Parques eólicos do agreste pernambucano forçam comunidades a abandonarem suas casas por problemas de saúde e impedem seu modo de vida e sua subsistência
UF: PE
Município Atingido: Caetés (PE)
Outros Municípios: Capoeiras (PE), Paranatama (PE), Pedra (PE), Venturosa (PE)
População: Agricultores familiares, Trabalhadores rurais sem terra
Impactos Socioambientais: Alteração no ciclo reprodutivo da fauna, Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, Desertificação, Erosão do solo, Falta / irregularidade na demarcação de território tradicional, Mudanças climáticas, Poluição atmosférica, Poluição de recurso hídrico, Poluição sonora, Precarização/riscos no ambiente de trabalho
Danos à Saúde: Desnutrição, Doenças não transmissíveis ou crônicas, Insegurança alimentar, Piora na qualidade de vida
Síntese
Desde o final de 2015 e início de 2016, operações do Complexo Eólico Serra das Vacas (ESV) e do Complexo Eólico Ventos de São Clemente têm impactado a vida dos moradores de algumas cidades do Agreste Pernambucano. O primeiro está localizado no povoado Alto da Serra, município de Paranatama (PE), enquanto o segundo situa-se entre os municípios de Caetés, Capoeiras, Pedra e Venturosa. Para se ter uma ideia, Paranatema e Caetés estão a cerca de 20km de distância entre si, o que potencializa os impactos gerados pela instalação desses complexos na região, que atingem principalmente pequenos agricultores e agricultoras.
Quando as empresas responsáveis começaram a fazer os primeiros contatos com os/as moradores/as, além de propagandear a versão de que a energia produzida seria limpa e sustentável, ofereceram dinheiro para quem cedesse terreno para a instalação dos aerogeradores, com expectativa de melhoria de vida numa região que, além de sofrer com a seca, é extremamente pobre, apresentando baixos índices de desenvolvimento humano (em Caetés, por exemplo, o IDH é 0,522).
Muitos/as dos agricultores/as, analfabetos/as, apesar de uma resistência inicial, passaram a aceitar o dinheiro, acreditando que os empreendimentos só trariam benefícios. No entanto, com o passar do tempo, a construção dos parques eólicos evidenciou os impactos, especialmente devido à proximidade das casas com os aerogeradores (UPE, 2023).
De aliados, os/as moradores/as passaram a ser tratados como inimigos/as do desenvolvimento da região, a partir do momento em que procuraram a empresa para se queixar dos problemas que enfrentavam. Poluição sonora, poluição das águas, desmatamento, impedimento do acesso a cultivos de subsistência, distúrbios do sono, depressão e ansiedade são apenas alguns dos impactos sofridos desde então pelos atingidos pelos dois parques eólicos do agreste pernambucano.
Tratados como invisíveis e improdutivos em lugares em que garantiam sua subsistência e sossego, os/as moradores/as hoje convivem com problemas de saúde e com a perda de seu modo de vida e de seus vínculos. Algumas pessoas abandonaram suas casas, pois não conseguem mais conviver com o estresse gerado pelos parques eólicos.
Nota:
O Mapa de Conflitos agradece a Beatrys Barreto, da Cáritas Garanhuns, pela indicação e pelos dados iniciais para a construção deste conflito.
Contexto Ampliado
Conforme publicado pelo Sistema Chesf (2016), o Complexo Eólico Serra das Vacas está localizado no povoado Alto da Serra, município de Paranatama (PE), a 254 km da capital Recife. Ele encontra-se funcionando com 100% de disponibilidade dos aerogeradores desde novembro de 2015. A previsão era de entrada em operação apenas em janeiro de 2016, mas a inauguração foi antecipada em 45 dias com o adiantamento da entrega da obra.
A previsão, segundo o portal O Empreiteiro (2022), é de que nesse complexo seja gerada energia elétrica pelo prazo mínimo de 20 anos. O complexo Eólico Serra das Vacas S/A é uma Sociedade de Propósito Específico (SPE) constituída pela PEC Energia S.A. (51%) e pela Companhia Hidrelétrica do São Francisco – Chesf (49%). A PEC Energia S.A é, segundo o Valor Econômico (2018), uma holding de sociedades que “realiza estudos, projetos e planejamento para construção e exploração de empreendimentos de geração de energia elétrica a partir de fontes renováveis, com foco em geração de energia eólica, solar e hídrica”.
De acordo com Rosa Falcão (2015), após adquirirem em 2013, por meio de um leilão, o direito de operar com a comercialização de 43,6 MW no mercado de energia, a Chesf e a PEC Energia S.A. obtiveram, em 17 de novembro de 2015, o financiamento do projeto por parte do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Foram aprovados recursos da ordem de R$ 269,4 milhões para a implantação do complexo energético, cujo investimento total previsto era de R$ 530 milhões.
As obras de instalação do parque eólico também foram financiadas com recursos na modalidade de “empréstimos-pontes”, obtidos pelos acionistas junto aos bancos Bradesco e Itaú. Segundo o próprio BNDES, empréstimos-pontes são financiamentos realizados para um projeto com a finalidade de agilizar os investimentos por meio da concessão de recursos durante o período de estruturação da operação de financiamentos a longo prazo.
Isso significa a concessão de crédito de curto prazo para cobrir necessidades transitórias de recursos até a concretização do financiamento definitivo programado. Toda a energia produzida pelos quatro parque eólicos já estava contratada pelas distribuidoras de energia elétrica, dentre elas, a Companhia de Energia Elétrica de Pernambuco (Celpe).
O Complexo é composto por quatro Centrais Geradoras Eólicas (CGEs): Serra das Vacas I, II, III e IV. Sua conexão ao Sistema Interligado Nacional (SIN) está na Subestação Garanhuns II, com uma linha de transmissão com capacidade instalada de 260 MVA e 45 km de extensão. Sua fase I conta com quatro parques com 53 aerogeradores interligados à subestação coletora, totalizando 91 MW de capacidade instalada.
Na Fase II do projeto, há duas CGEs e 22 aerogeradores, totalizando 51 MW de capacidade instalada. A segunda fase entrou em operação em setembro de 2017 – segundo o portal O Empreiteiro (2022). A Fase III, por sua vez, tinha início previsto para o final de 2022, com capacidade total de 88 MW e investimentos de cerca de R$ 600 milhões na sua construção, abrangendo mais ou menos sete mil hectares de área.
Não há maiores informações a respeito da construção da fase IV. A construtora por trás desses projetos é a Engeform Engenharia, que vem investindo em áreas como tratamento de água e esgoto, com aproximadamente R$ 2 bilhões de contratos em andamento em 2022 e negócios nos estados de São Paulo, Espírito Santo, Rio de Janeiro e Ceará.
Além do Complexo ESV, na mesma região do complexo de Paranatama, em 30 de maio de 2016 começou a operar o Complexo Eólico Ventos de São Clemente, o maior complexo eólico do estado de Pernambuco. Formado por oito parques eólicos, distribuídos entre os municípios de Caetés, Venturosa, Pedra e Capoeiras, no Agreste Meridional, o complexo localiza-se a cerca de 250 km da capital, e possui 126 aerogeradores. Sua capacidade instalada é de 216 MW, suficientes para atender à demanda de 550 mil famílias.
Esse complexo contou com investimentos de R$ 1,2 bilhão, tendo como empreendedor original a empresa Casa dos Ventos, já detentora do Ventos de Santa Brígida (181,9 MW), também na região de Caetés, e do Ventos de Santo Estevão (142 MW), em Araripina. Juntos, os três teriam capacidade de produzir 30% da energia do estado de Pernambuco (Diário de Pernambuco, 2016).
De acordo com Wagner Freira (11 de janeiro de 2016), o Complexo Eólico Ventos de São Clemente foi adquirido pela Cubico Sustainable Investments. A empresa anunciou a aquisição de 392 MW em parques eólicos no Brasil, investindo R$ 2 bilhões para esse fim. Com matriz em Londres (Inglaterra), a Cubico investe e gere ativos de energia renovável e água.
A empresa pertence a três sócios: o banco Santander; um fundo de pensão de professores de Ontário, no Canadá (Ontario Teacher’s Pension Plan) e outro fundo de pensão canadense, o Public Sector Pension Investment Board. Além do parque em Caetés, ela também adquiriu o parque Ventos do Araripe (210MW), no estado do Piauí, compondo a maior negociação em parques em operação no Brasil até 2015. Além da sede em São Paulo (SP), a empresa possui um centro operacional em Fortaleza (CE).
As visitas para informar os moradores sobre a instalação do parque foram feitas com o acompanhamento do poder público e de representantes das prefeituras dos municípios afetados. Na época, as gestões eram de Armando Duarte (PTB), em Caetés; Ernandes Albuquerque (PL), em Venturosa; Zeca Vaz (PTB), em Pedra; e Neide Reino (PSB), em Capoeiras. Representantes dos Sindicatos dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais dos municípios (STTRs) sequer foram convidados para as visitas (Sobreira, 2021).
Entretanto, segundo aponta Vinícius Sobreira (2021) em reportagem para o Brasil de Fato, desde 2014, ano em que as famílias começaram a receber visitas informando o interesse da instalação de aerogeradores da empresa Casa dos Ventos em Caetés, elas tiveram expectativas nunca cumpridas. A empresa prometeu que os pequenos agricultores e proprietários rurais da região ganhariam, com a instalação das torres em suas terras, algo como uma “aposentadoria para o resto da vida”.
Quando da inauguração do Complexo Ventos de São Clemente, o ex-governador do estado de Pernambuco, Paulo Câmara (PSB), acionou de forma remota, dentro do Palácio do Governo, em Recife, um dos 126 geradores do complexo e destacou a importância da participação da energia eólica na matriz energética do estado. Entretanto, hoje, mesmo com a instalação de aerogeradores, os ganhos não vieram e a vida se tornou um “inferno”, segundo relato dos próprios moradores, com impactos na saúde, na produção e no meio ambiente.
A vulnerabilidade que já provinha de mais de cinco anos de seca enfrentados na região em 2014 foi acentuada ainda mais com a perspectiva não cumprida de melhoria de vida. A Casa dos Ventos ofereceu reforma e construção de casas, pagamentos mensais entre R$ 1.500,00 e dois mil reais por cada aerogerador instalado no terreno – valor que, segundo a empresa, variaria conforme a produção de energia. Acontece que as próprias famílias não dispõem de informação sobre a quantidade de quilowatts produzida pelas torres, o que as impede de reivindicar o valor justo pela produção (Sobreira, 2021).
Ainda assim, os STTRs tinham uma visão otimista em relação à proposta apresentada, dado que, sob o viés de uma “energia limpa e sustentável”, se geraria renda para a região e melhorariam as condições de vida no campo, movimentando a economia local. De fato, observou-se um maior número de empregos durante o período de construção do parque, além do aumento da procura de aluguéis de casas na cidade ou da contratação de restaurantes. Porém, não foram divulgados os malefícios que seriam sentidos após o início das operações.
Conforme os/as agricultores/as Simão da Silva e Edite da Silva, que há mais de uma década habitam a região ocupando um sítio, apesar de não terem aerogeradores em seu terreno, estão a 220 metros de distância de um deles, fato que mudou totalmente a rotina do casal.
Simão afirmou à reportagem: “É muito barulho. A minha mulher está com o sistema nervoso agitado e com depressão. Não aguenta mais ficar no sítio. É uma situação muito difícil” (Sobreira, 2021). Simão plantava e criava animais em seu sítio, mas, após a chegada das eólicas, tudo mudou. Os animais se afugentaram com o barulho, como os pássaros, e os/as moradores/as passaram a ter problemas como insônia, ansiedade, depressão e perda da audição.
Equipe do Brasil de Fato constatou em visita ao local a constância do ruído dos aerogeradores, durante 24 horas por dia, especialmente à noite e de madrugada, quando os ventos são mais fortes. Outro morador, João de Araújo, cuja situação é bastante parecida com a de Simão e Edite, relatou que, além de sua esposa, tem duas irmãs, uma delas com deficiência intelectual. Segundo ele, a irmã vagava pela madrugada no terreno sem conseguir dormir por causa do barulho. A outra irmã foi hospitalizada devido a fortes dores de cabeça que a impediam de dormir.
O impacto no sono, segundo ele, tirou a vida do próprio pai, que passou a ter problemas também ocasionados pela poluição sonora. As dificuldades de um sono de qualidade são um impacto constante na vida e saúde dos agricultores. Além dos aerogeradores, os impactados sofrem com a constante passagem de caminhões e guinchos, que também tiraram a paz da região de Caetés (Sobreira, 2021).
Há proprietários que recebem renda pela instalação de aerogeradores em suas terras, mas que, mesmo assim, optaram por sair da região. Em outros casos, como os de arrendatários que vivem diretamente do trabalho da terra, além de não ficarem com a renda, são obrigados a se manter no local por terem contratos ainda vigentes com os proprietários.
A escolha, em geral, independentemente da condição, é a migração. A moradora Maria Neuma da Silva relatou que, por não conseguir dormir, passou a tomar remédios anticonvulsivos e antidepressivos. Suas filhas desistiram de ficar no local e foram para a área urbana do município.
Segundo Roselma de Melo, liderança comunitária afetada pelos megaprojetos de eólicas na região de Caetés, durante o III Seminário de Saúde Coletiva e Agroecologia (UPE, 2023):
“Gente que nunca precisou tomar um remédio pra dor de cabeça, e hoje a pessoa tá com a pele toda inflamada; a pele de uma vizinha aqui, duas vezes ficou na carne viva, e ela foi no médico particular, e ela me mostrou um frasquinho bem pequeno, que ela disse assim que estava economizando. (…) É uma vergonha de dizer Caetés ‘terra da energia eólica, terra do crescimento’, sendo que acontece isso com o município, a gente não tem assistência de nada. Se a gente precisar de um postinho a gente vai, tem um médico, eles passam um encaminhamento, mas se quiser resolver alguma coisa, vai ter que ir pra Recife, se precisar de algum tratamento mais específico.”
Outro problema bastante evidenciado pelos moradores foi ocasionado pelas implosões para a instalação de aerogeradores, as quais geraram rachaduras nas casas. Os moradores buscaram desde o início diálogo com a empresa, mas não conseguiram um retorno satisfatório, como alguma forma de indenização ou auxílio com materiais para a manutenção da casa (como sacos de cimento). Abafadores acústicos para as casas oferecidos pela Casa dos Ventos sequer funcionavam.
Roselma também complementa a respeito desse problema (UPE, 2023):
“Outra coisa também é sobre as rachaduras, que nas explosões nossas casas foram atingidas, e nunca ninguém veio dar uma assistência, um cimento, uma telha pra colocar no lugar que tenha quebrado a outra, a gente teve que arcar com isso sozinho. E tem rachadura na minha casa que, desde 2014, nós não conseguiu [sic] ajeitar, tá ali cada dia que passa vai se abrindo mais. Então isso são os benefícios das energias eólicas.”
Em 2017, a gestão do parque foi repassada para a empresa Echoenergia, de São Paulo. A dificuldade de diálogo com a empresa se acentuou, pois na época a Echoenergia alegava não ter conhecimento dos problemas prévios existentes. Conforme os moradores, a nova gestão também prometeu e não cumpriu com a resolução dos problemas – segundo aponta a reportagem de Sobreira (2021).
A equipe do Brasil de Fato Pernambuco solicitou esclarecimentos sobre as medidas que estariam sendo tomadas pela Echoenergia para melhorar a condição de vida dos/as atingidos/as pelas eólicas na época, mas não teve retorno. A reportagem acionou ainda a Secretaria de Desenvolvimento Agrário (SDA/PE) e a Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas/PE) de Pernambuco a respeito do acompanhamento e mediação desse conflito junto com a empresa, mas tampouco recebeu um posicionamento.
A geógrafa Adryane Gorayeb, da Universidade Federal do Ceará (UFC), integrante do Observatório da Energia Eólica, aponta como principais impactos associados à produção de energia eólica: emissão de ruído pelas hélices das torres, com consequências negativas para a saúde humana, como distúrbios do sono, enxaqueca e estresse; interferência nas rotas de aves; modificação da paisagem natural e estresse cultural, com conflitos comunitários associados à alteração do modo de vida tradicional (de pescadores, quilombolas e indígenas); e danos aos sistemas ambientais, como compactação do solo, remoção de vegetação e outros (Sobreira, 2021).
No caso específico dos afetados pelas eólicas na região de Caetés e Paranatama, há também impactos relacionados à poluição da água utilizada para consumo geral, como beber, cozinhar, se banhar e para criar os animais.
Em Caetés, apesar de terem conseguido a construção de cisternas nos idos de 2013 e 2014, substituindo a busca por água a pé por quilômetros com baldes de água na cabeça, com a chegada das eólicas, segundo os moradores, há emissão de pó da fibra de vidro que se desprende das hélices das torres dos aerogeradores. O pó, além de sujar os telhados e as casas, tem sido carregado para dentro das cisternas, prejudicando a qualidade da água consumida, além de gerar problemas de pele, como mencionado anteriormente (UPE, 2023).
Outro prejuízo relatado durante o III Seminário de Saúde Coletiva e Agroecologia foi em relação à perda das plantações. Segundo os/as agricultores/as, mais de 90% do que se plantava foi perdido após a chegada das eólicas (UPE, 2023). Os moradores se queixam da proximidade de seus terrenos com as torres das eólicas, às vezes localizadas a 50 ou 60m de suas propriedades.
A empresa solicitou que os/as agricultores/as parassem de plantar e de cavar próximo aos aerogeradores, pois havia riscos de descarga elétrica, risco inclusive ampliado para as crianças, que foram alertadas para não brincarem mais nas redondezas. Além do medo do choque, isso foi impedindo o plantio de cultivos de subsistência como feijão, milho e mandioca, forçando os/as moradores/as a adquirir produtos industrializados.
As eólicas deixam ainda rastros não tão evidentes em termos da alteração dos modos de vida das comunidades atingidas. Os/as moradores/as alertaram para a queda do desempenho escolar das crianças e jovens das comunidades. A dificuldade de dormir tem influenciado diretamente nos resultados dos estudos, já que os jovens e crianças acordam muito cedo para se deslocarem para as escolas da região e, ao longo do dia, têm muito sono.
A perda de segurança e o medo de andar na comunidade também viraram rotina para quem habita essas áreas. Se antes as pessoas costumavam andar quilômetros sozinhas sem preocupação, hoje elas não têm a mesma liberdade por conta do aumento da circulação de desconhecidos em meio às comunidades: “Depois que fizeram essas estradas tá todo mundo com medo, muita gente já foi roubada”, revelou a moradora Edna Pereira (Carneiro, 2022).
Conforme publicado pelo Valor Econômico em 24 de dezembro de 2018, a Superintendência-Geral do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) aprovou a venda da participação da Eletrobras para a EOL Serra das Vacas Holding. Assim, a EOL Serra das Vacas Participações compraria 49% pertencentes a Eletrobras, passando a ter a integralidade do capital social do empreendimento.
Segundo o relatório da Superintendência-Geral do Cade, a EOL Serra das Vacas Participações é subsidiária da holding PEC Energia S.A., que registrou, em 2017, um faturamento superior a R$ 750 milhões, juntamente com outros grupos aos quais pertence: Passarelli, Engeform e Alfenge.
Segundo reportagem de Bezerra e Sobreira de 29 de outubro de 2021 para o Brasil de Fato, após a observação dos impactos e dificuldades enfrentadas pelos agricultores no entorno do Parque Eólico Casa dos Ventos, como adoecimento físico e psicológico, perda de animais e das plantações, organizações como a Cáritas, Comissão Pastoral da Terra (CPT) e Central Única dos Trabalhadores (CUT), juntamente a outras entidades, passaram a realizar comitivas para avaliar os impactos nos parques eólicos em Pernambuco.
As comitivas funcionavam como espaços de diálogo, de articulação na escala regional Nordeste e de denúncias para dar visibilidade aos impactos das eólicas no agreste pernambucano. Outro apoiador da iniciativa é o Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR) de Caetés.
A vice-presidenta da CUT-PE e do STR-Caetés, Uedislaine Santana, afirmou ao Brasil de Fato (2021) que defende o desenvolvimento, mas a partir da implantação e seguimento dos protocolos de licenciamento e consulta prévia preconizados na legislação ambiental e nos acordos internacionais dos quais o Brasil é signatário.
Segundo a matéria, oito famílias na região de Caetés entraram com uma ação judicial de reparação dos prejuízos que tiveram entre 2017 e 2021 por conta da implantação dos aerogeradores. Apesar de os processos estarem ainda tramitando no judiciário, os moradores saíram de suas terras e foram procurar locais na cidade para morar, devido à inviabilidade de voltarem para suas casas.
De acordo com Giovanna Carneiro, em matéria republicada pelo Combate Racismo Ambiental (2022), moradores do entorno do parque eólico de Caetés, como Roselma de Melo, apontaram que, no final de 2021, as estruturas das torres eólicas estavam desgastadas e envelhecidas e, mesmo com a manutenção, houve a queda de uma das hélices de um aerogerador bem atrás de sua residência. Moradora do Sítio Sobradinho, sua família e seus vizinhos entraram em pânico com a queda da hélice, que gerou uma explosão e destruiu a vegetação no entorno.
Roselma é uma das poucas pessoas que ainda permaneciam no local na época, com dois filhos e seu sogro, ainda que temendo outros desabamentos e acidentes. Ela comentou que se assusta durante a noite, pois qualquer barulho mais alto já remete ao risco de as torres desabarem sobre sua casa. Ela admite que perdeu mais de 10 quilos por conta do estresse gerado.
Além de “roubarem” a saúde dos moradores, o parque eólico “roubou” até a identidade do local. Segundo a moradora Edna Pereira (Carneiro, 2022):
“Como é que eles [empresários] chegam aqui e botam essas coisas [aerogeradores] sem pedir permissão a ninguém? Antes aqui era Sítio Sobradinho e agora já não é mais, agora eles é que são os donos e não pode ser assim, nós temos nossos direitos. Eu não quero sair do meu lugar porque meu lugar era muito sossegado, um lugar para você viver a vida inteira e agora não tem mais como eu viver aqui. Como é que eles podem vir fazer isso e tirar a paz da gente? Eu não me conformo com isso, não”.
De acordo com Ana Paula Ragazzi, em agosto de 2022 a AES Brasil comprou três ativos eólicos da Cubico Sustainable Investment no Brasil. Tratava-se de três usinas: Ventos do Araripe (PI), Caetés (PE) e Cassino (RS) que, juntas, tinham uma capacidade de gerar 456 MW de energia.
A transação envolveu R$ 2,03 bilhões, sendo R$ 1,1 bilhões do seu valor e R$ 930 milhões em dívidas. A AES tinha, na época, como principais acionistas a empresa BNDES Participações S.A., com 8%, e a Eletrobrás, com 6,13%, bem como plantas eólicas e solares nos estados de São Paulo, Bahia, Rio Grande do Norte e Ceará.
No dia 16 de março de 2023, ocorreu em Montadas, município paraibano, a 14ª Marcha pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia, organizada pela coordenação de mulheres do Polo da Borborema, na Paraíba. Roselma de Melo, liderança em Caetés, participou do evento para compartilhar as angústias que ela e cerca de 5 mil agricultores/as passam devido à operação do Complexo Eólico Ventos de São Clemente desde 2015.
A 14ª edição da Marcha enunciou a contradição na produção industrial da energia renovável e ocorreu justamente numa área na Paraíba em que empresas já estão conseguindo licenças por parte do estado para instalar parques eólicos (Amorim, 2023).
Atualização: agosto 2023
Cronologia
2013/2014 – Começam as visitas por parte da empresa Casa dos Ventos, em Caetés e região, informando aos moradores sobre o interesse da instalação de parques eólicos.
2015 – O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) aprova recursos da ordem de R$ 269,4 milhões para a implantação do Complexo Eólico Serra das Vacas, em Paranatama (PE).
Novembro de 2015 – O Complexo Eólico Serra das Vacas inicia suas operações no município de Paranatama (PE), a 254km da capital Recife.
30 de maio de 2016 – Começa a operar o Complexo Eólico Ventos de São Clemente, o maior do estado de Pernambuco.
11 de janeiro de 2017 – É noticiado que o Complexo Eólico Ventos de São Clemente passa a ser da empresa Cubico Sustainable Investments.
Setembro de 2017 – Entra em operação a segunda fase do Complexo Eólico Serra das Vacas.
2017 – A gestão do Complexo Eólico Ventos de São Clemente é repassada para a empresa Echoenergia.
Dezembro de 2018 – A Superintendência-Geral do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) aprova a venda da participação da Eletrobras para a EOL Serra das Vacas Holding.
Outubro de 2021 – Organizações como a Cáritas, Comissão Pastoral da Terra (CPT) e Central Única dos Trabalhadores (CUT) realizam comitivas para avaliar os impactos nos parques eólicos em Pernambuco.
Final de 2021 – Moradores do entorno do parque eólico de Caetés apontam desgaste nas estruturas dos aerogeradores e a hélice de um aerogerador cai no Sítio Sobradinho.
Agosto de 2022 – A AES Brasil compra três usinas eólicas da Cubico Sustainable Investment no Brasil: Ventos do Araripe (PI), Caetés (PE) e Cassino (RS).
16 de março de 2023 – Acontece em Montadas (PB) a 14ª Marcha pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia, com a presença de Roselma de Melo, liderança em Caetés contra as eólicas.
Fontes
AMORIM, Géssica. Mulheres da Paraíba voltam a marchar em protesto contra impactos dos parques eólicos. Marco Zero Conteúdo, republicado por Combate Racismo Ambiental, 20 mar. 2023. Disponível em: https://shre.ink/a0Xi. Acesso em: 19 jul. 2023.
BEZERRA, Lucila; SOBREIRA, Vinícius. Comitiva avalia impactos e cria mecanismo de denúncia contra parques eólicos em Pernambuco. Brasil de Fato, 29 out. 2021. Disponível em: https://shre.ink/a0f6. Acesso em: 19 jul. 2023.
CARNEIRO, Giovanna. Entenda por que os parques de energia eólica estão piorando a vida das famílias de agricultores no agreste. Marco Zero Conteúdo, republicado por Combate Racismo Ambiental, 16 maio 2022. Disponível em: https://shre.ink/a0Xw. Acesso em: 19 jul. 2023.
COM Ventos de São Clemente, Pernambuco aposta forte na energia eólica. Diário de Pernambuco, 31 maio 2016. Disponível em: https://shre.ink/a0S3. Acesso em: 19 jul. 2023.
EXMAN, Fernando. Cade aprova venda de fatia da Eletrobras no complexo Serra das Vacas. Valor Econômico, 24 dez. 2018. Disponível em: https://shre.ink/adBH. Acesso em: 19 jul. 2023.
FALCÃO, Rosa. O valor que vem do vento. Diário de Pernambuco, 18 nov. 2015. Disponível em: https://shre.ink/adxa. Acesso em: 19 jul. 2023.
FREIRE, Wagner. Cubico anuncia aquisição de R$2 bilhões em parques eólicos no Brasil. Canal Energia, 11 jan. 2016. Disponível em: https://shre.ink/aRXh. Acesso em: 19 jul. 2023.
MESQUITA, Áurea Nascimento de S. et al. A influência da implantação do parque eólico sobre a economia na Região Agreste de Pernambuco. Revista Brasileira de Meio Ambiente, n.1, v.1, pp. 11-019, 2018. Disponível em: https://shre.ink/ad0U. Acesso em: 19 jul. 2023.
O MAIOR complexo eólico de Pernambuco tem tecnologia GE. Vem ver! Ge do Brasil, 27 jul. 2016. Disponível em: https://shre.ink/adwW. Acesso em: 19 jul. 2023.
OIOLI, Erik; ZILIOTI, Matheus. Transformando o agreste de Pernambuco. Vaz, Buranello, Shingaki e Oioli Advogados, 22 jan. 2023. Disponível em: https://shre.ink/a0GV. Acesso em: 19 jul. 2023.
PARQUE Eólico Serra das Vacas III começam obras no final deste ano. Revista O Empreiteiro, 21 set. 2022. Disponível em: https://shre.ink/a0bX. Acesso em: 19 jul. 2023.
PARQUE Eólico Serra das Vacas III será iniciado no 2º semestre. Revista O Empreiteiro, 06 maio 2022. Disponível em: https://shre.ink/a0ku. Acesso em: 19 jul. 2023.
RAGAZZI, Ana Paula. AES compra usinas eólicas da Cubico por R$ 2 bi. Disponível em: https://shre.ink/aRfO. Acesso em: 19 jul. 2023.
SERRA das Vacas em pleno funcionamento. Sistema Chesf, 29 jun. 2016. Disponível em: https://shre.ink/adx0. Acesso em: 19 jul. 2023.
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