PE – Trabalho escravo e dilapidação ambientais

UF: PE

Município Atingido: Palmares (PE)

Outros Municípios: Palmares (PE)

População: Agricultores familiares

Atividades Geradoras do Conflito: Atuação de entidades governamentais, Monoculturas

Impactos Socioambientais: Desmatamento e/ou queimada, Poluição do solo

Danos à Saúde: Acidentes, Falta de atendimento médico, Piora na qualidade de vida

Síntese

Em novembro de 2008, um total de 284 cortadores de cana foi encontrado pelo Grupo Especial do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), trabalhando em situação degradante. O trabalho de inspeção foi realizado nas terras dos engenhos Poço e Barra D?Ouro, que fazem parte da usina Vitória, município de Palmares, na Zona da Mata Sul de Pernambuco. O termo degradante é utilizado pelo Código Penal para equiparar a trabalho análogo ao de escravo. A propriedade inspecionada pertence ao prefeito eleito da cidade, José Bartolomeu de Almeida Melo, conhecido como Beto da Usina. O mesmo negou a existência de trabalho escravo e disse que a denúncia do Ministério do Trabalho é motivada por questões políticas.

Em maio de 2009, seis meses depois da denuncia sobre trabalho em condições degradantes, a usina Vitória foi autuada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), por abrigar no seu parque industrial uma serraria abastecida por madeira ilegal ? toras de Mata Atlântica, protegida por lei federal.

Contexto Ampliado

A fiscalização foi realizada em conjunto com o Ministério Público do Trabalho (MPT) em Pernambuco e a Polícia Federal. A equipe, especializada em fiscalizações no setor sucroalcooleiro, informou que os trabalhadores encontrados atuavam no corte de cana-de-açúcar sem equipamentos de proteção individual. Alguns trabalhavam descalços e não dispunham de água potável nem de alimentação adequada. ?Outra irregularidade grave é que não havia instalações sanitárias nas frentes de serviço. Os agricultores eram obrigados a fazer suas necessidades fisiológicas no meio do mato?, explicou o procurador do Trabalho em Pernambuco Flávio Gondim.

Ele afirmou que os cortadores enfrentavam jornadas exaustivas para cortar o número de toneladas de cana exigido pela usina e, com isso, assegurar o pagamento do salário mínimo. ?A cada três toneladas de cana cortadas, ganhavam cerca de R$ 14,70. Também eram transportados em veículos antigos e precários, em total desconformidade com a legislação em vigor?, observou.
A situação foi considerada mais grave no engenho Poço, onde os 55 trabalhadores estavam sem carteira assinada. Ainda em novembro, em reunião com representantes da usina Vitória, a equipe do grupo especial de fiscalização móvel exigiu a imediata retirada dos trabalhadores das frentes de serviço e a rescisão indireta de seus contratos, segundo informa a coordenadora do grupo móvel, Jaqueline Carrijo.

Alguns trabalhadores rurais do engenho Poço podem ter sido submetidos a essas condições degradantes por anos, como é o caso de um lavrador admitido em 13 de novembro de 1972 e de uma trabalhadora rural contratada em 1º de outubro de 1978. Depoimento de outro lavrador revelou como ele teve de continuar a trabalhar mesmo estando com a perna ferida, após acidente de trabalho em que caiu de um caminhão, quando fazia o trabalho de corte da cana.

A lista de irregularidades encontradas pelos fiscais era extensa e segundo a coordenadora Jacqueline Carrijo, a empresa já havia sido notificada anteriormente pela Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de Pernambuco (SRTE/PE) por conta das irregularidades e já tinha recebido informações de como se adequar à legislação trabalhista ? Todos os 284 trabalhadores não tinham equipamentos de proteção individual (EPIs). Os empregadores forneciam uma luva somente, e só para alguns trabalhadores. Isso é um absurdo, somente uma luva, e não o par. O restante dos equipamentos não era oferecido, conta a coordenadora, relatando ainda que a usina não fornecia água. Os próprios trabalhadores traziam água de casa em garrafas PET, mas a bebida costumava acabar por volta das 11h da manhã. Os cortadores procuravam os companheiros que ainda tinham água, e caso não tivessem, tomavam água de brejos próximos da frente de trabalho, relatou a coordenadora.

No engenho Barra D`Ouro, a jornada dos 229 resgatados começava às 3h da manhã, quando eles acordavam para providenciar o preparo da alimentação, e só terminava depois das 18h. O ônibus que transportava os cortadores estava em situação precária, não tinham licença para circular e era conduzido por motoristas sem carteira de habilitação. A parada para descanso era de no máximo 30 minutos para o almoço, no meio do dia Os cortadores traziam a comida em potes de margarina, recipientes inadequados para o armazenamento de refeições. Eles se alimentavam basicamente de macarrão, arroz e farinha. Ou seja, só carboidrato, sem os nutrientes necessários para quem exerce uma atividade tão desgastante. As refeições eram feitas no chão, sem nenhuma proteção contra o sol. Foram lavrados 129 autos de infração e seis termos de interdição contra a usina Vitória, incluindo o parque industrial da empresa e a frente de trabalho.

A equipe do grupo especial de fiscalização móvel também constatou irregularidades graves no parque industrial da usina. Por oferecerem grave e iminente risco à saúde e integridade física dos trabalhadores, vários equipamentos foram interditados pelos auditores fiscais do Trabalho, entre os quais as três caldeiras que alimentam a usina. Além disso, foi averiguado que nenhum médico do trabalho era responsável pela planta da usina, demonstrando a indiferença sobre as condições de saúde dos trabalhadores por parte de seus empregadores. O ruído intenso na usina prejudicava a saúde auditiva dos 436 empregados registrados.

Após a adequação, os fiscais da SRTE/PE virão fiscalizar novamente e só assim liberar o local para funcionamento, explicou Jacqueline. O grupo móvel foi composto por 11 auditores fiscais, oito policiais e um delegado da Polícia Federal (PF), e pelo procurador do trabalho Flávio Gondim. A ação se estendeu durante o período de 11 a 25 de novembro.

Os equipamentos interditados não poderão ser operados. Enquanto não forem corrigidas as irregularidades detectadas pelos auditores.

Não surpreende, porém as argumentações do prefeito Beto da Usina, em própria defesa, ao dizer que a denúncia não passa de intriga política. ?É tudo mentira. Os próprios trabalhadores ficaram contra os fiscais. Os sindicatos estão do meu lado. O que eles (a fiscalização) vieram fazer aqui é uma ditadura. Uma manobra orquestrada pelo meu adversário que não se conforma de ter pedido a eleição?, defendeu-se.

Seis meses depois da denuncia por uso de mão de obra escrava, a usina Vitória, em maio de 2009 voltaria a ser alvo, mas do Ibama, que a autuou por abrigar no seu parque industrial uma serraria abastecida por madeira de Mata Atlântica. ?A serraria funciona no pátio da indústria e é abastecida com madeira de árvores de remanescentes florestais da região?, afirmou o coordenador de operações do Ibama, Alberto Rodrigues. Beto da Usina afirmou que o Ibama estaria enganado. ?Tem uma serraria lá, mas fica num terreno vizinho. Sou dono da usina, mas a serraria não é minha?, garantiu.

Alberto Rodrigues informou que as máquinas e as toras encontradas no local foram recolhidas por integrantes do Exército que acompanharam a segunda etapa da Operação Sucupira, iniciada em semana anterior, em ação conjunta que também envolveu a Agência Pernambucana de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (CPRH) e a Polícia Rodoviária Federal. 18 serrarias foram fechadas, multas de mais de R$ 1 milhão, 300 toras apreendidas e maquinas e cabos de uma fábrica de vassouras foram recolhidas. Na serraria da usina Vitória, a equipe recolheu 100 toras de sucupira e 17 máquinas.

Casos como esse só atestam que, ainda que se produza dentro dos padrões almejados de ?desenvolvimento?, o modelo dos monocultivos não cumpre com a função social do trabalho, já que explora milhares de trabalhadores e degrada o meio ambiente. Apesar da Constituição Brasileira prever a desapropriação de terras onde sejam encontrados trabalhadores em situação análoga à de escravo, usinas em tal situação e os políticos proprietários continuam sendo acobertados pelo pacto corrupto de seus pares.

Ainda quando o esforço de fiscalização e denúncia se faz realizar, como observado nas ações do Grupo de Fiscalização do Ministério do Trabalho, a realidade de trabalhadores e trabalhadoras rurais que vivem sob essa condição é muito maior do que se tem registro. Um grupo móvel não consegue acompanhar todas as denúncias de trabalho escravo feitas pelos movimentos sociais do campo.

As considerações de José de Souza Martins elucidam bem a realidade encontrada não só na usina Vitória, como também naquelas onde prevalece o trabalho da cana, que é por essência explorador da atividade humana.

?Pessoas e instituições envolvidas nessas providências humanitárias, urgentes e necessárias, atuam geralmente na suposição de que a prática de escravidão nos dias de hoje resulta de um desvio de conduta em relação aos princípios que a lei e a moral estabelecem. Interpretação compreensível se o recurso ao trabalho escravo fosse apenas uma exceção ocasional no funcionamento deste ou daquele estabelecimento agrícola ou industrial. Entretanto são claras as evidências de que o revigoramento e a manutenção do trabalho escravo estão integradas na própria lógica essencial de funcionamento econômico moderno e atual?.

Portanto, o trabalho escravo não é um fenômeno residual, não é somente um resquício de um passado superado por condições
mais humanas. Ele se atualiza sob os diversos casos encontrados em Pernambuco, ora encontrado sob o termo ?condição degradante? ou ?condição precária?…

Fontes

Tribuna Popular. Trabalho escravo: prefeito eleito de Palmares (PE) mantém 284 cortadores de cana. Disponível em http://tribunapopular.wordpress.com/2008/11/21/trabalho-escravo-prefeito-eleito-de-palmares-pe-mantem-284-cortadores-de-cana/. Acesso em 30/06/2009

MPF. MP oferece denúncias por trabalho escravo. http://noticias.pgr.mpf.gov.br/noticias-do-site/criminal/mpf-oferece-denuncia-por-trabalho-escravo/ Acesso em 30/06/2009

Correio da Cidadania. Fiscais resgatam 284 cortadores de usinas de prefeito eleito http://www.correiocidadania.com.br/content/view/2673/9/. Acesso em 13/07/2009

Jornal do Comércio. Usina autuada por usar madeira ilegal. Disponível em http://www.cptpe.org.br/modules.php?name=News&file=article&sid=2095. Acesos em 13/07/2009

MARTINS, José S. A sociedade vista do abismo. Novos estudos sobre exclusão, pobreza e classes sociais. 2° edição. Vozes., 2002.

Outras páginas visitadas
CPT. http://www.cptpe.org.br/modules.php?name=News&file=article&sid=2095

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *