MS – Comunidade ribeirinha centenária Porto Esperança vive sob ameaça, sem demarcação ou regularização
UF: MS
Município Atingido: Corumbá (MS)
Outros Municípios: Corumbá (MS)
População: Ribeirinhos
Atividades Geradoras do Conflito: Mineração, garimpo e siderurgia, Pecuária
Impactos Socioambientais: Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, Falta de saneamento básico, Invasão / dano a área protegida ou unidade de conservação, Poluição atmosférica
Danos à Saúde: Doenças não transmissíveis ou crônicas, Doenças respiratórias, Falta de atendimento médico, Piora na qualidade de vida, Violência – ameaça
Síntese
A Comunidade Tradicional de Porto Esperança é formada por aproximadamente 130 ribeirinhos que ocupam uma área da União na beira do Rio Paraguai, no distrito de Porto Esperança, em Corumbá-MS. Em 1912, Porto Esperança abrigou uma estação ferroviária que funcionava como ponto final da linha tronco da Estrada de Ferro Noroeste Brasil.
A partir de 1995, o trem de passageiros de Porto Esperança foi desativado e grande parte dos moradores migrou. A partir de então, a comunidade precisou enfrentar o difícil acesso ao local, e passou a conviver com a falta de energia elétrica, assistência médica ou oferta de educação pública adequada. De acordo com Souza e Silva (2009), os moradores de Porto Esperança começaram a lutar pela melhoria das condições de vida na localidade e formaram a Associação dos Moradores e Amigos do Distrito de Porto Esperança no dia 01 de fevereiro de 2000.
Além da ausência dos serviços públicos, Porto Esperança passou a conviver com um porto da Companhia Vale do Rio Doce (CVDRD), que realiza o embarque de minério. De acordo com Souza e Silva (2009), os moradores relataram que a mineradora prometeu a todos muitos benefícios, como o desenvolvimento da comunidade, a melhoria nas condições de vida, ofertas de emprego e investimento na educação das crianças que ali residem. Entretanto, a mineradora nada fez, exceto aumentar a poluição. Segundo um morador, os adultos e a maioria das crianças estavam sofrendo de problemas respiratórios.
Em 2013, os moradores de Porto Esperança passaram a sofrer sistemáticas invasões e ameaças realizadas a mando do representante da empresa Agropecuária Brahman Beef Show (ABBS), Robson Camargos, que adquiriu a fazenda limítrofe à comunidade, denominada Porto Belo. Os moradores realizaram um dossiê com as denúncias e encaminharam à Polícia Civil e ao Ministério Público Federal.
Em 30 de novembro de 2013, o blog Combate Racismo Ambiental informou que o MPF expediu recomendação à empresa ABBS estipulando o prazo de 15 dias para retirada da cerca arbitrariamente colocada na área ocupada pela comunidade tradicional do Porto Esperança. Caso a recomendação não fosse atendida, o MPF alertou que os responsáveis da empresa seriam apurados em inquérito policial por crimes de invasão de terras públicas (artigo 20 da Lei 4.947/1966) e de exercício arbitrário das próprias razões (artigo 345 do Código Penal).
Contexto Ampliado
A Comunidade Tradicional de Porto Esperança situa-se no distrito de mesmo nome, inserido na cidade de Corumbá-MS. Esta centenária comunidade ribeirinha é composta por casas de palafitas e vive à beira do Rio Paraguai, em área da União. Atualmente, a comunidade possui aproximadamente 130 pessoas, de acordo com o presidente da Associação de Moradores de Porto Esperança, José Domingos Benites (PORTAL DA PREFEITURA DE CORUMBÁ, 2013).
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas IBGE (2010), o município de Corumbá ocupa uma área de 64.964,90 km², com uma população de 103.703 habitantes. A cidade se subdivide em Corumbá-sede e os distritos de Albuquerque, Amolar, Forte Coimbra, Nhecolândia, Paiaguás e Porto Esperança, que estabelecem fronteira com os municípios de Sonora, Coxim, Rio Verde de Mato Grosso, Miranda, Porto Murtinho e Ladário, no Mato Grosso do Sul; Barão de Melgaço, Cáceres e Poconé, no Estado de Mato Grosso; e com a República da Bolívia.
De acordo com o Serviço Brasileiro de Apoio à Micro e Pequena Empresa (SEBRAE, s/d), Corumbá foi elevada à categoria de cidade em 1878, e sua população era de aproximadamente 6.000 habitantes. Neste período, o município abrigou o terceiro maior porto fluvial da América Latina, com grande fluxo comercial com a Europa. Esta posição foi ocupada até 1930, pois, a partir das primeiras décadas do século XX, a Estrada de Ferro Noroeste do Brasil substituiu paulatinamente o transporte fluvial, deslocando o eixo econômico para a cidade de Campo Grande.
Em 1912, Porto Esperança abrigou uma estação ferroviária que funcionava como ponto final da linha tronco da Estrada de Ferro Noroeste Brasil. Em 1917, esta ferrovia foi fundida com a Noroeste do Brasil, que fazia o trecho inicial no Estado de São Paulo, entre Bauru e Itapura. De acordo com reportagem do Capital News (14/12/2013), após a chegada da ferrovia em Porto Esperança, a comunidade só cresceu. A localidade era um ponto estratégico para a chegada e saída de grãos, gado e minério no rio Paraguai e passou a abrigar, além dos ribeirinhos, os trabalhadores da Noroeste do Brasil. Em 1950, a população de Porto Esperança chegou a 1.174 habitantes.
No município de Corumbá há importantes jazidas de ferro, manganês, calcário, mármore e estanho. Nas décadas de 1920 e 1930, com o advento da siderurgia, a cidade de Corumbá vivenciou grande crescimento urbano. De acordo com Oliveira (1998 apud BRITO, 2011), entre 1950 e 1970, empreendimentos tais como siderurgia, cimento e trigo, seguidos da instalação de curtumes, fábricas de refrigerantes e cerveja, marmorarias e mineração, contribuíram para o aumento da população de Corumbá em 150%. Em 1975, a Companhia Vale do Rio Doce (CVDRD) e o Governo do Estado de Mato Grosso começaram a explorar uma das maiores jazidas mundiais de ferro, a partir da empresa Urucum Mineração S/A, em Corumbá.
Em 1995, o trem de passageiros de Porto Esperança foi desativado, sendo utilizado apenas no transporte de cargas, conforme relatou o morador Francisco Inácio ao jornal O Estado de São Paulo (10/10/2004). Segundo ele, muitos moradores foram embora, e o acesso a Corumbá passou a ser realizado por oito quilômetros de barco, além de um ônibus. A maioria das famílias de ribeirinhos não possuía meios para arcar com os gastos necessários para se deslocar à cidade, tornando a comunidade mais isolada.
Após a desativação do trem de passageiros, Porto Esperança sofreu intenso abandono dos poderes públicos. Segundo Souza e Silva (2009), os moradores de Porto Esperança começaram a lutar pela melhoria das condições de vida na localidade e formaram a Associação dos Moradores e Amigos de Porto Esperança. A associação de moradores passou a realizar reuniões mensais para tratar de assuntos de interesse da comunidade. Entre as questões que a população reclamava, destacavam-se a falta de tratamento da água – o que ocasionava doenças como diarréia, cálculos renais, febre, e outras – e a falta de médicos e remédios.
Conforme os estudos de Souza e Silva, os moradores de Porto Esperança fizeram um protesto em 2000, no qual fecharam a ponte Rio Branco com galhos de árvore e ferros e convidaram o jornal local para registrar a manifestação que reivindicava a instalação de luz elétrica na comunidade. No ano seguinte, em 2001, a comunidade foi atendida pelo programa de eletrificação rural. Em 2004, Porto Esperança ainda não contava com posto de saúde, apenas a Escola Municipal Rural (para crianças do ensino fundamental), dois mercadinhos e instalações da mineradora Vale, proprietária de um porto na região para embarque de minério.
De acordo com Souza e Silva (2009), os moradores relataram que a mineradora prometeu a todos muitos benefícios, como o desenvolvimento da comunidade, melhorias nas condições de vida, ofertas de emprego e investimento na educação das crianças que ali residem. Entretanto, não havia nenhum projeto desenvolvido na comunidade mantido pela empresa. Um morador destacou: Essa mineradora não ajudou em nada vindo aqui, só aumentou a poluição; os adultos e a maioria das crianças têm tido problemas de respiração.
Em 2012, uma fazenda limítrofe à comunidade de Porto Esperança foi comprada pelo representante da empresa Agropecuária Brahman Beef Show (ABBS), Robson Camargos. Após a venda, a Fazenda Triângulo passou a se denominar Porto Belo.
Em abril de 2013, ocorreu uma audiência pública no distrito de Porto Esperança para discutir diversas demandas da população, tais como: assistência médica e facilitação do acesso através da ligação do distrito com a BR 262, que interliga o estado do Mato Grosso do Sul com São Paulo, Minas Gerais e Espírito Santo.
No dia 05 de junho de 2013, o supervisor de meio ambiente e engenharia da empresa Mtransminas Minerações Ltda., com sede em Belo Horizonte, Igor Augusto de Carvalho Gomes, encaminhou, para o diretor geral da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ), um pedido de autorização para construção e exploração de terminal portuário de uso privativo exclusivo em sua filial situada na Fazenda Porto Belo, em Porto Esperança. Constava no documento que a empresa pretendia construir e explorar o terminal portuário para transportar minério de ferro e manganês. O valor total do investimento foi orçado em R$ 20.000.000,00.
Enquanto isto, a MAXEXPRESS (09/10/2013) informava que, no mês de agosto de 2013, após avaliação de parceria entre América Latina Logística (ALL) e a companhia VALE, verificou-se recorde no transporte de minério em Porto Esperança, atingindo 300 mil toneladas transportadas naquele mês. O coordenador de Negócios Industrializados da ALL, Thiago Nogueira, acrescentou que o objetivo era aumentar o transporte para 320 mil toneladas.
O crescente interesse econômico por Porto Esperança e a chegada da empresa que adquiriu terras na localidade promoveram conflitos com a comunidade de ribeirinhos. De acordo com o jornal Capital do Pantanal (19/11/2013), a partir de setembro de 2013, os moradores denunciaram à Câmara Municipal de Vereadores de Corumbá a invasão de terras da União e a devastação da mata nativa local pelo fazendeiro; além dos constantes assédios realizados para que se desfizessem de suas benfeitorias. De acordo com os ribeirinhos, ao recusarem vender as benfeitorias, eles sofriam invasões e danos. Uma moradora de Porto Esperança declarou à reportagem: Estão fazendo de tudo pra que a gente venda nossas casas, e quem se recusa vem sendo coagido; estão danificando nossas propriedades e derrubando nossas plantações.
Esta moradora denunciou que o suposto fazendeiro adentrou em sua propriedade sem sua autorização e devastou uma plantação de um tipo de árvore nativa da região, conhecida como laranjinha. Parte do sustento da moradora era retirada destes frutos, comercializados como iscas para turistas pescarem. A moradora desabafou: Ele simplesmente aproveitou o momento que não tinha ninguém em casa, entrou e cortou todas as minhas árvores. Há um ano que venho cuidando, adubando para pder colher, e agora está tudo perdido.
Segundo o jornal Capital do Pantanal, outra denúncia realizada pelos moradores contra o fazendeiro Robson Camargos foi a respeito da invasão do terreno de uma antiga moradora, Formosina, de 91 anos. Segundo um morador: Ele invadiu na mão grande, retirou os troncos de aroeira que cercavam as terras, colocou um outro tipo de madeira, pegando praticamente todo o terreno da senhora. E, como se não bastasse, passou com o trator por cima do canavial que ela cultivava. Ao final da reportagem, os moradores registraram que se sentem amedrontados com as atitudes de Robson Camargos, que anda cercado por cinco capangas armados.
Os casos foram registrados na Polícia Civil e alguns moradores entraram com pedido na Defensoria Pública para reaver os prejuízos causados pelo fazendeiro. Uma moradora de Porto Esperança realizou um dossiê para entregar à Polícia Civil. O Portal Dourados (01/12/2013) divulgou o seguinte trecho deste documento: Não respeitam roça, plantação, fecharam o campo de futebol, derrubam ranchos onde não existem moradores (ou por abandono ou por transferência de registro) e em muitos lugares levam a cerca até a margem do rio, inviabilizando inclusive a única passagem que os moradores têm para circular em área seca.
De acordo com o Correio de Cuiabá (11/11/2013), a partir das denúncias, o Ministério Público Federal (MPF) realizou uma audiência no dia 12 de novembro de 2013, com a presença de lideranças da comunidade, do vereador Evander Vendramini (PP) e do procurador da República Carlos Alberto dos Rios Júnior. O procurador esclareceu aos ribeirinhos que eles não eram obrigados a deixar o local, mesmo em caso de dívida com o Patrimônio da União.
O jornal Capital do Pantanal (21/11/2013) destacou a desconfiança dos moradores em relação aos propósitos do fazendeiro, que recria e engorda espécies de bovinos, após o pedido da mineradora mineira para a construção de terminal portuário encaminhado no mês de junho à ANTAQ. A reportagem acrescentava que a empresa mineradora responde por processo na esfera federal movido pela União por dano ambiental, em caso similar ao que ocorre em Porto Esperança, em Morro Ferro, distrito de Oliveira-MG. De acordo com o Mapa de Conflitos Ambientais de Minas Gerais (12/07/2013), a empresa MTransminas, que pertence ao grupo Camargos Júnior, gera diversos impactos socioambientais naquela localidade e não disponibiliza informações de forma transparente à população.
Ao final, o repórter do Capital do Pantanal, Erik Silva, enfatizou que, independente de o interesse ser da mineradora ou do fazendeiro, de maneira nenhuma a forma utilizada para adquirir as benfeitorias que estão sob solo de domínio da União poderia ferir o direito dos cidadãos; nem provocar perdas ambientais. Destacando-se ainda que invasão de propriedade, coação de pessoas e desmatamento de árvores nativas são crimes, que devem ser respondidos na Justiça.
Em 30 de novembro de 2013, o blog Combate Racismo Ambiental informou que o MPF expediu recomendação à empresa ABBS estipulando o prazo de 15 dias para retirada da cerca arbitrariamente colocada na área ocupada pela comunidade tradicional do Porto Esperança. O MPF esclareceu que qualquer tentativa de retirada de membros de comunidades tradicionais de seus territórios é ilegal, até porque a subsistência das comunidades tradicionais depende da extensão territorial por elas utilizada, de modo que o seu direito de ocupação da região de Porto Esperança é predominante sobre o direito de qualquer particular, ainda mais quando este tiver por finalidade objetivos meramente econômicos.
Além disso, o MPF destacou que, caso a recomendação não seja atendida, os responsáveis da empresa serão apurados em inquérito policial por crimes de invasão de terras públicas (artigo 20 da Lei 4.947/1966) e de exercício arbitrário das próprias razões (artigo 345 do Código Penal). O MPF também determinou que a Secretaria de Patrimônio da União (SPU) realizasse a demarcação das áreas ocupadas pela comunidade e a regularização da situação individual de cada morador, com objetivo de resguardar os direitos constitucionais da comunidade tradicional.
Cronologia
1878: Corumbá é elevada à categoria de cidade.
1900: Fundação da Comunidade Tradicional de Porto Esperança.
1914: Conclusão das obras da ferrovia.
1975: Instalação da Urucum Mineração S/A e da Companhia VALE do Rio Doce em Corumbá.
1977: Criação do estado do Mato Grosso do Sul.
1995: Privatização da ferrovia e extinção dos trens de passageiros da Malha Oeste, que passam a servir apenas para cargas.
1998: A Ferrovia Novoeste S/A une-se a Ferroban e a Ferronorte.
2000: Fundação da Associação dos Moradores e Amigos do Distrito de Porto Esperança.
2002: Ferrovia Novoeste S/A une-se com as malhas ferroviárias do Estado de São Paulo e formam a Novoeste Brasil.
2006: Novoeste Brasil une-se a Brasil Ferrovias e América Latina Logística, controlando a malha ferroviária de Mato Grosso do Sul.
2012: O representante da empresa Agropecuária Brahman Beef Show (ABBS), Robson Camargos, compra a Fazenda Triângulo (hoje Porto Belo).
05 de junho de 2013: O supervisor de meio ambiente e engenharia da empresa Mtransminas Minerações Ltda. encaminha pedido de autorização – para construção e exploração de terminal portuário – para o diretor geral da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ).
Agosto de 2013: América Latina Logística (ALL) e a companhia VALE anunciam o recorde no transporte de minério em Porto Esperança, com 300 mil toneladas.
Setembro de 2013: Moradores da Comunidade Tradicional de Porto Esperança denunciam à Polícia Civil e ao Ministério Público invasões e ameaças a mando do representante da empresa ABBS, Robson Camargos.
12 de novembro de 2013: Ministério Público Federal (MPF), através do procurador da República Carlos Alberto dos Rios Júnior realiza audiência com lideranças da comunidade tradicional de Porto Esperança e o vereador Evander Vendramini (PP) para discutir o conflito envolvendo a empresa ABBS.
30 de novembro de 2013: Ministério Público Federal (MPF) expede Recomendação à empresa ABBS para retirada imediata da cerca arbitrariamente colocada na área ocupada pela comunidade tradicional do Porto Esperança, à beira do Rio Paraguai.
Fontes
BRITO, Naman de Moura. Mineração e desenvolvimento regional em Corumbá-MS. Dissertação (Mestrado em Geografia). Universidade Federal da Grande Dourados, Dourados-MS, 2011.
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