entorno.

Para a experiência dos Xipaya no controle da transmissão do vírus causador da Covid-19 em seu território, o ISA faz referência à Rede de Cantinas da Terra do Meio, que exerceu papel fundamental na garantia do isolamento social para famílias sanitária e socialmente vulnerabilizadas. As lideranças Xipaya optaram por doar os alimentos que tinham na cantina para evitar deslocamentos até Altamira e municípios do entorno. Segundo a participante da Rede, Mitã Xipaya, a decisão fez parte de uma estratégia maior, que envolveu levar todos os indígenas que estavam na cidade para as suas aldeias.

A Rede de Cantinas, como definido em seu sítio eletrônico, consiste em um “processo de organização de povos ribeirinhos e indígenas para estruturar um sistema de comercialização de produtos extrativistas adequado à realidade da Terra do Meio (PA).”.

Tendo em vista o isolamento geográfico das comunidades ribeirinhas e indígenas da Terra do Meio e as dificuldades que encontravam em estruturar a comercialização de seus diferentes produtos tradicionais da floresta em contratos mais justos, estabelecidos de forma transparente e coletiva, se organizaram em uma rede de cantinas, espalhadas em um território de mais de 8.000.000 de hectares de florestas.

Quando o novo coronavírus chegou às comunidades de outras Terras Indígenas próximas às aldeias Tukamã e Tukaya, os moradores perceberam que seria necessário tomar medidas mais efetivas para evitar a circulação da Covid-19 entre os Xipaya. Mitã Xipaya também relembra a estratégia traçada pelos indígenas:

“Decidimos fazer um isolamento total, combinamos com todas as aldeias que ninguém deveria sair. Fechamos nossas aldeias, ninguém sai e ninguém entra. Fizemos placas na entrada da aldeia avisando que ninguém seria recebido. Estabelecemos recomendações para a entrada da equipe de saúde e higienizamos tudo o que eles trazem na chegada. Adiamos nossos rituais e intercâmbios entre as comunidades, porque sabemos que seria muito arriscado.”

Em setembro de 2020, segundo o ISA, não havia casos de Covid-19 nas aldeias Tukamã e Tukaya, confirmando o sucesso da organização indígena na prevenção e proteção contra a Covid-19.

Embora a pandemia de Covid-19 ainda os preocupasse, os Xipaya viviam em um território ainda assolado por outras mazelas socioambientais contra as quais a luta política não poderia cessar, sob risco de impedir sua sobrevivência.

A vazão normal da Volta Grande do Xingu (trecho de cerca de 100km do rio) foi alterada drasticamente desde o início do funcionamento de Belo Monte. A Norte Energia demandava um volume de água para operação das turbinas de Belo Monte que chegava a diminuir em 80% a vazão normal da Volta Grande, como explicitava o documento intitulado “Hidrograma de Consenso”, de 2019. Sobrava um volume de água considerado de longe insuficiente para a reprodução da fauna por especialistas de cerca de oito universidades brasileiras (o chamado Painel de Especialistas), pelo Ministério Público Federal, pelo Ibama e pela Funai.

Tanto fontes como o ISA quanto a Amazônia Real sinalizam que o baixo nível de água da Volta Grande impediu a ocorrência da piracema entre 2018 e 2020, provocando um vertiginoso despovoamento de peixes do rio e uma consequente crise na segurança alimentar e na renda de quem vive da pesca.

Além disso, a navegação do Xingu estava cada vez mais difícil, o que afetava todo o fluxo de mobilidade da população local, composta por pescadores, ribeirinhos, agricultores e comunidades indígenas, em sua maior parte, dependentes de canoas e embarcações para acessar serviços públicos ou outras comunidades.

Em 2020, a região do Médio Xingu sofreu uma das mais severas secas desde a década de 1970. A seca dos igarapés ocasionou uma mortandade de peixes e uma perda acelerada das roças dos agricultores (indígenas e não-indígenas) da Volta Grande do Xingu.  Em função da inviabilidade do  hidrograma da Norte Energia em épocas de estiagem e secas, o Ibama publicou um despacho no início de 2020 no qual estipulava um hidrograma alternativo, que, de acordo com a CPT, também era insuficiente para garantir a reprodução da vida e das atividades econômicas das comunidades beiradeiras e indígenas.  Em outubro de 2020, a Norte Energia entrou na justiça com um recurso contra o despacho do Ibama, indeferido em primeira instância. A empresa recorreu ao TRF1 em Brasília.

Por isso, em 09 de novembro de 2020, 150 pessoas, dentre indígenas Xipaya e Curuaya, pescadores, ribeirinhos e pequenos agricultores dos municípios de Altamira, Senador José Porfírio, Brasil Novo, Anapu e Vitória do Xingu realizaram protesto no km 27 da BR-230, a Transamazônica.  O ato exigia a liberação, entre novembro de 2020 e março de 2021, de maior fluxo de água para possibilitar a ocorrência da piracema em 2021 na Volta Grande do Xingu e pedia que o Ministério Público Federal ingressasse com ação judicial contra a empresa e diversos órgãos federais. A declaração dos manifestantes pode ser encontrada no documento “Representação contra crimes contra o Xingu”.

“Eu faço parte das mobilizações pelos núcleos. Queremos ter os direitos, os nossos direitos reconhecidos, os direitos que nos assistem devido aos impactos de Belo Monte e Belo Sun”, afirmou um garimpeiro artesanal da Volta Grande do Xingu que preferiu não se identificar com medo de represálias. “Hoje a sociedade e órgãos vêm tentando nos incriminar e nós não somos criminosos. Ontem eu quase não dormi, mas amanhã estarei lá, fechando a Rodovia desde as 4 horas”, relatou ao ISA.

Ainda no contexto da pandemia de Covid-19, em 14 de maio de 2021, lideranças de 12 TIs da região do médio Xingu compareceram a Brasília para cobrar o cumprimento de condicionantes impostas para a construção da UHE Belo Monte. De acordo com o Cimi, eles aguardavam a efetivação de medidas voltadas à saúde indígena e à regularização e proteção de seus territórios, com cobranças voltadas à Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), à Funai e ao Consórcio Norte Energia.

A comitiva da articulação indígena do médio Xingu foi composta por caciques e lideranças dos povos Assurini, Araweté, Parakanã, Xipaya, Kuruaya, Arara, Arara da Volta Grande, Juruna, Kayapó e Xikrin.

“Está sendo complicado mantermos nossos povos em isolamento na pandemia, uma vez que a assistência não chega e as condicionantes não estão sendo cumpridas, nem por parte da Norte Energia, nem por parte da Funai, que é um órgão que está deixando de dar assistência às comunidades indígenas. Estamos em busca de melhorias para os povos do médio Xingu. Queremos ser ouvidos”, disse Leo Xipaya, presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena (Condisi) de Altamira e cacique da aldeia Cujubin, na TI Cachoeira Seca.

Apesar de medidas em relação à saúde indígena terem sido previstas na Licença Prévia concedida pelo Ibama para a construção de Belo Monte, em 2010, os povos indígenas da região ainda padeciam com a falta de profissionais de saúde, de infraestrutura adequada, de meios para o transporte de pacientes e até a falta de água potável nas aldeias, como descreve José Cleanton Ribeiro, da coordenação do Conselho Indigenista Missionário – Cimi Regional Norte 2, equipe de Altamira:

“Nenhuma das 48 condicionantes específicas para a saúde indígena foi entregue em sua íntegra. Algumas estão pela metade, outras estão estacionadas, e agora se usa a pandemia como desculpa para que não sejam feitas”.

De acordo com o Cimi, a Sesai se comprometeu a produzir, junto com as lideranças indígenas e o DSEI, um documento sistematizando prioridades e prazos para o cumprimento das condicionantes relativas à saúde indígena e buscar um acordo com a concessionária.

O território Xipaya não era ameaçado apenas pela pandemia de Covid-19 e pela negligência da Norte Energia; o garimpo ilegal também ameaçava sua sobrevivência. No dia 14 de abril de 2022, os Xipaya denunciaram a invasão por garimpeiros.

De acordo com Juma Xipaya, em vídeo que circulou na rede social Instagram, os garimpeiros foram violentos com seu pai e mais indígenas se direcionaram para a área onde os garimpeiros estavam. Os indígenas podem ter se escondido na mata ou fugido, não sendo mais vistos.

Logo o MPF acionou agentes da Polícia Federal, do ICMBio, da Força Nacional, do Ibama e da Funai e, no dia seguinte, 15 de abril, a Polícia Federal divulgou nota afirmando que a segurança seria reforçada na TI Xipaya.

“A gente nunca tinha visto um maquinário desses por aqui’, declarou Juma à reportagem da Amazônia Real, temendo a destruição ambiental do território Xipaya com o possível aumento do garimpo ilegal. Ela  também declarou à Amazônia Real que seu pai tentou dialogar com os garimpeiros ilegais, pedindo para que se retirassem da área, por se tratar de uma Terra Indígena.

“Meu pai tentou filmar a ação dos garimpeiros, que já chegaram lá operando as dragas, mas foi agredido por oito homens armados que tentaram tomar o celular dele. A sorte foi que ele conseguiu sair e voltar para avisar as outras aldeias.”

Juma Xipaya disse que o pai conseguiu retornar para sua aldeia e, utilizando a rede social Whatsapp, convocou outras lideranças para irem atrás dos garimpeiros e impedir a invasão. “Quando chegaram, os garimpeiros, a balsa de três andares, as voadeiras e jet skis – que também faziam parte dos equipamentos dos invasores – já não estavam mais”, contou ela.

A ativista afirmou ter denunciado a invasão dos garimpeiros ilegais aos órgãos federais, inclusive à Polícia Federal.

“Estamos no meio de um feriado, eu já fiz contato com a Funai local, com o Ministério Público […] estamos com muito medo. Pedimos ajuda para que as Forças Armadas [e] a Polícia Federal cheguem no território, que possam nos ajudar, porque é agora, não é amanhã e nem depois. Estão destruindo o nosso território, estão com máquinas pesadas e nós não sabemos os tipos de armas que eles têm.”

A Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas na Câmara dos Deputados, liderada pela deputada indígena Joênia Wapichana (REDE/RR), acionou o ministro da Justiça e Segurança Pública, Anderson Torres, alertando para a iminência de um conflito na região e ameaças de morte do líder Francisco Kuruaya.

A Associação Brasileira de Antropologia (ABA), a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs), a Sociedade da Ciência para o Progresso da Ciência (SBPC), a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), e a Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS) também se manifestaram, relembrando outras invasões no contexto da mobilização indígena em Brasília, do Acampamento Terra Livre (ATL), na sua 18ª edição (2022).

Além disso, as organizações republicaram o relatório da Associação Indígena Hutukara, Yanomami sob Ataque, com denúncias das ações ilegais, destruição ambiental, abuso e violência contra mulheres e adolescentes yanomami, assediadas e violentadas por integrantes do garimpo, e a prática da troca de alimentos por sexo com os garimpeiros, que se aproveitavam de sua vulnerabilização social e alimentar (o histórico dos conflitos envolvendo os Yanomami e garimpeiros pode ser lido neste Mapa de Conflitos: aqui).

No dia 16 de abril de 2022, a Operação de Fiscalização “Tríade – Terra do Meio”, comandada pelo ICMBio, apreendeu uma balsa dos garimpeiros que invadiram o território dos Xipaya. A embarcação, equipada com dragas para a exploração de ouro, foi encontrada na Reserva Extrativista Riozinho do Anfrísio, segundo informações coletadas pela reportagem da Amazônia Real. Durante as primeiras horas após a apreensão, o ICMBio encaminhou os infratores para a cidade de Itaituba para que lá fossem detidos pela Polícia Federal.

Em 18 de abril de 2022, uma reportagem da Folha de São Paulo informou que cinco homens e dois adolescentes, que haviam sido, respectivamente, presos e apreendidos no dia 16 de abril por invasão ao território indígena Xipaya, foram soltos no mesmo dia. Os Xipaya temiam represálias.

De acordo com informações locais, em meio ao temor na região, os garimpeiros voltaram a invadir o território indígena no dia 17 e chegaram a parar no local onde ficava a balsa de garimpo apreendida pelo ICMBio.

O delegado da Polícia Federal responsável pelas prisões disse às lideranças indígenas que não havia logística para levar todos os sete para depor em Altamira ou Itaituba e, por essa razão, eles teriam sido liberados no mesmo lugar em que foram detidos, próximo do território Xipaya.

Em nota enviada à Folha,a PF confirmou que eles haviam sido soltos, pois o prazo de 24 horas que permitiria a prisão em flagrante já havia acabado e, “como a crise inicial já estava contida”, os invasores foram escoltados para fora do território indígena. A Frente Parlamentar de Defesa dos Povos Indígenas pediu às autoridades que escoltassem os homens para fora das áreas protegidas.

“Face ao exposto requeremos medidas cabíveis para resguardar a proteção da terra indígena e a integridade física do povo Xipaya. Além disso, destacamos a importância da continuidade da operação dos órgãos ambientais naquela região e que não tenha a impunidade relacionada ao presente caso”, escrevem.

De acordo com o sócio-fundador do Instituto Socioambiental (ISA) e ex-presidente da Funai, Márcio Santilli, a política mineral brasileira passa por um momento grave, afirmando a importância na discussão das implicações que a atividade de mineração e garimpo trazem.

“Nos últimos três anos, tivemos um aumento de mais de 100% na extensão desse tipo de predação mineral, especialmente na Região Amazônica. É o momento de se discutir profundamente o custo socioambiental para a população”

Em 20 de abril de 2022, o MPF convocou autoridades do Governo Federal e do governo do estado do Pará para tratar, em uma reunião, de medidas de proteção da TI Xipaya que resolvam as vulnerabilidades em toda a região.

O MPF convocou para a reunião representantes do governo do Pará, do Instituto do Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade (Ideflor-Bio), da Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas), Secretaria de Segurança Pública do Pará (SSP/PA), Polícia Federal, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), da Secretaria de Operações Integradas do Ministério da Justiça (SOI/MJ), da direção de Proteção Territorial da Fundação Nacional do Índio (DPT/Funai) e do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH).

Ivã Bocchini, indigenista do Instituto Socioambiental (ISA) e membro da Frente Ampla Democrática Socioambiental (FADS), afirmou na época que a invasão da TI Xipaya era mais um exemplo de como operava o governo do então presidente Jair Bolsonaro e suas consequências para a Amazônia e seus povos:

“Por meio do discurso, manipulando velhos preconceitos e meias verdades, o bolsonarismo cria teorias convincentes, ainda que falsas, para justificar e estimular um estado de barbárie, de terra sem lei. Afirmam, por um lado, que os indígenas têm o direito de se desenvolverem e que não querem mais viver no mato como antigamente. Se, por um lado, é verdade que os indígenas estão alterando seus modos de vida, por outro, é mentira que eles estejam abandonando suas tradições”.

 

Atualizado em Maio de 2022

 

Cronologia

1750 – Xipaya são contactados pelo Padre Roque Hunderfund, que realizou o “Tour de Pregação aos Kuruaya e Xipaya”, nos rios Xingu e Iriri.

1970 – O povo Xipaya inicia movimentação a favor da reconquista e demarcação do seu antigo território tradicional.

1999 – Funai inicia o processo administrativo de identificação e demarcação da TI Xipaya.

1999 – A Assembleia Legislativa do Estado do Pará (Alepa) instala a Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI da Grilagem de Terra. O objetivo desta CPI era “apurar denúncias de irregularidades na área de terra adquirida pela empresa C. R. Almeida no município de Altamira”.

2001 – Ministério Público Federal (MPF) ajuiza diversas ações civis públicas (ACPs) questionando a falta de consulta pelo Congresso Nacional aos povos indígenas sobre o projeto hidrelétrico Belo Monte, bem como a ausência de adequados estudos de impacto ambiental.

27 de março de 2005 – O então presidente da Funai, Mércio Pereira Gomes, aprova as conclusões do Grupo de Trabalho que identificou a Terra Indígena Xipaya.

18 de abril de 2005 – O MPF no Pará entra com Ação Civil Pública (ACP) para impedir que a criação da Reserva Extrativista Riozinho do Anfrísio, localizada na região da Terra do Meio, resulte no pagamento pelo Ibama de indenização – a título de desapropriação – à empresa Indústria, Comércio, Exportação e Navegação do Xingu Ltda (Incenxil), que alega ser dona de metade da área incluída na reserva.

12 de agosto de 2005 – Justiça Federal em Santarém responde de forma positiva ao pedido dos procuradores da República Felício Pontes e Ubiratan Cazetta para que a empresa Incenxil interrompa qualquer atividade no imóvel conhecido como Fazenda Curuá.

05 de outubro de 2005 – O líder indígena Luiz Xipaya, da comunidade Xipaia-Curuaia, é baleado com quatro tiros por dois pistoleiros.

19 de setembro de 2006 – Decisão do juiz Fabiano Verli nega provimento ao pedido do MPF para retirar os funcionários e as instalações da empresa Incenxil da fazenda Curuá e para proibir o exercício de qualquer poder de polícia dos empregados na vigilância da área, mantendo-os na região.

20 de março de 2007 – A Justiça Federal no Pará determina a retirada imediata da empresa Incenxil da fazenda Curuá.

27 de outubro de 2011 – A Justiça Federal determina o cancelamento da matrícula do imóvel rural conhecido como fazenda Curuá.

05 de junho de 2012 – A então presidenta Dilma Rousseff assina o Decreto que institui a Política Nacional de Gestão Ambiental e Territorial de Terras Indígenas (PNGATI) e homologa sete terras indígenas, incluindo a TI Xipaya.

05 de junho de 2012 – Criação do Comitê de Gestão Integrada das Ações de Atenção à Saúde e de Segurança Alimentar para a População Indígena.

2014 – Os passos iniciais para a extração de ouro pela mineradora canadense Belo Sun começam com a emissão da Licença Prévia (LP) pela Secretaria do Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará (Semas), após a aprovação do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) pelo Conselho Estadual de Meio Ambiente do Pará (Coema).

2015 – Moradores da aldeia Tukamã nomeiam Juma Xipaya como cacica da aldeia, aos 24 anos, tornando-se a primeira mulher a liderar uma comunidade Xipaya.

27 a 30 de novembro de 2017 – Lideranças indígenas de nove etnias se reúnem em Altamira, com autoridades e representantes da Norte Energia, responsável pela UHE de Belo Monte. Eles discutem ações de melhorias nas aldeias impactadas pela implantação da usina.

Novembro de 2018 – O MPF ajuiza oito ações com pedidos urgentes para que a Justiça Federal cancele processos minerários incidentes em 48 terras indígenas no Pará.

17 a 19 de novembro de 2018 – Movimentos sociais da região do Médio Xingu organizam em Altamira encontro chamado ”Amazônia, Centro do Mundo”.

2019 – O MPF promove vários eventos para tratar do hidrograma consensual da Volta Grande do Xingu. De acordo com a Amazônia Real, é realizada vistoria em fevereiro que resulta no “Relatório de vistoria interinstitucional: Garantia da vida e proteção do patrimônio natural e socioambiental da Volta Grande do rio Xingu”.

09 de novembro de 2020 – 150 pessoas, dentre pescadores, ribeirinhos, pequenos agricultores e indígenas Curuaya e Xipaya dos municípios de Altamira, Senador José Porfírio, Brasil Novo, Anapu e Vitória do Xingu, realizam protesto contra vazão ineficiente para que ocorra a piracema na região da Volta Grande do Xingu.

2020 – Ibama publica despacho em que estipula um hidrograma alternativo ao chamado Hidrograma de Consenso da Norte Energia (nessa).

Outubro de 2020 – A Nesa entra na justiça com um recurso contra o despacho do Ibama, indeferido em primeira instância.

14 de maio de 2021 – Lideranças de 12 TIs da região do médio Xingu comparecem em Brasília para cobrar o cumprimento de condicionantes impostas para a construção da UHE Belo Monte.

14 de abril de 2022 – Os Xipaya denunciam a invasão por garimpeiros da aldeia Karimã. Juma Xipaya, em vídeo na rede social Instagram, afirma que os garimpeiros foram violentos com o pai dela. O MPF aciona agentes da Polícia Federal, do ICMBio, da Força Nacional de Segurança Pública (FNSP), do Ibama e da Funai.

15 de abril de 2022 – A Polícia Federal divulga nota afirmando que a segurança será reforçada na TI Xipaya.

16 de abril de 2022- A Operação de Fiscalização “Tríade – Terra do Meio”, comandada pelo ICMBio, aprende a balsa dos garimpeiros que invadiram o território dos Xipaya.

18 de abril de 2022 – Cinco homens e dois adolescentes que haviam sido presos ou apreendidos no dia 16 de abril por invasão ao território indígena Xipaya, no Pará, são soltos no mesmo dia.

20 de abril de 2022 – O MPF convoca autoridades do Governo Federal e do Governo do Estado do Pará para tratar, em uma reunião, de medidas de proteção da TI Xipaya, planejando medidas de curto, médio e longo prazo que resolvam as vulnerabilizações sociais e ambientais na terra indígena.

 

Fontes

‘AJUSTE técnico’ em processos de seis reservas. O Globo, O País, p. 11 – 03 maio 2012. Disponível em: https://bit.ly/3Pi424K. Acesso em: 10 maio 2022.

ALENCASTRO. Catarina. Dilma dificulta demarcação de terras indígenas. O Globo, O País, p. 11 – 02 maio 2012. Disponível em: https://bit.ly/39dGIEF. Acesso em: 10 maio 2022.

ARNAULT. Renan Patrick P. Altamira Indígena em Belo Monte: experiências Xipaya e Kuruana em transformação. Dissertação Apresentada ao programa de Pós-graduação em Antropologia Social. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, 2016. Disponível em: https://bit.ly/3xNkNOv. Acesso em 14 jun. 2022.

BRANDÃO, Roberta. Rio Xingu não tem piracema por causa de Belo Monte.  Amazônia Real , 17 nov. 2020. Disponível em: https://bit.ly/3sy4Usj. Acesso em: 10 maio 2022.

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BRUM, Eliane O AI-5 já se instala na Amazônia (e nas periferias urbanas). El País, 27 nov. 2019. Disponível em: https://bit.ly/39mHtLP. Acesso em: 10 maio 2022.

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