PA – Terra Indígena Trincheira-Bacajá é violentada por hidrelétricas, desmatamento ilegal, avanço da pecuária, roubo de madeira, garimpo e grilagem
UF: PA
Município Atingido: Altamira (PA)
Outros Municípios: Anapu (PA), São Félix do Xingu (PA), Senador José Porfírio (PA)
População: Povos indígenas
Atividades Geradoras do Conflito: Madeireiras, Mineração, garimpo e siderurgia, Pecuária
Impactos Socioambientais: Alteração no ciclo reprodutivo da fauna, Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, Desmatamento e/ou queimada, Falta / irregularidade na demarcação de território tradicional
Danos à Saúde: Piora na qualidade de vida, Violência – ameaça, Violência – coação física
Síntese
A Terra Indígena Trincheira-Bacajá está localizada na Amazônia Paraense e é tradicionalmente ocupada pelos povos Mebêngôkre Kayapó e Xikrin. Regularizada desde 1996, possui uma área demarcada de 1.650.939 hectares e uma população de 746 pessoas, conforme informações apresentadas pelo Instituto Socioambiental..
A TI Trincheira-Bacajá está distribuída no território de vários municípios paraenses: Altamira, Anapu, São Félix do Xingu, Senador José Porfírio, tem em seu limite leste as rodovias Belém-Brasília (BR-010) e PA-150 (Belém-Redenção) e, a sudoeste, limita-se com a sede do município de São Félix do Xingu.
Ela também faz limites com assentamentos do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). Essa localização contribui na exposição do território e dos grupos indígenas a constantes conflitos devido à fronteira agropecuária, que facilita a expansão de diversas atividades ilegais no território e em seu entorno.
O Instituto Socioambiental (ISA) informa que os povos ali presentes vivenciam historicamente, registrados desde a década de 1980, conflitos de invasão com potenciais riscos e problemas referentes à questão fundiária e à exploração de recursos, sendo garimpeiros, madeireiros e grileiros os principais responsáveis.
Outro elemento de ameaça ao território é a construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte. Este grande empreendimento afeta várias populações indígenas da região da Volta Grande do Xingu, atingindo a TI Trinchera-Bacajá e ameaçando suas formas tradicionais de organização social e econômica. O histórico da implantação desse complexo hidrelétrico já foi apresentado neste Mapa de Conflitos (http://bit.ly/2X97yUw).
A partir do início de 2019, a situação de fragilidade da Terra Indígena Trincheira- Bacajá, no que se refere às queimadas, passou a ter mais destaque dos meios de comunicação. A TI foi identificada como aquela que concentra a maior parte do desmatamento ilegal da Amazônia, devido, sobretudo, ao avanço da pecuária, ao roubo de madeira, garimpo e grilagem.
Os conflitos vivenciados por décadas se acirraram ao longo do ano, e a sobrevivência dos povos que ali vivem continua sob ameaça.
Atualização : 27/09/2019
Contexto Ampliado
A Terra Indígena Trincheira-Bacajá, demarcada em 1993, está situada ao longo do rio Bacajá e e é habitada por dois povos indígenas distribuídos em oito aldeias no seu curso. Este rio é afluente da margem direita do rio Xingu em sua Volta Grande. Conforme estudo apresentado pela pesquisadora Thais Mantovanelli (2016), a chegada dos Xikrin à região do rio Bacajá tem como data aproximada meados da década de 1920.
Antes do contato com a sociedade nacional, ocorrido entre 1959 e 1961, este grupo indígena vivia caminhando por toda a região de floresta ao longo da margem do rio e no interior de seus igarapés. Nessas andanças, os Xikrin guerrearam com os povos vizinhos, especialmente os povos Araweté, Assurini, e Parakanã. Após o contato e aldeamento, a Terra Indígena Trincheira-Bacajá passa a compor um complexo multiétnico na região da Volta Grande do Xingu.
A pesquisa realizada por Mantovanelli (2016) também indica que os Xikrin são um povo do tronco linguístico Jê setentrional que, do mesmo modo que os Kayapó, se denominam Mebêngôkre. Atualmente, os Xikrin ocupam as Terras Indígenas Cateté, na região de Carajás, e a Terra Indígena Trincheira-Bacajá, região de Altamira, ambas na parte Amazônica do Estado do Pará.
Conforme o referido estudo, a autodenominação Mẽbengôkre tem como tradução usual “povo que saiu do buraco d’água”. Os Xikrin e os Kayapó falam a língua mẽbengôkre e compartilham certos aspectos da cultura, como alguns grafismos corporais, mitologia, rituais, padrões de transmissão de nominação, forma organizacional das aldeias, forma de corte de cabelo, entre outros. Assim, Xikrin e Kayapó possuem, praticam, conhecem e partilham modos de conhecimento.
Apesar de reconhecerem-se como povo-parente que se dividiu em um dado momento mítico/histórico e compartilharem mitos, padrões gráficos e estrutura linguística, os Xikrin e os Kayapó não se reconhecem como parte do mesmo povo. Ambos marcam essas diferenças em várias situações, como nos usos de palavras distintas da língua mẽbengôkre, formas de escrita, padrões corporais gráficos específicos, aspectos da ornamentação corporal, entre outros. Entretanto, se consideram Mẽbengôkre, falantes da língua mẽbengôkre e compartilham atualmente parte do mesmo território.
Datam da década de 1980 as primeiras notícias de conflitos vivenciados pelos Xikrin em seu território. Os registros das distintas situações de embates foram catalogados pelo Instituto Socioambiental (ISA). Inicialmente foram destacadas invasões de parte da reserva indígena por fazendeiros da região de Marabá (PA).
As reportagens foram publicadas por jornais como Correio do Grande ABC (18 de julho de 1980) e o Diário do Comércio (23 de julho de 1980), e revelaram o clima de tensão promovido pela iminência de conflito armado entre indígenas e fazendeiros. Nelas sinalizaram também as tentativas de resolução do conflito pela Fundação Nacional do Índio (Funai), mas pautaram, sobretudo, uma atuação mais precisa do Estado para garantia dos direitos indígenas.
Ainda na década de 1980 é possível identificar diversas informações que revelam a cobiça da reserva indígena dos Xikrin de Bacajá por fazendeiros da região. Muitos começaram a explorar trechos de territórios da reserva de modo ilegal para extração de madeira ou garimpo, e encontraram resistência por parte do grupo indígena.
Em um episódio em que a terra foi invadida para abertura de uma “picada” para delimitação de uma área de exploração de madeira, o grupo tomou como refém três madeireiros que estavam a serviço da empresa, e partiram para a negociação da libertação exigindo solução da questão por parte da Funai e instrumentos de trabalho para o grupo indígena. A grande repercussão do evento foi apresentada em alguns jornais na época, como O Liberal, de Belém do Pará, O Estado de São Paulo e O Globo.
Na década de 1990, a ofensiva contra a reserva do povo Xikrin ainda se manteve, com elementos diferentes para além dos eventos de invasão. Alguns fazendeiros passaram a barganhar a exploração de parte do território em troca de um valor mensal, como se fosse um arrendamento das terras. Tal fato foi noticiado pela Folha de São Paulo em 12 de maio de 1992, e repercutido nacionalmente, tanto pelo destaque da reserva quanto por sua abundância de recursos.
Ainda em 1992, o administrador geral da Funai em Altamira denunciou à direção de Brasília uma derrubada ilegal de 292 toras de mogno e cedro, bem como a presença de garimpeiros nas áreas indígenas Apyterewa e na própria Trincheira/Bacajá.
Como reação às ações das madeireiras nas terras indígenas no Pará, o jornal Folha de São Paulo e o Diário do Pará noticiaram medidas que o Núcleo de Direitos Indígenas (NDI) promoveu. A organização não governamental com sede em Brasília propôs ação civil pública contras as madeireiras Perachi, Maginco e Impar, além da Funai, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e União, solicitando a interdição de estradas clandestinas abertas nas terras indígenas Arawete, Apyterewa e Trinchera/Bacajá e monitoramento de proteção aos territórios.
O pedido foi acolhido pela Vara Federal em Brasília, e a decisão determinou que as madeireiras se retirassem em 10 dias com seus equipamentos, acampamentos e esplanadas; o mesmo prazo foi dado à Funai e Ibama para construção de barreiras de fiscalização.
Em 1993, conforme relatado pela Gazeta Mercantil, tramitaram ainda ações na Justiça pelo enfrentamento à extração de mogno nas áreas indígenas do sul do Pará. O TRF da 1ª Região em Brasília proibiu a exploração de madeira dentro das três terras indígenas anteriormente citadas.
E foi nesse ano, como um marco para a segurança territorial do povo Xikrin, que em 19 de agosto de 1993 foi demarcada, por meio de portaria do Ministério da Justiça, a Terra Indígena Trinchera/Bacajá, com 1,6 milhão de hectares.
Em abril de 1994, o jornal Gazeta Mercantil noticiou que, como uma tentativa de retaliação, dois mandados de segurança foram impetrados naquele mês pelas madeireiras do Pará, a Banach e Sudoeste, com pedido de anulação da demarcação desse território. Entretanto, tal pedido foi rejeitado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).
As duas madeireiras eram rés em ações judiciais movidas pelo NDI e Ministério Público Federal sob acusação de explorarem ilegalmente mogno dentro de áreas indígenas. Naquele período, segundo o NDI, o Pará era o maior Estado produtor e exportador de mogno, fato que aumentava sobremaneira a cobiça nas terras indígenas. Estimava-se que 80% do mogno exportado pelo País fosse ilegalmente extraído de terras indígenas, unidades de conservação ambiental e terras públicas.
Mesmo após a demarcação, o território do povo indígena seguiu ameaçado por distintas situações de injustiça ambiental. Na fazenda Sudoeste, que faz fronteira em Altamira com a terra indígena Trinchera/Bacajá, trabalhadores rurais do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) avançaram para dentro da TI.
Em maio de 1995, circularam notícias, dos jornais O Liberal e Estado de São Paulo, de tensão entre indígenas e posseiros, com possível sequestro de sem-terras por parte dos Xikrin.
Em 1998, a Polícia Federal iniciou a retirada de 400 famílias de posseiros que ocuparam as terras dos Xikrin por um período de dois anos. O judiciário concedera liminar de reintegração de posse aos indígenas. A ação foi realizada pela Polícia Federal (PF), com acompanhamento da Funai, Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Ibama e Ministério Público Federal.
Conforme o jornal O Liberal, que divulgou a notícia, o procurador da República no período, Ubiratan Caseta, havia declarado que aquela era apenas uma das medidas que precisavam acontecer para a proteção das terras de indígenas isolados no Pará. Em depoimento, o mesmo reconheceu que os grupos necessitavam de maior proteção do poder público.
No mesmo período, o Procurador Geral de Justiça, Manoel Santino Nascimento Junior, defendia uma ação integrada entre Ministério Público Federal e estadual (MPE/PA) e de órgãos governamentais para coibir o roubo de madeira, a exploração de ouro e a grilagem de terras indígenas.
Posteriormente, segundo noticiado pelo jornal Mensageiro de Maio, foi formada uma comissão por representantes do Incra, da Funai e do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) para um levantamento ocupacional dos colonos que estavam na área indígena Trincheira Bacajá. Durante o levantamento, foram cadastrados 249 ocupantes que se encontravam morando e trabalhando na área.
O final do cadastramento coincidiu com a reunião entre os órgãos que negociaram o remanejamento das famílias. Entretanto, a situação de tensão entre indígenas e colonos perdurou por todo o ano de 1998.
A partir de 1999 os indígenas de Trincheira-Bacajá passaram a reivindicar melhor assistência de saúde por parte do poder público. Em outubro de 1999, eles questionaram as mudanças no atendimento de algumas comunidades indígenas da região e passaram a exigir que a Funai retomasse o atendimento médico que fora atribuído como uma das linhas de atuação da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), destacando que os profissionais de saúde do primeiro órgão tinham maior competência e autoridade para acompanhamento das especificidades da saúde indígena.
Até então, a Funasa não possuía qualquer expertise na relação com povos indígenas, tendo atuado principalmente no campo do saneamento rural e em campanhas de saúde junto aos camponeses e demais povos e comunidades do campo.
No ano seguinte, em 2000, alguns jornais chamaram a atenção para o surto de catapora na região. O Diário da Amazônia e o ISA destacaram que algumas aldeias passaram por surtos de catapora, com óbito de alguns indígenas. A epidemia ocorrida no período foi atribuída ao descaso nas atribuições de responsabilização da saúde da população indígena, que foi repassada da Funai para a Funasa sem um processo de qualificação desta última para lidar com povos indígenas, bem como a um suposto desvio de verba da prefeitura de Altamira, que deveria ter aplicado o dinheiro no atendimento à saúde de 12 grupos indígenas do município.
Em novembro de 2000, procuradores da República abriram inquérito policial para apurar o suposto desvio de R$1 milhão por parte da prefeitura. A catapora no período atingiu mais fortemente o grupo Arawete, mas também alastrou-se em outras aldeias da região (Bacajá, Asurini do Koatinemo e Arara).
A partir de 2007, a construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte passa a ser mais um elemento de conflito para os Xikrin de Bacajá e outros indígenas. O Mapa de Conflitos envolvendo Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil já retratou o histórico deste conflito (veja aqui).
Entre os principais impactos socioambientais destacamos a perda do “trecho monumental do Xingu [100 km], com seis cachoeiras, arquipélagos, grandes lajes de pedra, ilhas florestadas, corredeiras, sítios arqueológicos” e, por consequência disso, o imediato prejuízo das terras indígenas, já homologadas, como Paquissamba, dos Juruna; e Trincheira-Bacajá, dos Kayapó-Xikrin; que “teria o seu rio Bacajá bastante afetado pelo mesmo trecho seco do Xingu”.
Em meio às tensões relacionadas às lutas contra a implantação do projeto de Belo Monte, o Governo Federal, em 2010, extingue via decreto nº 7.056, de 28/12/2009, a Administração executiva regional da Funai em Altamira, atingindo vários grupos, dentre eles os Xikrin de Bacajá.
Em resposta, os grupos apresentaram uma carta de repúdio e se mobilizaram, afirmando que a extinção da Funai em Altamira colocava em risco suas vidas por conta da atuação de grileiros de terras, madeireiros e garimpeiros ilegais.
Em ocupação à sede da Administração da Funai e à sede da Universidade Federal do Pará (UFPA), eles solicitaram a revogação do decreto e a garantia da continuidade da administração regional em Altamira, com fortalecimento do departamento para salvaguardar a participação indígena na gestão e para dar conta da resolução das demandas indígenas, bem como as que poderiam vir a surgir com a possível construção da Usina de Belo Monte, conforme foi noticiado em Adital, em 10 de fevereiro de 2010.
Em janeiro de 2011, o Ibama concedeu licença parcial à Norte Energia S.A. para início do projeto de construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu (PA). A Norte Energia S.A. (Nesa), responsável pelo empreendimento, teria nesse período permissão para o desmatamento de 238 hectares necessários para a montagem dos canteiros de obra e dos acampamentos nas localidades de Belo Monte e Pimental.
Nesses locais seriam construídas as duas grandes barragens da hidrelétrica. O modelo de “licença de instalação específica”, concedido pela agência ambiental, não era reconhecido pelo Ministério Público Federal (MPF) como válido dentro do direito ambiental brasileiro e, segundo nota da procuradoria, poderia vir a ser questionado na Justiça.
Durante todo o processo que envolvia a construção do complexo de Belo Monte, o povo Xikrin esteve de alguma forma mobilizado. No mesmo ano foi noticiado no site do MPF que os indígenas da Terra Indígena Trincheira-Bacajá convidaram o procurador da República Felício Pontes Júnior para reuniões e solicitaram ao Ministério Público Federal a adoção de medidas contra a usina hidrelétrica.
Os estudos da hidrelétrica mencionaram impactos sobre os indígenas de Bacajá apenas com base em fontes secundárias. Somente em 2011 começaram a ser feitos estudos complementares a partir de termo de referência específico para determinar os efeitos da usina no afluente e nos Xikrin que nele vivem. Durante a visita do procurador, os indígenas relataram que os engenheiros da Norte Energia afirmaram por diversas vezes que eles seriam informados dos impactos, o que ainda não havia acontecido até aquele momento.
Foi divulgado pelo Conselho Indigenista Missionário, em junho de 2012, que o povo Xikrin em conjunto com os Juruna ocuparam um terreno de construção da barragem. Eles decidiram pela ocupação para manifestar insatisfação com o desrespeito de seus direitos e o não cumprimento das condicionantes, em especial, relativas aos indígenas.
Com organização própria e contando apenas com seus recursos, eles ocuparam uma ensecadeira que estava sendo construída no Sítio Pimental, que visava permitir a construção da obra. A manifestação foi pacífica, e eles exigiram a presença de representantes do Governo Federal e da Norte Energia, construtora da usina.
Os povos indígenas estavam insatisfeitos com a situação, já que as condicionantes que deveriam anteceder as obras não estavam sendo devidamente cumpridas em suas terras e em Altamira. Além daquelas que afetavam a todos – como a demora em investir na infraestrutura da cidade, nos serviços de saúde e educação e no saneamento básico, que estavam se tornando cada vez mais sobrecarregados com o aumento populacional já sentido pela região -, os povos indígenas preocupavam-se também com a demora na implantação do Plano Básico Ambiental (PBA).
Ainda em 2012, o ISA retratou que, além da hidrelétrica de Belo Monte, outro grande projeto ameaçava o bem-estar de índios e ribeirinhos na Volta Grande do Xingu. Tratava-se da maior mineração de ouro do Brasil e que começou a ser licenciada no Pará.
A primeira audiência pública aconteceu no dia 13 de setembro de 2012, em Senador José Porfírio. Havia expectativa de implantação das obras pela Belo Sun em 2013, com operação até 2015, acompanhando o cronograma da hidrelétrica de Belo Monte. A empresa pretendia implantar empreendimento em área diretamente afetada pela usina, mas estudos ambientais ignoraram impactos cumulativos sobre as populações tradicionais.
O longo histórico de conflitos tem reflexo até os dias atuais naTI Trinchera-Bacajá. Como denunciam os povos que ali vivem, mesmo com a regularização fundiária da área, ainda sofrem sucessivamente com invasões.
Conforme a Fundação Nacional do Índio (Funai), a parte mais cobiçada é a situada ao longo do rio Bacajá por conta da facilidade de acesso durante o período da seca (de junho a novembro), em que os madeireiros atuam promovendo a limpeza dos ramais que dão acesso ao território. A extração de madeira e o garimpo ilegal tem gerado ainda abertura de estradas clandestinas e o desmatamento no interior da área.
Como já foi relatado neste Mapa de Conflitos, há outras disputas na Amazônia Paraense, a exemplo da situação vivenciada no território dos Kayapó, que sofrem com expressivo processo de contaminação, desmatamento e destruição, promovidos por serrarias e pelo garimpo ilegal. O conflito envolve diversos discursos e práticas concernentes ao uso do solo no território e provoca divergências, inclusive, internas (como pode ser visto aqui).
Outro caso envolve a mineração de níquel, que contamina o rio Cateté no sudeste do Pará, e atinge diretamente famílias de pequenos produtores rurais e os grupos indígenas Kayapó e Xikrin (veja aqui).
Conforme apontado pelo Instituto Socioambiental, apesar de toda a pressão externa e grandes tentativas de expropriação, a Terra Indígena Trinchera-Bacajá ainda preserva sua mata primária, apresentando cobertura vegetal exuberante, rios e igarapés conservados, bem como grande diversidade biológica.
Alguns produtos florestais não madeireiros, como o babaçu e a castanha, são importantes para o consumo e geração de renda. O principal recurso hídrico é o rio Bacajá, cuja nascente localiza-se fora da TI e sua extensão corta o interior da mesma, desaguando no Rio Xingu.
Segundo relato apresentado pela Funai, foi realizado estudo pela própria entidade para verificar como a UHE Belo Monte afetaria este rio. E também foi executado um diagnóstico, que buscou identificar ações impactantes da usina e medidas para monitoramento e preservação.
A principal atividade econômica da comunidade é a produção de castanha, comercializada na cidade de Altamira. Todavia, ainda conforme a Fundação, com o início das ações emergenciais do processo de licenciamento da UHE Belo Monte, houve uma mudança brusca nos padrões de consumo daquelas aldeias.
A disponibilidade de dinheiro para a aquisição de produtos para o dia a dia da comunidade comprometeu o uso tradicional da terra, criando uma situação de forte dependência de recursos financeiros externos. Desde julho de 2011, foram feitos projetos buscando amenizar a dependência de tais recursos e recuperar práticas mais sustentáveis das próprias comunidades por meio de projetos em conjunto com associação local e a Funai.
Conforme apresentado pela Funai, outro impacto promovido pelo processo de licenciamento foram as cisões internas, possivelmente relacionadas aos recursos oriundos das etapas de estudo da UHE Belo Monte. Além da UHE Belo Monte, estão em licenciamento no entorno do território as obras na rodovia federal BR-230 e os planos de manejo próximos aos limites da TI, incluindo o Projeto de Desenvolvimento Sustentável Esperança, incentivado por Dorothy Stang (veja aqui caso sobre o PDS Esperança apresentado no Mapa).
Os Xikrin possuem, desde 2006, a Associação Bebô Xikrin do Bacajá (ABEX), que foi reativada por diversas lideranças jovens. Além dessa, os Kaiapó estão organizados na Associação dos Índios Kaiapó da Aldeia Potikrô (AIKAP). Ambas possuem um papel político importante na região, discutindo questões relevantes como os impactos da UHE Belo Monte e enfrentando as inúmeras situações de conflitos do território.
Como já referenciado, a Terra Indígena Trinchera-Bacajá agrupa a maior parte do desmatamento ilegal da Amazônia promovido, sobretudo, pela grilagem, pelo avanço da pecuária, garimpo e extração de madeira. Desde 2018, os embates com invasores têm se acirrado.
De acordo com notícia divulgada pelo Instituto Sociambiental (ISA), os Xikrin vêm denunciando atividades ilegais em suas terras desde então, especialmente devido a três frentes de invasão ilegal e ativas (a nordeste, a sudeste e a sudoeste da TI), que têm colocado em risco a segurança e integridade daquele povo. De acordo com a informação divulgada pelo ISA,foram identificados 87 focos de desmatamento no sudeste da TI, com 741 hectares de floresta derrubada.
De acordo com o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), em 25 de janeiro de 2019 a Funai entrou com uma ação de reintegração de posse em favor do povo Xikrin contra invasores que avançaram nos limites sudeste da TI. A ação começou tramitando em Altamira, mas em seguida foi enviada para a Justiça Federal em Redenção.
Conforme notícia veiculada pelo ISA, no mês de julho de 2019, ao todo, foram derrubados cerca de 915 hectares de floresta, mais que o dobro do total do desmatamento entre janeiro e junho: 421 hectares.
Até 2017 as taxas se mantiveram relativamente estáveis, entre 40 e 245 hectares. Em 2018, a curva se acentuou, atingindo 2.118 hectares, índice que pode aumentar com a recente escalada das invasões.
É denunciado ainda pelo referido Instituto que, entre 7 e 17 de agosto de 2019, imagens de satélite detectaram a reativação de um ramal nas Terras Indígenas Apyterewa e Arawete/Igarapé Ipixuna, que expandiu nove quilômetros para dentro da parte sudeste do território dos Xikrin.
Apenas neste período, 117 hectares foram desmatados. Esse cenário promovido pelo acelerado ritmo de desmatamento, em conjunto com a ausência de fiscalização, tem explicado o acirramento violento dos conflitos.
Contudo, também foi apresentado na mesma notícia que, cansados de esperar por medidas do governo, em meados de agosto de 2019 o grupo indígena passou a enfrentar a ocupação confiscando equipamentos como motosserras e armas de fogo, bem como exigindo a retirada pacífica dos grileiros.
Em retaliação, na noite do dia 25 de agosto, os Xikrin receberam ameaças, por mensagens de áudio e imagens, que afirmavam haver mais de 300 homens na mata prontos para atacá-los.
Assustados e relatando um sentimento de impunidade, lideranças Xikrin estiveram em Altamira no dia 26 de agosto para denunciar a situação ao Ministério Público Federal (MPF), sinalizando que as ameaças eram de um grupo com armamento de grosso calibre, provavelmente contratado por invasores que ocupam irregularmente a região do igarapé Prazer, perto da aldeia Rap-Ko.
Conforme os representantes indígenas, a Polícia Federal se comprometeu a realizar uma ação prioritária e imediata na TI ainda naquele mês
Assim, o Conselho Missionário Indigenista (Cimi) relata que, no mesmo dia, foi enviado ao MPF um primeiro documento pedindo ações urgentes das forças de segurança para evitar novo conflito no território. Como resposta, autoridades realizaram sobrevoo na Terra Indígena e constataram as invasões, observando casos de desmatamento, abertura de pastagens e construção de moradias com roças. Dessa forma, sinalizaram planejar uma operação de combate.
Ainda de acordo com o Cimi, em 02 de setembro de 2019, o MPF se manifestou no processo de reintegração de posse movido pela Funai, e solicitou à Justiça Federal em Redenção que concedesse liminar urgente em favor dos povos indígenas.
Em novo documento, o Ministério Público Federal, ainda em setembro, enviou solicitação de urgência, com prazo de cinco dias, para ação fiscalizatória, e para retirar os invasores daTerra Indígena Trincheira-Bacajá, entre Altamira, Anapu e São Félix do Xingu. O comunicado apresentava todas as coordenadas e o histórico das invasões que ameaçam o território, além de imagens de satélite com os desmatamentos, garimpos e queimadas.
Assinado por cinco procuradores da República que atuam em Altamira e Redenção, o documento do MPF foi enviado no dia 05 de setembro ao comando da Operação Brasil Verde, que conduz as operações de Garantia de Lei e Ordem (GLO), em Altamira, com a participação de militares e integrantes de agências municipais, estaduais e federais, com cópia para a Polícia Federal, para a Fundação Nacional do Índio (Funai), o Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra), o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), a Polícia Militar, a Secretaria de Segurança Pública do Pará (Segup/PA), além das prefeituras de Altamira e de São Félix do Xingu.
O documento enviado deixou claro às autoridades que a prevenção de um grave conflito independeria de decisão judicial.
Segundo o Cimi, as lideranças Xikrin têm cobrado ações contra os invasores, e chegaram também a enviar vídeos ao Ministério Público Federal, denunciando os riscos, o desmatamento e a mineração, e solicitando também que sejam tomadas decisões imediatas para afastamento das invasões. Sinalizaram também as ameaças dos grileiros a seus líderes e a seu povo.
Cronologia
Julho de 1980 – Fazendeiros da região de Marabá invadem parte da reserva indígena do povo Xikrin.
25 de agosto de 1988 – Os Xikrin, para impedir ação de madeireiros de abertura de picadas em sua reserva, fazem três reféns.
12 de maio de 1992 – Madeireira Kopajá oferece renda mensal aos Xikrin em troca de exploração do território.
17 de agosto de 1992 – O administrador geral da Funai de Altamira denuncia à direção de Brasília uma derrubada ilegal de 292 toras de mogno e cedro, além da presença de garimpeiros nas áreas indígenas Apyterewa e Trincheira/Bacajá.
19 de janeiro de 1993 – Como reação às ações das madeireiras nas terras indígenas no Pará, o Núcleo de Direitos Indígenas (NDI) propõe ação civil pública contras as madeireiras Perachi, Maginco e Impar, além da Funai, Ibama e União, com solicitação de interdição de estradas clandestinas abertas nas terras indígenas Arawete, Apyterewa e Trinchera Bacajá.
Janeiro de 1993 – Vara Federal em Brasília determina que as madeireiras se retirem em 10 dias com seus equipamentos, acampamentos e esplanadas; o mesmo prazo é dado a Funai e Ibama para construção de barreiras de fiscalização.
07 de outubro de 1993 – Tribunal Federal Regional (TRF) da 1ª Região em Brasília proíbe a exploração de madeira dentro das três terras indígenas de Arawete, Apyterewa e Trinchera Bacajá.
19 de agosto de 1993 – A área indígena do povo Xikrin é demarcada em 1,6 milhão de hectares através de portaria do Ministério da Justiça.
18 de abril de 1994 – As madereiras Banach e Sudoeste impetram dois mandatos de segurança com pedido de anulação da demarcação do Território Indígena Trinchera Bacajá. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) rejeita os pedidos.
22 de setembro de 1995 – Trabalhadores rurais do movimento dos sem-terra são impulsionados a avançar dentro da área indígena Trinchera-Bacajá.
27 de abril de 1998- A Polícia Federal inicia a retirada de 400 famílias de posseiros que ocupavam as terras da reserva indígena dos Xikrin por um período de dois anos. A Justiça concede liminar de reintegração de posse aos indígenas. A ação é realizada pela PF, com acompanhamento da Funai, Incra, Ibama e Ministério Público Federal.
Outubro de 1999 – Povo Xikrin exige que a Funai retome a atenção ao atendimento médico do grupo que foi repassado para a Funasa.
Novembro de 2000 – Surto de catapora atinge indígenas da região de Altamira e o povo do reserva Trinchera Bacajá.
06 de novembro de 2000 – Procuradores da República mandam abrir inquérito policial para apurar o suposto desvio de R$1 milhão pela prefeitura de Altamira, que deveria ter sido aplicado no atendimento à saúde de 12 grupos indígenas do município, dentre eles os Xikrin.
2007 – Início das discussões e mobilizações por parte dos Xikrin no enfrentamento à construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte.
28 de dezembro de 2009 – Regulamentação do decreto 7.056 extingue a Administração Executiva Regional de Altamira, à qual estão vinculadas nove etnias (Arara, Xikrin do Bacajá, Kayapó Kararaô, Asurini do Xingu, Arawete, Parakanan, Xipaia, Curuaia e Juruna).
27 de janeiro de 2011 – Ibama libera licença parcial para implantação da usina de Belo Monte.
08 de novembro de 2011 – Os Xikrin da Terra Indígena Trincheira-Bacajá convidam o procurador da República Felício Pontes Jr para uma reunião e solicitam do Ministério Público Federal adoção de medidas contra a usina hidrelétrica de Belo Monte.
13 de dezembro de 2011 – Os Xikrin do Bacajá enviam ao Ministério Público Federal em Altamira uma carta em que apoiam a atuação do MPF no caso de Belo Monte e relatam as reuniões com o procurador da República Felício Pontes Jr para tratar dos impactos da usina sobre o rio Bacajá.
22 de junho de 2012 – Indígenas dos povos Xikrin e Juruna afetados pela Usina Hidrelétrica de Belo Monte ocupam um terreno de construção da barragem..
13 de setembro de 2012 – Audiência Pública realizada em Senador José Porfírio para tratar da grande mineradora de ouro a ser implementada pela Belo Sun, atingindo grupos indígenas e ribeirinhos na Volta Grande do Xingu.
25 de janeiro de 2019 – Funai entra com ação de reintegração de posse em favor do povo Xikrin contra grileiros. Ação tramita em Altamira, mas é enviada posteriormente à Justiça Federal em Redenção.
21 de agosto de 2019 – Lideranças e grupo indígena enfrentam a ocupação confiscando equipamentos como motosserras e armas de fogo, e exigindo a retirada pacífica dos grileiros.
25 de agosto de 2019 – Grupo indígena e lideranças recebem ameaças.
26 de agosto de 2019 – Lideranças Xikrin vão até Altamira e denunciam as ameaças ao Ministério Público Federal. O MPF solicita às Forças de Segurança ações urgentes para evitar o conflito.
28 de agosto de 2019 – Autoridades realizam sobrevoo na Terra Indígena, constatando as invasões.
02 de setembro de 2019 – MPF se manifesta no processo de reintegração de posse da Funai e pede à Justiça Federal em Redenção que conceda liminar urgente em favor dos indígenas.
03 de setembro de 2019 – MPF emite novo documento com prazo de cinco dias para realização de medidas concretas contra as invasões.
Fontes
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Enquanto não existe a demarcação das terras indígenas os grileiros, garimpo ilegal, desmatamento ilegal, mineração que esse atual governo está permitindo vai destruir tudo. Esse genocídio do atual governo.
Trabalhamos com agricultura dentro das normas ambientais, trabalhistas e sociais como mais de 85% da agricultura brasileira e comparando com a honestidade dos políticos e das instituições publicas e seus integrantes, nossa ética de trabalho está muito, mas muito acima deles, e de quebra geramos muita riqueza para o país (um terço do PIB), pagamos impostos altíssimos pra manter a máquina publica fazendo essa farra com dinheiro público. Enfim, seguramos “com braços fortes” um terço da economia do país e somos o segmento mais atacado pelo governo, pelas entidades, pelas falsas ongs, pela juventude com ideologia formada por professores comunistas que são pagos por nós.
Bom, vendo que a área demarcada da reserva indígena Trincheira-Bacajá é de 1.650.939 hectares e a população de índios é de aproximadamente 750 pessoas, então fica mais de 2.200 hectares pra cada índio. A pergunta que se faz:
– O quê um índio vai fazer com tanta terra? Certamente toda essa área não é ocupada só pelos índio, tem mais gente no meio desse “rolo” e não falo só de garimpeiros, pecuaristas e agricultores que de forma ilegal também concordo que está errado, me refiro a parcerias que essas autoridades desonestas tem com exploradores internacionais, estão roubando de nós brasileiros e ninguém faz nada. Enfim, perdemos a nossa Amazônia!!!