PA – Mineração de níquel contamina rio e Povo Xikrin no Sudeste do Pará
UF: PA
Município Atingido: Ourilândia do Norte (PA)
População: Agricultores familiares, Comunidades urbanas, Povos indígenas
Atividades Geradoras do Conflito: Atuação de entidades governamentais, Mineração, garimpo e siderurgia
Impactos Socioambientais: Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, Assoreamento de recurso hídrico, Desmatamento e/ou queimada, Erosão do solo, Poluição de recurso hídrico
Danos à Saúde: Doenças não transmissíveis ou crônicas, Falta de atendimento médico, Piora na qualidade de vida, Violência – ameaça, Violência – coação física
Síntese
Centenas de famílias de pequenos produtores rurais estão sendo retiradas dos Projetos de Assentamento (PA) Tucumã e Campos Altos para a instalação de uma nova planta minero-siderúrgica para extração e processamento de níquel pela Vale S.A., após a desafetação de uma área de 7.404,76 hectares pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em benefício da mineradora.
Segundo informações da Comissão Pastoral da Terra (CPT), há denúncias de que a empresa mineradora tem assediado e coagido os produtores e as produtoras rurais para desocupação dos assentamentos, antes mesmo da conclusão do processo de desafetação, e sem a participação do Incra. Por esse motivo, parte dos assentados já estaria migrando para cidades por conta própria, sem que haja uma estratégia efetiva de reassentamento da população desafetada.
A CPT também tem denunciado que a instalação da nova planta de extração e beneficiamento de níquel está causando “poluição das grotas e igarapés que vêm sendo assoreados e contaminados com os resíduos que descem das serras e das barragens de contenção de rejeitos, onde a Empresa desenvolve suas atividades. Os córregos apresentam uma água de cor escura e leve cheiro de óleos combustíveis, visivelmente contaminada (…), ficando imprestáveis para o consumo humano, assim como as águas dos poços, principalmente no período chuvoso”.
Os Kayapó Xikrin do Cateté (autodenominados Mebengôkre) também se posicionaram contra a instalação do projeto. O Rio Cateté – importante elemento econômico, cultural e simbólico para a vida daquele povo – foi contaminado com metais pesados, prejudicando a saúde indígena. A comunidade Xikrin denuncia doenças intestinais, de pele, má formação fetal, dentre outros agravos à sua saúde.
Até o presente momento (2018), os indígenas estão sendo indenizados após alguns acordos e pressões firmados a partir de Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público Federal, que tramita no Tribunal Regional Federal da Primeira Região (TRF1).
Em meio à resistência dos assentados e dos povos indígenas, a Vale sofreu três embargos na extração de níquel, neste mesmo tribunal (TRF1), no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no Supremo Tribunal Federal (STF), tendo parte de seu empreendimento autorizado a funcionar, como as usinas de beneficiamento de níquel, por meio de mandatos de segurança autorizados pelo desembargador em exercício no TRF da 1ª Região.
Contexto Ampliado
Em 2003, a Canico do Brasil Mineração Ltda, através de sua subsidiária Onça Puma Mineradora, sob o argumento da necessidade de exploração de uma jazida de níquel, requereu à Superintendência Regional do Pará/Marabá (SR-27) do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) a desafetação e, via de consequência, a ocupação de uma área de 7.404,76 ha pertencentes aos Projetos de Assentamentos (PA) Campos Altos e Tucumã, em Ourilândia do Norte/PA, criados a partir de 1993.
Segundo a mineradora, as áreas ocupadas pelas três mil famílias assentadas não serviriam para a agricultura. Diante da suposta concordância dos trabalhadores em saírem dos assentamentos e dos benefícios prometidos pelo empreendimento – tais como empregos, benfeitorias, renda etc. -, não havia na época nenhum impedimento para a desafetação das áreas.
O INCRA deu encaminhamento ao processo com a realização de vistoria e laudo de avaliação das benfeitorias, concluindo favoravelmente ao pleito da mineradora. Em 11 de agosto de 2008, uma portaria do órgão determinou a desafetação de parte da área destinada ao uso público comum por famílias de produtores rurais nos assentamentos de (PAs) Campos Altos e Tucumã.
Todavia, segundo denúncias da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e de lideranças locais, desde que a Vale adquiriu a mineradora Onça Puma, em 2005, a relação destes com o empreendimento mudou, pois a nova controladora da empresa vem coagindo os trabalhadores a aceitarem indenizações pelas áreas a serem desocupadas, negociando com eles, diretamente, a saída das terras, antes mesmo da desafetação pelo INCRA.
Segundo reportagem da Folha de São Paulo em 2008, os trabalhadores rurais assentados se dizem enganados e arrependidos por terem saído das terras. O principal alvo das reclamações dos trabalhadores seriam “mentiras e informações incompletas veiculadas pela mineradora no início das pesquisas sobre a reserva de níquel”, conforme publicado pelo jornal.
Na mesma matéria da Folha de São Paulo, Clemair Baratti, um ex-assentado que hoje vive na zona urbana de Ourilândia do Norte, afirma: “Eles chegavam e diziam que éramos obrigados a sair, que eram donos do subsolo, que tinham até negociado com o INCRA. Entravam aqui e faziam um monte de buracos sem pedir para entrar. Quando a gente via, estavam lá, cavando”.
As ações da Vale/Onça Puma iam contra a regulamentação do processo de desafetação, pois, apesar de possuir o chamado “direito de lavra” da área, concedido pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), a mineradora só poderia trabalhar nos locais autorizados pela chefia do INCRA. Sem a mediação constante do órgão federal, segundo as narrativas relatadas, a mineradora passou então a convencer os lavradores a aceitarem as indenizações, visando apressar a desocupação das terras.
Em relação à população urbana dos municípios do entorno do empreendimento, ainda de acordo com a Folha de São Paulo, a CPT fez alerta contra o inchaço populacional, o aumento da violência urbana, dos acidentes de trânsito e da incidência de doenças sexualmente transmissíveis (DSTs). “Destacadamente nos últimos 02 (dois) anos [a partir de 2006], registrou-se número significativo de nascimentos de crianças com sífilis congênita, moléstia que já estava extinta há quatro anos em Ourilândia”.
A Comissão Pastoral da Terra, os Sindicatos de Trabalhadores Rurais de Ourilândia do Norte e Tucumã, e as Associações dos Projetos de Assentamento Campos Altos e Tucumã denunciaram os seguintes problemas e condutas ilegais da Vale, conforme divulgado no Blog do Sakamoto:
“a) aquisição de posses afetadas à Reforma Agrária, sem a devida autorização; b) danos ambientais, como a poluição de grotas e igarapés, com a consequente intoxicação e morte de animais; c) construção irregular de barragens de contenção de rejeitos; d) desvio de cursos d’água; e) demolição de benfeitorias construídas com recurso público federal, dentre outras.”
Na perspectiva de enfrentamento da situação, membros da sociedade civil local e a CPT ingressaram, em abril de 2008, com representação no Ministério Público Federal (MPF) relatando os danos causados pela implantação da planta minero-siderúrgica e cobrando providências.
Em junho de 2008, a Procuradoria Federal Especializada (PFE) do INCRA ingressou com uma Ação Civil Pública (ACP), na Justiça Federal de Marabá, contra a Mineração Onça Puma, requerendo liminarmente a suspensão daquelas atividades ligadas à mineração.
Em setembro de 2008, trabalhadores locais – 150 trabalhadores e trabalhadoras rurais e mais 30 jovens e crianças, com apoio da CPT, do Movimento de Pequenos Agricultores (MPA), do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), do Centro de Educação, Pesquisa e Assessoria Sindical e Popular (Cepasp) e do Sindicato dos Trabalhadores da Educação Pública do Pará (Sintepp/Ourilândia do Norte) – fizeram manifestação contra os impactos causados pela instalação da nova mina de níquel da Vale nas áreas dos assentamentos. Foram promovidas reuniões entre representantes das associações de Pequenos Produtores Rurais das colônias Bom Jesus e Campos Altos, da Associação de Lavradores Rurais da Colônia Santa Rita, do INCRA e da Vale para negociar a retirada dos trabalhadores das áreas desafetadas, bem como o ressarcimento pelos danos causados.
Em 22 de setembro daquele ano, centenas de trabalhadores rurais bloquearam a estrada vicinal que dava acesso ao empreendimento. Os trabalhadores afirmavam que só iriam liberar a estrada quando a pauta de reivindicações apresentada à empresa e ao INCRA fosse negociada. Entre a pauta de reinvindicações estava o pagamento das indenizações acordadas com a empresa, mas até então não realizadas. A Polícia Militar do Estado do Pará (PMEPA) encaminhou um destacamento para o local, mas não houve confronto durante as negociações entre as partes. De acordo com o Jornal O Liberal, diante do protesto, a Vale desviou o transporte de funcionários e equipamentos para outras vicinais, de forma que o funcionamento das obras da mina permaneceu normal.
Na tarde do dia 25 de setembro de 2008, os trabalhadores rurais e a empresa chegaram a um novo acordo. A estrada foi desocupada e os trabalhadores concordaram em aguardar a decisão judicial da ação contra a empresa no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), em Brasília. De acordo com trabalho de campo de Lucilei Martins Guedes em 2012 (em investigação do conflito socioambiental estabelecido na área de mineração no Assentamento Campos Altos), a Vale, diante da pressão, no terceiro dia de manifestação, convidou os agricultores e o INCRA para dialogar, visto que sua estratégia anterior não atendia mais aos interesses da empresa.
Em maio de 2010, segundo o noticiário O Paraense, a empresa conseguiu a licença de operação do empreendimento, concedida pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (SEMAS) do Governo do Estado do Pará.
Em maio de 2011, a empresa iniciou a extração de níquel da mina. No anúncio de sua inauguração, a Vale estimou que a mina teria capacidade para produzir mais de 220 mil toneladas de ferro-níquel anualmente, que contêm 53 mil toneladas de níquel. Também estimou que 95% da produção de Onça Puma seriam destinadas ao mercado externo, com foco para a China, Japão, Alemanha, Finlândia, Itália e Estados Unidos, entre outros. O investimento total do empreendimento foi estimado em aproximadamente 2,84 bilhões de dólares.
O primeiro embarque de 1.078 toneladas de ferro-níquel, com 385 toneladas de níquel contido, ocorreu em 11 de maio de 2011 pelo Porto do Itaqui, em São Luís/MA. O produto foi transportado em 52 contêineres pela Estrada de Ferro Carajás (EFC), e os destinos finais teriam sido Ásia e Europa, de acordo com a Revista Exame.
Em outubro de 2011, cerca de 200 trabalhadores rurais voltaram a fechar a estrada usada pela empresa, exigindo novamente o cumprimento da promessa de indenização por suas terras, além do remanejamento das famílias ainda na região, dentre outras reivindicações, conforme exposto nos blogs Otavio Araújo e Amauri Junior. Reivindicavam ainda uma melhor forma de tratamento por parte dos funcionários da empresa responsável pela segurança patrimonial da mineradora.
Representantes dos trabalhadores rurais divulgaram nota na ocasião apresentando seus problemas e seus termos para negociação com a mineradora: “Desde o ano de 2006 que viemos sendo assediados pelo projeto Onça Puma, e a partir de 2008 pela Vale, no sentido de desfazermos de nossas propriedades, só que o processo tem sido seletivo, ou seja, daquelas áreas que a empresa necessita de imediato para implantação de seus empreendimentos. Com a primeira retirada das famílias, sentimos impactos sociais na área de saúde, educação, transporte e economia, com grande isolamento, mas entendíamos que seria possível continuarmos na área, recuperando algumas perdas. Com a segunda retirada de famílias e a implantação da usina de transformação mineral, os problemas acima citados aumentaram, inclusive com destruição de prédios de escolas, como também apareceram os problemas ambientais. Um outro problema é que passamos a ser vigiados, ameaçados e humilhados pelos guardas da empresa, que todos os dias estão a nos perturbar, retirando a nossa liberdade. Neste período, a Vale mandou fazer um levantamento socioeconômico que de nada nos valeu. Por isto, temos insistido com a empresa para que providencie o remanejamento de todas as famílias que ainda estão no PA Campos Altos, PA Tucumã e na vila Minerasul, mas a empresa não tem levado em consideração. Diante da situação, por entendermos que não temos condições de continuar na área, exigimos da Vale o seguinte: [1] Remanejamento e indenização integral e imediata das famílias que ainda se encontram no PA Campos Altos, Vila Minerasul e algumas famílias do PA Tucumã; [2] Garantia de um fundo de uso coletivo para a colônia Santa Rita, para superação de suas perdas; [3] Construção de um centro de convivência (formação, cultura, lazer e produção) na colônia Santa Rita; [4] Conclusão imediata dos projetos sociais iniciados na colônia Santa Rita”.
Assinaram a nota: Associação dos Pequenos Produtores Rurais da Colônia Santa Rita; Associação dos Pequenos Produtores do PA Campos Altos; Associação de Moradores da Vila Minerasul; e Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Tucumã.
O conflito envolvendo a Vale e os assentados de Tucumã e Campos Altos também afetou a população indígena Xikrin do Cateté e Kayapó, uma vez que o rio Cateté, que banha o território indígena, tem como afluentes os cursos d’água que descem da serra onde está instalado o empreendimento. Os Xikrin e outras comunidades à jusante da mina tiveram sua saúde e qualidade de vida fortemente impactadas pelas interferências nos mananciais e pelos rejeitos da mineração.
Esse foi um dos motivos pelo qual, em maio de 2012, o MPF ajuizou uma nova Ação Civil Pública contra a Mineradora Onça Puma, a SEMAS e a Fundação Nacional do Índio (FUNAI). Segundo a procuradoria, após dois anos do acordo firmado com os indígenas – referente à mitigação e compensação pelos impactos ambientais sofridos e potenciais -, a empresa ainda não estava cumprindo com sua obrigação. As indenizações atreladas às ações compensatórias deveriam ultrapassar R$ 1 milhão por mês para cada comunidade afetada, segundo os procuradores. O empreendimento da Vale seria estimado em R$ 1 bilhão.
A FUNAI também foi arrolada como ré no processo porque demorou quase cinco anos para emitir um parecer sobre os estudos de impactos ambientais (EIAs), necessário para dar andamento aos programas de compensação ambiental. Nesse período, a Vale obteve todas as licenças da SEMAS e o projeto teve início.
Em dezembro de 2012, o juiz federal Adelmar Aires Pimenta da Silva, de Redenção, determinou o envio do caso ao Superior Tribunal Federal (STF). O MPF recorreu da decisão e, em fevereiro de 2013, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), em Brasília (DF), decidiu que tal processo voltasse a ser julgado pela Justiça Federal em Redenção.
De acordo com o portal Brasil de Fato: “Na decisão do TRF-1, o juiz federal Carlos Eduardo Castro Martins acata os argumentos do MPF, considerando que o caso não apresenta conflito federativo. ‘Além da controvérsia travada nos autos de origem não contrapor interesses de entes estatais, na medida em que não se pode confundir a instituição Ministério Público com a pessoa jurídica União, a lide ali instaurada não representa qualquer potencial ofensivo ao pacto federativo’.”
Entre setembro e novembro de 2013, o empreendimento esteve paralisado enquanto a empresa reconstruía um dos altos-fornos da siderúrgica, ocasião na qual o sistema de produção foi, segundo a Vale, modernizado: “como a utilização de novos refratários, o novo sistema de transferência de calcinado e as novas unidades de abertura e tamponamento do metal”. Com a reforma, a empresa estimava aumentar sua produção para 15 mil toneladas de níquel em 2014.
Em 12 de junho de 2014, um novo embate entre a empresa e indígenas Xikrin teve lugar, quando estes ocuparam os portões da mina em Ourilândia do Norte e impediram a continuidade das atividades no local. De acordo com nota do MPF, durante dois dias, os Xikrin das aldeias Djudjekô, Kateté e Oodjam protestaram mas “permitiram a passagem de ônibus com trabalhadores que fazem a manutenção dos fornos, e não impediram a saída de funcionários. Apenas a produção de níquel teria sido paralisada”. A nota do MPF desmentia releases divulgados pela empresa e reproduzidas pela imprensa nacional que informavam que os indígenas haviam tomado os trabalhadores como reféns. Diante dessa denúncia de reféns durante a ocupação, a Polícia Civil do Estado do Pará chegou a deslocar uma equipe de delegados de Belém para o local.
Os Xikrin exigiam o cumprimento das condicionantes do componente indígena do licenciamento ambiental do empreendimento e a compensação pelos impactos ambientais da mineração às suas aldeias. O G1 divulgou que a desocupação ocorreu após uma reunião com representantes da empresa na qual foi acordado que haveria um novo encontro no dia 25 de junho, na aldeia Djudjekô, dessa vez com a presença de representantes da Vale, da FUNAI e do MPF.
Contudo, apesar do acordo, no dia 16 de junho, conforme noticiado pela Agência Brasil, os Xikrin voltaram a ocupar as instalações da Vale em Onça Puma, o que antecipou a presença dos procuradores do MPF no local para negociar uma saída pacífica para o impasse. Na ocasião, a procuradoria admitia que a Vale não estava cumprindo os termos do programa de compensação previstos no licenciamento.
Apesar do passivo da empresa em relação à compensação dos impactos socioambientais sobre as comunidades atingidas e da pressão indígena, o empreendimento continuou a se desenvolver, recebendo novos investimentos da Vale. Em setembro de 2014, a empresa anunciou que havia instalado novos equipamentos que reduziriam em 7% o consumo de energia elétrica dos fornos de processamento de minério, transformando-o numa liga de ferro-níquel. O Diário de Carajás informou na época que tais investimentos permitiriam à empresa aumentar em 11% sua produção no último trimestre daquele ano, alcançando pelo menos 5 mil toneladas, cerca de 7% da produção de níquel da empresa naquele período.
Como parte das estratégias de consolidação e legitimação da empresa, a Vale também procurou investir em melhorias na infraestrutura dos municípios afetados por suas atividades produtivas. Em março de 2015, a Assessoria de Imprensa da Vale anunciou que a mineradora havia aportado cerca de R$ 1,5 milhão (de um custo total de R$ 1,9 milhão) na construção de um terminal rodoviário, em Ourilândia do Norte, com capacidade para processar viagens intermunicipais e interestaduais. O convênio assinado com a prefeitura local também previa a pavimentação de cerca de três quilômetros de ruas num dos bairros do município. Iniciativas similares seriam realizadas em outros municípios da região.
Tais convênios permitiram à empresa divulgar junto às comunidades locais discursos que a caracterizavam como um vetor de desenvolvimento regional, permitindo contrabalançar os efeitos simbólicos negativos dos protestos e outras ações de enfrentamento realizados pelos maiores atingidos, como o Povo Xikrin. Como, por exemplo, os efeitos da divulgação de relatórios como o elaborado pelo Professor Adjunto da Escola Paulista de Medicina e Consultor Médico da Associação Indígena Porekrô, João Paulo Botelho Vieira Filho, cujos resultados foram publicados por Tania Pacheco no blog Combate Racismo Ambiental em maio de 2015, a partir de documento encaminhado por ele e pela associação ao Ministério Público Federal em abril daquele ano.
Segundo o relatório de Vieira Filho de 2015, o rio Cateté, que atravessa a terra indígena homônima dos Xikrin, estava contaminado por metais pesados como níquel, cobre, ferro, alumínio e silício, tornando a água inadequada para o consumo humano. A maior parte deste material seria oriunda de áreas de amontoados de escória da mineração deixados pela empresa nas proximidades da TI, que devido às constantes chuvas amazônicas acabava sendo carregado para o rio. Vieira Filho também relatava “contaminação dos grotões d’água e poeira intensa de movimentação das máquinas”. Em diversas comunicações à empresa, a associações indígenas e às autoridades ambientais e sanitárias, Vieira Filho recomendou “medidas preventivas de proteção ambiental do rio e grotões, como tunilizações e outras ações”. Tais solicitações foram ignoradas, o que agravou a situação.
Vieira Filho destacava ainda que o então nível de contaminação do rio ameaçava os ecossistemas e a vida humana, pois os metais pesados se acumulavam ao longo da cadeia alimentar trazendo graves consequências sobre a saúde, como doenças neurodegenerativas, diversos tipos de cânceres e distúrbios hormonais.
O médico explicou em seu relatório: “O níquel em excesso ocasiona os cânceres do pulmão e das cavidades nasais, lesões dermatológicas alérgicas, eczemas, dermatites e dermatoses, rinites e sinusites, conjuntivites alérgicas, alterações da tireoide e adrenais, aumento das imunoglobulinas IgG, IgA e IgM e diminuição da IgE, náuseas, vômitos, palpitação, fraqueza, vertigem, dor de cabeça, epilepsia. O ferro em excesso ocasiona a hemocromatose pelo depósito desse mineral no fígado, pâncreas, ocasionando cirrose e diabetes. (…) O cobre em nível tóxico deposita-se nos rins, fígado e olhos”.
Até aquele momento, pelo menos 17 indígenas Xikrin já haviam sido diagnosticados com diabetes (alguns do tipo 2) e, no caso de duas indígenas, a doença rapidamente evoluiu para insuficiência renal, diálise e morte. Contudo, até aquele momento não havia estudos que buscassem uma possível associação entre a prevalência da doença nas aldeias e a contaminação ambiental, sendo os casos identificados atribuídos à obesidade e às alterações na dieta da etnia, a partir da introdução de alimentos “ocidentais” ricos em açúcar, amido e gorduras.
O relatório também citava os resultados de uma análise de amostras de solo coletadas próximas às aldeias Xikrin pelo Laboratório de Revestimentos Cerâmicos da Universidade Federal de São Carlos (LaRC/UFScar), em abril de 2015. Neste estudo foi identificado que as maiores concentrações de metais pesados estavam nas aldeias mais próximas às instalações da mineradora, como Djudjê-Kô e Cateté. O mais preocupante foi a alta concentração de alumínio nas amostras coletadas próximo à aldeia Djudjê-Kô, já que este metal, em altas concentrações, pode provocar alterações neurológicas e está associado à ocorrência do Mal de Alzheimer.
Para fazer frente aos riscos e impactos socioambientais a que estavam submetidos pela proximidade com a mineradora, os Xikrin voltaram a pressionar o MPF pelo apoio necessário ao encaminhamento de demandas judiciais. Em 22 de junho de 2015, o MPF anunciou que a então coordenadora da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão (Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais) do Ministério Público Federal – a subprocuradora-geral da República Deborah Duprat – participou de uma reunião com lideranças indígenas a fim de discutirem o andamento da Ação Civil Pública nº 2383-85.2012.4.01.3905, processo no qual a procuradoria demandava a suspensão da licença de mineração da Vale na região.
Ainda no mês de junho de 2015, em decisão no Âmbito desta ACP, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) definiu que, até que fossem cumpridas as condicionantes para o desenvolvimento da atividade, a empresa “terá que fazer depósitos mensais para cada comunidade indígena, no valor correspondente ao dobro da média regional do programa Bolsa Família no Norte do país em 2015”. Os Xikrin se declararam insatisfeitos com a decisão, pois, segundo eles, o número de famílias beneficiadas pela indenização fora subdimensionado; além disso, medidas de compensação, como a implantação de atividades produtivas nas aldeias ou a despoluição do rio Cateté, não haviam sido consideradas. Ao fim da reunião, o MPF se comprometeu a apoiar os indígenas para que estas reivindicações também fossem atendidas.
Em 06 agosto de 2015, parte destas reivindicações, pleiteada através do Ministério Público Federal, foi atendida pela Justiça Federal, em decisão do TRF1, conforme publicado pelo MPF. Foi determinado o encerramento do projeto, além do pagamento de R$ 1 milhão por mês para cada aldeia afetada [Ôôdja, Cateté e Djudjê-Kô], até que as medidas de proteção aos Xikrin fossem de fato atendidas.
Segundo o G1, a procuradora da República, Luisa Astarita Sangoi, afirmou na época: “Todos esses impactos tornam clara a necessidade de subsidiar projetos para que as aldeias Xikrin possam promover sua subsistência por meios lícitos, tal como por meio da agricultura. Também tornam necessária a adaptação das residências do local para que as comunidades tenham formas de habitar e cozinhar alimentos, sobrevivendo sem utilizar a caça e a pesca como formas principais para obter alimentos, já que os impactos gerados pelo empreendimento já tornaram inviável e inconcebível essa forma de viver antes praticada”.
Mais de dez anos após a instalação, a Vale ainda não havia cumprido as condicionantes estabelecidas no âmbito da concessão da licença de operação, mas a mesma recorrera da decisão anterior. Segundo nota emitida pela mineradora após a decisão, esta atendia todas as condicionantes estabelecidas pelo órgão ambiental. Além disso, declarava: “Cumpre esclarecer que o Plano Básico Ambiental (PBA) busca implantar medidas mitigatórias de eventuais impactos ambientais, mas não implicando em repasse de recursos diretamente para os indígenas. Cabe informar, ainda, que há determinação judicial, em 2006, para que a Vale repasse recursos para o povo Xikrin do Cateté para iniciativas de saúde, educação, proteção territorial, atividades produtivas e administração. Somente em 2015 estes recursos somarão mais de R$ 11 milhões, divididos entre as aldeias indígenas envolvidas.”
Ainda assim, os Xikrin continuavam arcando com prejuízos à saúde coletiva e com obstáculos aos seus modos de vida, uma vez que o rio, agora contaminado, era fundamental para a dinâmica social daquele povo; sem contar as doenças de veiculação hídrica. De acordo com entrevista da liderança indígena Onkrerai para Tina Santos, em 2016, antigamente a água do Cateté era tão cristalina que era possível ver o fundo a vários metros de distância. “Hoje está tão turva pela poluição que a gente não vê nada. Há muitas crianças aqui com cicatriz na cabeça, que se feriram em pedras ao mergulhar no rio por falta de visibilidade”. Sobre os impactos da poluição do rio na alimentação, afirmou: “Ninguém pode mais comer o peixe, porque passa mal. Não podemos tomar banho, porque ficamos com problemas nos olhos e coceira na pele”.
Os Xikrin, porém, ainda precisariam aguardar por uma solução definitiva para o problema, pois os efeitos da decisão do TRF1, que embargava as atividades do empreendimento, foram suspensos em 31 de agosto de 2015, quando a Vale conseguiu obter uma decisão liminar, no mesmo Tribunal, que permitiu a retomada da mineração em Onça Puma.
Segundo reportagem da revista Exame, a Vale argumentou na ocasião que uma análise da água do rio Cateté, que banha as terras indígenas, não demonstrou contaminação por níquel e que a presença de elementos dissolvidos decorria apenas da condição geológica da área. A reportagem afirmava ainda que o pagamento de indenização no valor de R$ 3 milhões para as Associações Indígenas Xikrin do Cateté, que constava da mesma sentença, também fora suspenso.
O MPF, por sua vez, recorreu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e conseguiu, no dia 09 de outubro de 2015, nova ordem de paralisação da mineração de níquel.
Em sua decisão, o ministro Francisco Falcão, presidente do STJ na época, afirmou: “[Na] seara da atividade de extração mineral, a questão da preservação do meio ambiente, intimamente ligada à preservação da saúde, tem sempre enorme relevo. Assim, é imperativo aplicar-se os princípios da prevenção e da precaução à questão em exame”.
No âmbito do STF, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, posicionou-se no Supremo Tribunal Federal contrariamente ao pedido do Governo do Pará para liberar o funcionamento da Mineração Onça Puma, em novembro de 2015. De acordo com informações da Procuradoria da República no Pará, o Estado argumentava que o empreendimento era “responsável pela geração de 850 empregos diretos e aproximadamente 11.000 empregos indiretos, sendo o principal pilar de sustentação da economia local”, de modo que a suspensão de suas atividades “certamente conduzirá ao desemprego e ao caos social na região, com aumento nos índices de criminalidade e piora nos indicadores sociais e humanos”.
No entanto, em parecer enviado ao STF, Janot afirmou não se tratar de impedir a continuidade da mineração, mas de obrigar a empresa a arcar com as condicionantes ambientais direcionadas aos povos indígenas, que deveriam ter ocorrido antes de iniciadas as operações: “Numa justa e adequada ponderação de valores, o bem ‘vida’ sobrepõe-se aos eventuais prejuízos econômicos decorrentes da paralisação do empreendimento, devendo ser prestigiada, em situações tais, a medida que implicar a mitigação dos riscos de perecimento do bem maior em disputa, representado, no caso, pela subsistência física e cultural das comunidades indígenas Xikrin do Cateté e Kayapó”.
No dia 11 de dezembro de 2015, a Vale foi autorizada a continuar com parte de suas operações na usina de processamento de níquel. Em nota, responsabilizava os Xikrin pela não aplicação do seu Plano Básico Ambiental devido à resistência dos indígenas à entrada dos seus funcionários na aldeia:
“A Vale informa que ontem, 11 de dezembro, o ministro presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) proferiu decisão permitindo a continuidade das atividades de mineração do empreendimento de níquel Onça Puma, em Ourilândia do Norte (PA). A decisão determina ainda a implementação dos planos e medidas compensatórias aos indígenas no prazo de 120 dias. A atividade de mineração em Onça Puma estava paralisada desde o dia 9 de outubro, conforme determinação judicial [do STJ]. Somente a atividade na usina metalúrgica permaneceu em funcionamento, processando o níquel extraído e estocado antes da determinação da Justiça. É importante destacar que as atividades são independentes e possuem licenças ambientais distintas. A empresa reitera que os Planos Básicos Ambientais dos povos Xikrin e Kayapó já estão sendo implementados e a Vale vem tomando todas as ações necessárias para seu completo cumprimento, embora enfrente dificuldades na total implantação do plano Xikrin em virtude desses indígenas não permitirem o acesso da Vale às suas terras”.
A permissão foi proferida pelo ministro Ricardo Lewandowski, através da suspensão de liminar 933 ajuizada pelo Estado do Pará no STF:
“Continuidade das atividades de mineração do empreendimento mineração Onça Puma, sem prejuízo de implementação do plano de gestão econômica e das demais medidas compensatórias para as aludidas comunidades indígenas, que deverão ser finalizadas em até 120 (cento e vinte) dias, sob pena de que, a partir desse prazo, a companhia Vale do Rio Doce S/A proceda o depósito mensal de quantia pecuniária, a título de compensação pela ausência da adoção dessas medidas, no valor de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), por aldeia, a ser revertido às aludidas comunidades”.
Convém assinalar que esta resistência ao acesso da Vale nas aldeias era devido ao desgaste profundo dos indígenas com a piora das condições de saúde e qualidade de vida provocada pela contaminação do rio Cateté, já exaustivamente denunciada em audiências e noticiários, bem como respaldados em relatório, como o publicado, e já mencionado, pelo pesquisador Paulo Vieira Filho em 2015.
Apenas no mês de agosto de 2016, conforme veiculado pela Procuradoria Geral da República (PGR), os membros do povo Xikrin e do MPF assinaram documento para o uso do valor de R$ 1 milhão para a mitigação de danos causados à etnia pela atuação da empresa. Esta multa seria mantida enquanto houvesse descumprimento da Vale em aplicar as medidas compensatórias nas aldeias atingidas pelo projeto.
Com os Xikrin, foi então proposto um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) junto à Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais (6ª CCR) do MPF e o MPF/PA, que possibilitaria planejar e direcionar a melhor forma de distribuição dos recursos. Nesta proposta, de acordo com o MPF, “60% do valor a ser recebido mensalmente seria dividido para gasto em cinco atividades: 15% para despesas de rotina da aldeia, 15% para saúde, 15% para aplicação em projetos produtivos e de infraestrutura. Além disso, 10% seriam destinados a projetos de monitoramento ambiental e 5% para a administração de associações. Os outros 40% seriam aplicados em um fundo de investimentos para uso futuro, submetido a um conselho gestor”, conforme divulgado pela PGR.
Este momento foi considerado um marco histórico para os Xikrin, especialmente porque quebrava paradigmas sobre povos originários não saberem fazer uso do dinheiro, como afirmado pelo procurador da República Ubiratan Cazetta na ocasião da assinatura. No entanto, em setembro de 2016, passado um mês da assinatura do acordo, o depósito ainda não havia sido realizado. O Tribunal Regional Federal da 1ª Região ordenou que a Vale S.A fizesse os depósitos, que totalizaram R$ 3 milhões para as três aldeias Xikrin: Oodjã, Dudjekô e Cateté.
A Vale, por sua vez, divulgou nota sobre o acordo, segundo publicação do MPF:
“A Vale esclarece que a Mina de Onça Puma, em Ourilândia do Norte, está regularmente licenciada pela Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Estado do Pará (Semas) e com o atendimento de todas as condicionantes estabelecidas pelo órgão ambiental e pela Fundação Nacional do Índio (Funai). A Vale esclarece ainda que vem tentando executar as ações do Plano Básico Ambiental (PBA) no interior da Terra Indígena Xikrin do Cateté, mas enfrenta uma resistência injustificada por parte dos indígenas, que mantêm a negativa de acesso da empresa, mesmo após determinação do Supremo Tribunal Federal (STF) para execução das ações de eliminação e mitigação de impacto. A empresa explica que assumiu o compromisso com o MPF de custear a contratação de técnico a ser indicado por esta instituição para acompanhar, em conjunto com os Xikrin, os trabalhos de execução do PBA. Mas, até o momento, a Vale não foi informada da indicação. A empresa informa também que não foi realizada a perícia técnica, determinada pela Vara Federal de Redenção (Pará), onde tramita a Ação Civil Pública movida pelo MPF, para identificar a fonte da suposta contaminação do Rio Cateté. Esta decisão foi determinada pela Justiça, após tomar conhecimento dos diversos estudos técnicos apresentados pela Vale que demonstraram que a possível contaminação das águas daquele rio não tem relação com a operação de Onça Puma.
É importante ressaltar que o juiz de Redenção negou o pedido de liberação dos recursos em favor dos indígenas, diante da falta de elementos que evidenciam a probabilidade do direito pretendido. Esta decisão está mantida pelo TRF 1ª Região e pelo STF, que determina também que as Associações Xikrin prestem contas do valor já recebido, o que não foi cumprido até o momento. Com relação ao Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), a Vale entende que o acordo celebrado apenas com os indígenas e unicamente quanto à destinação de recursos financeiros estimula a litigiosidade, na medida em que gera maior expectativa nas aldeias quanto ao recebimento de valores que ainda se discute judicialmente. No que diz respeito às destinações do recurso, conforme proposta no TAC, a Vale reforça que já desenvolve projetos de produtividade e infraestrutura junto à comunidade Xikrin, assim como arca mensalmente com o seguro saúde que beneficia todos os habitantes das aldeias, configurando-se desta forma a assistência prestada aos indígenas pela empresa. Ao todo, a Vale repassa aos indígenas cerca de R$ 13 milhões por ano, valor corrigido mensalmente pelo IPCA. Por fim, a Vale reitera que continua aguardando a autorização dos Xikrin para acessar a Terra Indígena a fim de implantar as ações definidas no PBA, já aprovado pela Funai, assim como vem sendo realizado com os indígenas da TI Kayapó, desenvolvido e executado pela mineradora em razão da operação de Onça Puma”.
O ano de 2017 seria marcado por alguns avanços para os Xikrin no TRF1 e no STF, ainda que tenha havido morosidade no repasse dos recursos compensatórios anteriormente acordados. Em 05 de junho, o Plenário do STF decidiu que o caso envolvendo a suspensão do projeto Onça Puma deveria ser analisado nas instâncias ordinárias por não caber nesse tipo de ação a apreciação de matéria de mérito, conforme divulgado pela revista Consultor Jurídico.
Em 2017, também ressurgem denúncias dos integrantes do projeto de assentamento de PA de Campos Altos e Tucumã. Em 13 de junho, houve uma audiência entre Vale, CPT, Sindicato dos Trabalhadores Rurais, Associação de Pequenos Produtores Rurais da Colônia Campos Nossos (ACN), representantes da Câmara de Vereadores de Ourilândia do Norte, vice-prefeito da cidade e as famílias assentadas dos referidos assentamentos. De acordo com as denúncias externadas nesta reunião, a empresa descaracterizou o PA Campos Altos, desativando “todas as estradas vicinais, pontes, bueiros e os campos de futebol, derrubou escolas, as igrejas, o posto de saúde e as casas dos trabalhadores construídas pelo INCRA, desativou os comércios, o laticínio e os transportes: leiteiro, escolar e de linha que serviam aos assentados do PA”. Segundo as denúncias, a empresa nunca investiu na melhoria da qualidade de vida dos assentados daquele PA, os quais, segundo o INCRA, ainda sofriam com impactos decorrentes da implantação de Onça Puma, conforme publicado no blog Thiago Araújo.
O superintendente do INCRA, Asdrúbal Bentes, informou na reunião que o conselho de decisão regional do órgão (CDR/INCRA) decidiu a favor da petição das famílias impactadas pelo projeto Onça Puma. Os funcionários da Vale – Paulo Ivan Campos, representante regional; e Edivaldo Braga, gerente de relacionamento com a comunidade – informaram que a decisão do INCRA seria apresentada ao setor jurídico da empresa.
Além das dificuldades de cumprimento dos acordos estabelecidos com os assentados, a empresa continuava sem atender às demandas indígenas. Por isso, a pedido do MPF, em setembro de 2017, a Quinta Turma do TRF1 determinou a imediata paralisação das atividades de mineração do empreendimento Onça Puma, até que fosse implementado o plano de gestão econômico e ambiental e as outras medidas compensatórias em favor dos Xikrin. Também foi determinado o depósito de um salário mínimo para membros das aldeias afetadas. Com esta decisão, somava-se a terceira derrota judicial da mineradora, na qual ela se via novamente obrigada a paralisar suas operações.
Segundo informações do MPF, o procurador regional da República, Felício Pontes Jr, expôs a situação dos Xikrin em relação à saúde da seguinte forma:
“Os impactos do empreendimento sobre as aldeias são reais. O chão treme com as bombas advindas da operação do empreendimento, afugentando a fauna e prejudicando a caça. O rio está completamente contaminado, o que tem acarretado doenças nos indígenas que não eram registradas entre eles, como lesões dermatológicas, angioedemas deformantes e cefaleias”.
Após denúncia das Associações Indígenas [Poré Kayapó e outros] de que a Vale continuava mantendo as atividades de exploração de níquel, a Justiça Federal determinou mais uma vez, no dia 5 de outubro de 2017, a paralisação das atividades de mineração do empreendimento Onça Puma, através do desembargador federal Souza Prudente, conforme publicado em documento do TRF 1ª Região [Agravo de Instrumento 004210684.2015.4.01.0000/P]. O desembargador determinou urgência e, se necessário fosse, a ida de dois Oficiais de Justiça, utilizando de força policial para lacrar os portões de acesso às dependências do empreendimento, e também dos equipamentos e maquinários.
A Vale divulgou em nota pública que estava: “Cumprindo a decisão judicial da 5ª Turma do Tribunal Regional da Primeira Região (TRF1), que determina a paralisação da ‘atividade de mineração’ em Onça Puma, e está recorrendo dessa decisão por considerar que toda a atividade é licenciada e fiscalizada pelo órgão licenciador competente (SEMAS/PA), atendendo as medidas mitigadoras e compensatórias. A Vale juntou diversos laudos de empresas técnicas e de profissionais de elevado conhecimento, indicando que não há relação entre os elementos dissolvidos na água e alegados problemas de saúde com a atividade de mineração de Onça Puma, o que foi ratificado pelos técnicos da SEMAS/PA que emitiram laudo neste sentido” (nota publicada no blog Ze Dudu).
A Vale impetrou mandato de segurança em 08 de outubro de 2017 reafirmando as diferenças nas atividades de extração mineral e de operação da Usina, sendo que, para cada uma, haveria distintas licenças ambientais. Conforme documento expedido neste mandato, no caso do encerramento da operação da usina, a decisão possibilitaria insegurança e “perigo de explosão de forno metalúrgico e a possibilidade de danos ambientais”. O mandato para a continuidade da operação da usina foi concedido pelo desembargador João Batista Moreira.
Além disso, a empresa obteve apoio político a nível local, pois, com a decisão judicial anterior, a prefeitura de Ourilândia do Norte voltou a se posicionar sobre o projeto, afirmando não haver prejuízo ambiental. Em protesto contra as paralisações, manifestantes fecharam a rodovia PA-279 com a anuência do prefeito Romildo Veloso e Silva, conforme publicado no Blog do João Carlos, em 2017.
Ainda segundo esse blog, expondo as declarações do prefeito, para este não havia veracidade nas afirmações de prejuízos causados pelo projeto aos indígenas: “Não há, nas atividades da Vale aqui, nenhum impacto ambiental, social ou econômico que prejudique os Kayapó e muito menos os Xikrin. Isso é uma mentira deslavada e descabida por parte da Funai [Fundação Nacional do Índio] e daqueles que estão em Brasília advogando essa causa”.
Em dezembro de 2017, o MPF celebrou novo Termo de Ajuste de Conduta (TAC), desta vez com os indígenas da etnia Kayapó, determinando a forma de aplicação dos recursos depositados pela mineradora. Foi o primeiro acordo deste tipo realizado desde 2016, com os Xikrin. Na pauta deste acordo, a solicitação do MPF ao TRF1 pela liberação de R$ 38,5 milhões, já depositados pela mineradora em conta judicial, para repasse imediato às comunidades Xikrin e Kayapó. Esta soma se referia também ao montante de um salário mínimo por indivíduo atingido e ao censo das comunidades afetadas. A comunidade ainda lutava, porém, pelo pagamento de indenização compensatória no valor de R$ 1 milhão por aldeia até a implantação do plano de gestão econômica, prevista como condicionante do Licenciamento Ambiental, segundo publicou o MPF na ocasião.
Em abril de 2018, mais de 150 integrantes Kikrins participaram de reunião na Procuradoria Regional da República da 1ª Região (PRR1) denunciando a Vale pelo empreendimento Onça Puma e mais outros dois, que também os atingiam: a Estrada de Ferro Carajás e o Projeto S11D (em funcionamento desde janeiro de 2017). É importante ressaltar que este Mapa disponibiliza uma ficha específica que analisa o histórico e os impactos Estrada de Ferro Carajás.
Apesar do cenário jurídico se mostrar favoravelmente aos indígenas ao longo destes anos, importa assinalar que, em relação às mudanças no modo de vida, a denúncia mais lamentada por eles é a impossibilidade de processar seus alimentos utilizando a água do rio. A farinha, por exemplo, passou a ser processada em tonéis, tornando o trabalho mais difícil; além disso, a batata doce, que era bastante consumida na aldeia e lavada na beira do rio Cateté, pode absorver os metais pesados ali presentes. Por conseguinte, a pesca e o tradicional nado no rio ficam impossibilitados. Intrínseco a estas atividades da vida diária está o valor simbólico e cosmológico que sustenta a vida, o cotidiano e a estima do povo Xikrin. Com estes fatores tão caros à comunidade, a discussão que se impõe na disputa pela indenização, segundo a antropóloga Lux Vidal (USP), pioneira no estudo com o povo Xikrin, é que não há indenização que compense a morte de um rio.
“Porque, de repente, o Cateté já era. O fato é que fizeram análises e realmente o rio está poluído. É que o Cateté não é um rio grande, está comprometido, as cabeceiras, tudo. Já naquela época [quando trabalhava com os Xikrin], geólogos, especialmente geólogos canadenses que eu conheci, me falaram: ‘Olha, Lux, essa área aí a oeste é uma área pensada para níquel. Níquel é a pior das coisas que pode acontecer. É o minério mais poluente, o mais letal que pode existir. Não se pode entrar em contato de jeito nenhum com os dejetos do minério de níquel’. O que eu penso é que os índios nunca se deram conta a que ponto isso poderia ser grave. E pode ser que eles aceitaram alguma compensação da Vale, como foi para o resto. Mas nunca isso poderia ter acontecido. (…) Eles nunca deveriam ter colocado essa mineração aí tão perto, a gente não tem realmente o controle sobre o que pode acontecer. Porque as mineradoras lá vão dizer que está tudo bem, mas nós já vimos no rio Doce o que aconteceu. E pode acontecer a mesma coisa em Xikrin”, afirmou a antropóloga em entrevista para a Agência Pública, em 2017.
Em abril de 2018, a Articulação Nacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale, em participação na assembleia da companhia, elaborou nota com as principais violações de direitos humanos causadas pelos projetos da subsidiária no Brasil, a fim de alertar sobre as omissões de tais violações frente aos acionistas. O projeto Onça Puma sobre o povo Xikrin foi citado como estratégia da empresa de diversificação de novos produtos:
“A mina Onça Puma, no Pará, é outro projeto da Vale sob grande risco por causa das violações de direitos. O Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) encontrou altos índices de ferro, cromo, cobre e níquel nas águas do Rio Cateté por causa da exploração. Indígenas Xikrin e Kayapó denunciaram a empresa por causa da contaminação que, inclusive, já teria causado casos de má formação fetal em aldeias Xikrin. Além disso, a empresa não instalou projetos de compensação socioambiental obrigatórios pela legislação brasileira e expressamente determinados na licença ambiental. Onça Puma é um projeto estratégico para a Vale em sua nova política de diversificação de produtos. Apesar de todas as provas sobre os danos que causa e pelo menos quatro decisões favoráveis em instâncias superiores aos Xikrins, a Vale afirma aos seus acionistas que está ‘contestando vigorosamente essa ação, que acreditamos não ter mérito’.”
Em 07 de agosto de 2018, famílias de produtores do Projeto de Assentamento (PA) União acamparam em frente à sede do projeto Onça Puma, bloqueando os ramais de acesso da mineradora. A acusação principal é de que a Vale não teria cumprido o acordo com as famílias retiradas da área onde hoje funciona o projeto. Ainda segundo essas famílias, elas foram alocadas para outra área, mas não estão podendo produzir pois estão sob vigilância de seguranças armados contratados pela mineradora. As principais reivindicações dos manifestantes são: direito de uso da quantidade de terra, que falta ser entregue pela Vale; acesso a todos os benefícios acordados pela empresa; e documento da posse da terra.
Segundo nota da Vale divulgada pelo G1, as equipes de segurança da empresa procuraram conversar com os manifestantes. A Vale argumentou ainda que a referida área era um compromisso da empresa com o INCRA, para regularização do PA União.
Última atualização em: 14 ago. 2018.
Cronologia
Década de 1990: INCRA cria Assentamentos Campos Altos e Tucumã.
2003: Onça Puma Mineradora requer ao INCRA a desafetação de 7.400 hectares pertencentes aos Assentamentos Campos Altos e Tucumã, sob a alegação da necessidade de extrair níquel no subsolo do local.
2005: Vale adquire a mineradora Onça Puma.
Abril de 2008: CPT e outras organizações civis ingressam com representação junto ao MPF contra possíveis impactos da implantação das atividades da mineradora, relatando os danos causados pela implantação da planta minero-siderúrgica e cobrando providências.
Junho de 2008: Procuradoria do INCRA ingressa com Ação Civil Pública, na Justiça Federal de Marabá, contra a Mineração Onça Puma, requerendo liminarmente a suspensão das atividades ligadas à mineração até autorização do órgão.
11 de agosto de 2008: INCRA publica portaria determinando desafetação de parte da área destinada ao uso público comum por famílias de produtores rurais nos assentamentos de (PAs) Campos Altos e Tucumã.
22 de setembro de 2008: Centenas de trabalhadores rurais, pequenos agricultores e profissionais da educação de Ourilândia do Norte protestam contra possíveis impactos da instalação da mina em assentamentos, bloqueando a estrada vicinal de acesso ao empreendimento.
25 de setembro de 2008: Trabalhadores rurais e empresa firmam novo acordo e a estrada é desocupada.
Maio de 2010: Mineradora Onça Puma e Vale obtém licença de operação para o empreendimento.
Maio de 2011: Vale inicia extração de níquel da mina.
Outubro de 2011: 200 trabalhadores rurais fecham estrada utilizada pela empresa para exigir cumprimento de promessas de indenização e remanejamento das famílias afetadas pelo empreendimento.
Maio de 2012: MPF ajuíza nova Ação Civil Pública contra a Mineradora Onça Puma, a SEMAS e a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) para obrigar a empresa a executar termos do acordo firmado com os indígenas Xikrin e Kayapó por ocasião do licenciamento da mina.
Dezembro de 2012: Juiz federal Adelmar Aires Pimenta da Silva, em Redenção, determina envio do caso ao Superior Tribunal Federal (STF).
Fevereiro de 2013: TRF1 decide pelo retorno do processo à Justiça Federal em Redenção, após MPF ter recorrido da decisão do juiz Adelmar Silva.
Setembro a novembro de 2013: Vale realiza modernização tecnológica do empreendimento.
12 de junho de 2014: Povo indígena Xikrin ocupa portões da mina em Ourilândia do Norte e impede a continuação das atividades da empresa.
14 de junho de 2014: Povo Xikrin desocupa portões da mina.
16 de junho de 2014: Povo Xikrin reocupa instalações de Onça Puma.
Setembro de 2014: Vale anuncia investimentos na eficiência energética do empreendimento.
Março de 2015: Assessoria de Imprensa da Vale anuncia que a mineradora investiu cerca de R$ 1,5 milhão (de um custo total de R$ 1,9 milhão) na construção de um terminal rodoviário em Ourilândia do Norte, com capacidade para processar viagens intermunicipais e interestaduais.
Abril de 2015: Associação Indígena Porekrô encaminha relatório do professor João Paulo Botelho Vieira Filho sobre os impactos socioambientais e à saúde das atividades da Mineração Onça Puma na TI Cateté.
Junho de 2015: Lideranças Xikrin e MPF se reúnem para discutir decisão em ACP movida para suspender licença de mineração da Vale.
06 de agosto de 2015: TRF 1ª Região ordena a paralisação do projeto de Mineração Onça Puma, além do pagamento de R$ 1 milhão por mês para cada aldeia afetada [Ôôdja, Cateté e Djudjê-Kô] até que as medidas de proteção aos Xikrin sejam de fato atendidas.
31 de agosto de 2015: Vale obtém liminar para retomar mineração em Onça Puma, também no âmbito do TRF.
09 de outubro de 2015: MPF recorre ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), que envia ofício à Justiça Federal em Redenção obrigando a paralisação da mineradora.
Novembro de 2015: Procurador-geral da República, Rodrigo Janot, posiciona-se no Supremo Tribunal Federal contrariamente ao pedido do Governo do Pará para liberar o funcionamento da Mineração Onça Puma.
11 de dezembro de 2015: Ministro Ricardo Lewandowski, do STF, autoriza a Vale a continuar com parte de suas operações na usina de processamento de níquel.
Agosto de 2016: Povo Xikrin e MPF assinam TAC no valor de R$ 1 milhão para mitigação de danos causados à etnia pela atuação da empresa.
22 de abril de 2017: Presidenta do STF, Carmen Lucia, se reúne com os Xikrin para retomar ação contra a Vale por contaminação do rio Cateté.
05 de junho: Plenário do STF decide que o caso envolvendo a suspensão do projeto Onça Puma deve ser analisado nas instâncias ordinárias por não caber nesse tipo de ação a apreciação de matéria de mérito, conforme divulgado pela revista Consultor Jurídico.
13 de junho de 2017: Audiência entre Vale, CPT, Sindicato dos Trabalhadores Rurais, Associação de Pequenos Produtores Rurais da Colônia Campos Nossos (ACN), representantes da Câmara de Vereadores de Ourilândia do Norte, vice-prefeito da cidade e as famílias assentadas dos referidos assentamentos.
Setembro de 2017: TRF1 determina a paralisação das atividades de mineração do empreendimento Onça Puma.
05 de outubro de 2017: Justiça Federal, através de desembargador Antônio Souza Prudente, determina que Onça Puma seja lacrada.
08 de outubro de 2017: Vale impetra mandato de segurança argumentando que há duas atividades a serem consideradas: uma seria a de extração do minério e, a outra, de processamento da usina. Deveria, segundo a empresa, ser mantida a atividade de beneficiamento do níquel.
08 de dezembro de 2017: MPF celebra novo TAC com indígenas afetados, determinando a forma de aplicação dos recursos depositados pela mineradora.
Abril de 2018. Mobilização da Articulação Nacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale denuncia subsidiária brasileira por violações dos direitos humanos.
– Mais de 150 integrantes Kikrins participam de reunião na Procuradoria Regional da República da 1ª Região (PRR1), denunciando a Vale pelo empreendimento Onça Puma e a Estrada de Ferro Carajás e o Projeto S11D (em funcionamento desde janeiro de 2017).
07 de agosto de 2018: Famílias de trabalhadores rurais acampam em frente à sede do projeto Onça Puma.
Fontes
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