MT – UHE Castanheira é ameaça aos povos indígenas e ribeirinhos da região

UF: MT

Município Atingido: Juara (MT)

Outros Municípios: Novo Horizonte do Norte (MT), Porto dos Gaúchos (MT)

População: Povos indígenas, Ribeirinhos

Atividades Geradoras do Conflito: Barragens e hidrelétricas

Impactos Socioambientais: Alteração no ciclo reprodutivo da fauna, Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, Assoreamento de recurso hídrico, Falta / irregularidade na autorização ou licenciamento ambiental, Invasão / dano a área protegida ou unidade de conservação, Mudanças climáticas

Danos à Saúde: Insegurança alimentar, Piora na qualidade de vida

Síntese

A UHE Castanheira é a maior entre pelo menos 80 projetos de aproveitamentos hidrelétricos planejados só para a região do rio Juruena, no centro-oeste do Mato Grosso. Ainda em fase de aprovação, o projeto já traz uma série de controvérsias.

Segundo o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) da UHE Castanha, as Terras Indígenas Apiaká-Kayabi (habitadas pelos povos Apiaká, Kayabi e Munduruku), Japuíra e Erikpatsa (ambas habitadas pelo povo Rikbaktsa) estão localizadas em um raio de 40km da localização proposta para a usina. Além dessas terras indígenas, existem grupos indígenas dos Tapuyana em isolamento voluntário na região.

Os principais impactos a esses povos estão associados aos fluxos migratórios dos peixes, alterando diretamente a subsistência das comunidades indígenas, bem como seus rituais. Outros impactos estão associados à restrição do acesso a áreas usadas nas atividades produtivas, limitação para obtenção de recursos naturais e alteração na organização social, política e cultural dos povos indígenas.

Tanto o Ministério Público Federal (MPF ) quanto o Ministério Público do Estado do Mato Grosso (MPE/MT) já se manifestaram contra a obra. Entretanto, em 2019, o Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, reafirmou o compromisso do governo de levar o projeto adiante.

 

Contexto Ampliado

A Usina Hidrelétrica (UHE) Castanheira está planejada para ser construída no rio Arinos, pertencente à Bacia do Juruena, a aproximadamente 120km da sua foz no rio Juruena, no município de Juara, Estado de Mato Grosso. A bacia hidrográfica do rio Arinos está localizada integralmente naquele Estado, com cerca de 59.000 km² de área e abrangendo 14 municípios. O rio Arinos nasce na Serra Azul e percorre cerca de 760km até desaguar no rio Juruena, sendo o rio dos Peixes o principal afluente, segundo o Portal do Arinos.

Segundo o site Digorest Notícias, a usina recebeu esse nome durante os estudos de inventário hidrelétrico da bacia do rio Juruena. Próximo ao local identificado para o eixo da barragem há um morro, com uma árvore castanheira que se destaca dentre as outras árvores, e que inspirou o nome da UHE.

O reservatório que deveria ser formado pela barragem ocuparia uma área de 9.470 hectares (94,7km²), área praticamente equivalente à da capital do Espírito Santo, Vitória, e se estenderá por 67km no rio Arinos, um dos mais importantes afluentes do Juruena. A maior parte da área do reservatório (99,96%) estará no município de Juara e o restante no município de Novo Horizonte do Norte (0,04%), de acordo com informações publicadas no site da Empresa de Pesquisa Energética (EPE).

A Bacia do rio Tapajós incorpora as bacias dos rios Teles Pires e Juruena, que são importantes cursos hídricos no Estado de Mato Grosso, e onde estão programadas outras dezenas de Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) e hidrelétricas. A UHE Castanheira é a maior entre pelo menos 80 projetos hidroenergéticos planejados somente para a região do Juruena, um dos rios formadores do Tapajós. Esse número exclui as hidrelétricas já aprovadas e construídas, segundo dados da própria Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). De acordo com o jornal Le Monde Diplomatique, a UHE Castanheira é um projeto que iniciou seus estudos a partir da aprovação feita pela Aneel do Inventário Hidrelétrico da Bacia do rio Juruena, em 2011.

No centro-norte de Mato Grosso ainda existem ricas jazidas de minérios estratégicos para processos industriais em larga escala, como cobre e manganês, bem como diamante e ouro. São alvos de cobiça tanto de grandes mineradoras quanto de garimpeiros ilegais. Nesse cenário, a usina Castanheira abrirá espaço para a exploração na área.

Somente em Juara há mais de 40 requerimentos de pesquisa junto ao Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) para mineração industrial de cobre, manganês e pedras preciosas. Entre os requerentes há grandes empresas, como a filial brasileira da Corporación Nacional del Cobre de Chile (Codelco), a mineradora estatal chilena, e a gigante Nexa Resources S.A, criada após a fusão entre a Votorantim Metais Zinco S.A e a peruana Compañía Minera Milpo.

Segundo o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) da UHE Castanheira, elaborado pela EPE, Habtec Mott MacDonald, empresa de consultoria especializada, em consórcio com a Nova Terra Geoprocessamento, as Terras Indígenas Apiaká-Kayabi, Japuíra e Erikpatsa estão localizadas em um raio de 40km da usina. O estudo do Componente Indígena (ECI) do EIA compreendeu essas localidades e em cada uma delas foram estudados os impactos nas áreas de pesca, caça e coleta, seja dentro das terras indígenas, seja no seu entorno.

Antigamente, os povos dessas TIs (os Kayabi, Apiaká, Munduruku e Rikbaktsa) habitavam uma grande região abarcando a bacia do rio Juruena, bem como parte das bacias dos rios Aripuanã e Teles Pires. As aldeias mudavam de lugar a cada dois ou três anos, de acordo com as áreas para plantio e a disponibilidade de recursos. Eles destacam em seus relatos as fortes mudanças ocorridas com a chegada das frentes de expansão da borracha e de colonização da região, com redução do território utilizado, aumento dos conflitos, mortes e doenças.

A partir desses relatos fica evidente que os povos originários sempre defenderam seus territórios das invasões dos não indígenas. O estudo de impactos foi feito com base em entrevistas e no mapeamento dos locais antigos e atuais de moradia, caça e coleta. Foram também realizadas expedições para identificar as regiões mais importantes para os indígenas e registrar as formas de uso dos recursos.

Ainda de acordo com o estudo, os Apiaká são habitantes tradicionais e imemoriais da área delimitada pela confluência dos rios Juruena e Teles Pires. Até por volta de 1950, os Rikbaktsa circulavam por uma ampla região, tendo como limite leste o rio Arinos e seus afluentes, e oeste o rio Aripuanã. Já os Kayabi ocupavam as regiões entre as nascentes do rio dos Peixes e do Teles Pires e o baixo Arinos.

Quando a frente pioneira da borracha atingiu seu território, em meados do século XIX, os Apiaká foram submetidos a um sistema de escravidão nos seringais, provocando uma desarticulação social e diminuição da população por doenças e massacres. Além disso, a pressão exercida pelo contato gerou dispersão territorial. A Missão Franciscana do Cururu, no Pará, até então voltada ao atendimento dos Munduruku, recebeu algumas famílias Apiaká nas décadas de 1930 e 1940. Parte desses últimos Apiaká foi transferida por religiosos para as margens do rio dos Peixes, na década de 1960.

O EIA também aponta que, a partir dos anos 1980, alguns agrupamentos indígenas Munduruku saíram da aldeia Uarari e se mudaram para a TI Apiaká/Kayabi, junto aos Apiaká, inicialmente em uma aldeia antiga e, posteriormente, na aldeia Mayrob, segundo relatos dos próprios. No ano de 1986, habitantes de outra aldeia, localizada no rio Juruena em trecho próximo ao encontro com o rio Teles Pires, também se deslocaram para a TI Apiaká-Kayabi. O último grande deslocamento dos Munduruku para a TI Apiaká/Kayabi ocorreu em 1988. No início do século XIX, a microrregião do Arinos, onde estão localizados os municípios de Juara, Novo Horizonte do Norte e Porto dos Gaúchos, era ocupada pelo povo Kayabi.

Como identificado no EIA, entre as décadas de 1950 e 1980, o Estado brasileiro foi o maior responsável pela grande movimentação de pessoas para o Estado de Mato Grosso, estimulando o comércio de terras, o aproveitamento econômico dos recursos naturais da região e permitindo o investimento de empresas de colonização, que venderam terras a muitos imigrantes sulistas, criando a Gleba Arinos. A localidade daria posteriormente origem ao município de Porto dos Gaúchos, em 1963.

A partir da década de 1960, o crescimento populacional da área de abrangência regional sempre se manteve muito superior aos índices do Estado. O período de maior crescimento populacional foi nos anos 1970 e 1980, quando o governo militar intensificou a aplicação de políticas para ocupação da região. A partir dos anos 1980, aumentaram as atividades do agronegócio e restando poucas novas áreas a serem ocupadas.

O estabelecimento de população não indígena na região foi intensificada durante o segundo Ciclo da Borracha, quando muitos seringais às margens do rio Arinos foram explorados até a década de 1950. No final da década de 1960, a empresa Imobiliária Mato Grosso (IMAGROL), com sede na cidade de Maringá/PR, adquiriu terras do município de Porto dos Gaúchos, na localidade posteriormente denominada Novo Horizonte. Na mesma época, algumas poucas famílias de imigrantes paranaenses chegaram à localidade. No ano de 1976, Novo Horizonte foi elevado à categoria de distrito do município de Porto dos Gaúchos.

No início da década de 1970, a Sociedade Imobiliária da Bacia Amazônica (SIBAL) adquiriu o direito de lotear uma área no município de Porto dos Gaúchos, na Gleba Taquaral, mais tarde conhecida como Juara. Em 1971, José Pedro Dias (Zé Paraná) liderou o assentamento do primeiro grupo de colonos na localidade de Taquaral. Nos anos seguintes a ocupação intensificou-se com foco no uso da terra para o desenvolvimento de atividades agrícolas. Em 1974, Juara também foi elevada à categoria de distrito do município de Porto dos Gaúchos. No ano de 1981, o distrito de Juara foi emancipado e elevado à categoria de município, e, em 1986, o mesmo aconteceu com o distrito de Novo Horizonte.

Principalmente pela expansão do agronegócio, atualmente, a população dos municípios da bacia do rio Arinos continua crescendo. O Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010 indica que a população dos 14 municípios que formam a região era de 221.930 habitantes. Lucas do Rio Verde, Juara e Nova Mutum são os municípios mais populosos. Ocorreu a migração de pessoas de municípios menores para outros com maior dinamismo econômico, como Juara, além da chegada de pessoas de outras regiões do País e do Estado.

A maior parte da população da região vive nas cidades. Somente dois municípios têm população rural maior do que a urbana: Novo Horizonte do Norte e Nova Bandeirantes. Em 2010, os três municípios totalizavam 41.989 habitantes, dos quais 32.791 habitantes eram de Juara, 3.749 de Novo Horizonte do Norte e 5.449 de Porto dos Gaúchos.

Segundo o Documento de Trabalho intitulado “Análise Custo-benefício da Construção da UHE Castanheira”, divulgado pela Conservation Strategy Fund (CSF, em português: “Fundo de Conservação Estratégica”) no site da Operação Amazônia Nativa (OPAN), em março de 2018, o município de Juara, situado a 730km da capital de Cuiabá, é o sétimo maior em área do Estado de Mato Grosso, com uma população estimada de 33.731 habitantes, sendo a maior parte da residente na área urbana. A população residente nas áreas rurais é de 20%, com a maior parte correspondendo às populações indígenas e comunidades tradicionais, de acordo com o IBGE (2010).

As atividades dominantes na região onde será construída a UHE, em termos econômicos, são o extrativismo vegetal e mineral, além da pecuária, principalmente bovina, o que justifica sua denominação de “Capital do Gado” em Mato Grosso. Em menor escala, estão também presentes as atividades agrícolas e a pesca artesanal. O Estudo de Impacto Ambiental (EIA) identificou a presença de pescadores artesanais e de população ribeirinha nas proximidades do rio Arinos, que dependem fundamentalmente da pesca, assim como os pescadores profissionais. Outra atividade importante nas áreas de influência da UHE é a pesca esportiva, que atrai turistas para a região.

Com relação às áreas vegetadas, o EIA identificou uma área de 4.546ha de vegetação nativa, que sofreria intervenções para a construção da UHE Castanheira. Correspondem à Floresta Ombrófila Aberta Submontana 4.252ha (93,53%) deste total, e o restante, 294ha (6,47%), à Floresta Ombrófila Densa Aluvial. Parte da cobertura vegetal seria removida para a instalação do canteiro de obras, das vias de acesso e para terraplanagem, além da limpeza para o reservatório. O EIA identificou as espécies Amburana acreana (cerejeira), Ocotea tabacifolia (canelão), Bertholletia excelsa (castanheira) e Cedrela odorata (cedro-rosa) dentre as populações vegetais presentes que estão em pelo menos uma das listas de espécies ameaçadas.

O rio Arinos, onde a hidrelétrica de Castanheira pode ser construída, já sofre impactos relacionados às monoculturas de soja e cana-de-açúcar, como aponta o EIA. Uma parte considerável de florestas da região já foi perdida em decorrência da expansão da fronteira agrícola e da extração de madeira e minérios. No entanto, o rio Arinos continua a ser um dos rios com maior diversidade de espécies de peixes catalogadas na região da bacia do Juruena, mesmo com tantos impactos, segundo informações dos estudos.

De acordo com matéria do site The Intercept Brasil, durante os períodos de seca, o rio Arinos é responsável por fornecer boa parte dos pescados dos quais se alimentam os povos indígenas que habitam as terras do centro-norte de Mato Grosso. A barragem da usina Castanheira bloquearia um dos principais pontos de pesca e reprodução de peixes no rio. Sendo assim, a hidrelétrica afetaria toda a população ribeirinha, mesmo que distante da usina.

Com base no ECI, o site de notícias Rede Juruena Vivo afirma que nenhum dos impactos produzidos poderia ser reduzido com medidas mitigadoras, por serem todos irreversíveis. Entre os principais impactos irreversíveis identificados, destacam-se: (i) restrição do acesso a áreas usadas nas atividades produtivas e limitação para obtenção de recursos naturais; (ii) alteração na organização social, política e cultural dos povos indígenas; e (iii) intensificação dos conflitos interétnicos e interferência nas atividades de pesca de peixes e quelônios, bem como na coleta de ovos de tracajás.

O estudo deveria subsidiar o não licenciamento da construção da UHE Castanheira. No entanto, a EPE não aceitou que os Tapayuna, ocupantes de uma área no interflúvio Sangue-Arinos, fossem abrangidos pelo estudo de impacto ambiental.

Ainda, segundo a Rede, os Tapayuna, aguardam até hoje a chance de terem acesso à pesquisa, a eles jamais encaminhada. “A população tem que ouvir e se expressar. Não levar dúvida pra casa. Onde está a pesquisa? Queremos cópia desse documento”, reclama Edgar Ipiny, do povo Rikbaktsa, que em novembro do ano passado participou de uma viagem organizada pela EPE para o canteiro de obras de UHE Teles Pires, atendendo a um pedido dos indígenas afetados pela UHE Castanheira. Eles queriam visitar um local já impactado por uma hidrelétrica para fazerem sua reflexão.

“Estivemos lá no Teles Pires. Sentimos o que é uma barragem. A conclusão de todos que fomos é de que aquilo não é coisa para os povos indígenas e sim para o agronegócio. Ninguém contou pra gente, vimos pessoalmente”, relatou Inipy à Rede.

Segundo a mesma matéria do Intercept Brasil, parte dos últimos 160 Tapayuna do País depende do Arinos para sobreviver. No século passado, os Tapayuna foram praticamente dizimados, além de terem sido envenenados e contaminados com o vírus da gripe durante missões de colonização e “pacificação”. O indigenista Américo Peret calculou que nos anos 1970 existiam algo em torno de 1,2 mil indígenas da etnia.

Espalhados em aldeias nas terras indígenas Wawi e Capoto Jarina, no Parque Nacional do Xingu, norte do Mato Grosso, hoje os Tapayuna reivindicam seu território original no município de Diamantino, a 500 quilômetros do parque. Territórios essenciais, usados para o acesso aos rios e para ritos tradicionais, serão inundados caso o projeto Castanheira seja concretizado.

A Comissão Rondon, iniciativa criada pelo governo para ocupar territórios e estabelecer as fronteiras nacionais, abriu caminho para uma história dos Tapayuna marcada por conflitos e centenas de mortes ao longo do século XX. A “Marcha para Oeste” de Getúlio Vargas, nos anos 1940, trouxe migrantes brasileiros e estrangeiros para a região, provocando tensão entre colonos e indígenas, culminando no mínimo em duas tragédias em menos de duas décadas, segundo o Intercept Brasil.

Estão atualmente previstos para a bacia do rio Juruena no Estado de Mato Grosso mais de 100 empreendimentos hidrelétricos, incluindo hidrelétricas e pequenas centrais hidrelétricas. A UHE Castanheira é destaque dentre esses empreendimentos, e uma das poucas hidrelétricas priorizadas no estudo de inventário da bacia hidrográfica do rio Juruena que não inundaria diretamente Terras Indígenas e Unidades de Conservação, segundo a Análise Custo-benefício da Construção da UHE Castanheira.

Ambientalistas manifestam preocupação com os projetos hidrelétricos na bacia do rio Juruena. Pedro Bara, da organização não governamental The Nature Conservancy (TNC), frisou ao site Amazônia que o chamado “impacto cumulativo” desses empreendimentos é grave, e o setor elétrico tem condições de medi-lo por meio da Avaliação Ambiental Integrada (AAI), instrumento ainda pouco utilizado.

Eduardo Morima, indígena Apiaká e morador da região da UHE Castanheira, viu os danos ao sustento e à forma de vida das comunidades tradicionais provocados pelas usinas hidrelétricas no rio Teles Pires, também no Mato Grosso. Alertou ao mesmo site de notícias o temor de que o mesmo aconteça caso a UHE Castanheira seja construída.

A estimativa divulgada pela EPE, em 29 de outubro 2015, no site Digorest Notícias, informava que o governo federal contava com a geração de até 1,5 mil empregos diretos quando as obras da Usina Castanheira estivessem no auge. O governo federal incluiu a usina nas metas do Plano Plurianual 2016-2019 e passou a integrar o Plano de Aceleração do Crescimento (PAC). Com a capacidade prevista, seria capaz de abastecer cerca de 1/3 da cidade de Cuiabá, incluindo indústrias, comércios e residências. Também seria suficiente para abastecer cerca de 12 vezes o consumo dos municípios de Juara e Novo Horizonte do Norte, por exemplo.

Ao site, a empresa reforçou que a usina não alagaria terras indígenas e unidades de conservação, e que seriam criados projetos e programas ambientais que buscassem a preservação e a redução de impactos sobre a fauna, a flora, os peixes, a qualidade da água e, principalmente, programas sociais que iriam mitigar os efeitos causados sobre a população localizada nos municípios que poderiam ter terras alagadas e/ou atividades econômicas atingidas: Juara, Novo Horizonte do Norte e Porto dos Gaúchos.

Em 2 de agosto de 2016, durante o II Fórum Popular de Zoneamento Socioeconômico Ecológico (ZSEE) do Estado de Mato Grosso, em Várzea Grande, foi realizado o lançamento do livro “Ocekadi: Hidrelétricas, Conflitos Socioambientais e Resistência na Bacia do Tapajós”. O livro, composto por 25 artigos escritos por cerca de 50 autores, traz uma rica diversidade de temas que envolvem aspectos jurídicos e os direitos de populações atingidas.

A obra apresenta como um dos destaques um panorama geral de povos indígenas do Estado de Mato Grosso, bem como os principais conflitos socioambientais e a resistência desses povos à construção das usinas, conforme matéria divulgada no site do Instituto Centro de Vida (ICV). A importância da obra é informarsobre as implicações ambientais que uma usina hidrelétrica pode trazer para ribeirinhos e indígenas, afirmou ao site Luiz Antonio de Lima Campos, presidente da Associação de Bairro Garcêz, em Cáceres.

Segundo “Análise Custo-benefício da Construção da UHE Castanheira”, a usina trará impacto diretamente aos municípios de Juara e Novo Horizonte do Norte. No entanto, considerando-se a área de abrangência regional (área delimitada pela sub-bacia hidrográfica do rio Arinos), os municípios afetados seriam todos os 14 pertencentes à bacia hidrográfica do rio Arinos, representando uma área de aproximadamente 86,4 mil km2, sendo 22,6 mil km2 correspondentes ao município de Juara.

Conforme o relatório do EIA, 555 pessoas (208 famílias) poderiam ser afetadas diretamente pela construção da UHE. No entanto, a população indígena da região depende da pesca para sobrevivência, o que apresentaria um número de pessoas diretamente impactadas bem maior do que o indicado. Previsto pelo próprio EIA, a formação do reservatório impactaria a quantidade e a diversidade de peixes existentes no rio Arinos, bem como nos demais rios da bacia do rio Juruena.

Pela análise divulgada pela CSF, o projeto de construção da UHE Castanheira prevê o alagamento de 94,7km2 e tem investimento previsto, incluindo a construção da linha de transmissão, de aproximadamente R$ 1,3 bilhões (preços de 2015). Tal valor não inclui os custos associados aos impactos socioambientais que seriam provocados pela implantação e operação da usina.

De acordo com a análise, o único aspecto positivo da UHE seria a produção de energia, em detrimento dos impactos destacados, como emissões de gases de efeito estufa, a perda econômica gerada pela inundação de áreas produtivas e a diminuição da renda econômica dos pescadores profissionais existentes no rio Arinos, também dificultando a piracema e a reprodução dos peixes ao longo do rio.

O EIA prevê que a UHE Castanheira gere no máximo 140 MW, garantindo entregar 98 MW de energia firme, o que não representa nem 1% do que é consumido atualmente em Mato Grosso. No entanto, de acordo com a Rede em Defesa do Juruena, o Estado brasileiro está disposto a barrar quase todo o rio mais rico da sub-bacia do Juruena, o que poderá interromper para sempre o fluxo de peixes migratórios do Arinos, interferindo na subsistência de populações locais e nos famosos festivais de pesca. Os efeitos negativos de longo prazo serão irreversíveis, de caráter cumulativo e considerados de grande magnitude sobre a população de peixes, sem contar que a muralha de contenção das águas caudalosas do Arinos ficará a cerca de 30km da cidade de Juara.

Uma análise da Coordenação-Geral de Licenciamento Ambiental da Fundação Nacional do Índio (Funai) sobre a obra, realizada em dezembro de 2017, detalha que o aumento da população nas cidades durante as obras também deixa os indígenas mais vulneráveis aos riscos da exposição a álcool e drogas.

“O aumento populacional poderá intensificar o acesso dos povos indígenas ao álcool, às drogas, assim como a propagação de Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST’s), que se associa ao aumento contingencial e consequente circulação de pessoas envolvidas com o empreendimento”, informou a Funai ao Intercept Brasil.

Segundo o site, os relatórios estão incompletos por não preverem condicionantes, ou seja, ajustes ou medidas compensatórias para lidar com a questão indígena relacionada aos Tapayuna no projeto da usina. Embora a empresa já houvesse apresentado sub-programas voltados para outras etnias diretamente afetadas pela usina – Apiaká, Kayabi, Munduruku e Rikbaktsa -, argumentava que as contrapartidas não foram ajustadas porque a licença prévia ainda não havia sido concedida. No entanto, estimar possíveis danos e formas de minimizá-los é prática padrão em obras desse tipo, argumentava a reportagem do Intercept Brasil.

Ainda de acordo com a reportagem, a EPE negava, mas pesquisadores e organizações civis que atuam na região também denunciavam a prática, recorrente nesses casos, de realizar os estudos à distância sem condição de estimar os danos da obra. A empresa afirmava ter sido notificada sobre a “possível ocorrência” de povos indígenas isolados apenas em 2017, e propôs um “subprograma de apoio a estudos de índios isolados” que deveria ser conduzido pela Funai.

Mato Grosso é um Estado no qual há constante tensão com povos indígenas, provocada por fazendeiros, grileiros e madeireiros. Segundo o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), em 2017 foram oito conflitos diferentes, envolvendo contaminação por agrotóxicos, desmatamento, incêndios e invasões. Este panorama, que já é problemático com desmatamento pela presença de madeireiros, pecuaristas e monocultores de soja e milho, tende a se agravar com a construção da UHE Castanheira.

Há grande interesse do governo, pressionado por empresários do minério, em leiloar o projeto e colocá-la em funcionamento o quanto antes, pois a hidrelétrica poderá fornecer energia o suficiente para a extração e o beneficiamento de minérios em larga escala.

No dia 28 de fevereiro de 2018, representantes de ONGs socioambientais discutiram o tema em reunião da Frente Parlamentar Ambientalista. Reforçaram estudos de custo/benefício apresentados pela ONG CSF para mostrar a inviabilidade econômica e ambiental da Usina, já que, se construída, ela traria prejuízos aos ecossistemas, impactos na regulação climática, além de custos muito elevados quando comparados com outras fontes de energia, como a solar, a eólica e a de biomassa, segundo o Intercept Brasil. Nenhum representante da equipe da EPE envolvida com a Usina Castanheira participou da reunião.

Mesmo sem o cumprimento de pré-requisitos básicos, as primeiras audiências públicas sobre a Usina Castanheira foram marcadas para março de 2018, informou ao Amazônia uma das coordenadoras OPAN, Andreia Fanzeres. Repetindo a prática de se adiantar para ver legitimado mais um projeto hidrelétrico sem considerar seus impactos, audiências públicas para a apresentação dos estudos ambientais sobre a UHE Castanheira foram marcadas pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente de Mato Grosso (SEMA-MT) sem esperar a manifestação da Funai, de acordo com o site Rede Juruena Vivo.

No dia 9 de março de 2018, representantes de instituições de Juara se reuniram para a formação de uma comissão de acompanhamento e análise da implantação da UHE Castanheira, segundo o site Show de Notícias. A primeiro tentativa de criar a comissão foi frustrada pela falta de divulgação e participação de outros representantes das entidades de Juara. Nessa ocasião, praticamente todos os segmentos da sociedade organizada compareceram.

O auditório da Câmara de Vereadores de Juara lotou, com 43 entidades presentes que indicaram seus representantes para participar da comissão, implantada com o propósito de analisar todo o processo da construção da UHE Castanheira e os impactos da implantação da usina, além de antecipar a discussão da Audiência Pública prevista para acontecer em 22 de março de 2018. O encontro foi mediado pelo vereador Léo Boy, pela secretária adjunta de cidade, Alzira Maria Piva, e o professor da Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT), Agilson Poquiviqui.

A audiência prevista para acontecer em março foi adiada para dezembro, mas, em 23 de novembro de 2018, o site da EPE informou que as audiências públicas agendadas para os dias 5 e 6 de dezembro de 2018 foram canceladas por decisão da Secretaria de Estado de Meio Ambiente de Mato Grosso – SEMA-MT, em 21/11/2018. Segundo a EPE, a partir do agendamento, a própria empresa e o Consórcio Habtec-Nova Terra iniciaram os preparativos para a realização das audiências, que incluíram ampla divulgação pública, mobilização de equipe e organização dos locais para acomodar os participantes. Porém, no dia 21 de novembro, a SEMA-MT encaminhou Ofício para EPE comunicando o cancelamento das audiências públicas devido a recomendações do MPE/MT.

Na avaliação do MPE/MT:

“Não apenas o empreendimento individualmente considerado, mas também o conjunto da arte representa impactos significativos na Bacia do Juruena e o estudo de impacto ambiental específico da UHE Castanheira aponta que os impactos cumulativos com outros empreendimentos no Rio Arinos seriam ‘impactos desprezíveis’ com relação às variações de regime das vazões sazonais”.

De acordo com o MPE/MT, a audiência pública só poderia ser realizada após ser disponibilizado o RIMA para análise da população. Os MPs ressaltaram ainda que o EIA é passível de alteração e que o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) estabelece uma série de parâmetros que devem norteá-lo, como as alternativas de localização dos projetos, os impactos na implantação e operação da atividade, a delimitação da área impactada pelo empreendimento, entre outros. O não cumprimento das orientações descritas na recomendação poderia ocasionar a responsabilização conforme previsto pela legislação ambiental.

Inconsistências no processo de consulta popular no licenciamento de projetos desse tipo não são novidades no centro-norte mato-grossense, onde diversos projetos de hidrelétricas têm avançado sem dar ouvidos às comunidades atingidas nem medir os efeitos cumulativos das usinas sobre a área. Nesse ponto da floresta amazônica, projetos hidrelétricos já têm causado enormes danos. A garimpagem também é uma preocupação nessa parte da Amazônia. Há pelo menos 34 garimpos ilegais próximos a áreas de proteção ambiental e terras indígenas nos cursos dos rios Juruena e Tapajós, segundo monitoramento da Rede Amazônica de Informação Socioambiental Georreferenciada (RAISG) em 2018.

O Ministério Público Estadual do Mato Grosso e o MPF denunciaram a empresa por ignorar a presença de indivíduos Tapayuna isolados em seus relatórios de impacto social e ambiental. Por isso, no início de 2019, o MPF desaconselhou a Secretaria de Meio Ambiente de Mato Grosso a licenciar a usina. Em fevereiro de 2019, houve um desastre provocado pela usina Sinop, quando 13 toneladas de peixes foram mortos no rio Teles Pires após uma manobra irregular durante o enchimento de seu reservatório, segundo o Intercept Brasil.

Responsável pela elaboração do projeto da UHE Castanheira, a EPE defende-se ao dizer que as terras indígenas não estão na zona de impacto direto da usina, pois, segundo o EIA e o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), a UHE Castanheira não alagará terras indígenas ou unidades de conservação. A empresa justifica também que serão criados programas ambientais que buscam a preservação e a redução de impactos sobre a fauna, a flora, os peixes, a qualidade da água e, principalmente, programas sociais que irão mitigar os efeitos causados sobre a população localizada nos municípios que terão terras alagadas e/ou atividades econômicas atingidas. A Funai contesta tais documentos e o relatório da EPE, apontando que territórios indígenas ficam num raio de menos de 40km do local previsto para as obras.

Independentemente da distância em relação à usina, sua construção irá afetar diretamente a alimentação dos indígenas que dependem da pesca, e poderá provocar a migração dessa população para continuidade de sua subsistência. Segundo análise da fundação, a hidrelétrica vai desregular o ecossistema do rio e entorno ao bloquear a rota de migração das espécies. O Arinos é o melhor rio para a pesca da região.

Em 26 de fevereiro de 2019, o site Mato Grosso Mais divulgou que os Ministérios Públicos Federal (MPF) e Estadual de Mato Grosso (MPE/MT), por meio dos ofícios ambientais, realizariam audiências públicas para discutir e ouvir a sociedade sobre os possíveis impactos sociais, ambientais, econômicos e turísticos do projeto de instalação da Usina Hidrelétrica de Castanheira, no rio Arinos, na região norte do Estado. Os encontros seriam iniciados no dia 27 de fevereiro, na cidade de Porto dos Gaúchos, às 19 horas, no auditório do Fórum. No dia 28 de fevereiro, a audiência seria realizada no município de Novo Horizonte do Norte, às 9 horas, no auditório da Câmara Municipal e, no mesmo dia, às 19 horas, em Juara, também na Câmara Municipal.

O público-alvo das audiências públicas seriam a sociedade civil da região, movimentos sociais, organizações indígenas e de povos tradicionais, universitários, dentre outros. Também foram convidados a comparecer ao evento representantes da SEMA-MT, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema), Fundação Nacional do Índio (Funai), Conselho Estadual de Recursos Hídricos (Cehiro), Prefeitura Municipal de Juara, de Porto dos Gaúchos, e de Novo Horizonte do Norte, bem como das Câmaras de Vereadores desses municípios, instituições de ensino superior estaduais, federais e privadas, Operação Amazônia Nativa (Opan) e Instituto Centro Vida (ICV).

No entanto, em 14 de março de 2019, a EPE esclareceu, em nota na sua página da Internet, que aquelas audiências públicas não faziam parte do processo de licenciamento ambiental da Usina Hidrelétrica (UHE) Castanheira, e que estas  seriam convocadas pela SEMA-MT, órgão responsável por acompanhar o processo e pela emissão das licenças ambientais.

A nota informava também que o MP realizou audiências nos municípios de Porto dos Gaúchos, Novo Horizonte do Norte e Juara, nos dias 27 e 28 de fevereiro de 2019, para discutir os impactos do projeto de instalação da UHE Castanheira, como parte de procedimento independente ao licenciamento ambiental, e que a EPE não constava entre as autoridades e instituições convidadas, ou público-alvo, assim como não recebera qualquer notificação para comparecer a essas audiências. Porém, em todas as formas de divulgação da audiência realizada pelos MPs, a SEMA-MT sempre esteve entre as instituições convidadas.

Ligada ao Ministério de Minas e Energia (MME), a EPE é responsável por fazer a pesquisa, aprovar e liberar a usina para ser construída pelo governo ou, como neste caso, ofertada via leilão. Em entrevista ao site Open Democracy, publicada em 21 de junho de 2019, Jefferson Nascimento, coordenador do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), alertava que os povos indígenas deveriam ser informados e consultados.

Nessa consulta, eles têm o direito de dizer não à usina, embora, em inúmeras ocasiões, projetos de empreendedorismo na Amazônia tenham violado a prestação de consulta livre, prévia e informada às pessoas afetadas, conforme estipulado na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre povos indígenas e tribais. Um requisito que, além disso, está incluído na Constituição Brasileira.

“As populações locais não receberiam nada dessa energia. Eles ficariam sozinhos com os danos”, afirma Nascimento, que denunciou a inviabilidade econômica de um investimento milionário. As populações indígenas locais a serem impactadas pelo empreendimento afirmaram, em matéria divulgada pelo Le Monde Diplomatique Brasil, em 25 de junho de 2019, não terem sido consultadas sobre o projeto da usina de Castanheira.

Segundo a matéria, a EPE tenta há anos autorização da Secretaria de Meio Ambiente de Mato Grosso (SEMA-MT) para conseguir a Licença Prévia e oferecer a usina no leilão de energia elétrica. Entretanto, antes disso acontecer, a SEMA-MT precisa convocar audiências públicas, o que ainda não foi feito pois o projeto apresenta inconsistências, de acordo com o Ministério Público do Estado de Mato Grosso (MPE/MT). Um contexto que tem impedido o avanço do licenciamento ambiental do projeto, e que pode mudar com o atual governo.

Diante do desejo de consulta expresso pelas populações afetadas direta e indiretamente, a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), responsável pelo projeto, respondeu que a consulta não está entre suas obrigações. A vice-superintendente da EPE, Glauce Lieggio, expressou que entendia que a Funai é que deveria dizer, de acordo com os estudos de componentes indígenas realizados pela Empresa, se o investimento é viável ou não do ponto de vista dos impactos aos povos indígenas. Essa opinião desconsiderava o fim da tutela dos povos indígenas pela Funai estabelecido pela Constituição de 1988.

Numa outra linha de defesa da usina, Guilherme Fialho, analista de pesquisa de energia da EPE, argumenta que o aumento de energia permite dar maior estabilidade ao sistema de energia central e reduzir o risco de apagões. “Mesmo que não seja suficiente, o país está crescendo e vamos precisar de expansão energética”, disse Fialho.

O Open Democracy ressalta que, embora as terras dos Apiaka, Rikbaktsa, Kayabi, Munduruku, Tapayuna e outros grupos indígenas que hoje permanecem isolados não fossem afetadas pelo alagamento do reservatório, a construção da usina a apenas 120 quilômetros da nascente do rio alteraria os fluxos migratórios de peixes, o que já seria motivo para desaconselhar sua construção. As comunidades indígenas dependem desses recursos tanto para sua subsistência alimentícia como para seus rituais sagrados.

“Os prejuízos seriam irreparáveis, não tem dinheiro que pague”, reconhece o líder do povo Apiaka, que lista com desolação os impactos de outros projetos hidrelétricos que ele próprio visitou em outras regiões do Brasil, como Belo Monte ou Teles Pires. “Em 2000 eu estava em uma comunidade perto do rio Teles Pires e se via uma abundância de peixes, agora você tem que procurar outros rios a duas ou três horas de barco para pescar. O que está perto da nossa comunidade é tão pequeno que, se construírem a barragem, pode até secar”, acrescenta.

A EPE afirma que está considerando algumas medidas para “mitigar os impactos sobre esse importante recurso”. Entre eles, um sistema de transferência de espécies “para garantir uma população de peixes a longo prazo”.

Na mesma publicação, Victor Amaral Costa, diretor de Direitos Sociais e Cidadania da Funai, explica que as compensações que as empresas oferecem às populações afetadas não resolvem suas reais necessidades, e considera que é “uma troca muito injusta”. Questionado sobre a usina de Castanheira, Amaral responde que esse é o único projeto que não interfere diretamente em qualquer terra indígena, mas que cortaria um corredor de biodiversidade e afetaria o fluxo ecológico do qual essas comunidades dependem.

“O que está em jogo neste momento é o desbloqueio das demais usinas hidrelétricas que estão sendo planejadas para a região. Castanheira é um termômetro para preparar o restante das negociações”, acrescenta este representante do órgão indigenista, que enfatiza que haveria certos impactos incomensuráveis para os povos ancestrais que vivem de maneira totalmente isolada na região.

Na avaliação ambiental da UHE Castanheira, a EPE menciona apenas 13 projetos energéticos no rio Arinos, desconsiderando o número muito superior de usinas e pequenas centrais hidrelétricas inventariadas para a região do Juruena. Segundo o MPF, a empresa foi omissa ao ignorar a existência de outras dezenas de hidrelétricas na região e seus devidos impactos na relação dos povos com o rio, o que minimiza as estimativas de danos e se distancia dos impactos que um projeto desse porte realmente pode acarretar.

Segundo a Rede Juruena Vivo, a UHE Castanheira não cumpre com um primeiro e essencial item no roteiro de qualquer projeto hidrelétrico: a justificativa de sua necessidade. Pretende “atender ao crescimento da demanda de energia no país para os próximos anos”, referindo-se ao PDE 2023 e ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC2). O projeto deveria explicar por que é realmente necessária uma hidrelétrica relativamente pequena com uma grande variação sazonal no seu montante de geração, e tão distante de centros de carga relevantes.

Ricardo Carvalho, da OPAN, que atua na causa indígena na região desde os anos 1960, informou ao Intercept Brasil que as decisões sobre hidrelétricas em Mato Grosso têm um caráter muito mais político do que técnico, e questiona a viabilidade financeira do projeto.

A ONG reforça que a análise custo-benefício do projeto aponta que, segundo estimativas conservadoras, haverá prejuízo econômico de pelo menos R$ 239 milhões caso a usina seja construída. Além disso, o prejuízo causado pela hidrelétrica salta para R$ 419 milhões levando-se em conta também os custos das emissões de gases de efeito estufa, perdas econômicas de áreas produtivas inundadas e diminuição das reservas de peixes na região. O documento ajudou a influenciar nas decisões do MPF contra o licenciamento da usina, pois serviu de referência na análise do órgão diante das denúncias.

Com base em dados da Agência Nacional de Mineração (ANM), o Intercept Brasil descobriu que as pesquisas ativas para extrair diamante e ouro nas cidades da região somam uma área total de 46 mil hectares – equivalente ao dobro do tamanho de Recife. Pesquisadores também alertam que, caso avance a mineração, novos garimpos ilegais deverão surgir nas redondezas, aumentando a pressão e os conflitos com os grupos indígenas que permanecem na área.

Em junho de 2019, de acordo com o Intercept Brasil, o projeto Castanheira estava emperrado no estágio de apresentação do estudo ambiental para as comunidades afetadas. Mas sinais sugerem que o governo federal deve entrar no jogo para fazer o licenciamento avançar.

Questionada pelo Intercept Brasil, a estatal confirma o plano de seguir adiante com Castanheira ainda este ano. O presidente da EPE, Thiago Barral, disse que o governo corre contra o tempo para ofertar a hidrelétrica nos próximos leilões de energia, no segundo semestre de 2019. Barral foi escolhido para o cargo pelo então ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque.

Para isso, é preciso que Aneel e Funai aprovem os estudos e que sejam feitas audiências públicas para discutir o impacto com as comunidades afetadas – somente depois disso que a secretaria de Meio Ambiente de Mato Grosso pode conceder a licença prévia do projeto. Vale lembrar que, na gestão de Jair Bolsonaro, a sub-pasta da Funai responsável por manifestar-se em licenciamentos ambientais como esse foi transferida para a Secretaria de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura, então comandada pelo pecuarista Nabhan Garcia.

Comunidades do município de Juara são contrárias à construção. Segundo o site, camponeses, povos indígenas e estudantes participaram do “Encontro dos Atingidos”, na comunidade Pedreira Palmital e na Aldeia Tatuí, ambas no município de Juara, em Mato Grosso, nos dias 18 e 19 de setembro de 2019, para debater o setor elétrico e os impactos da hidrelétrica de Castanheira.

Junto com o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), cerca de 200 pessoas participaram dos debates organizados pelas comunidades. O intercâmbio entre as comunidades indígenas e não indígenas foi um dos pontos centrais do encontro. “A gente está trocando ideias, né. Se nós aqui da nossa comunidade (Pedreira Palmital) estamos sabendo de algo e os indígenas não tão sabendo, e se os indígenas estão sabendo, eles passam pra nós. Se a gente se unir, a gente vai ficar mais esclarecido”, afirmou Fátima Aparecida, moradora da comunidade de Pedreira Palmital, que sediou o primeiro dia do encontro.

Segundo o professor Dorival Gonçalves da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), especialista sobre o setor elétrico e facilitador dos debates durante o encontro: “Não é apenas a hidrelétrica de Castanheira. O que está em jogo aqui é a destruição dos rios da região do Tapajós”. Dorival trouxe elementos técnicos e políticos para as discussões, que surgiram como demanda das comunidades atingidas pelo projeto da UHE Castanheira.

Lucinete Rikbatatsa, liderança indígena da Terra indígena Japuíra, alertou para o etnocídio que o empreendimento de Castanheira pode causar: “Se nós puder falar não, a gente vai continuar falando que não vai aceitar essa usina”. A Bacia do Juruena está localizada em uma área de transição da Amazônia com o Cerrado. Ambos são os biomas mais impactados por ações de desmatamento no Brasil, segundo o site Combate Racismo Ambiental.

Além dos Rikbaktsa, estiveram também presentes no encontro lideranças indígenas dos povos Munduruku, Kayabi e Apiaká. “A nossa luta é isso mesmo, se juntar com não índio pra fortalecer a nossa luta”, reforçou Kawaip Kayabi, sobre a aliança firmada com os atingidos da comunidade de Pedreira Palmital, para o mesmo site.

Ainda de acordo com o Combate Racismo Ambiental, em 30 de setembro de 2019, está prevista para a Bacia do Juruena a construção de 138 hidrelétricas, entre usinas de grande, médio e pequeno porte. Castanheira pode ser a porta de entrada desses empreendimentos na região. Até o momento, existem 32 usinas de pequeno e médio porte em operação, e outras 10 em construção. Nenhum estudo do Governo Federal prevê os impactos de todas as hidrelétricas operando na mesma área simultaneamente. Uma resolução do governo federal, publicada em 6 de setembro de 2019, colocou a obra da hidrelétrica de Castanheira como prioridade na agenda da região.

De acordo com o Intercept Brasil, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, já disse que o governo não descarta novas hidrelétricas na Amazônia. Segundo ele, as decisões sobre as propostas serão despojadas de “interferência ideológica”, em mais uma provocação àqueles contrários a grandes obras na floresta.

Caso Castanheira avance, quem dará o aval final será o governo de Mato Grosso, comandado por Mauro Mendes, do partido Democratas (DEM). Ele é sócio em uma problemática mineradora de ouro nos arredores da Chapada dos Guimarães, em Cuiabá, segundo o Intercept Brasil.

Atualização : 30/10/2019

Cronologia

2011 – MME aprova Inventário Hidrelétrico da Bacia do Rio Juruena e início dos estudos da UHE Castanheira.

2 de agosto de 2016 – Acontece o II Fórum Popular de Zoneamento Socioeconômico Ecológico (ZSEE) do Estado de Mato Grosso.

Dezembro 2017 – Análise da Coordenação-Geral de Licenciamento Ambiental da Funai sobre a obra.

Início de 2018 – MPF desaconselha secretaria de Meio Ambiente de Mato Grosso a licenciar a usina.

28 de fevereiro de 2018 – Representantes de ONGs socioambientais discutem a UHE Castanheira em reunião da Frente Parlamentar Ambientalista.

Março de 2018 – Primeiras audiências públicas sobre a Usina Castanheira são marcadas.

09 de março de 2018 – Formada comissão de acompanhamento e análise da implantação da UHE Castanheira.

26 de fevereiro de 2019 – Novas audiências públicas são marcadas pelo MPF e MPE.

14 de março de 2019 – EPE anuncia o cancelamento das audiências.

18 e 19 de setembro de 2019 – Realizado o “Encontro dos Atingidos”, na comunidade Pedreira Palmital e na Aldeia Tatuí, ambas no município de Juara.

 

Fontes

A Hidrelétrica Castanheira. EPE – Empresa de Pesquisa Energética. Disponível em: https://bit.ly/33MA6VR. Acesso em: 10 out. 2019.

CANCELAMENTO das Audiências Públicas da UHE Castanheira agendadas para dezembro de 2018. EPE – Empresa de Pesquisa Energética, 23 nov. 2018. Disponível em: https://bit.ly/35S760H. x. Acesso em: 20 out. 2019.

CARDOZO, Aparicio. Formada a comissão de acompanhamento da construção da Usina UHE Castanheira. Show de Notícias, 10 mar. 2018. Disponível em: https://bit.ly/2pgz5XD. Acesso em 23 out. 2019.

EM Juara (MT), atingidos por Castanheira debatem danos do Projeto. Combate Racismo Ambiental, 30 set. 2019. Disponível em: https://bit.ly/2o5rhat. Acesso em: 10 out.2019.

EPE – Empresa de Pesquisa Energética. RIMA – Relatório de Impacto Ambiental. Usina Hidrelétrica Castanheira. Disponível em: https://bit.ly/2J9nUGQ. Acesso em: 09 out. 2019.

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MPs Federal e Estadual vão discutir impactos da instalação da UHE Castanheira. Site MT + Mato Grosso Mais, 26 fev. 2019. Disponível em: https://bit.ly/2VZMG1e. Acesso em: 20 out. 2019.

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VILELA, Thaís; GASPARINETTI, Pedro. Análise Custo-Benefício da Construção da Usina Hidrelétrica Castanheira. OPAN – Operação Amazônia Nativa. mar. 2018. Disponível em: https://bit.ly/2MZGnqf. Acesso em 10 out. 2019.

 

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