PI – Agricultores familiares têm suas terras ameaçadas por avanço de mineradora
UF: PI
Município Atingido: Curral Novo do Piauí (PI)
Outros Municípios: Curral Novo do Piauí (PI), Paulistana (PI), Simões (PI)
População: Agricultores familiares
Atividades Geradoras do Conflito: Mineração, garimpo e siderurgia
Impactos Socioambientais: Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, Assoreamento de recurso hídrico, Contaminação ou intoxicação por substâncias nocivas, Desmatamento e/ou queimada, Poluição atmosférica, Poluição de recurso hídrico, Poluição do solo, Poluição sonora
Danos à Saúde: Piora na qualidade de vida, Violência – ameaça
Síntese
A região de Paulistana está sendo considerada como a nova fronteira mineral do estado. No município de Curral Novo do Piauí está localizada a maior reserva de minério de ferro do Piauí, o que tem atraído interesses de empresas mineradoras para a região.
Desde 2008, a empresa Brasil Exploração Mineral S. A. (Bemisa) vem desenvolvendo pesquisas exploratórias na área. Já foi licenciado e está em fase de implantação o Projeto Planalto Piauí, que prevê a implantação de uma indústria de minério de ferro com sede em Paulistana e ações também nos municípios de Curral Novo do Piauí e Simões. Este projeto vincula-se ainda à ferrovia Transnordestina, também em implantação, da qual fará uso para escoar sua produção.
O município de Curral Novo tem tradição agrícola e abriga diversas comunidades de agricultores familiares, que estão tendo suas terras ameaçadas pelo avanço da mineradora. Segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT), enquanto o governo estadual comemora o fato do potencial produtivo de minério de ferro da região, “vários povoados se preocuparam com os inestimáveis danos socioambientais que a extração mineral pode gerar, como já acontece com obras da Transnordestina que passam pela região”.
Os agricultores das comunidades rurais de Curral Novo, dentre elas Baixio dos Belos, Caititus, Lagoa do Ovo e Sitio do Juá, denunciam que vem sendo abordados agressivamente por funcionários da empresa mineradora e que as propostas de indenização feitas pela desapropriação de suas propriedades são muito abaixo dos valores de mercado e das benfeitorias nelas instaladas. As famílias encontram-se sob ameaça de perder suas terras, o bem que garante sua sobrevivência.
Contexto Ampliado
O estado do Piauí, segundo a revista Minérios & Minerales, teve um grande crescimento econômico nos últimos 12 anos, que se expressa pela duplicação de seu Produto Interno Bruto (PIB) de R$ 7 bilhões para R$ 14 bilhões desde 2002. Este crescimento é fruto do investimento do governo federal e estadual em projetos econômicos de desenvolvimento local. A mudança no estado é grande, com a chegada de empresas e indústrias de diferentes setores.
O estado tem sido considerado uma nova fronteira para a mineração devido à considerável variedade de minérios nele encontrados, como minério de ferro, diamantes, fósforo, níquel, mármore, calcário e argila. A região de Curral Novo do Piauí, de que tratamos aqui, detém uma das maiores reservas de minério de ferro do Nordeste, e a maior do estado.
Dentro deste contexto, vem crescendo o interesse de empresas mineradoras no Piauí, especialmente na região de Paulistana e municípios vizinhos; dentre eles, Curral Novo do Piauí, que possui um dos piores índices de qualidade de vida do estado.
Neste cenário, o caso de conflito que aqui se apresenta está relacionado com a implantação do Projeto Planalto Piauí, de responsabilidade da Brasil Exploração Mineral S.A. (Bemisa), empresa integrante do Grupo MT4 Participações e Empreendimentos S/A. O empreendimento, com custos de cerca de 3,4 bilhões de reais, prevê a instalação de uma indústria de mineração de ferro com sede no município de Paulistana e ações e impactos também nos vizinhos Curral Novo do Piauí e Simões.
Segundo reportagem do Governo do Estado do Piauí, o projeto tem cerca de 43 metros quadrados, onde situam-se cavas, instalações e beneficiamento do minério extraído, barragem de rejeitos, estrutura de apoio, escritórios, laboratórios, dentre outros. Como já mencionado, esta área abrange os limites administrativos dos três municípios, e concentra uma reserva de mais de 800 milhões de toneladas de minério de ferro.
Quando em operação, prevista para se iniciar em 2017, o projeto terá produção anual de 15 milhões de toneladas de Pellet Feed Fine (minério de ferro de granulometria especial), qualidade Premium. Para esta produção, o empreendimento já obteve outorga de captação de 15 milhões de metros cúbicos de água da Barragem de poço do Marruá, no município de Patos, da Agência Nacional de Águas (ANA). Este montante de água corresponde a 5% da capacidade total da barragem.
Este projeto se vincula à instalação da Ferrovia Transnordestina, cujo conflito envolvendo o trecho que passa pela cidade de Paulistana já foi abordado neste Mapa. O empreendimento da Bemisa, localizado a seis quilômetros da ferrovia, fará uso da estrada de ferro para escoar sua produção para os portos de Suape, em Recife, e de Pecém, em Fortaleza, que têm capacidade de receber navios de grande porte. Já foram assinados termos de entendimento entre a Bemisa e a Transnordestina, além de já estar cadastrada a Bemisa como usuário-dependente da ferrovia junto à Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).
De acordo com reportagem da revista Minérios & Minerales, os trabalhos exploratórios de pesquisa vêm sendo realizados desde 2008, tendo seu relatório final aprovado no início de 2012.
Para proceder a instalação do empreendimento, muitas famílias terão de ser removidas de suas casas; para tanto, está previsto o pagamento de indenizações, bem como a realocação das pessoas. Neste ponto começam os conflitos com as famílias de agricultores da região, que temem a subavaliação de suas casas pelo governo e pela mineradora. A maior concentração de comunidades rurais atingidas se dá em Curral Novo do Piauí: destacam-se Baixio dos Belos, Caititus, Sitio do Juá e Lagoa do Ovo, que juntas somam mais de 100 famílias.
Dando início às atividades públicas do processo de licenciamento ambiental do empreendimento, em 18 de abril de 2012 foi realizada, pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (SEMAR), uma audiência pública no município de Paulistana, conforme prevê a legislação brasileira. A audiência pública tem como objetivo apresentar o projeto do empreendimento e abrir espaço para debate e esclarecimento de dúvidas por parte da população diretamente afetada. Nesta audiência, além de ter sido apresentado e discutido o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e seu respectivo Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) para as atividades de lavra a céu aberto nos três municípios, também foi apresentado o relatório com o resultado das pesquisas de exploração.
Nesta apresentação, o então Secretário Estadual de Mineração, Petróleo e Energias Renováveis, Luiz Gonzaga Paes Landim, afirmou que a continuidade das pesquisas é essencial para o estado, podendo resultar na configuração da maior província ferrífera do país, ficando atrás apenas da Serra dos Carajás, que será impulsionada após a conclusão da ferrovia Transnordestina. Com base neste relatório, a Bemisa obteve aprovação de carta-consulta pela Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) para financiar até 55% do investimento total. Cabe destacar que Luiz Gonzaga Paes Landim tomou posse como superintendente da Sudene em junho deste ano, e foi o responsável pela negociação do órgão junto à Bemisa no que tange ao financiamento. Com isso, fica evidente que o empreendimento conta com o apoio do governo federal e também do estadual.
Participaram da audiência representantes da SEMAR, da Bemisa, prefeitos, vereadores, presidente de associações, comunidades quilombolas e população em geral dos três municípios afetados pelos empreendimentos. Segundo reportagem de Antonio Milton, para o Meio Norte, até aquele momento já haviam sido realizadas pesquisas de sondagem em uma área de 60 mil metros ao longo de um perímetro de 20 quilômetros, passando pelas três cidades. A reportagem destaca ainda que, uma vez estando presente a população, os assuntos mais questionados foram com relação aos impactos ambientais, culturais e sociais nas áreas diretamente afetadas e influenciadas pelo projeto, as indenizações, geração de emprego e renda e capacitação da população.
A Licença de Instalação (LI) do empreendimento foi concedida, segundo Augusto Lopes, diretor-presidente da Bremisa, em novembro de 2012. A SEMAR é o órgão responsável pelo licenciamento; no entanto, o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) do empreendimento e seu respectivo relatório (RIMA) não estão disponíveis para consulta no site do órgão.
Tendo em vista o avanço do licenciamento do empreendimento e as poucas informação e assistência oferecidas à população até o momento, no dia 15 de maio de 2013, os moradores da comunidade rural Baixio dos Belos, e de outras localidades de Curral Novo do Piauí, organizaram uma reunião para debater sua situação e traçar uma estratégia de ação das famílias com relação às indenizações de suas residências.
A reunião, segundo reportagem da Folha Picoense, teve mais de 50 participantes e contou com a presença do Bispo de Picos, Dom Plínio José Luz da Silva, e de representantes da Diocese, que atenderam ao pedido de ajuda dos moradores para que a Igreja Católica os acompanhasse no processo de negociação de terras com representantes da Bemisa e também da Ferrovia Transnordestina, que atua em paralelo na região.
Durante a reunião, os moradores revelaram sua preocupação com a forma como os representantes da mineradora e seus advogados os têm abordado. Segundo eles, há um clima de dúvida e perplexidade entre todos, sendo a aparição dessas pessoas que se apresentam como advogados, fazendo propostas de compra das terras, sem terem sido procurados um dos motivos.
Esses advogados, segundo relatos dos moradores, apresentam propostas de valores a serem pagos pelas mineradoras pelas terras, juntamente com os custos de seus honorários advocatícios. Nenhum dos moradores procurou estes advogados solicitando qualquer serviço deste tipo.
Uma das participantes da reunião e moradora da região, Socorro (sem sobrenome indicado nas fontes), afirma que tabém são procurados por representantes diretos das mineradoras com propostas de compra de suas terras, e que os valores oferecidos ficam sempre abaixo do que se considera uma justa quantia de indenização. Além disso, há relatos de que a forma de abordagem destas pessoas é muitas vezes agressiva, pois com tamanha insistência os moradores se sentem pressionados e amedrontados.
Ao final da reunião, Dom Plínio afirmou que, com cautela, a Igreja irá procurar as autoridades competentes para oferecer uma resposta adequada às famílias, que irá atender ao apelo feito pelo povo, pois deseja tão somente que essas pessoas sejam tratadas com respeito e com justiça.
Com relação às denúncias feitas na reunião, sobre a abordagem aos moradores, a Bemisa negou que tais fatos estejam acontecendo. De acordo com nota do portal Notícias de Mineração, a Bemisa informa que apenas seus empregados – e da empresa contratada para facilitar as negociações de compra de terras, Integratio -, estão autorizados a abordar os moradores de Curral Novo do Piauí.
As empresas Bemisa e MT4 Participações e Empreendimentos S.A. e o Governador Wilson Martins assinaram protocolo de intenções do projeto no dia 21 de maio, quando já se encontravam iniciadas as atividades de instalação do empreendimento. Conforme reportagem do Governo do Estado, com o protocolo, o Governo se compromete a melhorar a infraestrutura da região, de forma a atender adequadamente às necessidades do empreendimento, tais como estradas, captação de água e aeroporto.
As comunidades rurais da região seguem se organizando para estabelecer suas estratégias de enfrentamento ao avanço das mineradoras sobre suas terras. No dia 28 de setembro de 2013, foi realizada uma nova reunião, dessa vez no povoado de Caitutus, Curral Novo, que contou com a presença de mais de 80 agricultores familiares.
Neste encontro, segundo a Comissão Pastoral da Terra – Diocese de Juazeiro, os agricultores relataram, apesar da negativa da Bemisa, mais casos de abusos cometidos pelos funcionários da mineradora.
Maria Luzinete Carvalho, moradora do povoado Sítio do Juá, em Curral Novo do Piauí, relatou que vem sendo coagida pelos funcionários da mineradora a vender sua propriedade por um preço baixo: Eles estão ameaçando a gente. Disseram que, se eu não assinasse o documento de venda da minha terra, iriam chamar a Polícia Federal para colocar a gente para fora.
As comunidades estão sendo acompanhadas por advogados populares. Lucas Vieira, um deles, explicou que este procedimento é ilegal, e que, por lei, ninguém pode ser perturbado estando em sua residência. E é crime, também, ameaçar uma pessoa a realizar um ato contra a sua vontade.
A situação das pressões sobre as comunidades não se alterou no ano de 2014. Diante disso, no dia 07 de março, agricultores ligados ao Movimento dos Pequenos Agricultores de toda região de Paulistana realizaram um protesto com o fechamento da estrada BR-407 durante mais de uma hora.
Além de protestar contra a invasão de suas terras pelas mineradoras, de acordo com matéria do Blog do Evangelista, os agricultores se posicionaram, ainda, contra o fechamento das escolas da Zona Rural e contra a ferrovia Transnordestina, que também avança sobre suas terras.
Pelos relatos apresentados nesta matéria, vemos que o problema das indenizações injustas aos agricultores não está restrito ao caso da mineradora. As indenizações sugeridas são muito baixas: Houve um agricultor que chegou a receber uma proposta de pouco mais de cinco reais por um trecho de suas terras em que vai passar a ferrovia.
Frente a este cenário de violação dos direitos dos agricultores familiares, o Ministério Público do Estado no Piauí (MPE-PI) realizou uma audiência pública no município de Curral Novo do Piauí, no dia 14 de abril de 2014. A audiência, que foi conduzida pela Promotora de Justiça Helga Barreto Tavares e contou com a participação do Procurador da República Francisco Alexandre de Paiva Forte, representando o Ministério Público Federal (MPF), tratou das dúvidas e receios da população frente à exploração de minério de ferro na região.
Segundo o MPF, o tema principal foram os direitos da coletividade local, especialmente os das famílias que possuem terras nas áreas de interesse da mineradora. Dentre os objetivos fundamentais deste evento estavam o esclarecimento da comunidade sobre seus direitos no que diz respeito à propriedade; a coleta de informações gerais sobre o caso junto aos moradores sobre a efetiva existência de violação ou ameaça a tais direitos; e defender a obediência intransigente do Poder Público instituído e os serviços de alta relevância social, como é o da exploração de minério de ferro.
Na ocasião, o representante da empresa, presente à audiência, ao ser questionado pelos moradores sobre as indenizações, afirmou que as indenizações estão sendo avaliadas, mas destacou que o valor delas está acima da avaliação do mercado. E […] que, além da venda das terras, é ofertada às famílias a opção de arrendamento e servidão.
A SEMAR também este presente na audiência, na figura do Secretário da Pasta, Mário Ângelo de Meneses, que afirmou, de acordo com notícia do Governo do Estado, que a Bemisa, seguindo recomendação do MPE, irá desenvolver uma ampla campanha de esclarecimentos, destacando o projeto e como estão sendo avaliadas cada área. O secretário lembrou que a LI do empreendimento já foi expedida.
A Diocese de Picos acompanhou a audiência e publicou uma reportagem com entrevistas de alguns agricultores atingidos pelo empreendimento. Arlete Modesto Macedo Fernandes, moradora da comunidade Lagoa do Ovo, pontuou:
Sei que a extração do minério pode gerar muitos empregos, mas nossas comunidades não estão preparadas. Por outro lado, os proprietários de terras não estão sendo valorizados, porque o valor que eles querem comprar é muito baixo. R$ 1.500 o hectare, já incluído tudo o que tiver de construído (casa, cisterna, açudes, cerca e etc). Nós vivemos da agricultura e da pecuária; aí, se vendermos nossas terras e nossos animais por uma ninharia (pequeno valor), nós vamos viver de quê?
Para a moradora Fabiana Araújo, o maior medo é perder tudo o que levou muitos anos construindo:
Meu medo é perder tudo: nossa terra, nossa casa, tudo que construímos com tanto suor, e, de repente, tudo desmoronar. Para eles, a casa da gente não tem nenhum valor, mas, por mais humilde que seja, sabemos que ela é o nosso lugar de abrigo. Ali não se trata apenas de um pedaço de terra, se trata de histórias de vida, de pessoas simples, humildes, mas que têm sentimentos. A minha mãe tem quase 60 anos, e ela nasceu, cresceu e construiu nossa família ali, e hoje vivemos com medo de ficarmos sem nossa terra e termos que recomeçar tudo de novo. Se vai ser bom para o estado, para nossa cidade, como eles dizem, por que só os pobres serão prejudicados?
Dando prosseguimento às ações de acompanhamento e apoio aos agricultores familiares, a Cáritas Diocesana de Picos, em parceria com a CPT, organizou uma ação emergencial junto às comunidades atingidas. Parte da estratégia foi a realização de uma reunião com os moradores no dia 22 de maio, na comunidade de Baixio dos Belos, que teve como um dos objetivos escutar relatos sobre a situação atual, principalmente depois da realização da audiência pública no mês anterior.
Mais de 50 agricultores de dez comunidades afetadas pelo Projeto Planalto Piauí participaram do encontro. Os presentes partilharam suas impressões sobre a audiência, e o sentimento coletivo foi de insatisfação. Segundo Maria Luzinete Coelho, moradora da Comunidade Juá, a audiência não foi suficiente. Nós saímos de lá pior do que entramos. Não tivemos respostas de nada, sequer das perguntas que foram feitas. Foi uma reunião que não trouxe solução de nada. Não sabemos, até hoje, o que fazer das nossas vidas.
Luzinete foi uma das que recebeu a proposta de pagamento no valor de $ 1.500,00 por hectare, mas não está interessada em vender suas terras:
Eu poderia até vender ou arrendar as minhas terras, mas minha preocupação maior é com meus vizinhos. Eu sei as consequências que eles podem sofrer. Nós queremos gritar por Justiça, porque isso tudo só está acontecendo por causa dos nossos governantes, que não têm compromisso com o povo. É muito humilhante viver nessa situação.
Fabiana Araújo se mostrou ainda preocupada com o que as famílias construíram naquelas terras, a pressão que vem sofrendo, e falou em nome de todos:
A maneira como eles estão conduzindo essas negociações tem deixado a desejar. Eles não estão valorizando o que levamos anos para construir, como nossas casas, criatórios, cercas, pastos, poços e barreiros. Já foi feito apelo por uma audiência pública. Porém, até agora, não encontramos nenhuma resposta para esse nosso sofrimento, essa angústia. Alguém tem que nos ouvir. […] Eu não falo apenas em meu nome, mas em nome de mais de 100 famílias que vivem nessa situação de preocupação e desespero, de não saber o que vai ser do amanhã. Eu vou vender minha terra, mas como é que eu vou recomeçar? Tenho preocupação com as pessoas idosas, que têm mais dificuldade de readaptação. Minha mãe, por exemplo, tem mais de 60 anos e eu vejo essa preocupação no rosto dela, essas incertezas do amanhã.
Segundo Hortência Mendes, assessora da Cáritas Piauí, a situação dos agricultores de Curral Novo do Piauí é semelhante a outros casos, e recorrente na história brasileira:
Toda vez que se impõe esse duelo, grandes empresas versus populações pobres, quem, invariavelmente, perde são as pessoas pobres. As elites e justiça do nosso Estado não levam em consideração as necessidades, direitos e vontades do nosso povo. Terra e água são concentradas nas mãos de poucas famílias. O mesmo é visto nos processos de mineração. Famílias pobres são enxotadas de suas terras, perdendo plantações e animais. A missão da Cáritas é fazer essas denúncias e apoiar as famílias na busca de direitos, além de reivindicar junto ao Ministério Público e à Justiça que não seja permitida a degradação do nosso meio ambiente, nem o empobrecimento ainda maior das famílias.
Durante este encontro foi formada uma comissão organizadora dos moradores atingidos pelo empreendimento. Outro encaminhamento, segundo a Diocese de Picos, foi a construção de um relatório contando a história das comunidades afetadas, além da busca por apoio jurídico e planejamento de articulação dos moradores.
Como resultado da audiência pública conduzida pelo MPE em abril, foi elaborada pelo órgão, em parceria com a Procuradoria Regional do MPF em Picos, uma recomendação conjunta sobre as propriedades de famílias nas áreas de exploração do município de Curral Novo do Piauí.
De acordo com o MPE, a recomendação, publicada em 09 de junho, é destinada tanto à mineradora Bemisa, quanto à Câmara Municipal de Curral Novo do Piauí, e está centrada em quatro eixos:
a) Legitimidade do Ministério Público na defesa do interesse individual homogêneo disponível, mas de nítida relevância social, que é a proteção possessória destas famílias;
b) Constatação em audiência pública de que a empresa em verdade não ameaçava tais famílias, mas, simplesmente, lhes omitia dados e direitos assegurados pelo código de mineração quando de suas abordagens, visando a obter a compra das terras;
c) Esclarecimento dos direitos de tal população consoante o Código de Mineração;
d) Direito à informação de tal população, que pode ser exigido da Mineradora.
A recomendação estabeleceu ainda que a empresa tem prazo de 60 dias para elaborar material gráfico e educativo sobre o tema das desapropriações e indenizações, e que o mesmo deverá ser distribuído quando da abordagem dos proprietários dos quais há interesse em comprar as terras, deixando claros os seus direitos. A Prefeitura recebeu a responsabilidade de divulgar amplamente o que foi recomendado pelo MPE e MPF e fiscalizar o seu cumprimento.
Está prevista a realização do Seminário Estadual sobre Mineração, pela Cáritas Regional do Piauí, em agosto deste ano, onde serão discutidas as informações coletadas nas visitas às comunidades.
Cronologia
2008 – Início das pesquisas de exploração pelo Grupo Bemisa.
19 de abril de 2012 – 1a. Audiência Pública do empreendimento, para divulgação do Relatório Final, contendo os resultados das pesquisas e EIA/RIMA.
Novembro de 2012 – Emitida a Licença de Instalação.
15 de maio de 2013 – Reunião de organização dos moradores da comunidade Baixio dos Belos na qual são denunciados abusos nas negociações de compra de terras.
21 de maio de 2013 – Assinado protocolo de intenções entre Governo do Estado e Bemisa, para obras de infraestrutura que viabilizarão o empreendimento.
28 de setembro de 2013 – Reunião de agricultores familiares de Curral Novo do Piauí para traçar estratégias de resistência.
07 de março de 2014 – Protesto do Movimento dos Pequenos Agricultores da região de Paulistana fecha a BR-407.
14 de abril de 2014 – Audiência pública realizada pelo Ministério Público do Estado do Piauí (MPE-PI), em Curral Novo do Piauí.
22 de maio de 2014 – Reunião da Diocese de Picos e Comissão Pastoral da Terra com os agricultores de Curral Novo do Piauí.
Junho de 2014 – Ministério Público Federal no Piauí (MPF-P) e MPE-PI divulgam recomendação à mineradora e à prefeitura de Curral Novo do Piauí.
Fontes
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COMISSÃO PASTORAL DA TERRA – DIOCESE DE JUAZEIRO. Comunidades se articulam para enfrentar avanço de mineradoras da região de Paulistana (PI). 30/09/2013. Disponível em: http://goo.gl/ilgDjO. Acessado em: 15 jun. 2014.
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