PI – Região de chapadões no extremo-sul do Piauí, patrimônio singular de importância mundial arqueológica e pela transição entre áreas ricas dos biomas Caatinga e Cerrado, é ameaçada por projetos de expansão agrícola e mineração, e até o momento não obtiveram o cuidado merecido das instâncias governamentais

UF: PI

Município Atingido: Redenção do Gurguéia (PI)

Outros Municípios: Avelino Lopes (PI), Bom Jesus (PI), Curimatá (PI), Guaribas (PI), Morro Cabeça No Tempo (PI), Redenção do Gurguéia (PI)

População: Agricultores familiares, Quilombolas, Trabalhadores rurais assalariados

Atividades Geradoras do Conflito: Madeireiras, Mineração, garimpo e siderurgia, Pecuária

Impactos Socioambientais: Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, Assoreamento de recurso hídrico, Desmatamento e/ou queimada, Falta / irregularidade na autorização ou licenciamento ambiental, Falta / irregularidade na demarcação de território tradicional, Invasão / dano a área protegida ou unidade de conservação

Danos à Saúde: Desnutrição, Falta de atendimento médico, Insegurança alimentar, Piora na qualidade de vida, Violência – coação física

Síntese

Desde de 2006 inúmeros conflitos vem acontecendo na região Sul do Estado do Piauí com a situação crítica de desmatamento dos biomas da Caatinga e de Mata Atlântica e a conseqüente destruição de territórios de populações e trabalhadores rurais. Injustiças ambientais e à saúde são os principais produtos visíveis do projeto Energia Verde, implementado pela Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e Parnaíba) em parceria com o governo do Estado, dentro do Plano de Desenvolvimento da Bacia do Rio Parnaíba-Planap.

Licenciado pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente e pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), o desmatamento do Cerrado nativo, visando a produção de carvão vegetal pela JB Carbon S/A ? denominado Plano de Manejo Florestal Sustentável ?, situa-se nas chapadas do extremo sul do Piauí, numa área particular conhecida como Condomínio do Chapadão do Gurgéia. Com indícios de irregularidades no tocante à titularidade das áreas de atuação da JB Carbon, o Instituto de Terras do Piauí (Interpi) iniciou uma série de investigações e contestações acerca da origem das terras.

Em relação ao desmatamento, aos danos ambientais e à saúde dos trabalhadores e populações locais, o Ministério Público acionou a JB Carbon e o Ibama na justiça federal, obtendo a suspensão de suas atividades, no princípio de 2007, até que se verificasse a situação dos 6.000 hectares já desmatados e dos outros 70 mil autorizados para a produção de carvão vegetal que abastecerá usinas siderúrgicas do Sudeste do Brasil. O próprio Ibama constatou no decorrer do processo, que o desmatamento seria ilegal, por incidir sobre Mata Atlântica primária e pela dúvida sobre a legitimidade da titularidade das terras, o que o teria levado a suspender novamente as atividades da empresa. Ao final de 2007, a ausência de estudos de impactos ambientais e do relatório de impactos ambientais (EIA-Rima) levou o MP a desconsiderar a licença previamente concedida pelo Ibama e portanto a conseguir a suspensão da atividade da JB Carbon.

Esta, contudo, conquistou o apoio do governo do Piauí, que lhe concedeu licenças de exploração junto ao Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), para prospectar minério de ferro nas proximidades da Serra Vermelha, localizada entre a Serra das Confusões e a Serra da Capivara, deflagrando mais ameaças ao patrimônio regional de relevante interesse arqueológico, histórico e científico.

Contexto Ampliado

Este tipo de conflito acaba por se espalhar em toda a região Nordeste e se torna cada vez mais recorrente, com algumas variações. Composta por uma população vulnerável, predominantemente rural, com mão-de-obra familiar pouco qualificada e mal remunerada pelos estabelecimentos agropecuários e agroindustriais, a região serve de cenário ideal para a depredação econômica, social e ambiental impostas pelos grandes empreendimentos ligados ao agronegócio.

Numa conjuntura internacional de reavaliação das formas de exploração e consumo dos recursos naturais renováveis e não renováveis, as políticas e empreendimentos autodenominados de ?desenvolvimento sustentável? abriram nova e promissora frente de expansão do capital industrial. Elas estariam fazendo o ?uso sustentável? da água, do solo, da cobertura vegetal e das demais riquezas naturais, materializando-se no Brasil, em sintonia com projetos e ações de governo que vêm abrandando a legislação ambiental, abrindo as comportas para a lucratividade de segmentos agropecuaristas e das indústrias de base brasileiras e multinacionais, que fazem uso intensivo dos recursos naturais.

Na forma de portarias e resoluções ministeriais e de decretos presidenciais, planos de manejo floresta, intervenção em mananciais públicos e áreas de preservação permanente, a legitimação da destruição de cavernas, entre outros bens difusos, se tornaram mecanismo legitimado pelo Estado para dar início ao ciclo do ?desenvolvimento? historicamente conhecido nas fronteiras agrícolas e minerais brasileiras. Assim, o desmatamento ganhou a roupagem da suposta e propagandeada sustentabilidade institucional ? que muitas vezes se converte automaticamente em sustentabilidade política e de financiamento eleitoral de agentes em cargos públicos ?, beneficiados pela chancela governamental que os próprios vêm facilitar, mediante perdões de dívidas, abatimentos substantivos de multas, autorizações, alvarás, outorgas, licenciamento ambiental e financiamento público à apropriação privada dos territórios e do patrimônio natural.

O desenvolvimento local por meio do agronegócio coloca como inexorável o abandono das terras e plantações de culturas alimentícias pelas comunidades rurais, cuja dieta está referenciada em atributos naturais regionais, em costumes passados de geração em geração, de habitantes primevos para novos colonizadores e gerações missigenadas, e pelas tradições preservadas, transformadas nos processos de coleta, cultivo e transformação dos bens em objetos de consumo singulares e que marcam as diferentes regiões brasileiras litorâneas e dos sertões.

Após o desmatamento, estabelece-se a plantação de pastagens, a criação de gado, monocultivos em larga escala para exportação, combinando avanços e retrocessos tecnológicos, na preparação da terra, com métodos violentos de submissão do trabalho a situações humilhantes e muitas vezes análogas à da escravidão, com a grilagem e invasão de terras devolutas, públicas e comunitárias, e com a degradação ambiental, a contaminação e a destruição de fontes de água, marcando a falta de limites e autoridade na gestão do Estado, por seus diferentes entes federados, consumados na improbidade de agentes dos poderes executivo, legislativo e judiciário.

O que se tem visto neste tipo de conflito é que, muitas vezes, algumas áreas de proteção ambiental são criadas como forma de compensar os estragos já feitos ou em vias de execução, em proporção incomparavelmente maior do que aquela eventualmente preservada, a título de ?compensação?. Assim, além de proteger terras particulares de eventual desapropriação por interesse social ? terras que geralmente têm descumprido suas funções social e ambiental ?, tenta-se, por meio da autoridade e do monopólio da violência pelo Estado, estigmatizar e condenar as ocupações realizadas por movimentos sociais e étnicos expulsos de seu próprio território tradicional, pelos grandes empreendimentos e projetos de expansão das fronteiras agrícolas e de fixação ilimitada de projetos de mineração ? para satisfação de acionistas e mercados globalizados.

Por tudo isso, representações e ações nos/dos MPs Federal e Estadual, movimentos de mobilização para fortalecer a demanda de ampliação do Parque Nacional da Serra da Confusões até a Serra Vermelha, parte do mesmo maciço dos Chapadões do Sul do Piauí, mobilização na imprensa resultando o apoio de inúmeras instituições nacionais e internacionais de preservação ambiental e defesa do meio ambiente, são algumas das atividades e estratégias empregadas para revelar o que de fato vem ocorrendo neste território de importância inconteste para o patrimônio natural e cultural mundial.

Além disso, mobilizações dos sindicatos dos Trabalhadores Rurais de Tanque do Piauí, Regeneração, Francisnopólis, Arraial, do movimento quilombola, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e ecologistas na Chapada Grande, levaram o IBAMA e o Instituto Chico Mendes (ICMBio), o Incra, a Universidade Federal do Piauí, a estudarem a possibilidade de criação de uma reserva extrativista na região. A criação de corredores ecológicos da Serra Vermelha ligando as serras das Capivaras e das Confusões foi apontada como vital para se manter a integridade da defesa e preservação desse território. Todavia, até o momento não se tem a confirmação da demarcação da área como de proteção ambiental.

Os poderes públicos estadual e federal parecem continuar apostando nesses projetos desenvolvidos por grandes empresas e proprietários rurais em detrimento das populações rurais locais que pleiteiam assentamentos rurais e a regularização fundiária de suas terras ancestralmente ocupadas.

Última atualização em: 22 de dezembro de 2009

Fontes

Artigos e depoimentos disponíveis no Grupo de Combate ao Racismo Ambiental da RBJA
http://groups.google.com.br/group/gt-racismo-ambiental

Artigos e depoimentos disponíveis na Rede Brasileira de Justiça Ambiental
http://www.justicaambiental.org.br/_justicaambiental/

Banco Temático da RBJA
http://www.justicaambiental.org.br/_justicaambiental/busca_acervo.php

Atlas da Questão Agrária da UNESP
http://www4.fct.unesp.br/nera/atlas/configuracao.htm

FUNAGAS
http://www.funaguas.org.br/

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